Na nossa visita à cidade dinamarquesa de Aarhus houve dois locais que nos surpreenderam: a parte antiga, conhecida como Den Gamle By, e sobretudo o Museu de Arte ARoS. E para a surpresa ser completa, mal transpusemos a porta deste, deparámo-nos com uma peça monumental de Joana Vasconcelos (Valkyrie Rán), que ali permanecerá até novembro do presente ano, abrangendo totalmente o comprimento do átrio do museu.
“Boy”, de Ron Mueck.
Depois fomos subindo os andares do ARoS e apreciando as diversas exposições. Destas destacamos os trabalhos do artista hiper-realista australiano, Ron Mueck, sobretudo uma escultura gigante intitulada “Boy”, com 4,5 metros de altura e 500 quilos de peso, que é uma das imagens de marca deste espaço cultural, presente em pins, sacos, cadernos, canecas e todo o tipo de souvenirs que se podem comprar na loja do museu.
Your Rainbow Panorama. Magnífico.
Até que finalmente chegamos ao terraço e deparamos com a estrela permanente deste magnífico edifício. Trata-se de uma passarela circular, com 150 metros de comprimento, 3 de largura e 52 de diâmetro – Your Rainbow Panorama – situada no topo do edifício, 50 metros acima do solo. O seu autor é o criador dinamarquês e islandês, Olafur Eliasson. Com paredes de vidro das cores do arco-íris, esta estrutura proporciona vistas espetaculares sobre a cidade e a baía de Aarhus e é, desde maio de 2011, um dos ícones da cidade.
É irresistível passear nesta passarela.
O ARoS vê-se praticamente de toda a cidade e, mesmo que não se goste de museus, é quase impossível ir a Aarhus e não reservar algum tempo para visitá-lo. Não há qualquer dúvida de que vale a pena.
A zona costeira ocidental, entre St Paul e St Louis, onde se encontram as melhores praias da ilha, vista do Piton Maïdo, 2190 metros acima do nível do mar.
É uma das ilhas mais fascinantes do planeta. Belíssimas praias, altas montanhas, cascatas, vulcões ativos ou extintos, lagoas, paisagens deslumbrantes, e infraestruturas modernas. Sim, porque Reunião é uma das 18 regiões francesas e, simultaneamente, um departamento ultramarino de um dos países mais desenvolvidos do mundo, a França1. A excelente qualidade de vida nesta generosa ilha de 2512 quadrados (a maior do arquipélago de Mascarenhas) é manifesta, imediatamente reconhecível, mal pisamos a terra de Reunião 2. O clima é agradável, com uma temperatura amena durante todo o ano (excetuando, claro, as zonas montanhosas) e o PIB per capita é o maior de África. Os serviços oferecidos aos cidadãos, embora numa região remota, estão ao nível do primeiro mundo. Quem não gostaria de viver aqui?
Saline-les-Bains, praia magnífica, protegida por um recife de coral.
Infelizmente, a nossa estadia em Reunião foi demasiado curta. Porém, maravilhosa. Começámos por subir, no nosso carro alugado, até ao Maïdo, um pico vulcânico considerado a “varanda de Reunião”. A vista é realmente deslumbrante, abarcando todo o Cirque de Mafate – o coração de um vulcão extinto – e para lá deste, grande parte da zona costeira ocidental, as suas magníficas praias e o mar, que se funde no horizonte com o céu azul. O Cirque de Mafate é uma zona propícia a caminhadas e os percursos pedestres, não apenas aqui mas um pouco por toda a ilha, são incontáveis. Nós próprios nos aventuramos por um caminho de tamarindos, logo abaixo do Maïdo. aonde muitas famílias vão passear e fazer piqueniques3. Toda esta zona faz parte do Parque Nacional de Reunião4, considerado Património Mundial pela UNESCO.
Praias de areia branca, salpicada por folhas que caem das árvores que nos oferecem sombra natural.
Depois, fomos descendo a montanha, por estradas secundárias, até à costa. Dos socalcos da montanha as vistas multiplicam-se, os pequenos aglomerados e as praias vão ficando cada vez maiores. As nuvens, que há pouco estavam abaixo de nós, vão ficando cada vez mais altas, até que chegamos à praia. O mar ganhou um incrível tom, azul turquesa. Claro que tivemos de prová-lo. A praia de Saline-les-Bains, em forma de lagoa devido à barreira de coral, é calma, segura e incrivelmente bonita5.
Uma hora depois abandonámos Saline-les-Bains, rumo ao conjunto de cascatas conhecido por Basin des Egrets, no distrito de Saint Paul. Separadas por poucas centenas de metros, é possível visitar as três principais cascatas através de caminhos estreitos e luxuriantes, ouvindo o som das quedas de água. O nosso dia aproximava-se do fim, bem como a nossa visita à ilha de Reunião, um dos territórios mais fascinantes que tivemos o privilégio de conhecer. Um dia, quem sabe, voltaremos.
Uma das cascatas e um dos lagos de Basin des Egrets.
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CURIOSIDADE: As ilhas Mascarenhas devem o nome ao navegador e diplomata português Pedro Mascarenhas que foi vice-rei da Índia. Os portugueses foram os primeiros europeus a chegar a esta zona e mapearam-na. Uma das ilhas que aparece nos mapas antigos é Santa Apolónia. Uma expedição recente a um vulcão submerso a 150 kms para leste de Reunião — O Monte la Pérouse — revelou que este tinha o mesmo formato da ilha de Santa Apolónia. Os cientistas concluíram que O Monte Pérouse é afinal a ilha de Santa Apolónia mapeada pelos portugueses, que entretanto foi coberta pelo oceano.
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Notas:
1 Reunião acompanha Martinica, Guadalupe, Guiana Francesa, Mayote, Nova Caledónia, Polinésia Francesa, São Bartolomeu, São Martinho, São Pedro e Miquelão, as Terras Francesas Meridionais e Antárticas e as ilhas Wallis e Futuna, que também têm o estatuto de territórios ultramarinos de França.
2 O IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) de Reunião é considerado “muito alto” no último Relatório de Desenvolvimento Humano do PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento).
3 O Sentier de la Tamarinaie, como é conhecido em Reunião, tem o comprimento de 2.500 metros.
4 O Parque Nacional de Reunião abrange uma área de 105.000 hectares, que correspondem a cerca de 42% do território da ilha.
5 Esta zona costeira entre Saint Paul e Saint Pierre, na parte ocidental da ilha, é onde se encontram as melhores praias. Para lá de Saline-les-Bains, também Boucan Canon, Roches Noires, l’Hermitage, L’Etang-Salé, Saint-Leu e Saint Pierre.
Einstein nasceu em Ulm, na Alemanha, em 1879, mas ainda adolescente transferiu-se para a Suíça, fixando-se em Zurique. Em 1896 renunciou à cidadania alemã, ao que dizem, para fugir à tropa e em 1901 conseguiu a nacionalidade suíça. Einstein ambicionava ser professor do Politécnico de Zurique, mas a relação com os professores, o mau desempenho nas aulas laboratoriais e, sobretudo, as faltas às aulas fizeram-no desistir do curso. Para sobreviver, passou a dar aulas em casas particulares e também, pontualmente, em algumas escolas de Winterthur e Schaffhausen.
A situação de Einstein era difícil, mas um amigo, Grossmann, pediu ao pai que recomendasse Einstein ao diretor da Agência Federal de Patentes, em Berna, Friedrich Haller. Einstein mudou-se para Berna em janeiro de 1902 e conseguiu o emprego em junho do mesmo ano. O salário anual que auferia era de 3.500 francos, o que, juntamente com os ganhos das aulas privadas, lhe permitiu finalmente viver sem sobressaltos.
Logo da Einstein Haus à porta do nº 49 da Kramgasse.
Desde a sua chegada a Berna, Einstein mudou seis vezes de casa, acabando por se fixar (por dois anos) com a mulher, Mileva, e posteriormente também com o segundo filho de ambos, Hans Albert1, no 2º andar da Kramgasse, 49. Einstein viveu neste apartamento de 1903 a 1905 – o ano em que surpreendeu a comunidade científica ao publicar, nos Annalen der Physic, quatro importantes artigos.
Os temas dos quatro artigos eram o efeito fotoelétrico2, o movimento browniano, a teoria da relatividade restrita, e a equivalência entre massa e energia. Estes trabalhos pioneiros que se mantêm ainda hoje marcos incontornáveis no que diz respeito à compreensão física da natureza, proporcionaram de imediato a Einstein o reconhecimento dos mais proeminentes físicos do seu tempo.
O segundo andar. À entrada do apartamento.
Ainda hoje se considera espantoso que Einstein tenha produzido tanto em tão pouco tempo, na verdade em cerca de quatro meses, pois os artigos de 1905 foram todos publicados entre março e junho desse Annus Mirabilis.
(Há quem diga que o afastamento da vida académica foi benéfico para Einstein, pois assim ele pôde pensar livremente e dar asas à sua incrível intuição).
Em 14 de setembro de 2015, as Sociedade de Física Europeia e Sociedade de Física Americana, representados pelos respetivos presidentes, reconheceram o local onde Einstein morou na Kramgasse, 49, a EinsteinHaus, como o primeiro Sítio Histórico de ambas as sociedades.3 Na cerimónia, que contou também, entre outros dignitários, com a presença do Dr. Hans-Rudolf Ott, presidente da Albert Einstein Society, proprietária do museu, foi afixada, no 3º andar, uma placa comemorativa.
A sala de estar do pequeno apartamento onde Einstein viveu entre 1903 e 1905.
Nós tivemos o privilégio de visitar, em setembro de 2021, esta casa onde Einstein viveu. A Einstein Haus4, renovada em 2005, cem anos depois do Annus Mirabilis, e decorada ao estilo da época, é constituída pelo apartamento do 2º andar, onde Einstein morou, e pelo 3º andar, onde encontramos uma exposição dedicada às vida e obra deste célebre cientista. A entrada custa 5 CHF e a Einstein Haus está aberta ao público todos os dias da semana, entre as 11 e as 16 horas.
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Adenda:
Depois de mais alguns anos em Berna, Einstein regressaria a Zurique e posteriormente à Alemanha, onde ocupou o cargo de Presidente da Sociedade Alemã de Física. Foi neste período que publicou (em 1916), no mesmo periódico de Berlim (Annalen der Physic), a sua teoria da relatividade geral. As descobertas de Einstein, juntamente com a mecânica quântica, constituem hoje a base de toda a Física.
Einstein subverteu para sempre os conceitos, estabelecidos até então, de espaço, tempo, massa e energia, e, graças a ele, a humanidade deu um salto enorme na compreensão do Universo, de que é parte integrante.
Em confronto com o nazismo, Einstein fugiu para os Estados Unidos, onde viveu os seus últimos vinte anos, falecendo na cidade de Princeton em 1955.
Placa conjunta da APS e da EPS no 3º andar da Einstein Haus.
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Notas:
1Sabe-se que Albert e Mileva tiveram uma filha antes, mas o destino desta permanece obscuro. Ao que parece, Einstein, que não queria que se soubesse que tinha uma filha antes de casar-se, mandou Mileva grávida para a Sérvia. De acordo com Malcolm Otero e Santi Giménez, “apesar de mãe e filha terem estado prestes a morrer, Einstein nunca foi vê-las. O que se passou com a menina é um mistério. Alguns biógrafos dizem que morreu muito pequena, outros que foi dada em adoção e outros que viveu até há pouco, em Novi Sad, sob o nome de Zorka Kaufler.” (Malcolm Otero e Santi Giménez, El Club de Los Execrables, Penguin Random House, Barcelona, 2018, p. 146).
2Por este artigo, em especial, Einstein ganhou o Prémio Nobel da Física de 1921.
No “Estúdio”, o espaço dedicado à vida profissional e artística de Charlie Chaplin.
Depois de fugir dos Estados Unidos e do macarthismo, escondido durante horas numa suite do Queen Elisabeth, Charles Chaplin abandonou definitivamente a América, rumo à Europa, no dia 19 de setembro de 1952.
Aconselhado pelo seu meio-irmão Sidney, acabaria por se radicar na Suíça, em Corsier-sur-Vevey, numa mansão que o anterior proprietário denominou Manoir du Ban. Foi aí que viveu os seus últimos 25 anos, falecendo, ao que parece tranquilamente, durante o sono, no dia 25 de dezembro de 1977.
O jardim e a mansão onde Chaplin viveu durante a maior parte dos seus últimos vinte e cinco anos. Aqui cresceram 8 dos seus 11 filhos.
Depois da morte da mulher de Chaplin, Oona, em 1991, os filhos cederam a propriedade à Charlie Chaplin Museum Foundation que, em 2000, iniciou o projeto de construção, no local, do Chaplin’s World, um museu que nasceria apenas em abril de 2016.
Constituído por vários edifícios temáticos, além da mansão, este imenso espaço museológico comporta também um jardim, onde Charlie gostava de passar grande parte do tempo, quando estava em Corsier, um parque de estacionamento para centenas de carros, uma área de restauração e uma loja de souvenirs.
Todo o espaço museológico é interativo e extremamente interessante.
O ingresso custa 27CHF, mas pode ser comprado com antecedência, pela internet, por 19CHF. Quem for de carro terá de desembolsar ainda 5 CHF para o estacionamento. Apesar de não ser barato, vale cada minuto e cada cêntimo.
Quem quiser pode também visitar as campas de Chaplin e Oona, que se encontram, lado-a-lado, no cemitério de Corsier-sur-Vevey.
Desde o dia 12 deste mês (set. de 2021), as pessoas acima dos 12 anos precisam de um certificado de vacinação contra a Covid-19 para acederem ao Chaplin’s World.
Charlie dá-nos as boas-vindas à entrada da mansão, o espaço dedicado à sua vida pessoal e familiar.
Sobre a sua estadia em Corsier-sur-Vevey, escreveu o próprio Chaplin:
For the last twenty years I have known what happiness means. I have the good fortune to be married to a wonderful wife. I wish I could write more about this, but it involves love, and perfect love is the most beautiful of all frustrations because it is more than one can express. As I live with Oona, the depht and beauty of her character are a continual revelation to me. Even as she walks ahead of me along the narrow sidewalks of Vevey with simple dignity, her neat little figure straight, her dark hair smoothed back showing a few silver threads, a sudden wave of love and admiration come over me for all that she is – and a lump comes into my throat.
With such happiness, I sometimes sit out on our terrace at sunset and look over a vast green lawn to the lake in the distance, and beyond the laketo the reassuring mountains, and in this mood think of nothing but enjoy their magnificent serenity.1
Os jornais da época deram grande destaque à vinda da família Chaplin para a Suíça.
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Notas:
1Obra abaixo citada, p. 477.
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A nossa edição:
Charles Chaplin, My Autobiography, Penguin Books, London, 1964.
A magnífica praia de Le Morne, no sudoeste da Maurícia, provavelmente a mais famosa do país.
Embora fossem já conhecidas dos marinheiros árabes e malaios no século X, as ilhas desabitadas das Maurícias só seriam conhecidas na Europa centenas de anos depois, no século XVI, graças aos portugueses. No século XVII foram colonizadas pelos holandeses, que lhes deram o nome que persistiu até hoje, em homenagem a Maurício de Nassau. Por sua vez, os franceses assumiram o controlo das Maurícias em 1715, transformando a ilha principal numa importante base naval, de onde controlavam o comércio no Índico. Foram os franceses que desenvolveram na Maurícia a cultura da cana-de açúcar. Em 1810, durante as guerras napoleónicas, os ingleses apoderaram-se da ilha, que permaneceu uma base naval relevante, servindo, durante a Segunda Guerra Mundial, como base aérea de onde os britânicos controlavam as movimentações marítimas dos alemães naquela zona do globo.
A independência das Maurícias foi alcançada em 1968. O país é, desde aí, uma democracia livre e aberta. Nos últimos anos conseguiu atrair forte investimento estrangeiro e tornou-se um dos países africanos com maior rendimento per capita.
A República das Maurícias é constituída por quatro ilhas – Maurícia, Agalega, São Brandão e Rodrigues – e reivindica a soberania sobre a pequena ilha de Tromelin, considerada pela França parte do departamento francês da Ilha de Reunião, e sobre o arquipélago de Chagos, que integra, ilegalmente, o Território Britânico do Oceano Índico1. Todas estas ilhas fazem parte das chamadas Ilhas Mascarenhas2, que se estendem até 1.200 quilómetros para leste de Madagáscar.
A Maurícia possui um planalto central de onde se avistam as montanhas junto à costa. O ponto mais alto da ilha fica no Monte Piton, 828 metros acima do nível do mar.
A ilha Maurícia, a única que visitámos, é de origem vulcânica e está quase na sua totalidade rodeada por recifes de coral. No século XVII ainda aqui vivia o dodó, uma ave endémica da família dos pombos (mas muito maior), extinta pela caça indiscriminada. O dodó é símbolo nacional, a par da trochetiaboutoniana, uma flor igualmente endémica. Hoje, a Maurícia é um dos locais mais densamente povoados da Terra, com quase um milhão e meio de habitantes, dois terços dos quais de origem indiana.
Durante muitos anos a cana-de-açúcar constituiu a principal produção e indústria da ilha, suportada por mão-de-obra escrava, proveniente de Madagáscar, Moçambique e outros pontos da costa leste africana. A escravatura foi abolida pelos britânicos em 1835 e a mão-de-obra escrava foi substituída por imigrantes indianos, contratados para trabalharem nas plantações. Estes foram os principais povoadores da ilha e assim se justifica que, hoje, a população da Maurícia seja constituída, sobretudo, pelos seus descendentes.
Flic en Flac, a meia-hora de carro da capital, Port Louis, é a praia mais frequentada pelos mauricianos.
Atualmente a economia das Maurícias continua a depender, numa fatia importante, da cana-de-açúcar, que ocupa 90% da área cultivada3. Mas as atividades económicas estão agora muito mais diversificadas. O turismo, claro, está à cabeça. Mas também têxteis, vestuário, serviços financeiros, indústrias ligadas à pesca e tecnologias da informação e comunicação. O governo mauriciano aposta claramente na economia de mercado, tendo definido cinco tipos de prioridades: usar as Maurícias como porta de entrada dos investimentos estrangeiros em África; aumentar o uso de energias renováveis; desenvolver cidades inteligentes; apostar na economia oceânica; e melhorar as infraestruturas, sobretudo os transportes públicos, o porto e o aeroporto4.
A primeira coisa que fizemos quando chegámos a Port Louis, a capital das Maurícias, depois de uma volta pelo centro da cidade, foi levantarmos o carro que previamente havíamos reservado. Só depois rumámos a sul, em direção a Flic en Flac, uma zona balnear muito frequentada pelos mauricianos, a apenas 25 quilómetros da capital. A praia é tipicamente tropical, com água morna, muitas árvores ao longo do areal, entre as quais as famílias “picnicam” e convivem aos fins de semana, vendedores ambulantes, comércio e muita gente. Quando ali estivemos iniciava-se a época das chuvas, que vai de novembro a maio, ou seja, o período do verão. O resto do ano – o inverno – é menos quente e chuvoso, pelo que é talvez a época do ano que mais agrada aos turistas externos, aqueles que vêm às Maurícias para fazer praia.
As cores destas dunas resultam da transformação da lava basáltica em minerais de argila, num processo que decorreu ao longo de milhões de anos.
Depois de um mergulho na praia de Flic en Flac, continuámos para sul, infletindo um pouco para o interior, em direção ao Chamarel Seven Colored Earth Geopark, um parque natural com plantas exóticas e endémicas, uma cascata com cerca de 100 metros de altura, e uma zona em que se pode observar o fenómeno natural que dá nome ao parque – areias resultantes da erosão das rochas vulcânicas que, através de um processo complexo, ainda parcialmente desconhecido, formam faixas ondulantes de cores diversas.
Já ao fim da tarde, continuámos a nossa viagem para sul, até avistarmos a paisagem cultural Le Morne – uma zona constituída por uma montanha rugosa (onde, em tempos, os escravos africanos se refugiaram) e uma belíssima praia – Património Mundial da UNESCO desde 2008. Tomar um banho ao pôr-do-sol em Le Morne é uma experiência que faz parte dos roteiros mais afamados das Maurícias. E vale muito a pena. A água do mar tem uma temperatura muito idêntica à temperatura do ar, pelo que os banhos na praia de Le Morne podem ser bastante demorados; é fácil esquecermo-nos do tempo e ficarmos no mar para lá dos últimos raios de luz, envolvidos pelos tons quentes do céu.
Era noite quando entrámos no carro para fazermos o percurso de volta até Port Louis. Embora aqui, tal como nas Seychelles, se circule pela esquerda, as estradas são um pouco mais largas, o que facilita a vida a muitos condutores estrangeiros.
Depois de um banho de mar ao pôr-do-sol, selámos a nossa passagem por Le Morne com um beijo.
No dia seguinte, manhã cedo, fomos visitar o Grand Bassin (também conhecido como Ganga Talao5), um lago natural numa cratera de um vulcão extinto, de beleza cativante. Conta a lenda que esta água provém do rio Ganges, o mítico rio indiano. Muitos peregrinos mergulham no lago, durante o festival anual de Shivratri 6, quando metade dos hindus da ilha se deslocam, a pé, até este local sagrado. Aqui existem vários templos e estátuas, que expõem a exuberância de símbolos e cores, típica da religião hindu. O templo mais importante em Ganga Talao é o de Lingam, dedicado ao Senhor Shiva, que atrai, anualmente, um grande número de peregrinos.
Depois da visita ao Grand Bassin retomámos a estrada B102, rumo à costa sul da ilha. Do lado esquerdo da estrada fica o Parque Natural do Vale das Cores,7 e, do lado direito, a maior reserva natural das Maurícias, o Parque Nacional Black River Gorges.
Este parque, habitado por uma densa floresta tropical estende-se por cerca de seis mil hectares, albergando mais de 300 espécies de plantas com flores nativas e várias espécies de aves endémicas, algumas ameaçadas de extinção. Um dos animais mais curiosos deste parque é a “raposa voadora das Maurícias”, um morcego frugívero8 de grande envergadura.
Grand Bassin é o maior centro de peregrinação hindu fora da Índia.
Finalmente, chegámos à Rochester Falls, a apenas 2,5 quilómetros da cidade costeira de Souillac. Trata-se de uma cascata não muito alta, mas bonita, com várias rochas retangulares, esculpidas pelas águas, ao longo de milhares de anos. Para alcançá-la, temos de percorrer de carro, uma estrada estreita de terra batida, subindo, e, depois de uma pequena clareira onde se pode deixar o carro (se não houver muita gente), descendo, a pé, até a cascata. Há quem tome aqui banho, mas nós não o fizemos. O ambiente é fresco e relaxante, com as gotículas de água trazidas pelo vento afagando-nos o rosto.
Na volta, viemos diretamente para Port Louis, para a última tarde na cidade, depois da entrega do carro na agência de aluguer.
Percorrer as ruas da capital das Maurícias a pé, debaixo do sol inclemente, requer um esforço físico, do qual, para sermos sinceros, não se é totalmente recompensado. De facto, do ponto de vista arquitetónico e paisagístico, a cidade é relativamente pobre.
A Rochester Falls serviu de cenário para vários filmes de Bollywood.
Para lá dos poucos edifícios interessantes – alguns da era colonial e outros de caráter religioso (como mesquitas, pagodes, igrejas e templos) – o principal atrativo em Port Louis é o contacto com as pessoas, nas ruas e, sobretudo, nos mercados. Um ou outro grafite chama também a atenção, entre as muitas dezenas que se podem observar9.
O Mercado Central é um mundo de cheiros, sons, texturas, cores e sabores, onde encontramos produtos alimentares frescos (carne, peixe, marisco, vegetais, frutas e especiarias) petiscos locais para consumir na hora e produtos artesanais variados, sempre passíveis de serem regateados. Mesmo durante a semana este exuberante mercado está quase sempre cheio, porque os habitantes locais que trabalham nas redondezas aproveitam para aqui tomarem um lanche barato.
Os lanches mais típicos são a alouda de amêndoa, uma bebida à base de leite com tapioca, o dholl puri, uma panqueca de farinha de ervilha, e a farata, outra panqueca, mas, deste feita, de farinha de trigo. Provar um petisco no mercado central – nada melhor para concluir uma viagem à bela, tolerante e surpreendente Maurícia.
ATisane Mootoosamy é uma das lojas mais antigas, famosas e populares do Mercado Central de Port Louis e mesmo de toda a Maurícia. Jay Mootoosamy, o atual proprietário, dá continuidade ao negócio iniciado, em 1900, pelo seu tetravô.
2Assim chamadas em homenagem ao navegador e vice-rei da Índia Pedro Mascarenhas que as avistou quando comandava uma armada portuguesa em trânsito entre Portugal e a Índia. Por seu turno, a ilha de Rodrigues é assim chamada por ter sido descoberta em 1528 pelo piloto português Diogo Rodrigues.
3Embora represente apenas entre 3% a 4% do PIB nacional.
Port Victoria, capital das Seychelles, na ilha de Mahé, onde se concentra mais de 3/4 da população.
Se alguém quiser procurar na Terra os lugares mais próximos do Paraíso vai ter que visitar as Seychelles. Constituído por 115 ilhas, este país está dividido em seis grupos (de ilhas) principais: Aldabra, Farquhar, Alphonse, Amirantes, Coral do Sul e Grupo Central. Neste encontram-se as ilhas maiores: Bird, Denis, Praslin, La Digue, North, Silhouette e também a maior de todas, Mahé, onde fica a capital, Victoria, em homenagem a uma rainha inglesa que, tal como a atual, Isabel II, se manteve no trono do Reino Unido por mais de 60 anos.
As Seychelles têm três línguas oficiais – inglês, francês e crioulo – e a maioria da população é católica (76,2%), convivendo pacificamente com anglicanos e membros de outras igrejas protestantes, mas também com muçulmanos, hindus e bahá’is. Ao contrário das Maldivas, que têm o islamismo como religião oficial, as Seychelles são um país muito mais livre, aberto, com uma cultura rica e diversificada. E enquanto as Maldivas são ilhas pequenas e planas, as Seychelles têm um pouco de tudo, incluindo ilhas de dimensão assinalável, com montanhas que atingem os 905 metros de altura. Além disso têm ricas flora e fauna autóctones.
Depois do sol se pôr, na praia de Yarrabee, junto a uma pequena aldeia de pescadores no norte de Mahé.
As Seychelles não têm população indígena. Os portugueses, aquando da segunda viagem de Vasco da Gama à Índia, foram os primeiros europeus a chegar às Seychelles, em 15 de março de 1503, não tendo, porém, permanecido em nenhuma das ilhas. Assim, os primeiros colonos foram fazendeiros franceses, que levaram consigo escravos africanos, e também alguns indianos do sul, que para aqui viajaram por volta de 1770. Após uma longa disputa entre a França e a Grã-Bretanha, as Seychelles ficaram sob o domínio deste país em 1814. A partir daqui desenvolveu-se uma economia baseada na agricultura, cuja mão-de-obra era importada principalmente das colónias europeias na África. A independência chegaria apenas em 1976. Após um golpe de estado em 1977, o país tornou-se num estado socialista de partido único, mas posteriormente adotou uma nova constituição e, em 1993, realizaram-se eleições livres, mantendo-se as Seychelles, até hoje, uma república aberta e democrática, dentro dos padrões ocidentais. É o país com o mais elevado PIB per capita do continente africano e o segundo com maior índice de desenvolvimento humano, depois das Maurícias.
A população moderna das Seychelles é composta por descendentes de colonos franceses e britânicos, por africanos e por comerciantes oriundos da China, da Índia e do Médio Oriente, que se estabeleceram nas três ilhas principais, sobretudo em Mahé, mas também em Praslin e La Digue. É a população mais reduzida entre todos os países africanos (cerca de 96.500 indivíduos), sendo também o país mais pequeno em área terrestre. Muito dependente do turismo, que representa 55% do PIB, o país desenvolve também atividades económicas nas áreas das pescas (sobretudo de atum), das energias renováveis e em pequenas indústrias relacionadas com produtos agrícolas específicos, como o coco, as frutas tropicais e a mandioca. De salientar que 85% do território é constituído por florestas.
Em Beau Vallon, a praia mais badalada das Seychelles.
Uma dessas grandes áreas florestais integra o Parque Nacional de Morne, bem no centro da ilha, onde se ergue uma montanha luxuriante que nós subimos e descemos da costa leste, onde o mar é mais agitado e impróprio para banhos, para a costa oeste, onde o mar é calmo e as praias paradisíacas. Além disso, percorremos de carro todo o perímetro da ilha. No nosso primeiro dia em Mahé visitámos a capital, Victoria, e depois começámos a circundar a costa no sentido contrário ao dos ponteiros do relógio, chegando ao fim da tarde à praia mais conhecida das Seychelles, Beau Vallon, onde pudemos banhar-nos e contemplar o seu famoso pôr do sol. Esta praia é muito badalada e, espalhados pelo extenso areal, encontrámos turistas de inúmeras nacionalidades. Às quartas-feiras, a partir da tarde, ocorre em Beau Vallon uma feira de artesanato e gastronomia, com barraquinhas de produtos locais, “comes e bebes”, música e muita animação. Por sorte, no dia em que estivemos ali era precisamente uma quarta-feira, pelo que pudemos assistir a esta enorme mescla de sons, sabores, cheiros e cores próprios das festas tropicais. Não ficámos na feira até muito tarde porque nas Seychelles conduz-se à inglesa, as estradas são deveras estreitas, os condutores circulam incrivelmente depressa e era a primeira vez que conduzíamos um carro com o volante à direita, pelo que, à noite, teríamos que redobrar os cuidados.
Lá viemos pela mesma estrada, a North Coast Road, agora em sentido contrário, até Victoria. O mais difícil quando não se está habituado a conduzir pela esquerda, sobretudo em estradas muito estreitas, é calcular as distâncias, especialmente as do lado contrário ao do condutor. Para agravar a nossa condição, as estradas das Seychelles não têm bermas pelo que a Fla me alertava constantemente de que o carro circulava demasiado perto do abismo…
Anse Etoile.
No dia seguinte, bem cedo, ainda o sol não tinha nascido, decidimos então cruzar a ilha em direção à costa oeste, tomando a estrada entre Victoria e Saint Sauci-Port Cloud (conhecida por estrada Saint Sauci), subindo e descendo o Morne, parando aqui e ali para contemplar as lindas vistas que se alcançam lá de cima. À medida que se sobe pela montanha, a humidade e a neblina aumentam, e a água escorre pela estrada; a floresta é densa, exuberante, praticamente virgem.
A primeira paragem que fizemos foi no local (Património Mundial pela UNESCO) onde foi construída a Missão de Venn, hoje em ruínas. Este foi o lugar escolhido pela Sociedade Missionária da Igreja para fundar uma escola (1876-1889) destinada a acolher os filhos dos escravos libertados. O último grupo destes escravos desembarcou nas Seychelles em 1875. O assentamento (do qual hoje só restam ruínas) era constituído por dois edifícios principais (os dormitórios de meninos e meninas), várias casas, banheiros, cabanas para trabalhadores, oficina, depósito e uma casa para o mestre-escola e a sua família.
O Parque Nacional Morne Seychellois, fundado em 1979, alberga uma diversidade de animais e plantas que não se encontram em nenhum outro lugar do mundo. Além da variedade de plantas exóticas nativas (incluindo várias espécies de palmeiras) existe também uma importante diversidade de espécies animais únicas. Entre elas a menor rã do mundo (sooglosus), que se relaciona com uma espécie ancestral descoberta recentemente nas montanhas da Índia; e também algumas aves, como a coruja-do-mato das Seychelles (otus insultis), que só se encontram aqui.
No Parque Nacional Morne Seychellois.
Em 1972, a Rainha Isabel II e seu marido, o Duque de Edimburgo, visitaram Venn’s Town e inauguraram um edifício de observação, com vista espetacular sobre uma das encostas do Morne e o mar. Para chegarmos a essas instalações temos de passar, a pé, por um caminho ladeado por árvores da espécie pterocarpus indicus, plantadas por volta de 1880.
Retomando a estrada principal, e já quase no fim da descida para Port Glaud, encontrámos uma fábrica de chá que é simultaneamente um museu – a Tea Factory – fundada em 1962. As vistas sobre a costa oeste da ilha são deslumbrantes. Neste miradouro, fruindo do ar fresco da montanha, podemos degustar um chá e descobrir como o mesmo é produzido, enquanto antevemos um mergulho numa das praias magníficas que daqui se avistam.
No nosso caso, essa inevitabilidade teria de ocorrer num lugar muito especial e esse lugar especial teríamos de o descobrir nós mesmos – foi o que decidimos ali. Mas por enquanto não passava das 7 da manhã. Nesta viagem madrugadora os animais que tínhamos visto pelo caminho eram de várias espécies, mas humanos não víramos nenhum.
Grande Anse.
Enfim chegámos à costa oeste da ilha. O nosso plano era subirmos um pouco pela costa para depois voltarmos para trás e circundarmos toda a ilha, pelo sul, até Victoria, mais uma vez no sentido contrário ao dos ponteiros do relógio, para não perdermos praticamente nenhum ponto da costa, excetuando a zona costeira do Parque Nacional, sem acesso por estrada, tal como acontece na pequena zona costeira do extremo sul da ilha. E assim fizemos. Depois de atingirmos Port Launey, situado numa baía que serve de abrigo a embarcações de recreio, voltámos para trás pela West Coast Road. As praias vão-se sucedendo e nós parámos em muitas: Grande Anse, Anse Boileau, Anse Louis e, finalmente, após uns 3 kms e uma descida final, íngreme e de terra batida, a Anse Soleil. O acesso mais difícil chamou-nos a atenção e, mal a vimos, soubemos que seria ali que nos iríamos banhar. Trata-se de uma praia linda, calma, rodeada de vegetação, com uma água azul-turquesa simplesmente irresistível.
Quando chegámos a praia ainda estava vazia e o pequeno bar de madeira, com um delicioso terraço sobre o mar, ainda estava fechado. Só depois chegaram algumas pessoas. Paz, harmonia e beleza, eis o que se sentimos aqui.
Anse Soleil.
Cerca de duas horas depois, ainda o sol não tinha atingido o seu ponto mais alto, saímos da Anse Soleil. Este é um daqueles locais especiais, difíceis de esquecer. Muito mais que a badalada Beau Vallon, Anse Soleil é a nossa praia preferida de Mahé.
Prosseguimos o nosso trajeto em torno da ilha, passámos por outras praias. Baie Lazare, ainda na costa oeste, Anse Baleine, Anse Royale e Pointe au Sel, já na costa leste, em direção a Victoria. Pouco depois, seguindo a East Coast Road, circulámos paralelamente ao aeroporto, e eis que entrámos finalmente numa estrada larga (que aqui parece uma autoestrada) que segue até à capital. Depois de entregarmos o carro demos uma volta pelo mercado local, comprámos alguns souvenirs, passeámos pelo centro da cidade, preparámo-nos para a despedida. Mahé permanecerá nos nossos corações.
A Sardenha é uma ilha espetacular, multifacetada, com praias magníficas, montanhas, rica gastronomia, bom vinho e uma cultura ancestral. Apesar de fazer parte da Itália, a Sardenha tem uma identidade própria, com uma história e uma língua singulares. Uma língua – o sardo – que se divide em dois dialetos principais: o logudorês, no centro-norte, e o campidanês, a sul, sendo que o primeiro tem ainda três variantes. Mas quanto a dialetos, pelo menos, existem mais três: na cidade de Alghero, no noroeste, fala-se catalão; em Carloforte e Calasseta, no extremo sudoeste, um dialeto originário da Ligúria; no norte, em La Madallena, Gallura, Sassari e na zona costeira de Anglona, fala-se gallura e sassarese, por influências italiana e toscana. Finalmente, claro, fala-se italiano, a língua oficial.
Esta diversidade linguística pressupõe, como seria de esperar, uma grande diversidade cultural. De facto, desde os tempos do Paleolítico que a Sardenha é visitada por humanos e desde o Neolítico antigo, há cerca de 6000 anos, que é permanentemente ocupada. Os primeiros homens que se fixaram em Gallura e na parte mais setentrional da ilha provinham provavelmente da península italiana, particularmente, da Etrúria; os que povoaram a parte central da Sardenha, em torno das lagoas de Cabras e Santa Justa, procediam da Península Ibérica, através das ilhas Baleares; e os que se instalaram na zona do Golfo de Cagliari eram oriundos de África. Mais tarde chegariam outros grupos, vindos da Anatólia e do Mar Egeu.
Assim, é justo dizer que a Sardenha nunca foi composta por um único povo, mas sim por muitos.
Recanto em Santa Maria Navarrese.
Estes povos mantiveram-se politicamente divididos, umas vezes confederados, outras vezes em guerra uns contra os outros. Ao princípio as tribos viviam em aldeias constituídas por casas circulares, de pedra com tetos de palha, e a partir de 1500 a. C. começaram a construir as aldeias junto a fortalezas posicionadas estrategicamente em zonas elevadas para melhor avistarem os inimigos. Estas fortalezas, de forma cónica, reforçadas e ampliadas com torres de vigia, chamavam-se nuraghes. Ainda se encontram hoje, na Sardenha, cerca de 7000.
Por volta do ano 1000 a. C., os fenícios começaram a visitar cada vez mais frequentemente as costas da Sardenha para se abrigarem durante a noite ou em ocasiões de mau tempo. Em 509 a. C., a expansão dos fenícios para o interior da ilha era já demasiado ameaçadora e profunda, provocando uma reação violenta dos sardos, que atacaram as cidades costeiras onde os fenícios se haviam instalado, obrigando-os a pedir ajuda a Cartago.
Punta Predalonga.
Foi então que os cartagineses ou púnicos, em distintas campanhas militares, venceram os sardos e conquistaram toda a Sardenha, exceto a parte montanhosa, mais tarde chamada de Barbaria ou Barbagia. Durante 271 anos, a esplêndida civilização cartaginesa confrontou-se com a fascinante civilização nurágica indígena. Porém, em 238 a. C., os cartagineses, derrotados pelos romanos na Primeira Guerra Púnica, foram obrigados a ceder a Sardenha, que se tornou uma província de Roma. A ocupação romana durou 694 anos e, apesar das lutas que frequentemente os sardos travavam, atingiu a própria Barbagia, acabando com a civilização nurágica. Os romanos impuseram assim, apesar da resistência, a língua e civilização latinas.
Em 456, quando o império romano se encontrava já em plena decadência, os vândalos de África ocuparam Caralis (Cagliari) e as demais cidades costeiras da Sardenha, mas em 534 os vândalos foram foram derrotados, perto de Cartago, pelas tropas do imperador Justiniano, e a Sardenha passou a ser bizantina. A ilha foi dividida em distritos e o cristianismo difundiu-se, exceto na Barbagia onde, em finais do ano 500, se formara um novo e efémero estado independente, com tradições religiosas e laicas sardo-pagãs, do qual Ospitone foi um dos soberanos. Os quatro distritos, chamados merèie, eram governados por um judex residente em Caralis.
Francisco passeando por Tortolì.
Desde 640 até 732 os árabes ocuparam o Norte de África, Espanha, Portugal e parte de França, e em 827 empreenderam a conquista da Sicília. A Sardenha permaneceu isolada e teve de defender-se por si mesma. Os ataques dos árabes começaram em 703 e tornaram-se mais ferozes com o decorrer do tempo. O judex provinciae, para melhor defender a ilha, delegou os seus próprios poderes civis e militares aos seus quatro lugar-tenentes das merèie de Cálari, Torres, Gallura e Arborea que, em 900, conseguiram a sua independência, tornando-se eles próprios judices (em sardo judikes, ou seja, reis) desses territórios.
Cada reino tinha fronteiras, parlamento, leis (Cartas de Logu), línguas nacionais, emblemas e símbolos estatais próprios; e cada um destes quatro estados – comummente chamados giudicati – era um reino não apenas soberano mas igualmente democrático, porque todas as importantes decisões nacionais não cabiam ao rei, mas aos representantes do povo reunidos num parlamento chamado Corona de Logu.
Cala Goloritzè.
Em 1297, o papa Bonifácio VIII, para resolver diplomaticamente a Guerra das Vésperas, que havia estalado em 1282 entre angevinos (reino de Nápoles) e aragoneses pela posse da Sicília, instituiu por motu proprio um “regnum Sardiniae et Corsicae” outorgando-o, como feudo, ao catalão Jaime II, “o Justo”, rei da coroa de Aragão (uma união real formada pelos reinos de Aragão e Valência, mais o Principado da Catalunha), prometendo-lhe o seu apoio, se este quisesse conquistar a Sardenha, em troca da Sicília.
Em 1323, Jaime II de Aragão aliou-se aos reis de Arborea e, ao cabo de uma campanha militar que durou cerca de um ano, conquistou os territórios da Cagliari e de Gallura bem como a cidade de Sassari formando um estado com o título e nome de reino de “Sardenha e Córsega”, incorporado posteriormente à coroa de Aragão, sob o governo de um lugar-tenente do rei, primeiro, governador-geral e depois vice-rei. As cidades de Cagliari, Iglesias e Sassari pagavam os seus tributos diretamente ao rei e, por essa razão, tinham o título de reais; por seu lado, as aldeias estavam sob o regime de feudo e portanto pagavam tributo aos barões locais.
Descansando um pouco em pleno Parque Nacional do Golfo de Orosei e do Gennargentu.
Em 1353 estalou a guerra entre o reino de Arborea, que pretendia reunir a ilha sob o seu domínio, e o reino de “Sardenha e Córsega”. Em 1354 os aragoneses apoderaram-se de Alghero, que se converteu numa cidade plenamente catalã e que mantém, ainda hoje as suas tradições ibéricas. Em 1355, Pedro IV de Aragão permitiu a criação no reino de “Sardenha e Córsega” de um parlamento com poder legislativo e de um Real Conselho de Justiça com poder judicial
Em 1409, Martinho I, o Jovem, rei da Sicília e herdeiro de Aragão, derrotou os sardos giudicali en Sanluri e conquistou definitivamente toda a Sardenha, morrendo pouco depois de malária, em Cagliari, sem deixar descendentes, tendo a sucessão da coroa de Aragão sido determinada pelo Compromisso de Caspe de 1412, passando assim para as mãos dos castelhanos. Em 1479 nasceu a coroa de Espanha, através da união pessoal entre Fernando II de Aragão e Isabel de Castela (chamados de “Reis Católicos”), que se haviam casado dez anos antes. E o reino da Sardenha (agora separado da Córsega, pois esta ilha nunca fora conquistada) tornou-se espanhol, com o símbolo statuale dos Quatro Mouros.
Conquistando a Barbagia, o coração da Sardenha.
Depois de fracassadas as expedições militares contra os muçulmanos em Tunes (1535) e Argel (1541), Carlos V fortaleceu as costas da Sardenha com uma série de torres-vigia para defender os seus territórios mediterrânicos das incursões corsárias dos berberes africanos. O reino da Sardenha permaneceu ibérico durante quase 400 anos, desde 1324 até 1720, absorvendo muitas tradições, costumes, expressões linguísticas e modos de viver espanhóis que se podem observar ainda hoje nos desfiles folclóricos de Santo Efísio, em Cagliari (1º de maio), da Cavalcata, em Sassari (penúltimo domingo de maio) e do Redentore, em Nuoro (29 de agosto).
Em 1708, devido à Guerra de Sucessão espanhola que opunha Filipe de Bourbon a Carlos da Áustria, o governo do reino da Sardenha passou para as mãos dos austríacos, que haviam desembarcado na ilha. Em 1717, o cardeal Alberoni, ministro de Filipe V de Espanha, voltou a ocupar a Sardenha. Em 1718, através do Tratado de Londres, o reino da Sardenha foi entregue aos duques de Saboia, príncipes do Piamonte que o juntaram, sob a forma federativa, aos seus estados continentais. O reino italianizou-se.
Um jantar memorável.
Em 1799, devido às guerras de Napoleão em Itália, os Saboia abandonaram Torino refugiando-se, durante uns 15 anos, em Cagliari, capital do reino. Em 1847, os sardos renunciaram espontaneamente à sua própria personalidade de Estado e fundiram-se com o Piamonte para terem, assim, um único parlamento, uma única magistratura e um único governo em Torino.
Em 1848 começaram as guerras independentistas para alcançar a unidade política da península italiana dirigidas pelos reis da Sardenha durante 13 anos. Em 17 de março de 1861 o Reino de Sardenha mudou o seu nome para Reino de Itália. Finalmente, em 1946, através de um referendo popular, o Estado italiano constituiu-se como República e, em 1948, a Sardenha garantiu uma autonomia especial, com as suas quatro províncias de Sassari (norte), Oristano (oeste), Nuoro (leste) e Cagliari (sul), as quais remarcam com alguma aproximação os quatro antigos e gloriosos estados giudicali.
Esta introdução histórica, talvez demasiado longa, tem como fonte o livro de Francesco Cesare Casula indicado no fim deste artigo.
Cale dei Gabbiani.
Tal como a história da Sardenha, também a nossa visita à ilha foi bastante atribulada. O nosso voo tinha uma escala em Barcelona, mas uma tempestade nesta cidade, nesse preciso dia, provocou atrasos em inúmeros voos, incluindo o nosso, fazendo com que milhares de pessoas perdessem os voos de ligação programados. Para complicar ainda mais as coisas, três das malas que transportávamos desapareceram, ficando três, dos cinco que viajávamos, sem muda de roupa. Finalmente, face ao elevado número de pessoas em situação idêntica à nossa, os hotéis em Barcelona estavam esgotados, pelo que nos levaram num autocarro para um hotel a uns 100 quilómetros de distância, já muito perto da fronteira com a França, aonde chegámos de madrugada, cansados e desiludidos. Passadas três horas tivemos de acordar (os que conseguiram dormir alguma coisa) para regressarmos ao aeroporto, desta vez num táxi que, dada a confusão gerada (as pessoas que foram no mesmo autocarro para o hotel tinham voos diversificados) tivemos de lutar para apanhar, pois havia outro grupo pretendente (os taxistas só sabiam o número de pessoas que vinham buscar, e a que hora, não tinham nenhuma indicação sobre a identidade dos passageiros). A nossa sorte foi que, em desespero – um de nós era uma criança de ano e meio que um dia antes de viajar tinha ficado doente – nos atirámos para dentro do táxi e nos recusámos a sair… E lá fomos para o aeroporto, sem dormir, sem roupa e sem a certeza de que apanharíamos o avião para Cagliari, pois a distância era longa e teríamos de atravessar a região de Barcelona para chegarmos ao aeroporto, e estava um trânsito monumental. Mas lá conseguimos. As três malas é que teimavam em não aparecer…
Francisco com os seus novos amigos – o cão de salvamento “Arturo” e Gianni Scanu – na Cale dei Gabbiani.
Chegámos assim à Sardenha um dia depois do previsto. O carro que tínhamos previamente alugado já não estava disponível. Tivemos que alugar outro carro, pagando o dobro e perdendo o valor total do aluguer do anterior veículo, que já tínhamos pago. Enfim, lá fomos no nosso carro novo em direção a Baunei, onde alugáramos alojamento, mas antes parámos em Cagliari para comprar alguma roupa, pois três de nós só tínhamos a que trazíamos vestida há muitas horas. Apesar de tudo, quando nos fizemos à estrada íamos animados, com a sensação de que o pior já teria passado. E tínhamos razão. Instalados na nossa casa de Baunei fizemos um spaguetti com carne para o jantar, acompanhado por um vinho branco da Sardenha, que nos souberam divinalmente.
No dia seguinte acordámos revigorados e fomos dar uma volta pelas redondezas. Descemos a Santa Maria Navarrese, uma pequena e agradável vila com porto de recreio, posto de turismo, praias, restaurantes e outros serviços, e visitámos a Punta Pedralonga, um local onde, como o nome indica, se formou uma enorme rocha, em forma de ponta de lança, apontada ao céu. À tarde deslocámo-nos a Tortolì, uma cidade maior, com muito comércio, onde aproveitámos para, com tempo, comprarmos mais alguma roupa que nos fazia falta. Dois dias após a nossa chega à Sardenha, as três malas continuavam sem aparecer.
São inúmeras as pequenas praias escavadas nas rochas do Golfo de Orosei.
Baunei, a pequena vila onde nos instalámos, fica no topo de uma montanha, mesmo ao lado do Parque Nacional do Golfo de Orosei e do Gennargentu, instituído em 30 de março de 1998. Gennargentu é um maciço que inclui vários picos, entre eles o mais alto da ilha – Punta la Marmora, 1834 metros acima do nível do mar. Aos pés desse alto maciço encontram-se algumas das praias mais bonitas da Europa. Estas praias são de difícil acesso, escavadas na rocha, mas isso, apesar de representar algum perigo, só as torna mais exclusivas e tentadoras. Cala Goloritzé é uma delas. Quem quer visitá-la por terra só pode fazê-lo a pé, caminhando por mais de 3 horas (ida e volta). Nós quisemos. E valeu a pena. Trata-se de uma praia pequena mas incrivelmente bonita, rodeada pela montanha escarpada, e por uma água azul-turquesa de agradável temperatura. Depois de descermos e subirmos por caminhos de pedra solta, carregando o Francisco, sentimos que o nosso terceiro dia na Sardenha estava mais que preenchido. Só restava regressar a Baunei, comer e… dormir.
No quarto dia da nossa estadia decidimos ir para Norte. Seguimos a SS 125, atravessámos o maciço, passámos por Urzulei (a zona da antiga Barbagia) e iniciámos a descida para Orosei. Aqui chegados fomos até à praia para darmos um mergulho e nos refrescarmos um pouco. Pouco tempo volvido reparámos num rapaz que, caminhando pela praia, envergava uma camisola do Sporting e, claro, fomos falar com ele. Para nossa surpresa era um irlandês, casado com uma sarda (dito assim tem a sua a sua piada…), e a camisola do Sporting tinha-lhe sido oferecida por um amigo conterrâneo que vivera em Lisboa. É comum acontecerem coincidências agradáveis a quem viaja, somos testemunhas disso, e este irlandês, por solidariedade clubística, que sempre ajuda, aconselhou-nos um restaurante, situado na montanha, para jantarmos.
Regressando da nossa visita por mar ao Golfo de Orosei.
Bom, na verdade não se trata apenas de um restaurante, mas mais de uma quinta de agroturismo que também serve refeições. Para obterem autorização de exercício de atividade, pelo menos 80% do que é servido no restaurante tem que ser produzido na quinta. Escusado será dizer que comemos e bebemos com plena satisfação. Regressámos a Baunei quando a noite já ia adiantada, debatendo sobre o que fazer no dia seguinte. Soubemos que em Santa Maria Navarrese faziam passeios marítimos e decidimos ir lá ver.
No dia seguinte, já no porto de recreio de Santa Maria Navarrese disseram-nos que poderíamos alugar uma embarcação a motor e passearmos pela costa por nossa conta, sem necessidade de guia. Pareceu-nos uma ótima ideia e, depois de comprarmos alguns mantimentos para a viagem, embarcámos em mais esta aventura. Com o embalar da ondulação, o Francisco adormeceu durante uma boa hora, ou mais. Fomos navegando junto à costa, observando as escarpas, as grutas, as pequenas praias, os diferentes tons do mar… Parámos em frente à praia da Cala Goloritzè, arriamos ferro e, um por um, fomos mergulhando no mar magnífico. O Francisco, por seu turno, continuava mergulhado no sono. Quando nos apeteceu, levantámos ferro e seguimos. Até que encontrámos uma praia com acesso pelo mar (o que é proibido na Cale Goloritzè), e decidimos ir até lá. O Diogo manobrou para que pudéssemos sair do barco, com o Francisco, em segurança, foi depois estacioná-lo onde é permitido, e veio a nado ter connosco.
Outro amigo sardo que aceitou posar connosco por troca com o colega que estava a tirar a fotografia.
A praia chama-se Cale dei Gabbiani (em tradução livre: praia das Gaivotas) e é, sem dúvida muito bonita, embora não tenha areia, antes calhaus provenientes das rochas. Depois de comermos travámos conhecimento com um senhor da Proteção Civil da Sardenha – Gianni Scanu – que se fazia acompanhar por um belo cão de salvamento, equipado a rigor, o Arturo. Estes cães, muito bem treinados, são extremamente dóceis, e o Francisco rapidamente fez amizade com o Arturo.
(Soubemos recentemente que uma das raças a que a Guarda Costeira italiana mais recorre é o cão d’água português, dada a extraordinária apetência destes cães para tarefas no mar. O próprio Gianni tem agora um cão d’água chamado Pancho. Estes cães são muito admirados pelos treinadores e instrutores da Escola Italiana de Cães de Salvamento. Um artigo sobre o cão d’água português pode ser lido no nosso blogue em https://ilovealfama.com/2013/10/08/cao-de-agua-portugues/).
Ao fim da tarde regressámos a Santa Maria Navarrese, inteiros, incluindo o barco. Apesar de o tempo não ter ajudado muito, fora um passeio memorável. Aquela zona da costa, junto ao maciço de Gennargentu, é de uma beleza singular. Tivemos o privilégio de visitar as suas praias, por terra e por mar. E por conta própria.
Ir a Itália e não comer pizza é como ir a Roma e não ver o papa. Na praia de Orrì.
A nossa estadia na Sardenha estava a chegar ao fim. No dia seguinte teríamos de rumar a Cagliari para os voos de regresso, desta vez via Madrid. Mas antes de terminarmos, queremos deixar uma palavra ao acolhedor povo de Baunei: o senhor do talho que já nos cumprimentava quando passávamos à sua porta; as moças do minimercado sempre atenciosas e disponíveis; as jovens da gelataria onde comprávamos os sorvetes com leite de cabra; e mesmo as velhinhas vestidas de preto que víamos nas ruas de Baunei. Sempre nos rodearam de simpatia.
Assim, no nosso último dia de viagem, às 11 da manhã, saímos da casa que durante seis dias (deveriam ter sido sete) habitáramos em Baunei. Não percorremos diretamente os 150 quilómetros até Cagliari, fizemos uma paragem em Tortolì para almoçarmos. Quando estávamos a chegar a Tortolì, recebemos uma chamada da dona da casa que alugáramos, dizendo que tinha à porta um funcionário de uma transportadora que nos queria entregar umas malas… As malas! No último dia na Sardenha, quando já nem sequer estávamos na morada indicada, chegaram as três malas perdidas! Inextremis. Pedimos então ao senhor da transportadora que nos entregasse as malas em Tortolì. E assim se fez. Metidas todas as malas no carro, lá rumámos à capital da Sardenha para apanharmos o avião de regresso, desta vez sem peripécias de maior.
Cagliari vista do avião na hora da despedida.
A Sardenha é uma ilha fantástica e só conhecemos uma parte muito pequena dela, ainda que uma belíssima parte. Ficou a vontade de voltarmos. Veremos se se concretizará um dia. Até lá ficam as recordações de uma viagem cujo registo aqui realizado tem mais de ano e meio de atraso. A nossa estadia na Sardenha deu-se entre 12 e 17 de junho de 2019, iniciando-se um dia depois do previsto.
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A nossa edição:
Francesco Cesare Casula, Carlo Delfino, Historia de Cerdeña, Sassari, 2000.
A República das Maldivas é um arquipélago composto por 1.190 pequenas ilhas agrupadas em 26 grupos ou atóis. Estes atóis formam uma longa e estreita cadeia com cerca de 750 quilómetros (de norte para sul, ou vice versa) no Oceano Índico, cobrindo uma área total de cerca de 90.000 quilómetros quadrados. As massas terrestres mais próxima são o cabo Comorim, no extremo sul da Índia, 480 quilómetros a nordeste; e o Sri Lanka, um pouquinho mais para leste, a 650 quilómetros. A capital é Malé, uma ilha muito pequena, com menos de 2 quilómetros de comprimento e de largura, totalmente plana – como, aliás, todas as outras ilhas, cuja altura máxima não ultrapassa os 2,5 metros – onde se concentram, além de edifícios, veículos, embarcações, a maior parte dos 500.000 habitantes das Maldivas. Uma ponte construída pelos chineses liga Malé à ilha vizinha de Hulmumale, a única com espaço para albergar um aeroporto – o internacional de Velana.
Malé, uma cidade incrível, plana, demasiado exposta ao mar. Uma onda gigante pode literalmente varrê-la do mapa.
Os turistas que visitam as Maldivas raramente ficam em Malé; alguma embarcação rápida (para os hotéis mais perto) ou hidroavião (para os atóis mais longínquos) levá-los-á a um dos resorts, mais ou menos exclusivos, onde podem desfrutar de alguns dias paradisíacos com o mar sempre aos pés. Nós, pelo contrário, não saímos de Malé. Caminhámos por toda a cidade, falámos com as pessoas, visitámos os mercados, as docas, os restaurantes (onde não se pode beber álcool), as lojas, algumas pequenas livrarias (sempre buscamos um livro local) e os edifícios públicos. Tudo fica perto de tudo, alcançável depois de alguns minutos a pé.
Os maldívios autogovernaram-se durante a maior parte do tempo histórico, excetuando um breve período no século XVI em que foram governados pelos portugueses a partir de Goa. Em 1752, houve também um período de apenas 3 meses de regência “malabari”. Em 1887, as Maldivas tornaram-se um protetorado britânico, mas não houve nunca presença física dos britânicos em Malé, que continuou a ser dirigida pelos seus próprios sultões até ao fim de 1952. No dia 1 de janeiro de de 1953 formou-se a primeira república, que teve vida curta, regressando as Maldivas ao sultanato em 1954. Por sua vez, o sultanato foi abolido em 1968 com a formação da segunda república. A independência foi alcançada em 1965. Apesar de não dever lealdade à rainha, em 1984 as Maldivas tornaram-se membro da Comunidade Britânica (British Commonwealth).
Zona central de Malé.
A sociedade maldívia é profundamente muçulmana. Avisos afixados em diversos locais apelam aos turistas para respeitarem as tradições locais. Por exemplo, as mulheres não podem usar bikini e ninguém pode estar de tronco nu nas pequenas praias da capital. Por outro lado, as atrações arquitetónicas são escassas ou nulas. Assim, se quiser ir às Maldivas, escolha um resort de acordo com a sua bolsa, desfrute das águas magníficas do Índico, da paz de uma pequena ilha que por alguns dias é de apenas de uns quantos sortudos, entre os quais você – e relaxe. É do turismo que as Maldivas vivem. Aqui só o peixe não é importado.
Há, porém, um lado preocupante neste paraíso. Um aumento da temperatura global e a consequente subida das águas pode submergir estas magníficas ilhas praticamente planas, que os maldívios terão de abandonar. Um segundo perigo ainda mais preocupante é a possibilidade de algum tsunami as varrer, não dando tempo aos habitantes de abandoná-las. O tsunami de 26 de dezembro de 2004 provocou ondas de até 1,5 metros de altura, mas é possível que ocorra um tsunami maior e, claro, muito mais devastador. O nosso conceito de paraíso não contempla tamanha fragilidade.
A nossa visita às Maldivas foi curta. Ficámos apenas na sala de visitas – Malé.
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A nossa edição:
Ali Hussain, Mysticism in the Maldives, Novelty Publication, Malé, 1991.
Chegámos a Veneza ao anoitecer, mas a cidade é bonita a qualquer hora.
Veneza é uma daquelas cidades que todos querem conhecer: famosa, monumental, romântica, uma potência marítima mundial na Idade Média e no Renascimento, cuja riqueza se pode observar hoje através dos belos palácios, catedrais, pontes e outros emblemáticos edifícios da cidade. Quando lá chegamos – refiro-me à ilha principal, cortada pelo Grande Canal – só podemos circular de barco ou a pé. Veneza parece uma cidade flutuante, e de certa maneira é-o: foi construída em cima de plataformas de pedra colocadas sobre estacas de madeira cravadas no fundo da lagoa. Um trabalho engenhoso que requer muita manutenção. É difícil evitar a erosão que assola estas ilhas, provocada sobretudo pela invernia, mas também pelo intenso tráfego marítimo. As embarcações são variadas, desde as carreiras de transporte de passageiros, os cruzeiros turísticos e os táxis, passando pelas ambulâncias, a recolha de lixo e os funerais, até todo o tipo de abastecimentos; tudo é realizado com o recurso a embarcações. Veneza é, pois, seja onde for que o visitante já tenha estado, uma cidade única, inigualável, de uma beleza vibrante e quase surreal.
Praça de São Marcos e a basílica homónima.
Trata-se também de uma cidade frágil. Há sempre o receio que a chuva e as marés se associem para a inundarem, e essa condição delicada sente-se quando a visitamos. Veneza é feminina.
Chegámos já de noite ao nosso hotel e só no dia seguinte iniciámos as deambulações pela cidade que visitáramos há quarenta anos, no longínquo ano de 1979. Começámos por uma caminhada até à Praça de São Marcos. Aqui se impõe a basílica homónima e, ao lado, o Palácio Ducal, que podem e devem ser visitados. A longa varanda da basílica é um local privilegiado para observar a praça, as suas esplanadas e o formigueiro de transeuntes caminhando em todas as direções. A Basílica de São Marcos é provavelmente o edifício mais simbólico de Veneza e também um dos mais antigos. Embora a sua configuração atual seja relativamente recente, a construção realizou-se por fases ao longo de muitos séculos. Visitámos primeiro a igreja e depois, subindo uma escadaria exterior, à direita do portão principal, o museu.
A bela quadrilha do evangelista, no Museu da Basílica de São Marcos, situado no piso superior.
O resto do dia passámo-lo a fazer o que de melhor se pode em Veneza: percorrer as ruas sinuosas e estreitas, cruzar os canais por pontes de variadíssimos tamanhos e estilos, observar as gôndolas, governadas por hábeis barqueiros de camisolas listadas, azuis (ou vermelhas) e brancas, onde casais abraçados se reclinam para trás, para melhor observarem as belas fachadas dos edifícios da cidade. Como seria de esperar, parámos algumas vezes para provar as comidas rápidas e típicas de Itália – pasta e pizza – e apreciar o trânsito do Grande Canal, numa das tantas esplanadas espalhadas pelos cais, que aqui também são ruas.
No dia seguinte apanhámos um vaporetto para Burano, uma pequena ilha a cerca de uma hora de distância.
Ao que dizem, as casas típicas de Burano são repintadas a cada dois anos.
A principal atração deste burgo são as típicas casas coloridas e as suas rendas merletto. Durante a nossa visita o tempo esteve quase sempre escuro, com chuva frequente, o que não nos permitiu presenciar todo o esplendor do colorido das fachadas que se duplicam nos espelhos de água, que são os canais. As principais atividades económicas entre os cerca de 3 mil habitantes da ilha são, pois, o turismo, o artesanato (sobretudo renda) e a pesca. O que se deve fazer por aqui é, como seria expectável, calcorrear o que se puder. Foi o que fizemos. No final da visita a Burano, antes de nos dirigirmos ao cais de embarque para regressarmos a Veneza, retemperámos forças num dos cafés/restaurantes da praça central – Piazza Baldassare Galuppi – cujo nome celebra um ilustre compositor italiano, filho da terra.
O Grande Canal.
Chegados a Veneza caminhámos um bom par de quilómetros até ao hotel, desfrutando das vistas magníficas e do ambiente romântico do anoitecer. Esta seria a nossa última noite em Veneza e, embora o tempo não fosse o mais convidativo, despedimo-nos com um jantar na rua, junto ao rio Cannaregio, de frente para a formosa Ponte delle Guglie.
No dia seguinte regressámos a Portugal.
Ponte de Rialto. Ao lado (edifício ocre) situa-se o magnífico Hotel Rialto.
A Islândia é uma terra moldada por água, gelo e fogo. Caracterizada por uma intensa atividade vulcânica, há no seu território centenas de vulcões, alguns ativos, outros adormecidos há milhares de anos. O magma fratura as rochas da crosta e forma uma cadeia de vulcões, que se estende ao longo da ilha, de norte a sul. De formas e tamanhos variáveis, os vulcões conferem à ilha uma paisagem lunar; uma paisagem muito diferente de outrora, quando esteve coberta por um extenso glaciar, e só os picos das suas atuais montanhas eram visíveis. Foi nos grandes campos de lava do norte deste país que os astronautas americanos da missão Apolo 11 tiveram uma breve preparação antes da sua viagem à Lua.
A natureza instável e porosa do solo vulcânico da Islândia não permite reter a água nem proporciona condições adequadas à fixação das plantas. A água do degelo forma grandes cascatas, esculpe montanhas, percorre muitos quilómetros no solo poroso, forma cavernas e acaba por emergir em forma de lagos. No fundo desses lagos há fontes termais vulcânicas que aquecem a água e proporcionam a profusão de vida. Algumas espécies refugiam-se aqui, no fundo dos lagos, durante o inverno. Há mais vida na Islândia do que à primeira vista parece.
Perto do início do Verão, que foi quando visitámos a Islândia, o sol demora uma eternidade a pôr-se e, quando por fim se põe, não fica escuro, o céu mantém-se relativamente claro e é possível enxergar a uma distância considerável. E não demora muito até o sol nascer de novo. Quando tirámos esta foto, em Reykjavik, seriam uma 23:30, sensivelmente. No solstício de Verão o sol mantém-se visível por mais de 21 horas.
Um milhão de aves marinhas nidificam em Grimsey, uma pequena ilha a norte da ilha-mãe, em cima do Círculo Polar Ártico. Entre essas aves destacam-se as grandes colónias de papagaios do mar e de tordas mergulheiras, que aqui vêm nidificar. Ambos nadam debaixo de água em busca de alimento, conseguindo ficar cerca de dois minutos submersos. Além destes, há que considerar as andorinhas do mar, as gaivotas com garras, os moleiros parasíticos e as escrevedeiras das neves, entre tantos outros. Também os mares da Islândia são ricos em vida e propícios para a pesca. As águas contêm plâncton devido à provisão contínua de cinzas vulcânicas. Das muitas espécies, destacam-se o bacalhau (que aqui prospera, ao contrário do que acontece noutros lugares), a solha e a raia, mas também camarões, focas, morsas, baleias e golfinhos. Em terra, onde a biodiversidade é mais pobre, sobressaem o cavalo islandês, uma raça típica (é proibida a importação de qualquer outra); a raposa-do-ártico, as renas e os visons. Na Islândia, apenas 1/4 do território está coberto por vegetação. Não existem répteis nem anfíbios.
Harpa. Centro de Congressos e Auditório, em Reykjavik, a capital, onde vivem 2/3 dos islandeses.
A nossa visita à Islândia iniciou-se pela capital, Reykjavik (“baía das fumarolas”), uma cidade pequena, muito tranquila, onde nada parece ser capaz de perturbar os seus cerca de 200 mil habitantes. Os islandeses, no total, não ultrapassam os 365 mil, cerca de metade dos habitantes de uma cidade pacata, como Lisboa. Não há muito que ver em Reykjavik para lá da igreja Hallgrímur (Hallgrímskirkja), o restaurante panorâmico com cúpula de vidro e vistas soberbas sobre a cidade e as montanhas circundantes (Perlan), o centro de conferências e auditório (Harpa), e alguns museus, como o Museu Nacional da Islândia, o Museu de Fotografia de Reykjavik e o Museu da Cidade, entre vários outros. O melhor da Islândia não são as cidades, apesar da sua tranquilidade e beleza, até porque este país tem uma densidade populacional extremamente baixa, logo, sem os equipamentos de toda a espécie que estamos habituados a ver nas grandes metrópoles. O melhor deste país tão especial, onde todos parecem felizes e de onde ninguém quer sair, são mesmo as paisagens naturais.
Assim, no dia seguinte à nossa chegada à ilha, a bordo de um carro alugado, saímos da capital para percorrermos os cerca de 300 quilómetros do denominado “Círculo Dourado”, constituído pelo Parque Nacional de Thingvellir, as cataratas de Gullfoss e o vale de Haukadalur.
Hallgrímskirkja, uma igreja luterana com 74,5 metros de altura, e a estátua de Leif Erikson, o primeiro europeu a chegar à América.
O Parque Nacional de Thingvellir (que quer dizer “Campos da Assembleia”), Património Mundial da Unesco desde 2004, fica situado num vale e é no seu seio que se encontra o local onde os islandeses se reuniam em assembleia e onde funcionou o primeiro parlamento islandês. Foi aqui que começou, enquanto nação, a Islândia. Este é portanto, um lugar com grande importância histórica. E este talvez seja o ponto do nosso artigo em que devamos fazer uma breve introdução à história da Islândia.
Dizem os historiadores que o período viking começou no início do século IX e durou até meados do século XI. Durante esse tempo, os povos nórdicos estabeleceram-se por toda a parte, das margens do Volga às costas orientais da América do Norte, do Oceano Ártico ao Mediterrâneo. E chegaram também à Islândia, que até então era desabitada. A falta de terras e as disputas internas na Noruega levaram muitos a navegar até aqui. O padre católico e historiador islandês do século XII, Ari Porgilsson (o catolicismo foi violentamente banido da Islândia no século XVI), escreveu, na sua obra Íslendingabók (“História da Islândia”), que Ingólfur Arnarson desembarcou em Reykjavik por volta do ano 870. Muitos se lhe seguiram, entre os quais Erik Thorvaldsson (Erik, o “Vermelho”), pai do grande Leif Erikson, descobridor da América, que terá nascido na Islândia por volta do ano 970.
A população aumentou de forma constante e daí surgiu a necessidade de se encontrar um local para as pessoas se reunirem, resolverem disputas e acordarem sobre regras a respeitar. Após se realizarem algumas assembleias distritais, a primeira assembleia de toda a nação islandesa teve lugar num promontório bem localizado, com boas pastagens, lenha, água e, além disso, perto dos principais centros populacionais e das principais vias terrestres; esse promontório localiza-se aqui, em Thingvellir. Estávamos no ano de 930, e o parlamento islandês é, por isso, o mais antigo do mundo.
À entrada do Parque Nacional de Thingvellir. Aqui nasceu a Islândia.
As assembleias em Thingvellir resistiram ao período de cerca de 43 anos de lutas internas (início do século XIII), depois, a partir de 1262, ao período em que a Islândia fez parte do reino norueguês, e mais tarde, a partir de 1397, quando fez parte do reino da Dinamarca e Noruega; duraram até 1798, ano em que foram suspensas. O vale passou então por décadas de esquecimento. Mas quando o movimento independentista europeu chegou à Islândia, no início do século XIX, Thingvellir desempenhou novamente um papel relevante na sociedade, como símbolo de independência. Nesta altura a Islândia fazia parte do reino da Dinamarca, que entretanto se separara da Noruega; e foi o rei dinamarquês Kristian VIII quem, em 1843, autorizou que os islandeses se voltassem a reunir em assembleia, ainda que sem poderes legislativos. Esta veio a realizar-se em Reykjavik, no ano de 1845. Mas, três anos depois, em 1848, realizar-se-ia de novo uma assembleia no velhinho promontório de Thingvellir, com 19 delegados, os quais redigiram uma petição ao rei, solicitando que este proporcionasse aos islandeses uma assembleia com os mesmos direitos dos súbditos dinamarqueses.
O nosso carro islandês. Económico e fácil de identificar.
Em 1874 foi realizado em Thingvellir um festival para comemorar os mil anos de assentamento na Islândia. Nesta ocasião, o rei Kristian IX concedeu aos islandeses a sua primeira constituição, garantindo ao parlamento poderes legislativos e financeiros, ainda que limitados. Finalmente, a sucessão de grandes acontecimentos em Thingvellir culminou, em 17 de junho de 1944, com a fundação da república islandesa, precisamente no dia de um dos seus heróis nacionais, Jón Sigurosson. Apesar da chuva e do vento, ninguém entre o grande número de islandeses presentes abandonou o local, pois este foi o dia mais importante da história da Islândia.
Thingvellir, porém, não é interessante apenas pela sua rica história. Este vale é também extraordinário do ponto de vista natural. A paisagem submersa do parque é cheia de vales, falhas e fontes de lava, formados pelo afastamento gradual de duas placas, que se distanciam em média dois centímetros uma da outra a cada ano que passa. E que placas são essas? Simplesmente, as placas tectónicas da América e da Eurásia, que aqui quase se tocam, pois a Islândia fica localizada na dorsal média atlântica do Atlântico norte, cujo rift cruza toda a Islândia e é particularmente visível em Thingvellir.
Fla tenta afastar mais depressa a América do Norte da Eurásia.
O afastamento das placas provoca uma tensão que é aliviada por fortes terramotos periódicos, com um intervalo de cerca de dez anos. Estes terramotos provocam grandes fendas, sendo uma das mais famosas a chamada Silfra, uma fenda subaquática, que muitos curiosos e aventureiros visitam, praticando snorkelling ou mergulho. Por tudo isto, é quase impensável visitar a Islândia sem passar por Thingvellir, até porque o parque dista do centro de Reykjavik uns meros 47 quilómetros.
E se retomarmos a viagem no mesmo sentido, chegaremos, 70 quilómetros depois, a Gullfoss, a dupla cascata mais famosa da ilha. Em 1875, Sigrídur Tómasdóttir e suas irmãs, filhas do proprietário daquelas terras, abriu o primeiro caminho de acesso à cascata, e foi assim que esta foi ficando cada vez mais conhecida. Na década de 1920, um grupo de investidores estrangeiros queria ali construir uma barragem, tendo obtido a respetiva autorização do governo islandês. No entanto, o pai de Sigrídur opôs-se e esta decidiu caminhar descalça até Reykjavik (mais de 100 quilómetros) para protestar junto do Governo, e ameaçando cometer suicídio na própria cascata, caso o projeto fosse em frente. Acabou por ver os seus intentos satisfeitos, e Gullfoss permaneceu intacta até hoje, ganhando o estatuto de Reserva Natural em 1979. Desde essa data encontra-se em Gullfoss uma escultura de Sigrídur Tómasdóttir.
As cataratas de Gullfoss. A água corre profusamente em muitos pontos da Islândia.
Muito perto de Gullfoss fica o último ponto do Círculo Dourado – Haukadalur – uma vale geotérmico onde podemos ver vários geysers, um deles chamado propriamente Geysir, do qual resultou a palavra “geyser” que atribuímos a este tipo de fenómeno geotérmico. Além dos geysers encontramos em Haukadalur fontes termais, lagos de lama fervente e fumarolas. A área envolvente é muito bonita devido à coloração das montanhas, a qual resulta dos elementos que, das profundezas da terra, são trazidos à superfície pela atividade geotérmica. É recomendável visitar Haukadalur no Inverno, quando a escassa luz do dia confere extraordinários tons de laranja e rosa ao vapor lançado no ar pelos geysers, que não se conseguem ver no Verão.
Da mesma forma, se se quiser observar plenamente as espetaculares auroras boreais, não se deve visitar a Islândia (ou outro país qualquer com território próximo do polo) durante o Verão. A melhor altura para vê-las é entre Setembro e Março. Aliás, todo o esplendor da natureza na Islândia fica mais patente durante o Inverno, quando a noite cobre mais de vinte horas do dia e a corrente quente do golfo ameniza os invernos islandeses. A única vantagem de visitar a Islândia durante o Verão, como foi o nosso caso, é a maior mobilidade que o tempo nesta estação permite, pois há muito mais estradas transitáveis, sem neve e sem gelo.
“Geysir” deriva do verbo islandês “geysa”, (que quer dizer “jorrar”) e deu origem à palavra inglesa “geyser”, a qual adotamos quando nos queremos referir a uma fonte de água termal que jorra periodicamente, como é o caso do verdadeiro geyser e também, por extensão, a jatos de água artificiais que por vezes vemos em certos locais das nossas vilas ou cidades.
Tivemos oportunidade de visitar ainda, agora na parte sudoeste da ilha, abaixo de Reykjavik, a reserva natural de Reykjanesfolkvangur, o lago de Kleifarvatn, alimentado por água que vem diretamente do subsolo, e o campo geotérmico de Krysuvik. Não muito longe fica a Lagoa Azul, uma zona termal muito famosa, assim chamada por causa da forma como a sílica (dióxido de silício), o elemento mais presente na lagoa, reflete a luz visível. Este composto mineral (silício e oxigénio) fica suspenso na água e reflete apenas os comprimentos de onda azuis da luz; as restantes cores são absorvidas, e é por isso que a lagoa é azul. É bastante curioso que esta lagoa se formou a partir das águas de escoamento de uma das cinco fábricas geotérmicas do país. Os engenheiros pensavam que a água vazaria pela lava e voltaria aos aquíferos vulcânicos da terra; porém, devido à alta concentração de sílica, a drenagem esperada não ocorreu e antes um belo volume de água tomou forma.
Lagoa Azul.
A partir dos anos oitenta do século passado, os habitantes locais começaram a banhar-se nas águas da lagoa, cuja temperatura era mais que agradável (37º-39º). Pouco depois foram descobertas propriedades terapêuticas na lagoa e esta transformou-se num foco de intensa pesquisa científica, dando origem, em 1992, à Blue Lagoon Limited, uma empresa dedicada à pesquisa dos elementos primários da sua água: sílica, algas e minerais. Em 1995 comprovaram-se os benefícios para a saúde das águas da lagoa, o que impulsionou a inauguração, em 1999, de um moderno spa e, em 2005, de um hotel-clínica para o tratamento da psoríase. Finalmente, em 2018, a BLL inaugurou um luxuoso resort geotérmico, que integra um hotel de luxo, um spa subterrâneo e um restaurante temático, onde se reinventa a tradição culinária da Islândia.
A energia geotérmica começou a ser utilizada em larga escala a partir dos anos setenta do século XX e é muito importante para os islandeses, pois 95% das suas casas são alimentadas por este tipo de energia. O vapor e a água dos vulcões são canalizados para as fábricas e estas produzem a eletricidade e a água quente que a comunidade necessita.
Tivemos ainda tempo, durante a nossa estadia nesta bela ilha, de visitar duas pequenas e simpáticas cidades do norte – Isafjordur e Akureyri. Esta, com menos de 20 mil habitantes, é a sede do quarto município mais populoso da Islândia e é considerada a “capital do norte”. São cidades setentrionais, ambas rodeadas de montanhas nevadas, onde a vida é muito diversa daquela que observamos nas típicas cidades europeias.
Junto ao Museu Marítimo de Isafjordur.
Isafjordur percorre-se a pé de uma ponta à outra em menos de meia-hora. Aqui as principais atrações são a Casa de Cultura, o pequeno porto de pesca, as simpáticas casas de madeira (no parapeito de janela de uma delas vimos um pequeno galo de Barcelos!) e o Museu Marítimo, assim designado nos livros de viagens, mas cujo nome verdadeiro (em inglês) é Westjjords Heritage Museum. Este museu oferece uma visão única da rica história marítima e da cultura desta região.
Já em Akureyri, há mais para ver, uma vez que esta cidade, apesar de pequena, é muito maior que Isafjordur; é mesmo a maior cidade fora do sudoeste finlandês. Aqui podemos visitar, entre outros, o Museu de História Natural, o belo e singular jardim botânico, a igreja luterana que, situada no topo de uma colina, domina todo o burgo, o bairro antigo, a casa do escritor de literatura infantil Jón Sveinsson e o centro da cidade, com o seu comércio, onde sempre se pode comprar algum souvenir. Nós comprámos um livro (traduzido para inglês) do grande escritor islandês Halldór Laxness – World Light.
No jardim botânico de Akureyri, a apenas 100 quilómetros do Círculo Polar Ártico.
“Luz do Mundo”, um título que poderia ser o da nossa viagem. Enquanto aqui estivemos não vimos noite verdadeira. E, ao contrário do que geralmente se pensa, no Inverno não ocorre o oposto. Em dezembro ou janeiro, há realmente poucas horas de luz natural e o sol, tal como no Verão, demora imenso tempo a desaparecer no horizonte. Mas o grau de escuridão durante o Inverno depende muito da neve que cobre as superfícies. A neve reflete a luz e amplifica-a. E neve é algo que não falta por aqui.
Regressámos da Islândia com a cabeça cheia de recordações futuras. Sim, estas ilhas são mesmo inesquecíveis.
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Contactos importantes para quem viaja na Islândia: