O Santo do Povo

Igreja de Santo António, em Lisboa. Tardo-barroca, data dos finais do século XVIII, e é fruto da reconstrução a que foi sujeito o anterior templo, em consequência do terramoto de 1755. De acordo com o que se diz tradicionalmente, ergue-se sobre a antiga casa de morada do santo.

Hoje é dia de Santo António, talvez o santo mais popular do mundo inteiro. De facto, a imagem de António com o menino ao colo multiplica-se em inesgotáveis versões por todos os continentes, e essa singularidade, o facto de ser sempre representado com o menino, permite (sejam quais forem estilos, formas ou materiais usados) uma imediata identificação. Mas, apesar da universalidade de Santo António, apenas duas cidades podem reclamar-se como as cidades deste santo tão popular: Lisboa e Pádua. É por isso que se pode apelidá-lo, com igual propriedade, Santo António de Lisboa ou Santo António de Pádua, pois Lisboa é a cidade onde nasceu e Pádua a cidade onde morreu (e estão depositados seus restos mortais). Mas, talvez mais apropriado, ainda, seja citarmos o Papa Leão XIII: “António é o santo de todo o mundo”. Haverá, pois, inúmeras formas justas de apelidar Santo António e nós também temos uma, não sabemos se original: o Santo do Povo. O pequeno texto que se segue é uma tentativa de mostrar porquê.

A vida de Santo António

António teve uma vida cheia, embora curta, pois viveu apenas 36 anos. Nasceu em Lisboa no ano de 1195, filho primogénito de uma família rica, nobre e poderosa, e foi-lhe dado o nome de Fernando. Frustrando as expectativas da família, Fernando abandona o palácio onde vivia e, com 15 anos, ingressa numa ordem religiosa que ainda hoje existe – os Cónegos Regrantes de Santo Agostinho – enclausurando-se no mosteiro de São Vicente de Fora. É aqui que se inicia a formação que o tornará um dos eclesiásticos mais cultos da Europa no início do século XIII. Pouco tempo depois, para se isolar de parentes e amigos que tentam dissuadi-lo, vai para o mosteiro de Santa Cruz, em Coimbra, igualmente da Ordem de Santo Agostinho, onde se dedica aos estudo de Teologia até completar os 25 anos, quando é ordenado sacerdote.

Capela de Santo António, no local onde se situava a cela do então Fernando de Bulhões, no mosteiro de São Vicente de Fora. Projetada por Carlos Mardel, foi construída em 1740.

Após ter tido conhecimento da morte de cinco franciscanos em Marrocos, Fernando considera a sua vida no mosteiro demasiado confortável e medíocre, e decide ir para o terreno como missionário, com a intenção de se tornar um mártir. Apesar das dificuldades, consegue deixar os Cónegos Regrantes e tornar-se um franciscano. Para cortar todas as pontes com o passado muda o nome para António (há quem diga que em homenagem ao eremita Santo Antão) e, após um breve tirocínio, embarca para África. No entanto, os seus intentos não se realizam, pois, mal desembarca no continente negro, fica gravemente doente com febre malária e vê-se obrigado a regressar a Portugal. Os ventos contrários, porém, empurram o navio em que viaja para a Sicília. Desanimado e doente, António desloca-se a Assis, onde se encontra com São Francisco, no Pentecostes de 1221.

O encontro com o Poverello faz renascer o ânimo de António, que é conduzido ao ermitério de Monte Paulo, no distrito de Forlí. Num desses dias vai à cidade para uma ordenação sacerdotal; o pregador oficial falta, e António é encarregado de dizer algumas palavras. É então que se revela o seu superior talento de pregador. A partir desse dia é enviado a percorrer todos os caminhos de Itália e França. Em 1224, na cidade de Arles, São Francisco aparece durante um seu sermão. E tal como na vida de São Francisco acontece uma pregação às aves, também na vida de Santo António acontece uma pregação, igualmente fantasiosa e poética, aos peixes. Esta teria ocorrido em Rimini, que se encontrava, à data, nas mãos dos hereges. Quando o missionário chega à cidade é recebido com um muro de silêncio. António não encontra ninguém a quem dirigir palavra. As igrejas, as praças, as ruas estão desertas. Então, quando chega ao lugar em que o rio Marecchia desagua no Adriático começa a chamar, dizendo: “Vinde vós, ó peixes, ouvir a palavra de Deus, dado que os homens soberbos não a querem ouvir!”. E os peixes emergem às centenas, aos milhares, para ouvirem Santo António. Entretanto, a curiosidade dos hereges acaba por ser mais forte do que a ordem de silêncio recebida dos seus chefes e uma multidão aproxima-se, já rendida aos dons oratórios do franciscano; muitos, maravilhados, arrependem-se e retornam à religião católica.

A grandiosa Basílica de Santo António, em Pádua. Inspirada na Basílica de São Marcos, em Veneza, mede 115 metros de comprimento, 55 de largura, e 38,5 de altura máxima no seu interior. Combina o românico da sólida estrutura com o gótico das capelas, arcos e abóbadas. É rodeada por oito cúpulas, duas torres sineiras, duas pequenas torres – minarete e dois campanário gémeos que atingem 68 metros de altura. É iluminada por três grandes rosáceas: duas ao lado do altar-mor e a outra na fachada, entre duas janelas geminadas.

Vários milagres são atribuídos a António, e a fama de santo milagreiro espalha-se. Entretanto, promove os estudos de Teologia no seio da Ordem Franciscana, e é nomeado superior dos frades da Itália do Norte; ensina em Bolonha, Montpellier, Toulouse e Pádua; trabalha incansavelmente. Eis o que nos diz um seu contemporâneo: “Pregando, ensinando, escutando as confissões, acontecia-lhe chegar ao fim do dia sem ter tido tempo para comer”. A saúde, debilitada desde os tempos de Marrocos, deteriora-se e António, cansado pelas fadigas e pela hidropisia, pressentindo o fim, pede para se recolher em contemplação no convento de Camposampiero, no ermitério que o dono do lugar, o conde de Tiso, tinha doado aos Franciscanos, junto ao próprio castelo. Uma noite o conde, que, cansado da vida política, se havia tornado discípulo de Santo António, aproximou-se da cela do amigo e viu que da mesma se libertava uma intensa luminosidade. Pensando que fosse um incêndio abriu a porta e deparou com uma cena prodigiosa: António segurava nos braços o Menino Jesus. O Santo pediu-lhe humildemente que não contasse nada a ninguém e o conde assim fez; só depois da morte de Santo António contou o que tinha visto.

No dia 13 de Junho de 1231, uma sexta-feira, Santo António faleceu. De acordo com o seu desejo, o corpo foi transportado para a pequena igreja de Santa Maria, em Pádua. Toda a cidade acompanhou o funeral e, nessa mesma tarde, sobre o seu túmulo, começaram os milagres. A fama do Santo espalhou-se ainda mais, e peregrinos, alguns de zonas longínquas, dirigem-se a Pádua. O processo de canonização inicia-se de imediato e conclui-se rapidamente, com o reconhecimento unânime da sua santidade. Os confrades de António, ajudados pelos paduanos e pelos peregrinos iniciam então a construção de uma grande basílica onde tencionam repor dignamente os restos mortais do Santo dos milagres. Em 1263, os restos mortais de Santo António são transportados para a nova basílica. Aberto o caixão, verificam que a língua se conserva prodigiosamente incorrupta.

O túmulo de António na “Capela do Santo”. Basílica de Santo António, Pádua.

Como era Santo António

Após o reconhecimento de 1263, ocorreu um novo reconhecimento, com autorização de João Paulo II, em 1981, por ocasião dos 750 anos da morte do Santo. Os restos mortais revelaram-se perfeitamente conservados. Médicos e historiadores tiveram a oportunidade de reconstruir as características físicas de Santo António: cerca de 1,70 m de altura; estrutura frágil, pouco robusta; perfil nobre; rosto alongado e estreito; olhos encovados; mãos compridas e finas. O mais extraordinário foi este reconhecimento ter confirmado o de 1263 também no que toca ao aparelho vocal: este manteve-se intacto, com a língua incorrupta, tal como 718 anos antes. Os diferentes elementos do aparelho vocal foram então guardados em relicários. Estes, por sua vez, encontram-se na “Capela das Relíquias” ou do “Tesouro”, construída nos finais do século XVII, em estilo barroco, sob projeto do arquiteto e escultor Filippo Parodi, uma das sete belíssimas capelas da não menos belíssima Basílica de Santo António. O esqueleto de António, recomposto dentro de uma urna de cristal protegida por uma caixa de madeira de carvalho, foi colocado novamente no seu túmulo, em 1 de Março de 1981. Só no mês de Fevereiro de 2010 os fiéis puderam ver os restos mortais do Santo. Esta foi a sua última exposição.

Santo Popular

Santo António desde cedo se tornou popular. Foram e são-lhe atribuídos inúmeros milagres. E todos sabemos como os milagres mais pedidos são os da saúde e do amor… Assim, não surpreende que tenham sido atribuídos ao pobre António incontáveis milagres amorosos e que ele tenha ganhado, sem vontade própria, a fama de casamenteiro. Ora, quem pode ser mais popular que um casamenteiro? Como pudemos testemunhar, quer em Portugal, quer no Brasil, mas também em Pádua e noutras partes do mundo, as festas em honra de Santo António, no dia 13 de Junho (que começam na véspera), estão fortemente implantadas na cultura popular de vários povos. Curiosamente, algumas tradições do tempo da nossa infância no bairro de Alfama, em Lisboa, que aí caíram em desuso, por exemplo “saltar à fogueira”, continuam bem vivas no Brasil, como constatámos na Paraíba, numa viagem noturna entre Campina Grande e João Pessoa: em todas as povoações por que passámos, vimos fogueiras.

Este Santo António fez um longo percurso desde Ouro Preto, no Brasil, até o Algarve, em Portugal.

Tivemos a sorte de conhecer Campina Grande e Caruaru, as duas cidades, a primeira na Paraíba e a segunda no Pernambuco, que rivalizam para organizar as melhores festas juninas do Brasil, embora estas estejam fortemente implantadas em todo a Federação, sobretudo no Nordeste. As quadrilhas juninas organizadas por associações locais dos municípios nordestinos, proliferam por todo o lado e, claro, o ponto alto das suas atuações acontece durante as festas em honra dos santos populares. As exibições das quadrilhas arrastam muitos aficionados, à semelhança do que acontece com as marchas populares, em Lisboa, e as coreografias, que obedecem a certos cânones, são, apesar disso, muito criativas.

Os portugueses espalharam o culto de Santo António pelo mundo inteiro através das viagens marítimas e o Brasil é, muito provavelmente, o país onde esse culto está mais propagado. Uma das festas mais emblemáticas em honra de Santo António realiza-se anualmente na cidade de Oriximiná, perto de Santarém, entre o primeiro e o terceiro domingos de agosto. Trata-se de uma das maiores manifestações de fé do povo do Oeste do Pará – o Círio de Santo Antônio – cujo ponto mais alto é a procissão fluvial noturna no rio Trombetas. A romaria é acompanhada por embarcações iluminadas e decoradas, e sobre as águas flutua uma miríade de barquinhas coloridas igualmente iluminadas, fabricadas em aninga e papel de seda multicolor, confecionadas pela comunidade escolar e pelos romeiros, iluminando o rio durante o cortejo. São milhares de pontos de luz que brilham nas águas escuras como as estrelas reluzem nos céus.

A procissão de Santo António passa pelas ruas apertadas de Alfama. Na foto, o andor do arcanjo São Miguel. Pela primeira vez, depois de muitos anos, hoje, devido à Covid-19, não haverá procissão de Santo António.

A nossa ligação a Santo António existe desde que nascemos, em Alfama, num dia 12 de Junho. Todos os anos, nesse dia, os lisboetas preparam-se para a noite mais longa do ano, a maior festa popular da cidade. Desde o tempo da minha infância até agora, a Noite de Santo António foi-se modificando: já não se salta à fogueira; já não se queimam alcachofras; já não se fazem os bailaricos nos pátios e as festas particulares, mas abertas a todos, dos vizinhos de cada beco; já não se ouvem cantigas populares que provavelmente se perderam no tempo (talvez ninguém se tenha lembrado de fazer uma recolha de pelo menos algumas dessas cantigas, o que é pena); já não se oferecem sardinhas a quem passa. Hoje, infelizmente, os moradores do bairro que intervêm na festa pensam sobretudo no negócio: em fazer um “retiro”. Apesar das mudanças, a animação é garantida, com o bairro repleto de visitantes.

O mesmo se passa na Mouraria, na Graça, no Castelo, na Bica, no Alto do Pina e em muitos outros bairros de Lisboa. A meio da noite, mais ou menos, a Marcha, vinda da atuação na Avenida da Liberdade, percorre as ruas de Alfama até ao Centro Cultural Magalhães Lima. Tal como na saída, ao fim da tarde, trata-se de um momento alto para os bairristas mais fervorosos. Nessa noite é normal as pessoas deitarem-se quando já é dia – Dia de Santo António. No 13 de Junho, de manhã, sabe-se qual é a marcha vencedora; e, à tarde, vinda da Igreja que tem o seu nome, passa pelo bairro a procissão de Santo António, à qual se vão juntando andores de outras paróquias – Sé, São Miguel, Santo Estevão, São Vicente, Santa Cruz do Castelo e São Tiago – até regressar ao local de origem. Em alguns anos assistimos a tudo isto sem interrupção, fazendo uma “direta”, voltando a casa apenas na noite desse dia 13. O padroeiro oficial de Lisboa é São Vicente (o primeiro fora São Crispim), mas pouca gente sabe ou quer saber disso. O padroeiro popular, o verdadeiro, é Santo António. O Santo do Povo.

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Fontes:

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Ainda o Turismo

Alfama
O bairro histórico de Alfama.

A Associação de Turismo de Lisboa divulgou hoje um relatório do qual destacamos os seguintes dados, relativos ao ano de 2015.

– 8.437 milhões de euros gerados pelo turismo na região de Lisboa.
– 149.914 novos postos de trabalho motivados pelo turismo.
– 7,3 milhões de hóspedes (o dobro de 2005).
– Aumentos proporcionados pelo turismo em 2015, relativamente ao ano anterior (2014): + 240 milhões de euros na hotelaria; + 200 milhões de euros na restauração; + 140 milhões de euros em transportes e compras; + 100 milhões de euros em congressos.
– De acordo com pesquisa levada a cabo pela ATL, 91% da população lisboeta considera que o turismo causa um impacto positivo na cidade.

As pessoas que estão cansadas e incomodadas devido ao aumento do número de turistas em Lisboa, sobretudo nos bairros históricos, deveriam olhar com atenção para estes números. A realidade mostra que o turismo é o setor que mais contribui para que a economia – e, logo, a nossa vida – não esteja, nestes tempos difíceis, muito pior. A diminuição do desemprego em Portugal deve-se, em larguíssima medida, ao aumento do turismo. O “comportamento” positivo das nossas exportações deve-se também ao turismo, que representa 15% do total. Em suma, os milhões de cidadãos que nos visitam são os grandes responsáveis pela melhoria dos dados económicos do país. As receitas do turismo em 2016 ascendem, em todo o país, aos 12.680 milhões de euros, um crescimento de 10,7% face a 2015.

Entretanto, o Porto foi considerado o melhor destino europeu para 2017. O turismo diversifica-se em Portugal, já não é apenas Lisboa e o Algarve. Os prémios recorrentes que vencemos provam a nossa vocação turística. Uma vocação que se baseia numa característica genuinamente lusa – a universalidade do nosso povo e a qualidade, tão nossa, de bem-receber.

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Alfama à Solta

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Metade do gesto elegante é pura hipocrisia. Mas isso não lhe retira o encanto.

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Embora cada ciência tenha o seu objeto próprio, já todas estiveram integradas numa única disciplina – a Filosofia. Isto quer dizer que todas elas mantêm uma ligação entre si, apesar da sua autonomia. A disciplina que trata dessa ligação, que une todas as ciências, é precisamente a Filosofia.

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O ser humano que se aventura no desconhecido, qual passarinho lançado no espaço antes do acordo da mãe, é, em geral, o mais nobre e generoso.

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O milagre económico da Direita redunda, em geral, em desastre social; o milagre social da Esquerda redunda, em geral, em desastre económico.

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Os sintomas de clubite aguda são, amiúde, a ponta do iceberg de uma patologia crónica, por definição incurável, face à incapacidade do indivíduo reconhecer – e tão pouco admitir – o seu estado de mania ou depressão.

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Clubite é a forma socialmente aceite de desejarmos o pior aos nossos vizinhos e amigos.

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A Liberdade, individual ou coletiva, é algo tão amplo, profundo e desconhecido que chega a ser assustador. É por isso que as regras sociais não são suficientes, precisamos de outras balizas para não nos sentirmos perdidos no mundo. A adoção de dogmas, pessoais ou coletivos, é o preço a pagar pelo medo da Liberdade.

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São desinteressantes as entrevistas em que os convidados falam de si próprios. As vidas privadas têm, por vezes, interesse público, mas quase nunca quando analisadas em causa própria. É entediante a conversa sobre idiossincrasias de personalidades infladas pelo sopro mediático. Fernando Pessoa tinha razão: a publicidade da vida privada é, não apenas esteticamente, algo desprovido de valor.

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Nenhuma carreira produz resultados tão definidos como a de advogado – 1% de heróis e 99% de cretinos.

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Esquerda e Direita são como dois sacos onde cada um – de acordo com a sua história pessoal – coloca o que quer. Eu há muito que despejei cada um deles. E para que não restassem dúvidas, lancei os sacos no lixo.

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É verdade, às vezes, fico hesitante. É que vejo tanta gente com ar professoral, convencida da sua sapiência, que fico de pé atrás – quem me diz que não acontece o mesmo comigo?

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Não é procurando provas que confirmem a nossa posição que a fortalecemos. Fazêmo-lo buscando provas contrárias à nossa posição.

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Os ideólogos mais empolgados continuam falando como se estivéssemos ainda na Guerra Fria. Entretanto o mundo “pula e avança”.

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Há “filósofos” que nos dizem como devemos pensar (ou comportar-nos) e há filósofos que não nos dizem como devemos pensar (ou comportar-nos). Só estes últimos são filósofos verdadeiros. Quem não reconhecer a diferença entre os dois géneros pouco percebe de Filosofia.

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Há três obras que nos proporcionam um melhor entendimento sobre o que são historicismo, totalitarismo e coletivismo, todas escritas na ressaca da II Guerra Mundial. Refiro-me aos trabalhos monumentais de Karl Popper e Hannah Arendt, respetivamente, A Sociedade Aberta e Seus Inimigos e Origens do Totalitarismo, e ao trabalho não tão monumental mas igualmente indispensável de Friedrich Hayek, O Caminho da Servidão, três das obras mais importantes do século XX. Quem as não leu terá certamente uma perspetiva mais pobre sobre a centúria em que tantos milhões de seres humanos pereceram, face à incúria de políticos irresponsáveis.

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Em matéria política, a sabedoria está do lado do homem comum, não do dos intelectuais.

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As melhores sociedades humanas são aquelas onde se tenta minimizar o mal. As piores são aquelas onde se tenta maximizar o bem.

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Governar um país é como navegar à bolina. Ora para estibordo, ora para bombordo, apenas o tempo necessário para manter o rumo.

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Pouco importa teres muitos conhecimentos se não tiveres com quem os discutir; pouco importa estares num lugar paradisíaco  se não tiveres com quem o partilhar; pouco importa o amor que tens no coração se não tiveres a quem o dar. As únicas coisas que te consomem sozinho são o ódio e a inveja.

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John Stuart Mill disse uma vez o seguinte ao liberal francês Alexis de Tocqueville: ” o gosto em fazer com que os outros se submetam a um modo de vida que consideramos mais útil para eles do que eles próprios consideram não é muito comum na Inglaterra”. Eis por que gosto tanto dos ingleses.

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Dois dos maiores países do mundo transformaram-se em Estados comunistas na sequência da Grande Guerra. A Rússia pela ajuda que a Alemanha deu a Lenine e a China por se sentir injustiçada com os termos do Tratado de Versalhes.

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Se algum pensamento te perturba, lembra-te que sentimentos negativos atingem a todos. Alguns ultrapassam-nos mais facilmente porque não são tão exigentes com eles próprios como tu és contigo.

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Muitas obras antigas não teriam sido realizadas se naquele tempo já existissem psicólogos.

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As ideologias são medicamentos fora de prazo.

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Gosto de pessoas que falham, que erram, que se enganam. Gosto de pessoas humanas. Mas pior que os infalíveis são os moralistas. Estes são os seres mais perniciosos em sociedade.

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A moral não se apregoa, pratica-se e é tudo. Jesus foi revolucionário porque rejeitou a moral vigente; por isso era conhecido como o “amigo dos pecadores”; e por isso foi condenado à morte.

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Para Einstein o tempo é aquilo que se mede com um relógio e o espaço o que se mede com uma régua. E como se medem as teorias políticas? O instrumento adequado para medi-las é a História.

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Escrever bem implica dizer o que se pretende usando o menor número de palavras dentro do leque mais vasto possível.

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Que coisa é essa do comunismo, senão um regresso ao passado, ao tempo da gens, quando não existia ainda a propriedade privada, o casamento monogâmico, o comércio, o dinheiro vil? Os comunistas discordam da civilização, mas servem-se dela. Nenhum comunista larga tudo para viver em grupo fechado, na natureza.

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O excesso de culpa pode fazer-nos virar contra nós próprios até ao insuportável, e levar-nos a cometer um crime; a ausência de culpa pode transformar-nos em loucos psicopatas. Em nenhum outro lugar, como dentro de nós, é tão importante o equilíbrio.

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Acontece com frequência conceder-se maior tolerância a alguns seres humanos prolixos, extravagantes ou geniais, a quem não se leva a mal o exagero, a indelicadeza quando não a ofensa. A tolerância que eu possa ter – e tenho – não tem a ver com esses critérios. Em mim, os extraordinários não têm sobre os ordinários qualquer privilégio.

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O tempo é um imenso rolo compressor que tudo nivela.

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O princípio da morte sem dor (morte assistida) deveria ser consagrado numa sociedade verdadeiramente humana, como o é o “não matarás”, por exemplo. O verdadeiro salto civilizacional dar-se-á quando dedicarmos a quem parte a mesma atenção e cuidado que dedicamos a quem entra na vida.

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Nada pode mostrar-nos melhor a importância do equilíbrio do que um bom vinho.

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Nenhuma outra palavra é mais adequada como sinónimo de bode expiatório: judeu.

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Envelhecemos e tornamo-nos mais pragmáticos, menos idealistas; ficamos mais tolerantes, mas jamais menos sensíveis.

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A terminologia social e política é fértil em equívocos. Por exemplo, é comum considerar os partidos marxistas-leninistas, e a esquerda mais radical, como “progressistas”. Ora, isto é uma enorme falácia, frequentemente ignorada. De facto, a génese dos pensamentos de Marx e Engels (e antes deles de Platão e Rousseau, entre outros) é conservadora e retrógrada: representa o regresso ao passado, ao tempo sem Estado, sem propriedade privada, sem pensamento crítico, sem ciência e filosofia – é o regresso ao tribalismo mágico. E se é legítimo querer e defender este regresso, já é completamente ilegítimo querer impô-lo aos outros, mesmo que para tal se use os mais variados subterfúgios, como o de apelidar esse caminho de “progressista”.

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Faz-me confusão a militância canina; o fervor de Testemunha de Jeová; o comportamento tribal; a completa ausência de autocrítica; a realidade distorcida e falseada pela cegueira ideológica (ou religiosa, ou clubística, ou outra qualquer); a incapacidade de perceber que são aqueles que mudam da direita para a esquerda e da esquerda para a direita quem faz o caminho, porque a vida é uma navegação à bolina, não uma viagem a favor do vento.

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Há três tipos de marxistas: 1) Os que nunca leram “O Capital”; 2) Os que leram “O Capital” e não o entenderam; 3) Os que leram e entenderam “O Capital”. Noventa e nove por cento dos marxistas atuais pertencem aos dois primeiros grupos. Isso explica, em larga medida, porque existe um abismo entre a doutrina de Marx e os diversos marxismos.

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Os melhores medidores do desenvolvimento social de um Estado são as prisões, os hospitais psiquiátricos e os lares de idosos.

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Por princípio não sou anti-comunista, sou anti-ditador. Dado que a ditadura engloba vários géneros (fascismo, comunismo, nazismo, etc.), sou, subsidiariamente, anti-fascista, anti-comunista, etc.

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Todos precisamos de reconhecimento e os que afirmam o contrário são porventura os mais carentes. Então, por que Pessoa detestava ser reconhecido? Em primeiro lugar, por uma questão de pudor; em segundo, porque, como qualquer perfecionista, era inseguro. Insegurança e pudor – eis as características do esteta.

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O bom político é aquele que adapta as suas ideias à realidade e o mau político aquele que adapta a realidade às suas ideias.

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A diferença entre o grande e o pequeno artista é que o primeiro tenta compreender enquanto o segundo procura ser compreendido.

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A História da Filosofia é a história das ideias de Platão, Aristóteles, uma legião de seguidores e meia dúzia de contestatários. São estes últimos os que me interessam.

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Há no mundo inúmeros artistas. Talvez haja mesmo um artista escondido em cada um de nós. Mas não devemos esperar que o Estado sustente a nossa vocação artística. A primeira vocação que se exige a cada um(a) é aquela de sustentar-se honestamente.

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Mais do que um ato de liberdade, a adesão a um partido político ou a uma ideologia, é a entrada numa prisão.

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Quem te convenceu de que o teu governo é melhor que o teu patrão?

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A água da nascente cai, provocando milhares de milhões de bolhinhas que logo desaparecem. Estas bolhas somos nós. Umas duram mais uma fração de segundo que outras. A diferença de duração pode equivaler à diferença entre vivermos 10 ou 90 anos. O tempo real é o da água que corre. Se a nascente secar o tempo é finito, caso contrário, eterno.

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Não basta proclamar o amor para se ser nobre. Isso seria demasiado fácil e criaria a ilusão de que somos todos iguais, o que manifestamente não somos. Pelo contrário, algo nos diferencia nos esforços que fazemos (ou não) para aceitarmos, compreendermos e minimizarmos as nossas raiva, frustração e impotência e, quantas vezes, o ódio – irmão gémeo do tão banalizado amor. É esse esforço  – que quanto mais árduo for maior valor humano conterá – que pode, surpreendentemente, conduzir-nos ao amor verdadeiro. Aliás, ele é já, em si mesmo, um genuíno ato de amor.

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A principal diferença entre o idealista e o realista é que o primeiro valoriza as intenções e o segundo os resultados.

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Há ideias perversas que veiculam a mensagem de que existem nações melhores que outras. Mas o que existe apenas são nações piores, no período determinado em que, nestas, aquelas ideias proliferam.

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A Esquerda acredita que o homem nasceu bom e foi a sociedade que o corrompeu. A Direita, pelo contrário, acha que o homem é um ser imperfeito por natureza. É curioso que este pessimismo da Direita permita, no entanto, acreditar numa sociedade satisfatória; e que o otimismo original da Esquerda se transforme num permanente pessimismo (quando não, desespero) face à impossibilidade de reconduzir o homem ao seu estádio natural.

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Apesar dos graves problemas, vivemos no melhor mundo de sempre, um mundo maravilhoso. É esta mensagem simples e verdadeira que temos o dever de transmitir aos vindouros.

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Nada se pode sobrepor à minha experiência (adoto aqui a frase de Carl Rogers), nem sequer uma teoria científica. É com base naquela que, crítica e racionalmente, aceito ou rejeito esta.

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Há dois tipos de inflamação neuronal – a clubite e a partidarite. E desiluda-se quem ache que os sintomas são dissemelhantes. Ambas tornam o paciente acrítico relativamente à realidade.

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Se tivesse de escolher uma ciência puramente humana, não me viraria para a Medicina, a Filosofia ou a Psicologia. Escolheria outra muito mais paradoxal. Uma ciência que, criada, desenvolvida e reinventada por nós, ganhou uma “vida” que todos os dias procuramos desvendar: a Economia.

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A maior contradição das religiões cristãs, e sobretudo da católica, prende-se com a ritualização da morte. Existe uma contradição insanável entre a crença na vida após a morte e a tristeza profunda a que se assiste nos velórios e funerais. Essa contradição é ainda mais paradoxal quando – o que acontece frequentemente – a morte traz consigo a libertação, após um sofrimento atroz.

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Nenhuma questão macroeconómica se pode explicar e, sobretudo, antever apenas pelos números. Há sempre uma variável largamente indeterminada que influencia as decisões dos agentes económicos: as célebres expectativas. Nenhum político devia ignorá-las.

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Só sendo independente se pode ser convergente. O dependente é sempre divergente.

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Há várias formas de te dedicares à causa pública e de ajudares o próximo. A pior delas é alistares-te num partido político.

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Aprecio formas. Detesto formalismos.

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Não admira aquele impulso que nos conduz à taberna após o funeral de um amigo. A vida não é mais que uma curta bebedeira em que nos esquecemos que o nosso lugar não é aqui: estamos apenas no pequeno intervalo de uma peça que durará eternamente sem nós.

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A Literatura realista é bem mais interessante que a fantástica. É mais ampla, complexa, divertida, dramática, empolgante e, afinal, fantástica pela simples razão de que a realidade é sempre mais surpreendente que a nossa imaginação.

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Às vezes apetece perguntar aos jovens de vinte e de trinta anos: já pensaram como vão ser daqui a outros vinte, trinta anos? Não? Pois eu digo-vos o seguinte: ou vão pensar exatamente o mesmo que pensam hoje – o que significará que se quedaram estupidamente petrificados – ou vão pensar algo completamente diferente – o que significará que a vida vos ensinou alguma coisa e devem, por isso, ser mais calmos, contidos e prudentes, relativamente ao que julgam saber, pois a vossa perspetiva inevitavelmente mudará.

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Dois modelos económicos são confrontados, em geral, nas eleições democráticas: o keynesiano e o (neo) liberal. Muitos são fiéis a um ou outro desses modelos. Mas alguns dividem-se e votam de acordo como que acham melhor em cada momento eleitoral. Estes têm razão. A teoria económica é como a teoria da luz. Tal como esta pode ser onda ou partícula, também a economia é, consoante as circunstâncias, keynesiana ou liberal.

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Houve em tempos em Portugal um grande humorista chamado Herman José. Algumas das personagens que criava eram tão interessantes que ele, no meio delas, nos parecia absolutamente banal.

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O problema do exímio contador de histórias é ser primo do boateiro.

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Não são apenas o clima, a luz, as frutas, os queijos, o azeite, o vinho e o pão mediterrânicos que são os melhores do mundo. As mulheres são também as mais belas.

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Uma sociedade decente não é uma sociedade de iguais, pois todos somos diferentes e à diferença temos direito. Uma sociedade decente é uma sociedade de homens e mulheres livres.

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Brincar é bonito. Zombar é feio. A linha divisória entre uma ação e outra é marcada pelas educação e sensibilidade.

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O problema do utópico é que, de tanto elevar o olhar, deixa escapar a realidade que lhe corre debaixo dos pés.

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O que fundamentalmente caracteriza a atividade humana é a sua luta contra a Natureza. Pares de óculos, preservativos e deuses não passam de armas diversas de uma mesma luta pela emancipação. Uma luta interminável, à qual não podemos pôr cobro. Se isso acontecesse, pura e simplesmente extinguir-se-ia a Humanidade.

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Gosto dos dias largos da Primavera quando o tempo não corre, escorre.

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Não tenho nada contra os que invocam o seu direito ao irracionalismo desde que não protestem quando o irracionalismo um dia lhes cair em cima.

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Os mandatos presidenciais de Cavaco e Marcelo mostram como é muito fácil equivocarmo-nos e como, por vezes, temos a incrível sorte de acertar.

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O caráter efémero, superficial e ilusório da moda não se manifesta apenas no mundo das passarelas e do design. Toda a sociedade é afetada pelo fenómeno do modismo.

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De todas as modas, as mais perniciosas são as modas intelectuais.

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O problema da sexologia é que vê o sexo como uma espécie de tecnocracia. Ora no sexo, como em qualquer arte – e o sexo nos humanos é também arte – a técnica é, sem dúvida, importante, mas a técnica sem expressão é vazia. O mais importante no sexo é a alma.

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O nacionalismo é um mito e os mitos são como os cogumelos: há os comestíveis e os venenosos.

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Racionalistas não sabem prever o futuro.

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Podes estar convencido de que és um inteligente acima da média. E, se reparares à tua volta, em círculos cada vez mais largos, é bem provável que a maioria pense como tu. O cerne da questão, porém, não consiste nessa impossibilidade estatística (de facto, não é possível a maioria estar acima da média) mas na tua convicção: com ela já pisaste, pelo menos com um pé, o terreno lúbrico da estupidez.

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O pioneirismo do que chamamos de Descobrimentos Portugueses tem pouco que ver com “descobertas”. Feitos muito mais extraordinários foram levados a cabo por diversos povos, muitos séculos antes da epopeia portuguesa – os Polinésios, por exemplo, que, em simples canoas, percorreram mais de mil milhas marítimas para colonizarem terras, como a Ilha de Páscoa, ou os Vikingues, que, nos seus navios rudimentares chegaram à América. A grande novidade dos chamados Descobrimentos foi o estabelecimento regular do comércio de longa distância, que impulsionou um novo período, mercantilista, que viria a culminar no que hoje se conhece por globalização.

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As notas de rodapé são como os acabamentos de uma casa: pormenores importantes.

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Kant e Popper correspondem, na Filosofia, a Newton e Einstein, na Física. Outro grande filósofo aparecerá quando houver uma nova revolução na Física.

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A presunção e o convencimento são, respetivamente, a estupidez dos ignorantes e a dos eruditos.

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Crer ou não crer, eis a questão.

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O ódio é um amor magoado.

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Num país de (péssimos) críticos, nada mais natural do que um país crítico.

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Abril não tem cor. Trouxe-nos a liberdade para o pintarmos como quisermos.

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Não são as leis progressistas que tornam melhor o Povo. É o Povo progressista que torna as leis melhores (a propósito da eutanásia).

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Dois intelectuais, dois ganhadores do Nobel, dois escritores, dois famosos interventores sociais do início do século XXI: Llosa e Saramago. Os pensamentos de ambos estão nos antípodas. Mostrará a história, um dia, quem tinha razão? Não sei, talvez ninguém saiba ou talvez seja impossível saber. Mas sei que, apesar de saber muitíssimo pouco, sou Llosa e não Saramago.

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A estupidez é provocada tanto pela carência de inteligência como pelo seu excesso.

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O historicista tem horror da mudança. Procura pará-la (Platão), domá-la (Hegel) ou prevê-la (Marx).

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Divulgar o que te vai na cabeça, sim. Desde que tenhas em consideração o que vai na cabeça de muitos outros.

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Apregoar uma moral ou impô-la a si próprio. Eis a diferença entre o ideólogo e o filósofo.

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Jesus foi não apenas um judeu, mas um judeu cheio de zelo. Um zelota.

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Liberdade não é ideologia. Liberdade é o que possibilita termos, ou não, uma ideologia.

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Bendito aquele que não precisa de ser pai para gostar de crianças e bendito o que não precisa de ser idoso para respeitar os mais velhos. Benditos todos os que não precisam de ser mudos para amarem os que não têm voz.

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A verdadeira oposição não é entre esquerda e direita, pois as esquerda e direita moderadas estão ambas no campo da democracia, do direito e do respeito pelo indivíduo, bem como a extrema-esquerda e a extrema-direita estão ambas no campo da tirania. A verdadeira oposição é entre liberdade e opressão, entre isonomia e injustiça. E sim, sim, os extremos tocam-se.

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Há lugares no mundo que podemos amar, embora só os conheçamos de passagem. Como uma mulher inesquecível com quem estivemos uma única vez.

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Tal como algumas pessoas correm 10 kms por dia para manterem a boa forma física, eu pronuncio dez vezes por dia a frase “não julgues ninguém exceto a ti mesmo” para manter a boa forma mental.

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Gosto tanto do equilíbrio que eu próprio não passo de um mediano.

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Apesar das nossas melhores intenções, não desejo influenciar o comportamento das pessoas, ajudá-las a mudar num sentido melhor, porque, além de me sentir demasiado ignorante para isso, sempre haverão grandes diferenças entre todos nós e o mundo seria mais desinteressante se essa heterogeneidade diminuísse ou acabasse. Genética e ambiente fazem de cada ser, único no mundo. O nosso dever, portanto, só pode ser o de respeitar cada pessoa na sua singularidade. E as nossas melhores intenções devem dirigir-se não para o indivíduo, mas para melhorar e garantir uma sociedade em que cada um, no respeito pelo outro, possa ser plenamente quem é.

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Tenho um problema antigo com o conceito mais comum de “coerência”, que geralmente quer dizer “acreditar no mesmo até ao fim”.

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Não há discurso mais odioso do que aquele baseado na (suposta) superioridade moral.

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Freud = fraude.

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O maior absurdo da vida reside no contraste entre a consciência humana e a inconsciência da Natureza.

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Há pessoas más com más ideias, pessoas más com boas ideias, pessoas boas com más ideias e pessoas boas com boas ideias (simplificando, claro). Se a primeira e última categorias não suscitam dúvidas, as duas intermédias dão aso a inúmeras confusões.

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Não deixa de ser curiosa esta aparente contradição: os coletivistas preocupam-se sobretudo com os comportamentos individuais, enquanto os individualistas se preocupam sobretudo com o comportamento das instituições.

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Sem futebol, vai morrer muito mais gente de desespero e de tédio do que do novo corona vírus.

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As redes sociais vieram infantilizar um público ávido de fait-divers.

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Beethoven ficaria furioso se soubesse que a sua sonata “Quase uma Fantasia” fora rebatizada de “Sonata ao Luar”. O “delito”, ocorrido dez anos após a sua morte foi perpretado pela imaginação do crítico alemão Heinrich Rellstab, que associou o início da famosa peça à imagem de um barquinho navegando no lago de Lucerna numa noite de lua cheia.

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O elogio fúnebre é-me impossível. Fico sem ar, sem ânimo, sem palavras. E quanto maior a intimidade, maior o pudor.

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A Filosofia Oriental debruça-se sobretudo sobre o indivíduo, por forma a que a sua vida seja a mais apropriada para viver em qualquer tipo de sociedade. A Filosofia Ocidental debruça-se sobretudo sobre a sociedade, por forma a que esta seja a mais apropriada para que nela viva qualquer tipo de indivíduo.

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Os países depauperados são aqueles onde o papão “Grande Capital” tem maior acolhimento.

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Detesto tanto a rotina que um dia destes morro só para saber como é.

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O sábio é um eterno aprendiz.

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Há mulheres muito bonitas que são como a fruta normalizada: sem cheiro, sem sabor, sem substrato.

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São três as características das teorias sociológicas:

1- Não nascem do nada, têm sempre algo em que se baseiam – outras ideias ou teorias;

2- São resposta a questões sociais concretas: por isso aparecem sempre em períodos de convulsão social;

3- São datadas no tempo: como qualquer produto humano, não podemos extrapolá-las para o futuro, pois ficam fora de prazo.

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Quem é o liberal? Um indivíduo que sabe:

1- Que o poder político (entenda-se, o Estado) é sempre um mal;

2- Que o poder político é sempre um mal, mas é também sempre um mal necessário.

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Só há uma possibilidade de eternidade: o nada. Uma vez que existe alguma coisa, nada é eterno.

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Tudo o que não precisamos é destes aparentes cinismo e frieza que bailam no lábio inferior de António Costa. (Em tempos de catástrofe).

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Para perceber quem somos temos de sair da nossa paróquia, abarcar o mundo.

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Há algo mais importante que a revolução: a vida!

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Em tempos difíceis, duros, catastróficos, precisamos mais de estadistas (Marcelo) do que de políticos (Costa). Políticos há muitos, estadistas há poucos. Mas quem é, afinal, o estadista? Aquele que sofre as penas do povo, com o povo.

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Não gosto de utopias nem de distopias. Prefiro o otimismo militante na luta por um mundo melhor.

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Uma das razões porque não sou um crítico ainda mais severo da política externa da maior potência mundial – os Estados Unidos – é porque penso sobre as alternativas. Serão preferíveis a Rússia, ou a China, ou uma grande coligação islâmica liderada pela Turquia?

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O liberal não defende apenas as liberdades política e económica. Defende de igual forma a liberdade de pensamento. Ele não é fiel a nenhum partido, nenhuma ideologia, nenhuma moda, nenhum dogma, apenas à sua consciência.

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Para conheceres o teu país precisas de conhecer o mundo.

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Quase nunca se parte para uma discussão com a atitude construtiva de aprender; quase sempre se parte com a atitude destrutiva de vencer o interlocutor.

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Não há romantismo sem heróis, nem heróis sem romantismo.

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Tenho ideias. Tenho até ideais. Mas não tenho ideologia.

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A liberdade não tem cor. Não adianta pintá-la.

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O aspeto mais deplorável das ideologias românticas é a prevalência das intenções sobre os resultados.

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Quando a liberdade é relativa a ideologia é absoluta. E vice-versa.

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Os Bem-Intencionados, na Rua do Paraíso, nos arrabaldes de Alfama, era uma coletividade onde todos os dias se jogava à batota. Foi assim durante décadas, o que corrobora a ideia de que os bem-intencionados são com frequência batoteiros.

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A grande diferença entre as ciências ditas “naturais” e as apelidadas “humanas”, é que estas estão impregnadas de ideologia. Não admira, é por isso mesmo que são “humanas”.

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O Universo pode expandir-se contrair-se, existindo por ciclos consecutivos de nascimento e morte, tipo ovo e galinha, ou pode o tempo não ser linear, mas circular, e não haver morte nem nascimento do Universo.

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Feliz dia do xodó

Eita! Hoje é o aniversário do homem mais fascinante de todos os mundos!
Hoje o dono do mais doce sorriso faz anos e com ele meu coração multiplica
o júbilo! O dia é todo do meu amor! Feliz aniversário, Xodó!

Lembra do diálogo mais querido entre Miguilim e a mãe? Eu recordo com você:
“Mãe, mas por que é, então, para que é, que aconteceu tudo?!”
“Miguilim, me abraça, meu filhinho, que eu te tenho muito amor...”

Miguilim, em sua inocência cheia de sabedoria, faz a pergunta mais
importante na vida de alguém, a pergunta que a tudo interroga em busca do
sentido da existência humana. A mãe, em sua sabedoria cheia de inocência,
revela a razão de vivermos: o amor do outro, que a tudo suporta para nos
proteger.

Xodó, minha vida, não é mesmo possível explicar os caminhos pelos quais a
vida nos leva. É inviável. O homem, em sua infinita ignorância, deve
resignar-se à sua condição aqui na terra. Nada nos salva, nada nos torna
melhor que outrem, nada nos diferencia no meio da multidão. Somos todos
meros mortais. Entretanto, para que possamos suportar os percalços que o
viver nos obriga fomos agraciados com o dom do amor. O amor, sim, é o
único traço eterno. Podemos esquecer tudo, mas o verdadeiro carinho que
nos é dispensado não passa despercebido, e nunca é esquecido.

Xodó, o amor transcende a tudo, a todos. Felizmente não apenas vivo o
amor. Em você vou mais além e vivo, sim, para o NOSSO amor. O amor não é o
fim, é o meio, é uma forma de vida. É, antes de tudo, uma escolha. Você
sempre foi a minha escolha!

Adoro-te! Adoro teu espírito livre e crítico! Adoro teu corpo que, com
tanta paz e harmonia, se entrega aos meus doces desejos sem mistérios ou
pudores. Não há nada em ti que eu não acredite piamente fascinante! És
fascinante, Xodó! És fascinante! És a pessoa mais sensata, equilibrada e
pacífica que conheço. Não precisavas ter milhentas qualidades, mas você,
na beleza que somente os homens livres possuem, tem qualidades
incontáveis, não se é capaz de dar um quantitativo para tudo que conjugas
em ti. Adoro-te em tudo, Xodó. Em absolutamente tudo!

Sinto-me profundamente apaixonada por você! Sinto-me completamente tua!
Sinto (e desejo com ardor!) que você me tem sem rodeios, sem frescuras,
sem quaisquer resquícios de hipocrisia. Ah, como adoro ser tua! Você não
imagina o prazer que tenho sendo tua! Não há nada mais gratificante para
mim do que saber que somos uma só carne. Adoro que comigo você seja! Adoro
ser em você!

Meu amor, hoje não é mais um dia, é o teu dia! Aproveite bem o dia teu! É
todo, inteirinho teu! O sol hoje nasce para brilhar para ti, para aquecer
teu doce corpo e levar paz à tua nobre alma! Acorde bem! Leve consigo o
teu nobre sorriso, cheio de vida e alegria!

Você sabe o quanto eu adoraria e quão grande é minha vontade de estar
contigo hoje para te encher de carinho e paixão. Mas não esqueças, apesar
da distância, que és o mais amado dos homens! E és amado por inteiro, por
tudo o que és!

Ps: falei com um passarinho bem giro, ele ficou encarregado de acordar
você hoje, com um canto muito suave e harmonioso. Na ponta do bico ele
leva um beijo apaixonado da mulher que te ama e adora! AdorAMO-TE!

Alfama está mais bonita

DSC01282Alfama passa neste momento por um período de renovação. Muitas obras estão concluídas e outras a decorrer. O turismo é maior que nunca. E, sim, ela está, agora, ainda mais bela!

Alfama vence Marchas Populares 2014

marcha d'alfama 2014Pelo segundo ano consecutivo, Alfama vence o concurso das Marchas Populares de Lisboa, com o tema Gira o Sol sobre Alfama. Predominaram as cores amarela e verde – o que fez lembrar inevitavelmente o Brasil…

Eis a classificação da edição deste ano, a 82ª.

1.º Alfama – 246 pontos

2.º Alcântara – 238 pontos

3.º Bairro Alto – 226 pontos

4.º Alto do Pina – 218 pontos

5.º Bica – 212 pontos

6.º Madragoa – 206 pontos

7.º Carnide – 201 pontos

8.º Ajuda, Graça, Lumiar e Mouraria – 200 pontos

12.º Marvila – 199 pontos

13.º Campolide – 198 pontos

14.º Beato – 194 pontos

15.º Castelo – 192 pontos

16.º S. Vicente – 188 pontos

17.º Santa Engrácia – 185 pontos

18.º Benfica – 182 pontos

19.º Bela Flor – 166 pontos

20.º Belém – 162 pontos

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Nota: a foto deste artigo foi retirada de www,jn.pt (Jornal de Notícias).

 

Dudamel em Alfama

Gustavo Dudamel

Hoje no Largo do Chafariz de Dentro topei com um amigo que não via há anos. Apareceu do outro lado da rua caminhando ao meu encontro. Estava diferente, o cabelo em carapinha, bem pretinho, uns bons dois palmos estendidos para o céu, mas com uma faixa prateada, a toda a volta, na base. Seu sorriso era aberto, alvo, feliz, lembrou-me o de Gustavo Dudamel; e a pele do seu rosto era rosada, brilhante, bonita – podia ver cada poro, tão perto estávamos um do outro.

Lembro-me perfeitamente de me ter sentido incomodado com o seu inesperado rejuvenescimento.

Depois, subindo por uma ruela cheia de obstáculos, que eu não sabia se tinha saída, deparei com um animal enorme, assemelhado a cão, na forma,  e a lagarto, na pele, mas do tamanho de um cavalo, embora mais magro. Quando o avistei, ele estava no topo da rua distraído com qualquer coisa, mas depois virou-se e correu na minha direção. Enorme como era, não demorou um segundo a alcançar-me. Tinha a pele cor de laranja, com manchas pretas, e uma cabeça semi-humana, uma cabeçorra que ficou a milímetros de mim, com as ventas achatadas e as orelhas curtas e espetadas, em forma de “V”. Só tive tempo de pegar num enorme pau (na verdade era mais uma tábua de soalho) e colocá-lo em riste. Meu coração batia forte. Ao ver isto, a besta bufou, deu meia volta e desapareceu numa viela.

Uff!!! Acordei atordoado, ainda com estas imagens claríssimas no meu cérebro. Se eu soubesse desenhar construiria figuras perfeitas e detalhadas quer do meu amigo, quer deste magnífico animal. Mas fiquei apenas sentado na cama, esfregando os olhos, pensando com os meus botões em como é vasto e rico o mundo dos sonhos. Todos os dias lá vamos pegar peças tão nítidas, reais e fantásticas, que fazem corar de inveja a mais pura imaginação. O curioso é que tanto os sonhos quanto a imaginação recorrem à realidade para montarem as suas narrativas. Só que enquanto a imaginação o faz construindo e reconstruindo essa realidade, os sonhos apresentam-nos um filme instantâneo, a cada momento. Mais ou menos como dividirmos 3557 por 43 utilizando um lápis ou uma máquina de calcular.

E agora fiquei com algo na cabeça – que será feito do meu amigo?

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Foto de Dudamel copiada de http://content.time.com/time/magazine/article/0,9171,1655434,00.html

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Lisboa, a cidade mais “cool” da Europa

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A jornalista Fiona Dunlop, em artigo para a CNN, considera Lisboa a cidade mais cool da Europa, elogiando a nossa capital em sete vertentes principais: vida noturna, gastronomia, ironia, praias e castelos, arquitetura, arte e arruamentos. Neste último capítulo, há uma referência a Alfama e às coloridas fachadas dos seus prédios[1].

O rescendor de Lisboa espalha-se pelo mundo.

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[1] http://edition.cnn.com/2014/01/25/travel/lisbon-coolest-city/index.html

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Marcha de Alfama vai desfilar em Macau

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“A Marcha de Alfama vai participar na parada de celebração do Novo Ano chinês, em Macau, agendada para os dias 2 e 8 de fevereiro, anunciaram os serviços de turismo da Região Administrativa Especial chinesa.

O grupo português será o único ocidental a participar no evento, que contará ainda com a presença de sete grupos de animação asiáticos, provenientes, nomeadamente, da Coreia do Sul, Hong Kong, Indonésia, Japão, Malásia, Taiwan e Tibete, além de mais de 20 locais.

A população de Macau vai poder escolher, através de uma mensagem de telemóvel, o seu grupo favorito, que irá participar nas Marchas Populares de Lisboa.

A diretora dos Serviços de Turismo, Maria Helena de Senna Fernandes, disse, em conferência de imprensa, que o “evento deste ano, ‘Celebrar a Alegria e Abundância do Ano do Cavalo’ [um dos 12 signos do zodíaco chinês], será mais atraente do que o do ano passado”, dada a participação de grupos artísticos do exterior” [1].

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[1] Fonte: Jornal de Notícias. A foto é de Julio Pimentel (Global Imagens).

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La Boca, Alfama e o Lunfardo

la bocaLa Boca é um bairro portenho [1], situado na antiga zona portuária, na margem direita do rio da Prata, onde nasceram dois grandes clubes argentinos, River Plate e Boca Juniors . Não vou alongar-me sobre a história deste típico bairro, até porque isso está disponível para consulta em muitos sítios da internet. Vou apenas mostrar as semelhanças, algumas delas muito curiosas, que o mesmo tem com Alfama.

1- Situam-se na margem (direita) de um rio.

2 – Estão na origem das cidades de que fazem parte, Buenos Aires e Lisboa.

3 – Têm em frente um mar que não é mar – mar da Prata [2] e mar da Palha.

4 – Desenvolveram-se a partir das atividades portuárias.

5 – São o coração de dois tipos de música, ambos Património Cultural Imaterial da Humanidade, assim classificados pela UNESCO – o tango e o fado.

6 – São bairros extremamente populares e a sua população é, em geral, pobre [3].

7 – Em La Boca usa-se uma interlíngua que se chama “lunfardo”, a qual se deve à passagem de marinheiros estrangeiros pelo bairro, sobretudo italianos, mas também portugueses. Muitos vocábulos dessa gíria são usados também em Alfama. Aqui ficam alguns exemplos que a maioria dos alfamenses certamente reconhecerá. “Guita” (dinheiro); “cana” (prisão); “canoas” (sapatos); “engrupir” (enganar); “fachada” (cara); “fanar” (roubar); “farra” (festa); “gagá” (debilitado mentalmente); “garfos” (dedos do carteirista); “lábia” (facilidade para dialogar); “mancar” (entender, compreender); “morfar” (comer); “palpitar” (imaginar); “tanga” (fraude, engano); “untar” (subornar); “zarpar” (ir-se rápido) [4] [5].

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[1] Relativo a Buenos Aires.

[2] O rio da Prata, dada a extensão do seu enorme estuário foi confundido com um mar. Daí terem-lhe chamado Mar da Prata. Ainda hoje há quem o chame assim.

[3] Como se pode ver pelo exemplo que mostramos na foto de La Boca (registada em 2009), muitas casas foram pintadas com cores vivas e variadas. Isto teve origem no aproveitamento dos restos das tintas usadas para pintar os navios, que os locais recolhiam para pintarem suas próprias casas.

[4] Existem até dicionários de Lunfardo, como pode ver-se pelo exemplo aqui:

http://www.elportaldeltango.com.ar/lunfardo/

[5] Já agora, fica também a referência a outro tipo de interlíngua que se fala na região – o “portunhol” (ou portanhol). Uma mistura, como a termo indica, de português com espanhol, falado sobretudo na zona da tríplice fronteira, entre Brasil, Argentina e Paraguai (ver foto no artigo deste blog sobre as Cataratas do Iguaçu) e também na zona da fronteira sul do Brasil, entre o estado do Rio Grande do Sul e o Uruguai.