Apesar do Maranhão ser, tradicionalmente, uma das regiões mais pobres do Brasil, as edificações do centro histórico de São Luís mostram que a cidade já foi importante. No último quartel do século XVIII, o Marquês de Pombal ajudou os colonos maranhenses a verem-se livres dos jesuítas. Criou uma companhia de comércio altamente capitalizada, aproveitando as alterações no mercado mundial do algodão, cuja procura crescia intensamente: essas alterações deveram-se sobretudo à Guerra da Independência dos EUA e à Revolução Industrial inglesa. Foi uma empresa muito bem sucedida. Porém, ultrapassadas as condições de anormalidade que prevaleciam no mercado mundial de produtos tropicais, não só o Maranhão mas o próprio Brasil regressariam a um sistema económico precário, que mantêm até hoje.
Essa precariedade é notória em São Luís, “a ilha do amor”, mas que bem poderia chamar-se “da pobreza”, “do desmazelo” ou “da corrupção”. Com efeito, a experiência ensina-nos a reconhecer o cheiro corrupto quando este paira no ar. Em São Luís ele brota dos buracos das ruas, dos edifícios degradados, dos semblantes resignados das pessoas comuns. Aqui, a população é sobretudo negra ou mestiça, prova de que a escravatura no Maranhão, embora tardia, foi bastante intensa.
Escapam da degradação geral do centro histórico de São Luís alguns oásis, quase sempre geridos pelo governo do Estado e não pela Prefeitura, como são os casos dos Teatro Artur Azevedo, Museu Histórico e, sobretudo, o conjunto edificado do bairro Praia Grande. Neste último é agradável passear à noite, ouvir música ao vivo, tomar um copo e associar-se aos transeuntes, turistas e locais. Atravessando o rio Anil, pela ponte José Sarney (a família Sarney é omnipresente no Maranhão), chega-se à parte mais moderna da cidade, onde encontramos praias consideradas impróprias para banhos e edifícios recentes, porém sem a vitalidade de outras capitais nordestinas.
Se a convivência com São Luís ficou aquém das expectativas, a chegada a Barreirinhas, para compensar, foi uma agradável surpresa. Aqui, o turismo e a pesca são as principais atividades económicas, e parecem chegar para que se respire um ar mais puro. O autocarro demora umas cinco horas para percorrer os cerca de 300 kms que medeiam entre as duas cidades. O bilhete custa 30 reais, mas é preferível pagar 40 e viajar numa “van” que transporta os passageiros até a porta dos hotéis ou das pousadas das duas cidades. Dado que o autocarro estaciona nas estações rodoviárias, além do trajeto mais rápido, poupa-se também no custo do táxi entre estas e o hotel. Existem várias empresas que fazem o transporte por “van”, o qual pode ser comprado em qualquer um dos hotéis ou pousadas de Barreirinhas e São Luís.
Barreirinhas é banhada pelo rio Preguiças, que é lindo de verdade. O nome advém do serpentear calmo e lânguido do rio. Dado que o seu curso é praticamente plano, as correntes são fracas, facto que pudemos testemunhar ao atravessá-lo a nado, nos dois sentidos, em Barreirinhas. A água é morna, deliciosa, e a praia é sobretudo frequentada pela população local; os turistas ficam espalhados pelas pousadas da periferia, cada qual com seu espaço privativo. Face à qualidade da água e às tranquilidade e beleza desses lugares ao longo do Preguiças, é altamente recomendável pagar um pouco mais e ficar numa dessas pousadas à beira-rio, em vez de ficar alojado no centro da cidade.
Em Barreirinhas existem agências especializadas nos diversos passeios possíveis, entre os quais se destacam o dos Grandes lençóis Maranhenses, feito de jipe e depois a pé, e o da descida do Preguiças até Caburé (margem direita) ou Atins (margem esquerda), povoados que se situam na foz do rio, junto ao mar. A melhor época para visitar os Lençóis é em julho (mês da “Vaquejada”) e agosto, quando já não chove e as lagoas estão cheias pelas chuvas de inverno (janeiro a junho). Uma vez que 2012 foi um ano pouco chuvoso, agora apenas uma lagoa tem água (Lagoa do Peixe), todas as outras estão secas por força da evaporação. Mesmo assim, vale a pena caminhar naquele meio desértico, sentir a imensidão do espaço de areia branca e fina, ver o pôr do sol por trás das dunas, viajar aos solavancos nos potentes veículos “todo terreno”, cruzar o Preguiças de balsa e comer uma deliciosa tapioca, feita por uma das vendedoras do outro lado do rio.
Já os passeios no Preguiças não dependem da chuva e são, em qualquer época, muito interessantes. Desde logo, pela beleza do próprio rio, mas também pela interessante fauna e flora, pela vida das populações semi-isoladas, pelas já referidas tranquilidade e beleza dos lugares, e pelo seu exotismo. De Barreirinhas a Atins demoramos cerca de quatro horas de lancha rápida. Isto porque paramos em vários povoados pelo caminho: Vassouras, uma localidade minúscula, que dá acesso aos Pequenos Lençóis, na margem direita do Preguiças, e onde alguns macacos vêm ter com os visitantes, em busca de comida; Mandacarú, na margem esquerda, onde se situa o Farol Preguiças, com os seus 160 degraus e 35 metros de altura, e uma vista magnífica sobre a região; e, finalmente, Caburé, situado numa língua de areia entre o rio e o mar, na margem direita, onde podemos desfrutar de um delicioso banho e almoçar um belo robalo no restaurante Península de Caburé.
A paisagem onde quer que estejamos e para onde quer que olhemos é deslumbrante. Palmeiras de buriti, açaí e carnaúba; manguezais, como os mangue-vermelho, mangue-branco e mangue-siriúba; capim-de-areia, alecrim-da-praia, pimenteira e carrapicho-da-praia, que crescem perto do mar, onde, nas praias quase desertas, podemos observar tartarugas marinhas e várias espécies de caranguejos; e, na restinga (terreno arenoso e salino), a erva-de-cascavel, a orquídea da restinga e o cipó-de-leite, entre outros. Nos manguezais podemos encontrar o jacaré-tingá, a paca e o veado-mateiro; e também aves migratórias, como o maçarico-rasteirinho, as marrecas-de-asa-azul e o trinta-réis-boreal.
Um dado muito curioso sobre o Parque Nacional do Lençóis Maranhenses (fundado em 1981) é que, para além dos 155.000 hectares de dunas e mais dunas de areia branca e fina e dos oásis de lagoas coloridas, existe ali um povo nómada, cuja vida é regida pelo ciclo das chuvas e das areias. Dentro do parque vivem diversas famílias, em alguns pequenos povoados de pescadores, como são os casos de Canto de Atins, Baixa Grande ou Queimada dos Britos. A mobilidade das dunas, provocada pelo vento, provoca muitas vezes o soterramento de casas e utensílios, obrigando ao deslocamento dos pescadores.
Na costa do Maranhão o vento predominante é de leste, como pudemos comprovar, literalmente, na pele. Este vento está na origem da criação de uma colónia, independente do Brasil, em 1621, dado que o vento de leste dificultava a navegação entre a costa norte do território e as demais capitanias. Assim, foi decidido criar uma colónia diretamente ligada a Lisboa, compreendida entre o Ceará e o Amazonas, precisamente, o Estado do Maranhão. Isto (e também as informações sobre o mercado de algodão a que aludimos no início do texto) pudemos conhecer através do clássico Formação Econômica do Brasil, de Celso Furtado, que afortunadamente transportámos na mochila. Apesar disto, não se pense que o clima aqui é agreste, bem pelo contrário: é generoso, suave, doce, refletindo-se nas pessoas.
Os Lençóis Maranhenses, mais que São Luís, são um destino que vale a pena. Lá cada um pode optar, todos os dias, por fazer algo diferente. Ou, simplesmente, não fazer. É bom preguiçar no Preguiças.
***************************************************