Casa da Liberdade Mário Cesariny inaugurada em Alfama

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Foi inaugurada, hoje, em Alfama, a Casa da Liberdade Mário Cesariny (1923-2006). E que melhor local poderia ser encontrado para o efeito! Alfama enriquece-se com um espaço que recebe o nome de um vulto maior da cultura portuguesa – Cesariny, poeta, artista plástico, líder de movimentos surrealistas, em Portugal.

«A Estrada Começa» é o título da exposição inaugural, que reune obras inéditas de quatro figuras do movimento surrealista português: Cruzeiro Seixas, Isabel Meyrelles, Carlos Calvet e Mário Cesariny.

Na inauguração foi também lançada uma antologia poética organizada por Isabel Meyrelles, intitulada «Pós-Pessoa – Antologia do Surrealismo em Portugal e suas derivações».

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A Casa da Liberdade é um projeto da responsabilidade do Coletivo Multimédia Perve, associação cultural sem fins lucrativos fundada em 1997, em parceria com a Perve Global, empresa proprietária das duas Galerias Perve, em Lisboa.

Instalada num imóvel recuperado1, contíguo à Galeria Perve, a Casa da Liberdade foi criada com o objetivo de ser um espaço cultural para colher os espólios dos artistas surrealistas portugueses, apresentar exposições, vídeos, etc.

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1  Neste espaço funcionou durante muitos anos um restaurante, do qual, curiosamente, fui, nos anos 80 do século passado, proprietário –  Na altura chamava-se “O Barracão”.

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AO90

Algumas considerações sobre o tão badalado e tão atacado Acordo Ortográfico de 1990 (adiante “AO90”), que entrou em vigor, no Brasil e em Portugal, em 2009, no momento em que uma nova investida está patente em alguns artigos na blogosfera e nos jornais, desta vez à boleia da recente decisão da Presidente do Brasil, Dilma Rousseff, de adiar para 2016 a aplicação plena do AO90.

1 – Jamais se produzirá um Acordo Ortográfico que seja do agrado de todos e jamais se produzirá um acordo perfeito ou completamente coerente, sem qualquer ponto polémico.  Daqui se deduz que, fosse qual fosse o AO90, haveria sempre quem o contestasse. Porém, a maioria dos erros apontados, inclusive muitos que pretendem caricaturar o AO90 – como é o caso, entre outros, de “o cagado anda de fato na praia” – são falsos. Não sendo eu especialista, remeto os interessados para um sítio onde poderão, provavelmente, esclarecer algumas dúvidas: http://emportuguezgrande.blogspot.com.br/%5B1%5D. Dado que os argumentos técnicos estão suportados até a exaustão nos conteúdos dos “links” que aqui apresento, remeter-me-ei a outros aspetos e dimensões do problema.

2 – A discussão sobre o AO90 não deve restringir-se às questões técnico-científicas, apesar da inquestionável importância destas, mas estender-se a outras mais abrangentes e relevantes: políticas, sobretudo, mas também sociais e culturais, entre outras. Embora no caso do AO90, como se sabe, não tenha havido um escrutínio popular sobre o assunto[2], o princípio geral deve ser o de que os especialistas servem para nos ajudar a decidir, não para decidirem por nós. Como afirmou Péricles, ” se só alguns estão aptos a gizar uma política, todos são capazes de a julgar”. Todos temos o direito – e o dever – de formar uma opinião, porque, afinal, a língua é de nós todos.

3 – Os especialistas[3] não são, portanto, os donos da língua, mesmo que através de algumas opiniões – como as evidenciadas por sumidades como Vasco da Graça Moura – tentem fazer-nos crer o contrário. E se é verdade que a Língua Portuguesa não é património dos especialistas, é igualmente verdade que não é também património exclusivo de Portugal ou de qualquer outro país. A Língua Portuguesa é património de todos os que a usam, seja qual for a sua nacionalidade.

4 – O conteúdo do ponto anterior será, sem dúvida, melhor entendido por aqueles que falam, ouvem, escrevem e leem não apenas em português de Portugal (ou de outro qualquer país lusófono), mas também no de outros países, mormente aqueles que, por razões diversas, viajam pelo mundo da lusofonia e, sobretudo, aqueles que aprenderam a amar as culturas desses mesmos países e não consideram a cultura do seu país superior às dos outros.

5 – O AO90 é mais vantajoso para Portugal do que para o Brasil. É óbvio que a relevância relativa da nossa Língua é maior se tiver 250 milhões de falantes (inclui-se neste número aproximado todos os lusófonos do mundo) do que 10 ou 11 milhões. É uma estupidez pensar que os brasileiros nos querem impor as suas regras. A polémica sobre o AO90 é muitíssimo menor no Brasil do que em Portugal. E, ao contrário do que o oportunismo de Vasco Graça Moura sugere, o adiamento da aplicação plena do AO90, no Brasil, para 1 de janeiro de 2016 (afinal, em consonância com Portugal) não representa uma “reviravolta” na posição dos brasileiros. No Brasil, toda a comunicação social, todos os orgãos do poder político, todos os concursos públicos, todas as editoras e todos os estabelecimentos de ensino já adotaram o AO90.

6 – É um erro transformar a discussão sobre o AO90 numa guerra entre Portugal e Brasil. Mas é isso que Vasco Graça Moura faz quando escreve, por exemplo, “haverá sempre umas baratas tontas disponíveis para se sujeitarem ao que quer que o Brasil venha a resolver” ou “o Acordo Ortográfico é tão mal feito que nem o Brasil o aceita” ou, ainda, “se Portugal nada fizer, o comando das operações ficará nas mãos do Brasil”[4]. Brasil que, claro, também tem os seus (poucos) guerreiros, como é o caso de um tal Felipe Lindoso[5]. Estes, ao contrário de VGM, acham que são os portugueses que querem impor as suas leis. E, como numa guerra vale tudo, o recurso às mentira, demagogia e ameaça é frequente de ambos os lados. Ora, um acordo, como toda a gente sabe, implica tolerância, compromisso e responsabilidade. E não se trata de uma originalidade dos países lusófonos, outras línguas passaram recentemente por reformas ortográficas: o alemão em 1996; o neerlandês em 1996 e 2006; o espanhol em 2010; o francês em 1990, aplicando-a, como nós, só agora.

7 – Os detratores portugueses do AO90 deveriam observar também que forma tão indesejada de escrever é já, em larga medida, paticada por escritores como Rubem Fonseca, Lygia Fagundes Telles, Nelida Piñon, Dalton Trevisan, só para citar alguns grandes brasileiros, vivos. E, já agora, que Fernão Lopes, Camões, Fernando Pessoa e Mário Cesariny escreveram de formas diferentes na mesma língua – o português – só para citar alguns grandes escritores portugueses desaparecidos[6]. Isto para dizer o óbvio: a Língua não é uma coisa estática, evolui ou, para quem não queira ver as mudanças como evolução, simplesmente muda, se transforma, pelas mais variadas razões.

8 – Posto isto, talvez cheguemos à razão principal da oposição ao AO90: a resistência à mudança. Uma resistência já constatada por Wittgenstein quando escreveu: “Pensa no mal-estar que se sente quando a ortografia de uma palavra é alterada. (E nos sentimentos ainda mais profundos que foram suscitados por questões de caligrafia)”[7]. É esta resistência à mudança que está na base da atitude conservadora de alguns, atitude que, a generalizar-se, poderá conduzir mais rapidamente[8] à desintegração da Língua Portuguesa no mundo. As posições empedernidas mostram que quem é contra o AO90 será até morrer. Eu sou a favor. A mim, interessa-me manter e aprofundar a internacionalidade do português. Dentro de dez anos, todo o ruído agora provocado pelos opositores ao AO90 desaparecerá na poeira do tempo[9],[10].

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[1] Sobre as comparações entre os casos da língua inglesa e da portuguesa, ver:

http://ciberduvidas.pt/textos/controversias/11324

[2] Aos que reclamam não terem sido ouvidos sobre o AO90 convém recordar-lhes que este faz parte de uma política prosseguida por governos democraticamente eleitos e que desde a sua assinatura em 1990, todos os responsáveis políticos eleitos em Portugal o apoiaram e incluíram várias vezes nos programas eleitorais que levaram a sufrágio.

[3]  Os especialistas veem-se frequentemente como autoridades únicas e máximas, e esta perspetiva pode ser caracterizada como “especialismo” – uma doença, cada vez mais comum, que não se restringe à linguística, mas que alastra a todos os ramos do conhecimento. A tendência do especialismo é a de fechar-se sobre si próprio, rejeitando todo e qualquer argumento vindo do exterior. Felizmente, alguns especialistas não sofrem desta doença.

[4] Ver artigos no Diário de Notícias de 02/01/2013, e no mesmo jornal do dia 09/01/2013, ambos p. 54.

[5] http://www.publishnews.com.br/telas/colunas/detalhes.aspx?id=71969.

[6] Realço, também, já que se fala de Literatura, ou seja, de uma forma de expressão artística, que muitos artistas – incluindo muitos escritores – não são especialistas, no sentido académico do termo, e isso não impede que alguns deles sejam geniais. A história é até fértil em criadores que subverteram as regras do seu tempo, cometendo, do ponto de vista dos especialistas seus contemporâneos, autênticas heresias. Algumas delas, porém, estão hoje entre as maiores obras da humanidade.

[7] Ludwig Wittgenstein, Tratado Lógico-Filosófico/Investigações Filosóficas, Fundação Calouste Gulbenkian, p. 295.

[8] A autonomia do português do Brasil, de Angola ou de qualquer outro é, a prazo, uma inevitabilidade.

[9] Gostava de deixar, por último, um texto excelente de Henrique Monteiro, sobre o AO90, publicado no Expresso de 22 de fevereiro de 2012 e dedicado, precisamente, a Vasco Graça Moura. Não poderia estar mais de acordo: http://expresso.sapo.pt/o-acordo-20-anos-depois=f706306.

[10] Dada a sua relevância, remeto ainda, a posteriori, para um texto, também publicado no Expresso, em 2 de março de 2013, por Margarita Correia: http://www.ciberduvidas.com/textos/acordo/13941.

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