Salgueiro Maia

Salgueiro Maia

Quarenta anos! Há quarenta anos eu tinha dezasseis, quase dezassete. Vivi o dia 25 de abril intensamente, desde cedo, até ao anoitecer. Posso dizer, sem qualquer dúvida, que foi o dia mais extraordinário da minha vida. Lembro-me de ver Salgueiro Maia, embora na altura nem imaginasse quem era, no Terreiro do Paço e mais tarde no Largo do Carmo; lembro-me sobretudo da alegria espelhada nos rostos de todos – uma alegria que vinha de dentro e irradiava por fora, e que inundava as ruas de Lisboa como uma maré.
Hoje, quarenta anos depois, sinto orgulho de ser português, como não poderia deixar de orgulhar-se alguém que teve um compatriota chamado Salgueiro Maia. Se todo o povo necessita de um herói, nós não precisamos de ir muito longe para buscarmos o nosso. Ele é, de facto, o meu herói. (Aristides de Sousa Mendes, também).

Salgueiro Maia foi generoso, altruísta, corajoso, humilde e honesto. Retirou-se após nos devolver a Liberdade e morreu, quase ignorado, jovem e belo, como os heróis dos sonhos e da ficção.
Apesar de personagem idílica, quase irreal, Salgueiro Maia existiu mesmo. Pelo menos tanto quanto essa outra personalidade, esta de pesadelo, chamada Cavaco Silva. Este, Cavaco, que negou àquele, Maia, em 1989, uma pensão, “por serviços excecionais e relevantes”, mas que concederia, pelas mesmos motivos, em 1992, pensões a dois ex-inspetores da PIDE-DGS. Cavaco está nos antípodas de Salgueiro Maia. É egoísta, arrogante, presunçoso e conspirador. Temos, portanto, do melhor e do pior. E, se sinto um imenso orgulho por Salgueiro Maia, sinto também uma imensa vergonha por Cavaco Silva.
Além de Salgueiro Maia, não devemos esquecer os 240 homens da Escola Prática de Cavalaria, em Santarém, que o acompanharam até Lisboa, os militares que se lhes juntaram, o povo que esteve nas ruas e tornou o 25 de abril irreversível, e todos os que lutaram (e quantos morreram!) pela Liberdade.
Hoje, passados 40 anos, muitos criticam o estado a que o país chegou. Como diz o sábio povo, “casa onde não há pão todos ralham e ninguém tem razão”. É importante, porém, salientar que Salgueiro Maia nunca manisfestou ser de Esquerda ou de Direita, nem nunca apontou um rumo para o país. Eis as suas palavras: “não precisamos de ter qualquer ação política, nem devemos, o Povo português é que tem de se entreter com isso”. Pois bem, não é o que temos feito – nos entretendo “com isso”? O que há, afinal, de errado com o pós 25 de abril? Em minha opinião, nada. Fizemos o que fizemos, somos o que somos. Continuamos, como é próprio dos países atrasados, a colocar a culpa nos outros. A desresponsabilizarmo-nos. Para a Direita a culpa é da Esquerda e para a Esquerda a culpa é da Direita. Certamente haverão mais do que culpas, responsabilidades em ambos os lados. E, certamente, caberão responsabilidades a cada um de nós e a todos, enquanto Povo.
Somos nós, Esquerda, Direita ou Centro quem continua a usar o Estado não como uma coisa de todos, mas como algo para nos servirmos, para encher os bolsos, a nós, aos nossos amigos, familiares e, sobretudo, aos nossos colegas de partido. E digo “sobretudo” porque são esses milhares e milhares de militantes partidários que preenchem os quadros do Estado (sem esquecer os seus satélites) e continuam a viver da mama, como, aliás, sempre fizeram, desde o 25 de abril de 1974. Os números, multiplicados, são astronómicos.
Salgueiro Maia não era de nenhum partido e eu estou com ele. Acho que mais do que partidos e ideologias, precisamos de homens como Salgueiro Maia dentro e fora dos partidos. Ele que recusou, por exemplo, ser Governador Civil de Santarém ou Chefe Militar da Presidência da República, que nunca se serviu do Estado em benefício próprio. É disso que precisamos. De mudar algo em nós. Mas esse 25 de abril, ao contrário do de 1974, não se faz num só dia.

25 de Abril (eu estive lá)

Naquele dia saí cedo de casa e corri para a Baixa. Pelo caminho, vi soldados estendidos no asfalto em posição de combate. Vi tanques de guerra. Vi gente chegando. Vi, em pouco tempo, uma multidão encher o Rossio, o Chiado, o Bairro Alto e todo o centro de Lisboa. Vi senhoras que traziam flores vermelhas, em cestos de verga, e as ofereciam aos soldados – os nossos heróis. Vi o Largo do Carmo apinhado, com jovens, como eu, empoleirados das árvores e em cima dos tanques do exército. Vi as pessoas saudarem-se, sorrirem-se, abraçarem-se – vi a felicidade estampada em seus rostos.

E também eu – que estive lá! – participei de pequenas manifestações espontâneas, que se juntavam a outras manifestações espontâneas. Vagas de júbilo que cirandavam no coração de Lisboa, na maior e mais bonita festa que já vivi. Hoje, 39 anos passados, o 25 de abril não é mais a bela festa que foi em 1974.
Muitos reclamam que não se cumpriu o “espírito de abril”. Arrogam-se seus legítimos defensores ou representantes. Acham que o país não segue o rumo que abril preconizou.
25 abril
Pois, nada disto é verdade. Abril não se fez para nos dar (ou apontar) um rumo. Abril fez-se, coisa muito diferente, para nos dar a possibilidade de nós próprios escolhermos um rumo. O 25 de abril, através dos militares e desse herói que foi o Capitão Salgueiro Maia, restituiu-nos “apenas” o valor mais elevado da vida social, o único pelo qual, alguém disse um dia, vale a pena morrer e aquele que uniu o povo no 25 de abril de 1974. Eu estive lá e posso testemunhá-lo. A palavra gritada pelo povo era: “LIBERDADE”!