Vitorino d’Almeida percorre o país a dar pequenos espetáculos em dimensão, enormes em conteúdo. Estamos a falar de um génio, felizmente ativo e disponível para nos deslumbrar, ainda, aos 83 anos. Gostávamos de o ver mais vezes, mas os que dirigem os grandes meios de comunicação social deste país não o merecem.
Compositor, maestro, pianista, escritor, realizador, autor e apresentador de programas televisivos e radiofónicos, comunicador fascinante, António Vitorino d’Almeida completa hoje 83 anos.
Quem souber que ele vai estar por perto vá ao seu encontro, e não perderá o seu tempo ao escutá-lo. É daqueles seres que irradia cultura, ou seja, riqueza verdadeira. Seja qual for o lugar ou a ocasião.
O Fado do Campo Grande que aqui deixamos foi composto por Vitorino d’Almeida, tem letra de Ary dos Santos, e foi cantado originalmente por Carlos do Carmo, em casa deste, onde os três se encontravam. Um trio etilista porque, ao que parece, estavam todos bêbados. Depois de criarem o fado saíram e sentaram-se no lancil da Avenida da República, onde um homem os viu, parou o carro e os conduziu, um por um, a casa. Provavelmente nunca mais viram esse senhor e, mesmo que vissem, claro, não o reconheceriam.
A Estónia obteve a independência em 24 de Fevereiro de 1918, mas foi invadida de novo durante a II Guerra Mundial (na sequência de um célebre acordo entre Hitler e Estaline), e apenas reconquistaria a independência em 1991, após o colapso da União Soviética.
Durante esses 52 anos, mais de 130 mil estonianos (a população atual é cerca de um milhão e 200 mil) foram mandados para a Sibéria, onde muitos morreram, e o KGB manteve um regime de terror, interrogando, prendendo e torturando a população dentro da própria Estónia.
É natural que, tal como nós, justamente, detestamos fascistas, os estonianos — mas também letões, lituanos, georgianos, entre vários outros povos com experiências semelhantes — justamente, detestem comunistas.
Tanto os povos subjugados pelos fascistas quanto os povos subjugados pelos comunistas viveram experiências traumáticas, e cada qual elegeu um demónio político de acordo com a realidade que viveu. Em contrapartida, cada qual elegeu também os seus heróis.
Esta atitude paroquial era já conhecida há 2500 anos, quando Xenófanes cantava:
Dizem os Etíopes que os seus deuses são pretos e de nariz chato, enquanto os Trácios dizem que os seus têm olhos azuis e cabelo ruivo. Mas se os bois, ou os cavalos, ou os leões, tivessem mãos e soubessem desenhar, e pudessem esculpir como os homens, os cavalos desenhariam os seus deuses como cavalos, e os bois como bois; e cada qual daria forma ao corpo dos deuses à sua própria semelhança.1
Quase meio século depois do 25 de abril não há qualquer razão válida para nos comportarmos como os bois e os cavalos de Xenófanes. Alarguemos, pois, nossos horizontes e sejamos verdadeiramente livres, porque a opressão é sempre opressão, venha de onde vier.
A polémica sobre a participação de Lula nas comemorações do 25 de Abril teria sido evitada se quem o convidou não tivesse cometido esse erro. A partir daí, mesmo depois dessa participação ter sido acomodada para um momento anterior à sessão solene na AR, era previsível o que viria a acontecer: o agravamento da partidarização de uma data que simboliza a liberdade e que não pode — por mais que tentem, não pode — ser aprisionada por nenhum quadrante político.
A responsabilidade desta polémica não deve, assim, ser assacada a Lula. Só um néscio poderia esperar que este, defensor de regimes como os venezuelano e cubano, alinhasse com o Ocidente na condenação da Rússia pela agressão à Ucrânia. A posição do atual presidente do Brasil — que, curiosamente, não difere muito da do seu antecessor, Bolsonaro — era mais do que expectável.
Cair em cima de Lula é por isso um “nonsense”. Perguntem antes ao Marcelo e ao PS porque é que engendraram este embrulho.
Homens, animais, plantas e até organismos unicelulares estão constantemente ativos. Todos tentam melhorar a sua situação, ou pelo menos evitar a deterioração. Mesmo quando dorme, o organismo mantém ativamente o sono: a profundidade (ou então a superficialidade) é uma condição criada pelo organismo, que mantém o sono (ou então mantém o organismo em estado de alerta). Qualquer organismo está constantemente ocupado com a tarefa de resolver problemas. Esses problemas surgem da avaliação que faz sobre a sua condição e o seu ambiente; condição essa que o organismo procura melhorar.
Uma tentativa de solução mostra-se por vezes equivocada, na medida em que piora as coisas. Seguem-se novas tentativas de solução — mais movimentos de tentativa e erro.
Podemos ver que a vida — mesmo no nível unicelular — traz algo completamente novo ao mundo, algo que não existia anteriormente: problemas e tentativas ativas de resolvê-los; avaliações, valores; tentativa e erro.
Podemos supor que, sob a influência da seleção natural de Darwin, são os solucionadores de problemas mais ativos, os que buscam e os que encontram, os descobridores de novos mundos e novas formas de vida, que evoluem mais rapidamente.
Cada organismo esforça-se também por estabilizar as suas condições internas de vida e por manter a sua individualidade — uma atividade cujos resultados os biólogos chamam de “homeostase”. No entanto, isso é também uma agitação interna, uma atividade interna: uma atividade que tenta confinar a agitação interna, um mecanismo de retroalimentação, uma correção de erros. A homeostase deve estar incompleta. Ela deve autolimitar-se. Se fosse ilimitada, significaria a morte do organismo ou, no mínimo, a cessação temporária de todas as suas funções vitais. A atividade, a agitação, a busca são essenciais para a vida, para a inquietação perpétua, para a imperfeição perpétua; para as perpétua busca, esperança, avaliação, descoberta, aperfeiçoamento, aprendizagem e criação de valores; mas também para o erro perpétuo, a criação de valores negativos.
O darwinismo ensina que os organismos se adaptam ao ambiente através da seleção natural. E ensina que eles são passivos durante esse processo. Mas parece-me muito mais importante enfatizar que os organismos encontram, inventam e reorganizam novos ambientes no decurso da sua busca por um mundo melhor. Eles constroem ninhos, represas, pequenas colinas e montanhas. Mas a sua criação mais importante foi, provavelmente, a transformação da atmosfera ao redor da Terra, enriquecendo-a com oxigénio; essa transformação foi, por sua vez, uma consequência da descoberta de que a luz do sol pode ser comida. A descoberta desse alimento inesgotável e das inúmeras formas de capturar a luz, criou o reino das plantas; e a descoberta de que as plantas também podem ser comidas criou o reino animal.
Nós mesmos fomos criados pela invenção de uma linguagem especificamente humana. Como diz Darwin (The Descent of Man, parte 1, capítulo III), os uso e desenvolvimento da linguagem humana “agiram sobre a própria mente”. As afirmações da nossa linguagem podem descrever um estado de coisas, podem ser objetivamente verdadeiras ou falsas. Assim, a busca pela verdade objetiva pode começar — a aquisição do conhecimento humano. A busca da verdade, particularmente nas ciências naturais, conta-se entre as maiores e melhores coisas que a vida criou na sua longa busca por um mundo melhor.
Mas não teremos nós destruído o meio ambiente com a nossa ciência natural? Não! Cometemos grandes erros — todas as criaturas vivas cometem erros. E é realmente impossível antever todas as consequências não intencionais das nossas ações. Mas aqui a ciência continua a ser a nossa maior esperança: o seu método é a correção do erro.
Não quero terminar este prefácio sem dizer alguma coisa sobre o sucesso da busca por um mundo melhor durante os oitenta e sete anos da minha vida, tempo de duas guerras mundiais sem sentido e de ditaduras criminosas. Apesar de tudo, e embora tenhamos tido tantos fracassos, nós, os cidadãos das democracias ocidentais, vivemos numa ordem social que é melhor (porque mais favorável a reformas) e mais justa do que qualquer outra na história. Mais melhorias são urgentes. (No entanto, melhorias que aumentem o poder do estado muitas vezes trazem o oposto do que almejamos).
Gostaria de mencionar brevemente duas coisas em que melhorámos.
A mais importante é que a terrível pobreza em massa, que ainda existia durante as minhas infância e juventude, agora desapareceu. (Infelizmente, isto não acontece em lugares como Calcutá). Alguns podem objetar que há pessoas na nossa sociedade demasiado ricas. Mas porque deveria isso incomodar-nos se há recursos suficientes — e boa vontade — para lutar contra a pobreza e outros sofrimentos evitáveis?
A segunda é a nossa reforma do direito penal. Ao princípio tivemos a esperança de que, se as punições decrescessem, então os crimes decresceriam também. Quando as coisas não funcionaram assim, decidimos que nós mesmos, individual e coletivamente, preferíamos sofrer os efeitos do crime, dos assassinatos, da corrupção, da espionagem e do terrorismo, em vez de darmos o passo muito questionável de tentar erradicá-los por meios violentos, e assim correr o risco de vitimizar pessoas inocentes. (Infelizmente, isto é difícil de evitar completamente).
Os críticos acusam a nossa sociedade de corrupção em altos cargos, embora possam admitir que a corrupção é às vezes punida (Watergate). Talvez eles não estejam cientes da alternativa. Nós preferimos uma ordem que garanta proteção legal completa até mesmo a criminosos perversos, por forma a que não sejam punidos em caso de dúvida. E preferimos esta ordem a outra ordem em que mesmo aqueles que são inocentes de qualquer crime não podem encontrar proteção legal e são punidos, mesmo quando a sua inocência é indiscutível (Solzhenitsyn).
Ao tomar esta decisão, talvez tenhamos escolhido ainda outros valores. Talvez tenhamos, inconscientemente, aplicado o maravilhoso ensinamento de Sócrates: “é melhor sofrer uma injustiça do que cometê-la”.
Este artigo, além de servir o nosso desejo de registar a viagem que fizemos pelas Pequenas Antilhas, no Caribe Oriental, pretende ser também um guia orientador para quem queira fazer um cruzeiro naquele que é, provavelmente, o destino turístico mais popular do planeta para este modo de viajem. Ele será tanto mais útil quanto mais próximo do nosso for o conceito de viagem (em cruzeiro) do leitor. Devemos dizer que fizemos já mais de doze cruzeiros e que, naturalmente, o nosso conceito de viagem em navio de cruzeiro foi-se alterando com o tempo. Não nos interessa tanto usufruir das mordomias do navio, mas muito mais conhecer os locais onde o navio aporta, com o máximo de profundidade que conseguirmos. Claro que isto depende muito do itinerário. Se o navio passar muitos dias no mar, sem paragens, então aí não teremos alternativa à fruição no navio. Já fizemos algumas viagens assim, mas esta, de 15 dias, com apenas dois deles a navegar, não se enquadrava nesse tipo. O que nós queríamos ao reservarmos este cruzeiro era prioritariamente conhecer as 10 ilhas do itinerário.
Maho Beach, em São Martinho.
Como temos disponibilidade para viajar quando quisermos, pudemos conjugar os voos com as datas de início e de fim do cruzeiro mais favoráveis, que, no caso vertente do MSC Seaside, ocorreria, de acordo com as opções disponíveis, em uma de três ilhas do itinerário: São Martinho, Guadalupe ou Martinica. Aproveitámos também para fazer a reserva num período em que a Logitravel estava a fazer um desconto de 5% nas viagens de cruzeiro. Claro que antes de optarmos por esta agência, analisámos os preços em outras agências, sobretudo as que já conhecemos por praticarem bons preços, nomeadamente a cruisedirect.com (uma companhia canadiana e americana que pratica preços muito competitivos), com a qual já contratámos outras viagens. Analisando tudo isto, chegámos à conclusão de que a melhor opção era a de viajarmos para São Martinho no dia 12 de março e regressarmos no dia 28. (Havia a opção de um cruzeiro mais curto, de apenas 7 dias, mas nós optámos pelo cruzeiro mais longo de 15 dias). O preço final do nosso cruzeiro para duas pessoas (já com todas as taxas, também as de hotelaria, incluídas) foi de €2.868,10. Os voos de ida e volta (Air France), igualmente para duas pessoas, ficaram em €1.194,30.
Depois destas despesas, calculámos gastar, durante a viagem propriamente dita, mais €800,00. Isto deveria incluir tudo: aluguer de carros, transporte de e para aeroportos, comida, bebidas, souvenirs, etc. Conseguimos cumprir o orçamento previamente estabelecido. Assim, após a compra do cruzeiro e das passagens aéreas, iniciámos a nossa pesquisa sobre aluguer de veículos. Como se verá de seguida, alugámos carro em 5 das 10 ilhas onde estivemos. Entretanto, durante este tempo todo (ainda antes de comprarmos o cruzeiro — o que fizemos com uma antecedência de mais de 3 meses do início da viagem — e depois de o termos feito) pesquisámos exaustivamente sobre as ilhas que iríamos visitar, para termos um ideia, o mais aproximada possível, dos pontos aonde queríamos ir durante a viagem propriamente dita. Tudo isto implica tempo. Como costumamos dizer, uma viagem tem três fases, todas elas importantes e, pelo menos para nós, prazerosas: a preparação da viagem, a viagem propriamente dita, o registo.
Ultrapassadas as duas primeiras fases, iniciamos agora a terceira — aquela que garante que uma viagem não acaba nunca!
Dias 1 e 2 — Saint Martin/ Sint Maarten
Mullet Bay Beach.
A nossa viagem começou bem. Saímos de casa ainda antes da meia-noite (poderíamos considerar, portanto, um dia 0), deixámos o carro com um amigo em Lisboa e apanhámos um uber para o aeroporto. Os voos de Lisboa (5:30) e de Paris (10:30) saíram a horas, apesar dos constrangimentos derivados da greve geral em França, face à nova lei do governo que passa a idade normal de reforma dos 62 para os 64 anos. Pois é. Estava a correr bem de mais, estávamos a andar depressa de mais. A nossa mala de porão não conseguiu acompanhar-nos no voo de Paris para St. Maarten, e isso atrapalhou o início do nosso cruzeiro. Só recuperámos a mala no final do 3º dia do cruzeiro, em St. Kitts e Nevis. Entretanto, tivemos de comprar alguma roupa e produtos de higiene pessoal, guardando os respetivos recibos para mais tarde sermos ressarcidos pela Air France. Esperemos.
À parte disso, e como nem tudo é mau, fomos brindados com um upgrade do camarote no navio, algo que compensou largamente o transtorno do transvio da bagagem. A nossa cabina prévia era a 9020, com vista de mar, mas sem varanda, e o novo camarote que nos atribuíram foi a 9071, não apenas com varanda, mas também com jacuzzi, um quarto enorme, com muita arrumação, e casa de banho com banheira, ou seja, um camarote da categoria Aurea. O rapaz da receção tivera razão ao dizer-nos para estarmos descansados que o novo aposento não era inferior ao previamente acordado.
Assim, os nossos dois primeiros em Saint Martin foram um pouco atribulados. Ficámos hospedados num excelente apartamento em Marigot, no lado francês da ilha, com vista para a marina, mas difícil de encontrar. Felizmente com a ajuda de alguns residentes locais lá chegámos. No primeiro dia, com a perda de tempo à espera e a reclamar (eram muitas pessoas em situação idêntica e o serviço lentíssimo) sobre a mala extraviada, só tivemos tempo para levantar o carro alugado, comer e dormir, mais nada.
Ffryes Beach, em Antígua.
No segundo dia, manhã cedo, iniciámos a nossa visita à ilha. Fomos a Oriente Beach, Mullet Bay Beach e Maho Beach — a célebre praia onde os aviões rasam as nossas cabeças. A parte da tarde foi perdida, pois fomos de novo ao aeroporto na esperança (vã) de que a mala chegasse, depois tivemos de entregar o carro e logo de seguida seguir para o navio para fazermos o check-in. O upgrade da cabina, já relatado foi a agradável surpresa do final do dia. Interrogámo-nos sobre isto, porquê nós, aventamos várias hipóteses que não vamos expor aqui porque são especulativas e o facto é que não sabemos, não procurámos saber — decidimos, tão-só, fruir.
Em Antígua também alugámos carro. A primeira coisa que se faz quando se sai do navio é ir levantá-lo. Talvez seja importante fazer aqui um parêntesis para dizer o seguinte. Na maioria das Pequenas Antilhas (excluindo as francesas, holandesas, britânicas e americanas, mas, até certo ponto, mesmo nestas) a informação nas estradas, quanto a direções a tomar, é escassa ou nula. Assim, é absolutamente necessário gravar os mapas das ilhas no Google Maps e depois, nos locais, inscrever os nomes dos pontos aonde queremos ir — o Google Maps indicará o trajeto no telemóvel, mesmo offline. Ter os dados móveis ligados nos países fora da Europa custa os olhos da cara!
Em Antígua e Barbuda circula-se pela esquerda. É interessante constatar que conduzir pelo lado contrário da estrada só representa uma verdadeira dificuldade da primeira vez. É um pouco como nadar ou andar de bicicleta: depois da primeira vez, podem passar anos, adaptamo-nos com relativa facilidade. Dado que já tínhamos conduzido pela esquerda, foi o que aconteceu connosco.
O nosso percurso em Antígua. Com todas as paragens, fizemo-lo numas seis horas.
Saímos da capital em direção a Hermitage Bay, deixando, uns 15 minutos depois, a estrada principal para percorrermos uma estrada secundária de terra batida de vários quilómetros, até à grande baía. A praia de águas claras é bonita. Tomámos banho e usufruímos do local durante uns 45 minutos. De volta à estrada, rumámos a Ffryes Beach, mais uma (dizem que Antígua tem 365 — uma para cada dia do ano) praia lindíssima onde aproveitámos para descansar, refrescar e tirar algumas fotos. As praias seguintes foram as Turners Beach (onde banhámos) e a Morris Bay. Era nossa intenção seguirmos até Shirley Heights, e desfrutarmos da vista privilegiada para English Harbour, mas, ao subirmos a colina, deparámos com um posto de controlo onde nos disseram que estávamos a entrar num parque natural e que teríamos de pagar 15USD por pessoa. Decidimos não o fazer e voltámos para trás. Tínhamos ainda que comprar roupa e procurar um sítio com internet para ver se tínhamos notícias da Air France, pelo que entregámos o carro mais cedo que o previsto. Mesmo assim corremos um espaço geográfico que corresponde a cerca de um terço desta pequena ilha; o dia valeu a pena e gostámos imenso das praias de Antígua.
St. Kitts é, aparentemente, a ilha menos atrativa das que visitámos nesta viagem. As três praias mais conhecidas são todas a sul da capital, Basseterre. Tudo nesta cidade está virado para o turismo e não há como escapar (a menos que se queira ficar por ali sem fazer nada) aos transportadores locais que levam os cruzeiristas, em grupos que podem chegar às 20 pessoas e talvez mais, até Cockleshell Beach por 20USD cada, ida e volta (o mesmo montante é aceite em euros), marcando um horário consensual para o regresso à cidade. No nosso caso, ficámos cerca de 4 horas na praia, um tempo exagerado, mas, na verdade, também não tínhamos mais nada para fazer. Lêramos anteriormente que a Turtle Beach — muito perto da Cockleshell — era muito bonita, com areia cor-de-rosa, pelo que pedimos ao motorista para aí nos deixar, que depois seguiríamos a pé para Cockleshell. Apesar dos avisos de que a praia estava impraticável, insistimos em ficar. De facto, a praia todinha, água e areia, estava inundada por algas e limos, e era completamente impossível ir a banhos. Estávamos sós na praia.
Cockleshell Beach.
Finalmente em Cockleshell, uma bonita praia em frente à ilha de Nevis, podemos banhar-nos à vontade. A outra praia ainda não referida do trio das melhores praias do sul é Frigate Bay. O motorista do minibus, Melrose Cooper, era um personagem interessante. Disse-nos que antes de Colombo (supostamente o descobridor da ilha) já tinham estado em St. Kitts portugueses, franceses e britânicos, o que é comprovado por alguns artefatos e objetos encontrados perto de Basseterre. Cooper disse-nos que uma das suas avós era portuguesa e que na povoação onde vive, no norte da ilha, há uma pequena comunidade portuguesa. Ele também nos disse que o governo de St. Kitts and Nevis está a apostar fortemente no turismo, vendendo terrenos para grandes empreendimentos estrangeiros. Mostrou-nos várias casas que podem atingir os 5 milhões USD. St. Kitts pareceu-nos também a ilha mais pobre, pois ainda não aproveitou todo o potencial turístico, e a agricultura pareceu-nos incipiente, com terrenos mais áridos do que os das ilhas circundantes (apesar de, enquanto colónia britânica, St Kitts — até ao século XIX separada de Nevis — ter sido a mais rica per capita do Caribe, graças ao cultivo da cana-de-açúcar).
Dominica é uma ilha fantástica. Verde, montanhosa — com uma pérola escondida: uma das praias mais bonitas do mundo — Dominica foi a última ilha das Caraíbas a ser colonizada, face à feroz resistência dos nativos caribenhos. Foi igualmente a última ilha a formar-se no Caribe, há cerca de 26 milhões de anos, e está situada a meio do arco das ilhas vulcânicas das Pequenas Antilhas, que se estende desde a ilha de Saba, no norte, até Grenada, a sul. Dos 16 vulcões incluídos neste arco, 5 estão em Dominica. Esta é, portanto, uma ilha explosiva e, a condizer com a natureza em geral, as pessoas são igualmente fantásticas. Aqui o turista é tratado como outra pessoa qualquer, com simpatia mas sem subserviência, e ninguém tenta tirar partido, aumentando preços, esperando gratificações ou aproveitando-se de alguma desatenção. Sentimo-nos completamente seguros em Dominica, tal como nas outras ilhas que visitámos.
A caminho de Calibishie.
Quisemos reservar previamente uma viatura para nos deslocarmos a Batibou Beach (a tal pérola escondida), que fica no norte da ilha, a cerca de 70 quilómetros do terminal de cruzeiros, mas isso não foi possível porque as principais agências de aluguer de automóveis ficam na zona do aeroporto, precisamente no nordeste, e as agências perto de Rouseau já não tinham viaturas disponíveis. Decidimos ir pelos meios locais, ou seja, numa das vans que saem da cidade, bem perto da saída do terminal de cruzeiros. Mas antes tivemos de ir a um banco trocar dinheiro (50 EUR deu 129XCD) pois não conseguimos levantar dólares caribenhos nos ATM, não sei porquê (o mesmo aconteceu em Santa Lúcia). Tivemos de ir para uma fila e demorou quase uma hora até que conseguíssemos cambiar os €50. Se se quiser andar sempre em lugares turísticos não vamos provavelmente precisar de cambiar euros, mas temos de fazê-lo se quisermos usar os transportes locais. De qualquer forma, estes 129XCD chegaram até ao fim da viagem: usámo-los ainda em Santa Lúcia, Grenada e São Vicente e Granadinas.
Descida para Batibou.
Já passava bastante das 10 da manhã quando saímos do banco e a nossa viagem começava a ficar em risco. Mesmo assim decidimos arriscar, e fomos. A nossa meta era Calibishie, bem no norte da ilha, a cerca de 3,5 kms da praia de Batibou. Há duas formas de chegar a Calibishie: pela costa oeste, via Portsmouth, ou pelo centro da ilha, sempre por estradas apertadas e sinuosas (Dominica é a ilha mais montanhosa das Pequenas Antilhas), e um troço final pela costa leste. Se se for pela costa oeste pode pedir-se ao motorista para parar no ponto da estrada onde fica a entrada para Batibou, pois esta praia fica antes de Calibishie quando se vai por Portsmouth: neste caso basta descer o caminho de terra batida até a praia — uns 15 minutos a pé. Se, pelo contrário, se for pela estrada do centro/leste temos de sair em Calibishie e fazer o resto do percurso a pé (dá para apanhar uma van que vá para Portsmouth, mas nós não quisemos esperar e fomos a pé) — os tais (acidentados) 3,5 kms. Somos bons caminhantes, pelo que isso não constituiu problema.
A praia de Batibou fica numa propriedade privada e existem seguranças que controlam as entradas e cobram 5 USD por cabeça. Em contrapartida oferecem instalações sanitárias, bancos e mesas de madeira à sombra, e um bar/restaurante igualmente em madeira (perfeitamente integrado no ambiente circundante) que, ouvimos dizer, tem à frente uma excelente cozinheira — mas que, infelizmente, estava fechado. Mal chegámos à praia percebemos que estávamos num lugar incomparável, de singularidade e exclusividade invulgares. Além de dois seguranças, só estavam na praia, quando chegámos, um casal e um guia que ali o tinha transportado. A praia era praticamente só para nós. Rodeada por uma imensidade de coqueiros e outras plantas e árvores, com águas transparentes e calmas, esta baía é, de facto, maravilhosa. O relógio marcava a primeira hora da tarde quando viemos embora. A nossa ideia era a de regressarmos a Rouseau via Portsmouth para não termos de fazer mais uma caminhada até Calibishie e também porque a viagem é mais rápida pela costa oeste. Por sorte, mal tínhamos acabado de chegar à estrada asfaltada passou uma van em direção a Portsmouth que parou ao nosso sinal. Chegados a Portsmouth, mal tínhamos posto os pés no chão já estava alguém a perguntar se íamos para Rouseau (e outro alguém a perguntar se queríamos weed), pelo que também não esperámos tempo nenhum para seguir viagem (embora as vans só partam quando estão cheias, nos pontos principais enchem depressa).
Já no paraíso.
As viagens são pagas no final, quando saímos pagamos ao motorista ou ao ajudante deste. Muitas vezes temos de levantar-nos para outros passageiros saírem e é comum transportar-se todo o tipo de mercadorias debaixo dos bancos e, por vezes, ter de retirá-las e voltar a colocá-las, consoante as necessidades. Alguns motoristas circulam a velocidades incríveis, tendo em conta as condições das estradas, sobretudo as frequentes curvas fechadas (apesar de tudo as estradas não estão tão más como seria de supor, após a grande devastação provocada pelo furacão Maria em setembro de 2017). Seja como for, adorámos viajar de van em Dominica. De Rouseau a Calibishie pagámos 12,5 XCD cada; de Batibou a Portsmouth, 8 XCD; e de Portsmouth a Rouseau, 10 XCD.
Uma vez que ainda chegámos cedo, fomos dar uma volta pela cidade. Comprámos duas garrafas de bebidas frescas a um vendedor de rua: uma de água de coco e outra de sumo de tamarindo. Ambas estavam deliciosas. Fomos ao navio comer qualquer coisa, mas decidimos regressar à cidade e procurar o rapaz das bebidas. Desta feita comprámos um sumo de goiaba para a Fla e outro de um fruto de que não recordo o nome (mas era vermelho), que continha também gengibre. Estavam, de novo, deliciosos. Terminámos a nossa visita a Dominica deambulando pelas ruas de Rouseau, cheias de vendedores ambulantes, música caribenha, casa típicas, fumo de maconha, gente simpática e muitos movimento e alegria.
O nosso percurso nas vans locais em Dominica — Rouseu-Calibishie-Portsmouth-Rouseau, em sentido contrário ao dos ponteiros do relógio.
Quando chegámos a Fort de France o dia estava cinzento e chuvoso. Nesta ilha também alugámos um carro, pelo que a primeira coisa que fizemos foi procurar a pessoa que no-lo veio trazer à saída do terminal de cruzeiros. A agência com quem contratámos (Twenté) em Martinica trabalha bem, já tínhamos tratado das principais formalidades previamente pela internet, e assim o levantamento do carro (como posteriormente a entrega) foi rápida. Devidamente instalados na viatura, dirigimo-nos para sul, ao encontro da primeira praia que havíamos selecionado — Anse Mitan. O tempo continuava chuvoso e fechado, e talvez por isso não achámos na praia nada de especial, tirámos duas fotos, e viemos embora.
Continuámos a descer até encontrarmos o desvio para a Anse Noire, uma belíssima praia de areia negra, encravada entre duas colinas, lá no fundo, acessível após pisarmos 130 degraus. Vale a pena. Mesmo a chover a praia pareceu-nos lindíssima, pena que não estivessem as melhores condições meteorológicas para mergulharmos nas suas águas. Quando vínhamos a meio da subida dos 130 degraus começou a chover mais intensamente, pelo que tivemos de correr para o carro para nos abrigarmos.
Anse Noire.
Seguimos viagem, sempre para sul, até ao Memorial aos Escravos de Anse Cafard, um conjunto de estátuas evocando a escravatura negra, da autoria de Laurent Valère, um artista local. Gostámos bastante deste trabalho realizado em frente a um rochedo no mar que, devido à sua forma, lhe deram o nome de Le Diamand. A zona costeira em frente ao rochedo ganhou o mesmo nome.
Tendo já atingido o sul da ilha, contornámo-la para leste, em direção à nossa próxima paragem — Anse Figuier. Nesta altura já o tempo tinha melhorado bastante e o sol brilhava lá no alto, tornando tudo mais vivo, colorido e alegre: as nuvens mais brancas, o céu mais azul, as águas mais turquesas. Anse Figuier é uma praia familiar, com uma zona arborizada onde as pessoas almoçam, fazem churrascos, enquanto as crianças brincam nas águas tranquilas, quase paradas. A praia é linda de verdade e ali ficámos algum tempo a apreciá-la. Continuando viagem, passámos por Sainte Anne, uma belíssima vila marítima, até atingirmos aquela que dizem ser a praia mais badalada de Martinica — a bela Grand Anse des Salines.
Grand Anse des Salines.
Esta praia é bastante grande, no seio de uma larga baía, e é, de facto, bonita. Banhámo-nos, passeámos, comprámos umas tiras de coco e uns bolinhos de frango, para enganar a fome, a uma vendedora de rua, e viemos embora. Finalmente, fomos ainda à ponta sudeste da ilha, a uma praia chamada Anse Michel, mas foi uma desilusão. Tal como acontecera em Turtle Beach (em St. Kitts), a praia estava cheia de algas e limos, cheirava mal, pelo que demos de imediato meia-volta.
Regressámos diretamente ao terminal de cruzeiros, ainda a tempo de almoçar (há almoço até as 4 da tarde). Depois descansámos um pouco e saímos de novo com intenção de irmos a Saint Pierre, metermos gasolina e entregarmos o carro, mas, face ao trânsito, verificámos que não tínhamos tempo para isso, pelo que fomos apenas até uma praia que fica 10 quilómetros a norte de Forte de France para vermos o pôr do sol. Devolvemos o carro no terminal às 19 horas e fomos para o navio já de noite.
O primeiro dia em Guadalupe não foi nada de especial. Tínhamos planeado ir à ilha Terre de Hault, mas sabíamos que era muito apertado dado que o navio chegava às 8:00 e o ferry para Terre de Hault partia às 8:30. Às 8:00 já estávamos junto ao portaló, mas logo por azar o desembarque atrasou uns 15 minutos. Ainda corremos (o terminal do ferry dista uns 800 metros do terminal de cruzeiros) mas, claro, já não deu, faltavam 2 minutos para o barco partir e as portas já estavam fechadas. Aos domingos os transportes públicos de Guadalupe praticamente não funcionam. Na paragem de autocarros, aonde nos deslocámos na esperança de apanharmos um para a zona das praias, estava um casal francês e a mulher disse-nos que a tinham informado de que havia autocarro. Mas não passava nenhum. Esta senhora, já de certa idade, começou, expedita, a pedir boleia. E quando, quase de imediato, um carro parou, disse à motorista que ia para Goisier e que a boleia era para quatro! E lá fomos para Goisier.
Ilet Goisier.
O casal francês ficou antes, mas a condutora fez questão que nós seguíssemos mais um pouco, porque lhe dissemos que íamos apanhar o barco para a Ilet de Goisier e, segundo ela, o ponto mais próximo era mais além e ela queria deixar-nos o mais perto possível do barco. Para cúmulo quis dar-nos o seu número de telefone para lhe ligarmos quando quiséssemos regressar a Pointe-a-Pitre, que ela nos transportaria de volta. Agradecemos muito, mas dissemos que era de mais, que iríamos pelos nossos meios. E, assim, rapidamente apanhámos o barco para a Ilet Goisier, uma pequena ilha a uns 800 metros da praia de Goisier, a qual, estava bastante suja com limos.
Talvez seja altura de referir que, além das praias já mencionadas inundadas com limos ou algas, vimos outras onde ocorria o mesmo fenómeno e vimos também muitas zonas de limos ou algas no mar das Caraíbas enquanto o navio navegava. Pensando sobre isto, parece-me que este fenómeno está relacionado com a temperatura das águas, que aqui é relativamente elevada, e com as correntes que posteriormente levam a vegetação para as praias.
Painel em Pointe-a-Pitre.
No ilhéu a água estava radiante, tomámos banho e por ali ficámos cerca de hora e meia. O percurso de barco — ida e volta — custa 5 euros por pessoa. E lá fizemos mais uma grande caminhada de 7,5 quilómetros até à capital, sob um sol inclemente, para regressarmos ao navio. Já tinha dito que somos bons caminhantes.
Em Santa Lúcia já tínhamos carro reservado. Tal como acontecera em Antígua, foi necessário pagar 20USD (ou 20EUR — é sempre possível a equivalência) para termos uma licença de condução local, uma forma clara de sacarem mais dinheiro ao turista. É sempre necessário apresentar um cartão de crédito para que as agências retirem uma caução provisória (em Santa Lúcia foram 1.150 USD) como precaução para qualquer eventualidade. Arrumada a papelada e a inspeção ao veículo — o que sempre gasta uma preciosa meia hora — lá partimos para a nossa aventura em Santa Lúcia. Rumo a sul.
Anse Chastanet.
A primeira paragem foi em Marigot Bay. Apreciámos a baía, tirámos algumas fotos e seguimos viagem por Anse La Raye e Canaries, até a pitoresca cidade de Soufrière, antecâmara da região das Pitons. Aqui fizemos um pequeno desvio para visitarmos a Anse Chastanet Beach, através de uma pequena estrada litoral muito difícil, esburacada, estreita, cheia de pedras soltas, que transpusemos, durante uns 2 quilómetros, a passo de caracol. A praia é bonita, parte dela pertence a um resort privado de luxo, mas o tempo chuvoso não ajudou. Durante todo o tempo em que permanecemos em Santa Lúcia, o tempo alternou entre chuvadas fortes, aguaceiros rápidos, e boas abertas. Percorrida a estrada difícil de volta a Soufrière, com extremo cuidado para não danificarmos o carro, seguimos viagem em direção a Sugar Beach, já na região das Pitons. Tivemos de subir uma longa colina até atingirmos um ponto em que é sempre a descer até à praia. Para aqui chegarmos temos de passar pelas instalações do hotel Viceroi (dizem que há um caminho alternativo, mas nós não o vimos) que é, em suma, todo o espaço visível desde o pórtico da entrada até à praia. A distância entre um e outra é considerável, tal como o declive.
Passámos uma primeira cancela onde o guarda nos avisa que, antes da segunda cancela, devemos virar à direita e estacionar o carro no pequeno parque que logo se encontra poucos metros à frente. Depois, tivemos de continuar a pé. O espaço está muito bem organizado, com belos relvados, arbustos, plantas e flores arranjados, estrada bem asfaltada. A praia é, de facto, bonita, mas os equipamentos para satisfação dos turistas — cadeiras, toldos, boias, pontões, kayaks, veleiros, barcos a motor, funcionários, hotel, restaurante e até uma rede, onde quem quiser se pode deitar sobre a água a ler um livro, por exemplo — roubam-lhe, sem dúvida, alguma beleza que ela, por si só, seguramente teria.
Sugar Beach.
Em compensação, a água nesta praia é de uma transparência dificilmente igualável, e não é por acaso que muitos amantes do mergulho vêm de propósito a Sugar Beach. A maioria das praias em Santa Lúcia é de areia negra, de origem vulcânica, mas Sugar Beach tem areia branca, importada da Guiana: nada mais nada menos que 7.500 toneladas.
Depois do banho da praxe não nos sobrou tempo para muito mais. Tínhamos planeado ir até ao extremo sul da ilha, mas verificámos que não dava tempo. Decidimos regressar a Castries e aí avaliar se ainda poderíamos ir até Reduit Beach, uma grande praia de 8 kms, um pouco a norte da cidade. Tivemos de fazer todo o caminho de volta subindo e descendo várias montanhas e enfrentando por vezes chuva intensa, o que nos obrigou a refrear a velocidade. Chegados a Castries, quisemos ir a Reduit Beach (ainda tínhamos duas horas até entregarmos o carro) mas uns poucos quilómetros depois apanhámos tanto trânsito, com longas filas, que decidimos voltar. Assim, não conseguimos fazer tudo o que planeáramos, por falta de tempo, mas fizemos o principal. Para compensar, ligámos o jacuzzi na varanda do nosso quarto — e saímos de Santa Lúcia relaxando, enquanto o sol pousava no Mar das Caraíbas.
Eu tinha dito que somos bons caminhantes? Mentira, nós somos grandes caminhantes! Hoje fizemos, a pé, 20,890 quilómetros. De manhã fomos para sul do terminal de cruzeiros, e à tarde fomos ver o pôr-do-sol (e banhar-nos) a Brandons Beach, a norte. Começámos, então, de manhã bem cedo, a nossa caminhada até Carlisle Bay. São três, as praias (de facto, é um areal contínuo mas os habitantes locais decidiram atribuir-lhe várias designações — como acontece, por exemplo, nas praias da Costa da Caparica até à Fonte da Telha), calmas, abrigadas, contidas na larga baía: Bayshore Beach, Pebbles Beach e Brownes Beach. No entanto, não parámos por aqui. No final da Brownes Beach há um passadiço de madeira sobre a praia — The Richard Haynes Boardwalk — que segue até Accra Beach, uma linda praia já com alguma ondulação suave, ótima para “jacarés”. Foi aqui que decidimos tomar um banho revigorante, após a primeira caminhada de 6,6 quilómetros. Decorrido o merecido descanso, voltámos a percorrer, agora em sentido contrário, o Richard Haynes Boardwalk, aproveitando para apreciar as muitas obras ali expostas — pinturas e fotografias de diversos autores, todas em grandes quadrados de igual formato, portanto, altamente “instagramáveis”. Bem pensado — e, de facto, há ali obras de inegável valor!
Carlisle Bay.
Toda a costa sudoeste de Barbados está impregnada de praias, algumas pequeninas, protegidas, sem qualquer tipo de ondulação. Uma delas, inserida numa zona que é Património Mundial da Unesco, é Sugar Beach, uma praia ideal para quem gosta de estar numa enorme “piscina” de água salgada. Pouco tempo depois estávamos de novo em Carlisle Bay, e a tomar banho em Pebbles Beach. Para recuperarmos as energias necessárias ao resto da viagem, a Fla tomou uma água de coco e eu bebi uma limonada, que comprámos num quiosque pelo preço de 5 dólares de Barbados cada. A forma de conseguirmos dólares de Barbados foi a seguinte. Quando saímos do navio após a chegada a Barbados, passámos pelo terminal e deparámo-nos com várias bancas de vendedores locais (sempre há lojas e bancas de vendedores locais nos terminais de cruzeiros); dirigimo-nos a uma delas e perguntei à vendedora quanto custava um boné de Barbados, ao que ela respondeu “10 USD” (já se sabe que dólares americanos ou euros por estas bandas são a mesma coisa), eu disse-lhe que dava 20 euros e queria receber o troco em dólares de Barbados (BBD). A senhora disse que não podia fazer isso, que não estava autorizada a cambiar dinheiro, e eu calmamente retorqui que “tudo bem”, então ia comprar noutro lado. A senhora então concordou em dar-me os 10 euros de troco em moeda local. É sempre bom ter alguma moeda local para podermos andar nos transportes públicos e também para comprarmos água engarrafada que, no navio, custa uma exorbitância.
Brandons Beach.
Depois de refrescados por dentro e por fora regressámos a Bridgtown e ao navio, protegidos do sol, com toalhas finas a cobrir-nos a cabeça , o pescoço e os membros superiores, que o astro-rei, aqui, não é para brincadeiras. Almoçámos e descansámos. Ao final do dia, como já referimos, fomos banhar-nos e ver o pôr-do-sol a Brandons Beach. Ao longo da praia sentia-se o cheiro a maconha. Passámos perto de duas moças que fumavam um charro e dissemos-lhe que cheirava bem. Elas riram bastante. Quando saíamos da praia começo a chover. Abrigámo-nos debaixo das árvores e a Fla reconheceu um pé de tamarindo.
Depois procurámos um local sossegado (para dar tempo ao camareiro de limpar o quarto) onde comecei este relato da viagem e a Fla leu o seu livro.
Viemos deixar as coisas ao quarto e fomos almoçar.
Almoçámos.
A Fla fez uma sesta e eu continuei o meu relato.
Ao fim da tarde fomos para o nosso jacuzzi privado.
Relaxando a bordo.
É de referir que as ilhas das Pequenas Antilhas ficam todas perto umas das outras. Então o navio não passa de uma ilha para outra ilha logo a seguir — o navio salta ilhas e anda para baixo e para cima a uma velocidade muito baixa, poupando muito em combustível. Para passar um dia no mar (o que convém para que as pessoas façam mais gastos a bordo) é necessário dar voltas grandes, contornando ilhas mais distantes, e andar a passo de caracol. Neste dia, para irmos de Barbados a Grenada, contornámos as ilhas de Martinica e Santa Lúcia, completamente fora de rota.
Tínhamos programado ir às duas praias mais conhecidas de Grenada, quase ao lado uma da outra: Grand Anse e BBC Beach. E assim aconteceu. Mesmo ao lado do terminal de cruzeiros (os passageiros forçosamente têm de passar por um funcionário que os encaminha para o local certo) há um pequeno pontão onde atracam os táxis marítimos que nos levam diretamente à Grand Anse. Cada bilhete — ida e volta — custa 10 euros (ou 10 USD) mas nós não queríamos voltar no “water taxi”, por isso só pagámos 5 euros cada. O pontão de desembarque na Grand Anse fica na extremidade mais próxima, mas a praia é grande e para chegar à outra ponta tem de se andar bastante. Foi o que fizemos, devagarinho, pela borda d’água. Era relativamente cedo, havia pouca gente e o sol ainda não incomodava, pelo que pudemos apreciar com calma o trajeto. A praia é, de facto, linda, merece a fama que tem de ser uma das mais bonitas do Caribe.
Saint George.
No fim da praia há uma escadaria que segue até à estrada asfaltada. Depois é só subir um pequeno troço (talvez uns 150 metros) até encontrarmos um caminho à direita, que conduz à BBC Beach. Esta praia é muito mais pequena que a Grand Anse e não é tão frequentada, mas é igualmente muito boa para banhos. Pudemos comprová-lo, nadando à-vontade na baía protegida sem que sentíssemos alguma dificuldade provocada por ondulação ou corrente. Algum tempo depois, fizemos o caminho inverso. Na Grand Anse há um espaço comercial com wifi aberto e a estrada que leva a Saint George é mesmo ali. Decidimos procurar uma paragem de van, o que foi muito fácil. Na paragem estava um senhor que nos informou logo que deveríamos pagar 2,5 XCD por pessoa, e nada mais, pela passagem até Saint George. Disse-nos que era taxista e que podíamos ir tomar uma cervejinha mais barata ao bar dos taxistas que fica à saída do terminal de cruzeiros. Era facilmente alcançável, bastava estar atento aos homens de polos azuis que sempre estavam reunidos por lá. Perguntei-lhe se ele era natural de Grenada e como era viver ali e ele respondeu “homem, isto é o paraíso!”
Grand Anse.
No meio da conversa apareceu uma van e ele próprio mandou o motorista parar e ao ajudante (o motorista tem sempre um ajudante que colabora na acomodação de pessoas e mercadorias, e também pode receber o dinheiro das passagens) que seguíamos para Saint George. Saímos uma paragem antes do centro para podermos andar mais um pouco pela cidade. As pessoas aqui — em todas as ilhas, mas notámos isso mais em Dominica, Grenada e Saint Vincent — são de uma amabilidade extraordinária. Se, por exemplo, perguntarmos a alguém onde fica determinado lugar, a pessoa vai dizer-nos, suponhamos, para virarmos mais à frente à esquerda, mas vai posicionar-se de forma a verificar se realmente viramos no sítio certo. Se não o fizermos, ela gesticulará, ou gritará, se não estivermos a olhar, até se certificar que, de facto, tomámos o caminho adequado. Se, por exemplo, desejarmos “bom dia” a uma pessoa na rua, ela não se limitará a retribuir, vai querer saber como estamos hoje, como está a ser o nosso dia, se estamos a gostar do passeio, etc.
Depois do almoço no navio, saímos de novo para mais uma volta por Saint George. No porto de pesca subi para a amurada de uma embarcação de pesca que estava acostada e pedi à Fla para me tirar uma foto. Esta demorou um pouco, pois estava a falar com uma moças que passavam por ali e, entretanto, imperceptivelmente, o barco começou a afastar-se do cais. Fiquei longe de mais para poder saltar para terra firme. A Fla puxou um dos cabos que amarrava o barco, mas este, teimosamente, não se aproximava da terra.. Pelo canto do olho eu via algumas pessoas num barco ao lado a observarem a cena. Foi quando um senhor vindo de lá veio ajudar a Fla e eu pude saltar para o cais. A Fla disse-lhe que ele era forte e ele respondeu “não, tu é que és forte!” Agradeci-lhe e ele disse, com um largo sorriso, que não havia problema, estava tudo bem. Junto ao mercado comprámos um coco; a Fla bebeu o suco e eu comi a polpa. Uma das coisas que adorámos em Dominica, Grenada e Saint Vincent foi termos andado nos transportes locais, juntos com a população. Tanto quanto nos apercebemos, mais ninguém no navio fez isto, mas para nós constituiu um enorme privilégio.
Saint George.
De acordo com a nossa experiência, é não só muito mais barato, mas também mais seguro e interessante, viajar nas vans locais do que nos táxis ou outro tipo de transporte similar. Vimos vários turistas a regatear preços com motoristas de táxis, mas isso nunca aconteceu connosco.
Já o tínhamos dito. São Vicente é outra ilha muito especial. Chegámos sob chuva intensa, tudo cinzento, mas já dera para perceber que por estas bandas nada é definitivo no que toca ao tempo: a chuva vai alternando com o tempo seco e o céu passa de cinzento a azul sem percebermos como. Foi o que aconteceu neste dia. Tomámos a van (primeiro, claro, temos sempre de conversar com as pessoas para saber onde ir, e há sempre alguém disposto a ajudar) em direção a Indian Bay sob forte chuvada e chegámos ao nosso destino com o sol a inundar tudo à nossa volta. Outro pormenor interessante sobre a amabilidade local fica patente no exemplo seguinte. Quando descemos na paragem, ficámos à espera que a van seguisse viagem para depois atravessarmos a estrada, mas o motorista não avançou, fez questão de que atravessássemos à sua frente, enquanto os motoristas dos carros em sentido contrário fizeram o mesmo. Isto aconteceu-nos mais vezes, sempre que tínhamos de atravessar a estrada: todos esperam para que sigamos em segurança.
Indian Bay.
Posto isto, descemos até Indian Bay, uma pequena baía pouco turística, quase deserta, talvez porque a praia tenha muitas rochas submersas, mas a água, essa, é de uma transparência invejável. Com algum cuidado e escolhendo um bom local é possível banharmo-nos, e foi o que fizemos. A distância desta praia até Villa Beach cobre-se com uma breve caminhada (uns 15 minutos) e esta sim, é uma praia turística, com muitos banhistas estrangeiros. Em frente, a uns 300 metros, fica uma pequena ilha — Young Island — e vários barqueiros levam e trazem turistas de volta por 5 USD/EUR. A praia da ilha é na sua maior parte privada, pertence a um resort, e ninguém nos avisa previamente, o que torna ainda mais desagradável ficar confinado a um canto da praia. Para nós isto não constituiu um problema porque não pretendíamos ficar estendidos numa toalha a estorricar, o nosso objetivo eram os banhos de mar, mais do que os de sol.
Young Island.
A água nesta praia é simplesmente deliciosa — transparente, calma, termicamente perfeita, e com uma textura sedosa, como se tivesse misturado um óleo natural hidratante. Banhámo-nos várias vezes e quando vimos os barqueiro na outra margem a embarcar mais passageiros para trazer para a ilha, preparámos as nossas coisas para irmos embora. Chegados à costa dirigimo-nos à estrada (que é logo ali) para tomarmos uma van para Kingstown, a capital de São Vicente, onde estava o navio. Por vezes há poucos lugares e temos de ficar separados nas vans, mas isso nunca foi problema nenhum. Uma das coisas em que reparei foi que a Fla podia ficar sentada apertadinha entre dois passageiros que estas jamais tentariam tirar proveito da situação. Não eram apenas a simpatia e a solidariedade que estavam presentes — o respeito também. A música é outro ingrediente sempre presente neste tipo de transporte. Música caribenha, suponho, com o volume sempre alto. A viagem custou-nos os mesmo 5 XCD da ida (para ambos).
Villa Beach.
Depois do almoço no navio — e como nós comíamos nestes almoços no navio depois das caminhadas da manhã! — voltámos a Kingstown para conhecermos melhor a cidade. Pessoal de todas as idades e géneros a enrolar e fumar charros é algo bastante comum nestas ilhas, mas mais ainda em São Vicente, onde nos pareceu particularmente generalizado. Perguntámos a um jovem polícia, que foi connosco para nos indicar o caminho para o mercado central, se o consumo da cannabis era livre e ele respondeu-nos que, fora dos edifícios públicos e dos transportes, sim, era livre. Este polícia não se limitou, afinal, a indicar-nos o caminho, ele fez questão de fazer connosco o caminho e, já com o mercado à vista, quis acompanhar-nos a uma das portas. Quando lhe agradecemos e perguntámos se podíamos tirar uma foto com ele, acedeu com um sorriso feliz e cativante.
Nestas ilhas há muitas crianças e algumas, vendo-nos com as câmaras, quiseram tirar fotos connosco. Quando havia adultos por perto perguntávamos se podíamos tirar fotos, mas nunca ninguém se opôs, ninguém tem problemas com isso. As crianças são naturalmente alegres e os adultos, que mais parecem crianças grandes, são alegres também. Não parece haver grande diferenciação social, embora haja com certeza — mas parece que ninguém liga muito a isso. As pessoa parecem viver bem com o pouco que têm e é da sua natureza serem felizes. Pelo caminho continuámos a sentir o cheiro intenso da maconha. Comprámos uma garrafa de água de coco a uma vendedora de rua (de manhã tínhamos comprado também duas garrafas de suco — uma de tamarindo e outra daquele fruto vermelho de que nunca lembro o nome — será beterraba? — com gengibre) e um pouco mais à frente, num local junto ao porto de pesca, onde há vários bares, deparámos com uma multidão — uns enrolando ou fumando charros, outros jogando às cartas ou ao dominó, outros bebendo cerveja, outros apenas observando, alguns dormitando, muitos gritando ou falando alto para se sobreporem à música — que se estendia ao longo do cais, com gente amontoada dentro e fora dos bares.
Jogo de dominó em Kingstown.
A algazarra era tanta que nos lembrámos do som das andorinhas quando chegam na primavera e se afadigam nas tarefas de arrumação das casas para mais uma temporada. Um chilrear intenso. Todos ficavam felizes quando reparavam em nós, pediam fotos, queriam que tomássemos uma cerveja, e uma moça que jogava dominó batendo com as pedras na mesa sorria-nos satisfeita por ter assistência estrangeira. E lá viemos para o navio, satisfeitos por mais uma jornada rica em calor — solar e humano. Um e outro mesclam-se em São Vicente de uma forma que nos deixou saudades ainda antes da partida.
Já tínhamos estado em Martinica, pelo que desta feita decidimos ficar no navio durante grande parte do dia, a descansar. Saímos apenas às 4 da tarde, quando o sol descia mais veloz e o calor era mais suportável. Demos uma volta por Fort-de-France, batemos o centro da cidade, fotografámos alguns edifícios interessantes até que nos sentámos numa esplanada com wi-fi a tomar uma cerveja local e uma água.
Fla e Daniel.
Já mais para o fim da tarde fomos andando em direção ao mar, até uma zona com um parque e uma pequena praia onde os habitantes locais se reúnem aos fins de semana. Avistámos um pequeno grupo que participava de um casamento: os noivos e, provavelmente, uns 7 ou 8 convidados, Destes, dois ou três eram crianças. O mais pequeno era um rapaz dos seus 3 ou 4 anos, que se chama Daniel. Metemo-nos com ele e logo interagiu connosco, não parando de sorrir. Um dos convidados tinha uma câmara muito rudimentar, dessas pequeninas, tipo go-pro, e quando nos viu por ali pediu-me para fotografar o grupo todo. Acedi com prazer, corrigi um pouco o posicionamento por causa do sol que estava a pôr-se, e fiz várias fotografias com a pequena câmara deles. Entretanto, a Fla conversou com a mãe do Daniel e perguntou-lhe se ela queria que tirássemos fotos com as nossas câmaras e depois as remetêssemos para ela através do whatsapp. E assim tirámos várias fotos do casamento, mais um episódio inesperado que enriqueceu o nosso dia. Voltámos satisfeitos para o navio.
Martinica e Guadalupe foram as duas únicas ilhas que repetimos neste cruzeiro. No primeiro dia em Guadalupe, tal como já dissemos, não conseguimos apanhar o ferry que pretendíamos, e desta feita também não. No entanto, já no primeiro dia (que também foi um domingo) tínhamos reparado que junto ao terminal de ferrys há um parque com viaturas de aluguer e vários contentores que servem de escritórios para as respetivas agências. Assim, neste dia, partimos logo para o plano B e alugámos um carro (um Kia Pikanto) por 42€. A ilha de Guadalupe, em forma de borboleta (a Fla diz que lhe lembra uns pulmões), são na realidade duas ilhas, separadas por um estreito canal: Basse-Terre e Grand-Terre. Nós andámos pelas ruas e, provavelmente, fomos às melhores praias de ambas.
La Caravelle.
De manhã fomos à bonita praia La Caravelle, em Grand-Terre, e depois, ainda nesta ilha, visitámos as praias de Souffleur, em Port-Louis (muito movimentada), onde a Fla comprou uma garrafa de água de coco muito barata, apenas 2€, e a praia de La Chapelle, na Anse-Bertrand. Da parte da tarde fomos a Basse-Terre, onde visitámos Sainte-Rose, Deshaies e a magnífica praia de Grand Anse, grande realmente, bonita e muito frequentada. Foi bastante difícil estacionar, tivemos de deixar o carro bem longe e, por causa disso, não chegámos a banhar-nos nesta praia, apenas tirámos fotos, tivemos algum receio em demorar-nos porque o carro estava mal estacionado. Isto não nos incomodou minimamente, pois banhos foi algo que nunca nos faltou durante esta viagem, portanto, mais um menos um, não teria nunca qualquer importância. Aliás, o banho relaxante de fim do dia já estava à nossa espera na varanda do nosso quarto.
No entanto, antes de entrarmos no navio, fomos a um quiosque que existe já dentro da zona reservada do porto, onde pedi um punch, uma bebida que ainda não tivera oportunidade de provar. O rapaz de serviço sacou de um bidão de plástico que estava dentro de um armário e encheu um copo alto que posou em cima do balcão à minha frente. Dispensei a palhinha, mostrando-me profissional. Logo ao primeiro gole senti que a coisa era forte, e a meio copo senti perfeitamente os “vapores” do álcool subirem ao cérebro. Quando terminei, estava com calor. Perguntei ao moço a receita daquilo e, então, é assim: rum velho, rum branco, sumo de manga, sumo de maracujá, sumo de abacaxi e xarope de limão. Poderoso. Valeu os 10€.
Hoje, véspera do nosso desembarque em Saint Martin/Sint Maarten, foi dia de descansar. Dormir bem, aproveitar o sossego do nosso quarto e da nossa varanda, relaxar no jacuzzi, namorar: ter o dia todo só para nós. Antes do jantar foi tempo de fazer a mala, pois temos que a deixar à porta da cabina até à meia-noite.
Chegados a Saint Martin, os nossos passaportes (tal como os dos outros passageiros que iam desembarcar) ainda estavam retidos pelas autoridades, pelo que aproveitámos para dar uma volta por Philipsburg. O nosso voo para Paris era só às 15:30, pelo que estávamos descansados em relação ao tempo. Assim, quando saímos do navio, não tivemos de esperar muito tempo, foi só apanhar um táxi (não há outra forma de chegar ao aeroporto, com malas grandes), fazer o check-in e, pouco tempo depois, entrar no avião. Durante o voo assistimos a um excelente filme: Elvis. Muitíssimo bem realizado.
Por volta das 6 e meia da manhã estávamos no aeroporto Charles de Gaulle, em Paris. Tivemos uma espera de mais de três horas até apanharmos o avião para Lisboa (assim a mala de porão, provavelmente, não ficaria para trás) aonde chegámos às 11:30. Fomos buscar o nosso carro que tinha ficado com o nosso amigo, almoçámos e viemos para casa. Pelo caminho comprámos o necessário para fazermos uma refeição leve antes de dormirmos: uma salada com sardinhas de conserva. A nossa viagem chegara ao fim. Enquanto comia, pensava em algo inquietante: as ilhas paradisíacas que visitáramos podem num minuto transformar-se num inferno; as erupções vulcânicas e os furacões são uma ameaça permanente. Ou seja, o inferno e o paraíso podem não estar em lugares separados como por vezes pensamos, mas juntos neste planeta de incrível diversidade.
“A ciência é algo maravilhoso e verdadeiramente importante: não apenas porque é a base da tecnologia moderna, e portanto de toda a economia moderna. Mas ainda por uma razão mais vital: ajuda-nos a purgar as nossas mentes de preconceitos, e assim permite-nos ver o mundo cada vez mais como ele é. Entre todas as grandes aventuras do homem na Terra, a ciência é a maior delas. É uma aventura maior do que escalar o Monte Everest ou circundar a Terra numa nave espacial; não tanto porque, sem a ciência moderna, a moderna tecnologia não seria possível (nem nenhuma das outras aventuras mencionadas), mas antes porque o desenvolvimento de novas ideias, de novas formas de pensar, é uma conquista revolucionária e histórica, a maior conquista humana.
Mas como podemos nós distinguir a ciência da não-ciência — por exemplo, das ideologias especulativas ou das especulações metafísicas ou da astrologia ou de certos sistemas religiosos?
Esta questão é de grande importância; de facto, é uma questão cuja solução afeta o destino da espécie humana. Porque os homens sempre estiveram prontos para lutar até à morte por aquilo que acreditam ser a verdade; e infelizmente estiveram frequentemente dispostos a perseguir, banir, torturar, e matar aqueles que consideraram os inimigos da verdade. E todos sabemos como frequentemente ambas as partes nestes conflitos religiosos ou ideológicos estavam enganadas.
Há muitas guerras religiosas e perseguições, desde as conquistas muçulmanas e as Cruzadas até aos nossos dias. Admite-se que tenham havido causas ou razões económicas por trás das razões religiosas: alguns cruzados tinham a intenção de regressar carregados com riquezas do Oriente. E possivelmente haverão outras razões económicas. Similarmente, alguns dos combatentes na Guerra Civil Americana para a libertação dos escravos negros devem ter tido motivos económicos. Mas ninguém pode negar que ideias como a ideia de liberdade e ideias religiosas tiveram também um papel importante na Guerra Civil. E isto quer dizer que os credos, ou convicções, religiosos ou ideológicos, foram importantes e também causas efetivas; esses acontecimentos foram influenciados pelo que esses homens julgavam saber, pelo que acreditavam ser a verdade.
A importância das ideias, credos ou convicções foi, claro, completamente reconhecida por Marx e pelos seus seguidores. De facto, todos os que escrevem um livro ou um artigo na esperança de poder influenciar algumas pessoas estão tacitamente, ou talvez inconscientemente, a reconhecer o poder das ideias e ideologias.
Assim, quaisquer que sejam as nossas visões sobre a relação entre ideias e condições económicas, não há qualquer razão para duvidarmos da força e da importância das ideias e ideologias — a força das crenças das pessoas ou, por outras palavras, daquilo que elas acreditam ser a verdade.
Mas o que as pessoas acreditam ser verdade é frequentemente falso: na maioria das disputas religiosas ou ideológicas ambas as partes estão erradas. Consequentemente, é importante para nós a distinção entre duas coisas: uma é aquilo que as pessoas acreditam ser verdade; e a outra é o que, de facto, é verdade. Esta distinção é obviamente muito importante, embora não seja fácil fazê-la. Se fosse fácil não haveria tanta gente que acredita conhecer a verdade, mas que está, de facto, errada.
É aqui que entra a ciência. Não porque a ciência seja sempre infalível — claro que não é — mas porque a ciência toma a busca da verdade como a sua principal tarefa, mesmo que a verdade choque com as nossas crenças, as nossas convicções pessoais, as nossas tradições, os nossos preconceitos.
Acabei de dizer que a ciência não é infalível. Se fosse infalível, não haveria revoluções científicas. No entanto, as revoluções científicas acontecem. Houve a revolução coperniciana — a revolução em que Copérnico substituiu o sistema geocêntrico do mundo pelo sistema heliocêntrico. Esta foi uma revolução científica, porque o antigo sistema geocêntrico de Ptolomeu estava consolidado cientificamente: era uma teoria complicada mas bem pensada do movimento das estrelas fixas e dos planetas em torno da Terra, e era capaz de produzir predições destes movimentos que eram tão boas quanto as de Copérnico.
Claro, o sistema de Ptolomeu estava errado: a Terra não é o centro do universo nem está em repouso. Mas depois, o sistema revolucionário de Copérnico estava também errado, embora não tanto quanto o de Ptolomeu. Porque apesar de Copérnico ter razão ao asseverar que a Terra tem um movimento de rotação, e que este planeta é um dos que roda em torno do sol, ele estava claramente errado ao dizer que o Sol estava em repouso e que o Sol era o centro do universo; sabemos hoje que o Sol também tem movimento de rotação, e acreditamos que o universo não tem nenhum centro. Além disso, Copérnico estava errado ao aderir à teoria enganosa de Ptolomeu que considerava que as órbitas dos planetas consistiam em círculos e epiciclos; porque sabemos, desde Kepler e Newton, que consistem, aproximadamente, em elipses e não em círculos.
Assim, não apenas Ptolomeu estava errado como também Copérnico. E Galileu, que foi um dos grandes cientistas,, estava também errado, dado que ele acreditava nos círculos e epiciclos de Copérnico. E o grande Kepler, que substitui os círculos e epiciclos por elipses, estava também errado; porque embora as órbitas dos planetas sejam aproximadamente elípticas, não são rigorosamente elípticas, como Newton mostrou; tal como a órbita de um satélite é aproximadamente, mas não precisamente, elíptica. Mais especificamente, um satélite que se mova para um lugar suficientemente longe da Terra e seja atraído por outro corpo, como a Lua ou, talvez, o Sol, ou Vénus, mover-se-á numa trajetória muito diferente da de uma elipse, de acordo com a teoria de Newton.
A teoria de Newton é maravilhosamente exata; no entanto, até esta teoria não é totalmente verdadeira. O planeta Mercúrio apresenta desvios da órbita newtoniana, que os astrónomos não foram capazes de explicar em termos da teoria de Newton. Foi preciso uma nova revolução científica para explicar isto; e a revolução einsteiniana foi simplesmente tão radical e excitante quanto foram as de Copérnico, Kepler e Newton.
Então a ciência não é certamente infalível. Comete frequentemente erros. Mas progride, e aproxima-se mais e mais da verdade: Copérnico e Galileu estavam certos em se oporem a Ptolomeu, porque o sistema de Copérnico estava mais próximo da verdade do que o sistema de Ptolomeu. Kepler estava certo em substituir os círculos de Copérnico por elipses, e Newton estava certo ao desenvolver uma teoria que foi mais longe que a de Kepler ao permitir a interação mútua entre planetas, e de facto, entre todos os corpos físicos. E Einstein estava certo na sua tentativa de melhorar o sistema newtoniano que tanto admirava, e em criticar o próprio Newton, que era, para Einstein, o maior de todos os cientistas.
Assim, todos os cientistas são falíveis, mesmo o maior de todos eles. Não há, portanto, uma autoridade real em ciência, embora, sem dúvida, haja grandes cientistas e outros menos grandes. O método principal que faz progredir a ciência é o método de criticar teorias científicas. E o progresso será tanto maior quanto mais importante e influente for a teoria criticada com sucesso — a teoria que precisa ser melhorada.
Consequentemente, os maiores cientistas — os responsáveis pelas mais importantes revoluções em ciência — são ao mesmo tempo os que criticaram com sucesso os seus grandes predecessores. Isto mostra que qualquer tipo de autoritarismo em ciência é não apenas absurdo, mas também altamente reacionário, pois impede o progresso científico.
A grande diferença entre as teorias científicas e as ideologias — por exemplo, ideologias religiosas — radica precisamente nisto: as teorias científicas estão sujeitas à crítica revolucionária, a qual conduz a um progresso igualmente revolucionário. As outras ideologias, por seu turno, são dogmáticas: consequentemente, qualquer tentativa de reformar uma religião ou uma ideologia conduz sempre a uma cisão — a um cisma entre fações opostas, e a uma luta pelo poder. E vice-versa: sempre que uma crítica revolucionária, ou uma ideia revolucionária, conduziu a cisões e a uma luta pelo poder, o espírito cientifico passou a estar ausente: o seu lugar foi ocupado por uma ideologia religiosa, dogmática ou metafísica.
Assim, podemos dizer que o espírito da ciência revela-se na atitude crítica e no anti-autoritarismo. Isto, e só isto, marca a diferença entre ciência e pseudociência, ou entre atitude científica e atitude pseudocientífica.
Mas não é o método da ciência principalmente um método de coletar observações e dados experimentais?
Não pode haver dúvidas sobre a importância das observações e das experiências para a ciência. Mas as observações e as experiências são sobretudo importantes porque podem ser usadas como argumentos críticos importantes e, por vezes, mesmo decisivos. A sua função é a de ajudar-nos na crítica e na eliminação das teorias erradas. Kepler, por exemplo, descreve com grande detalhe como rejeitava e inventava constantemente novas teorias, apenas para rejeitar de novo a mais recente, quando percebia que esta era incompatível com as observações de Tycho Brahe. Assim, podemos ver que ele usava estas observações apenas como testes: usava-as para confrontar, criticar, eliminar as suas teorias, mas nunca as usou como ponto de partida de uma teoria nova.
A situação nas ciências sociais é muito semelhante à das ciências naturais: inventam-se teorias, e tenta-se melhorá-las através de um criticismo severo. As observações voltam a desempenhar um papel importante, mas apenas como argumentos críticos: não podem ser usadas para descobrir novas teorias nem para estabelecê-las.
Quase não precisa ser dito que os grandes cientistas sociais são tão falíveis quanto os grandes cientistas naturais. E quase também não precisa ser dito que se nos abstivermos de uma atitude crítica nas ciências sociais e nos agarrarmos dogmaticamente às nossas teorias, então não apenas nos tornaremos reacionários no que diz respeito ao desenvolvimento da ciência, impedindo o progresso das ciências sociais, como as nossas teorias se tornarão não-científicas ou pseudocientíficas. Porque a principal diferença entre ciência e pseudociência radica na abordagem crítica — na prontidão com que abrimos mão de qualquer crença, por mais cara que nos seja, a partir do momento em que ela não resiste à crítica.
Um dos mais importantes e mais perigosos dogmas da ciência social é a ideia de que podemos prever o curso futuro da história. Claro que algum tipo de predições vagas são possíveis: podemos dizer que irão acontecer ciclos económicos em todos os países; que irão acontecer boas colheitas assim como más colheitas, tempos de progresso e tempos de estagnação. Mas isto são afirmações genéricas e, por isso, vazias: dificilmente precisamos de uma ciência social para nos dizer coisas deste tipo.
Mas há dogmas bem mais precisos e perigosos. Um dos mais perigosos é o dogma de que a guerra é inevitável entre países capitalistas e socialistas.
Este dogma é muito perigoso; porque se os líderes políticos de um país poderoso acreditarem que a guerra é inevitável, então esta sua crença pode facilmente ser um fator relevante que conduza à guerra.
Que uma crença, uma expectativa, uma predição, o simples medo podem trazer à luz do dia o que é acreditado, esperado, predito ou temido, é um fenómeno bem conhecido da vida social. Se um número suficiente de pessoas crer, expectar, predizer ou temer, que haverá uma escassez — digamos, de sapatos ou de batatas — então essas pessoas comprarão mais sapatos ou batatas do que fariam normalmente, fazendo assim com que a predita escassez aconteça, ou pelo menos contribuindo para isso. Da mesma forma, se um número suficiente de pessoas, ou de pessoas influentes, acreditar que uma guerra é inevitável, então essas pessoas não farão tudo o que é possível para evitá-la (dado que isto seria uma política fútil e irracional, de acordo com as suas crenças), antes vão preparar-se para ela, armar-se para ela. E ao não fazerem tudo o que é possível para evitá-la, e preparando-se para ela, podem realmente contribuir para que a guerra aconteça.
É portanto da maior importância para todos nós compreendermos que o dogma de que a guerra é inevitável não faz parte das descobertas de nenhuma ciência social crítica, embora possa fazer parte de uma ideologia metafísica com pretensões a ser ciência. Alguns cientistas sociais tentaram apresentar este dogma há anos; mas desde esses dias as condições sociais mudaram num sentido que nenhum cientista social poderia, possivelmente, prever. Nunca é de mais enfatizar que o mundo social muda constantemente como resultado de novas descobertas físicas e técnicas, e que algumas dessas descobertas não podem ser previstas: não podemos antever todas as grandes e revolucionárias descobertas da ciência física, e por isso não podemos antever o rumo que o crescimento do nosso conhecimento científico irá tomar.
Segue-se que nós não podemos antever o curso da história. É certo que podemos ver algumas das forças históricas em ação. No entanto, quem poderia antever, há cem anos, o desenvolvimento dos aviões supersónicos? Foi apenas em 1875 que um dos líderes científicos da Europa, Julius Robert Mayer, um dos descobridores do princípio da conservação de energia, declarou que o problema da construção de um dirigível era tão insolúvel como o da construção de uma máquina de movimento perpétuo. Ninguém pôde naquele tempo antever a rádio ou a televisão ou, mais importante, os grandes avanços na medicina; a conquista sobre a poliomielite, por exemplo, ou o desenvolvimento de novos métodos para o controlo da natalidade. E quem pode negar que estes desenvolvimentos técnicos e médicos imprevistos tiveram, e vão continuar a ter, grandes e inesperadas consequências sociais, políticas e históricas?
Mas se assim é, então é puro dogmatismo pseudocientífico afirmar que algo é inevitável — por exemplo, a guerra; ou a vitória política de um qualquer sistema social. E, claramente, é muito importante realçar o caráter pseudocientífico deste tipo de dogma, estabelecendo uma linha de demarcação entre a ciência crítica e a pseudociência dogmática; pois se as pessoas continuarem a acreditar que a previsão da guerra é científica, a sua crença pode levar-nos a uma catástrofe que poderia, de facto, ser evitada.
Torna-se então óbvio quão importante é reconhecer que a principal característica da ciência é, essencialmente, a atividade crítica, bem como reconhecer a falibilidade de toda a ciência e de todos os cientistas, incluindo os maiores.”
A Rússia é um país com recursos naturais imensos e uma dimensão que abarca não só o heartland terrestre, mas também 11 fusos horários — uma imensidão que torna praticamente inexpugnável o seu território. Os russos têm, portanto, todas as condições de partida para serem um povo pacífico, próspero e feliz mas, apesar destas vantagens, vivem há séculos na miséria.1
As causas da triste vida do povo russo (que suporta um desdém criminoso dos sucessivos governantes autocratas pelo valor da vida humana) resultam da opressão a que tem sido sujeito dentro da própria Rússia, desde os tempos dos czares até Putin, passando pelo horrífico regime soviético, com um ou outro vislumbre ilusório de democracia.
Quando a derrota da União Soviética na Guerra Fria aconteceu, isso não implicou — como alguns, replicando Putin, querem fazer crer — uma tentativa de assalto do Ocidente. Não há, nunca houve, nem nunca se equacionou, neste período, um avanço ocidental sobre o território russo. O “Ocidente”, pelo contrário, deslumbrou-se com a potencial transição soviética para a democracia, sonhou com a paz (e, sim, também com os negócios), e mesmo quando Putin deu os primeiros sinais de despotismo, não quis acreditar que a Rússia regressava a passos largos ao seu estado ancestral, de onde, de resto, nunca saíra totalmente.
Assim, se pode até ser compreensível que muitos russos atuais, intoxicados pela propaganda, aceitem as falsidades de Putin e culpem o Ocidente pelas supostas ameaças à Federação Russa e pela Guerra na Ucrânia, apenas por cegueira ideológica homens e mulheres de sociedades livres podem engolir tal patranha.
A causa profunda da agressão de Putin à Ucrânia não deriva do exterior: é a mesma que viabilizou a cultura de opressão russa, e a mesmíssima que permite a Putin roubar o povo a seu bel-prazer — referimo-nos, claro, ao poder absoluto, hoje nas mãos de um ditador déspota, corrupto e sanguinário, com o beneplácito de alguns extremistas ideológicos que, um ano após esta “Operação Militar Especial”, continuam a culpar o Ocidente.
No início do século XIX, o PIB per capita do Império Russo era, em média, duas vezes menor que o da Europa Ocidental e a produção industrial cerca de 2,5 vezes menor. Apenas 2% a 6% das mulheres e 4% a 8% dos homens eram alfabetizados na Rússia (40% a 50% na Europa; 25% a 35% no Japão; 15% a 25% na China). O IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) estimado era 1,8 a 2,5 vezes menor do que os do Japão e do Ocidente.
No início do século XX, a esperança de vida à nascença no Ocidente era de 50 anos, ao passo que na Rússia era de 34 anos. A diferença absoluta entre os anos de escolaridade no Ocidente e na Rússia aumentara exponencialmente em um século: 1.9 em 1800 (2.2/0.3) e 5.8 em 1913 (7.3/1.5). 1% da população russa detinha 16% a 20% da totalidade da riqueza do país. Os níveis empresarial, administrativo e cultural da população russa, em geral, eram terrivelmente baixos.
Na época soviética os gastos com a defesa aumentaram terrivelmente chegando a uns incríveis 50/60% do PIB na década de 1980. Pelo contrário, as qualificações dos recursos humanos eram terrivelmente baixas em comparação, por exemplo, com os padrões dos EUA e Alemanha (70% a 80% de profissionais altamente qualificados nestes países, contra 15% na União Soviética). O PIB per capita ajustado mostra uma queda acentuada de 1913 (28/30% dos países desenvolvidos) para 1990 (16/18% dos países desenvolvidos e 10% do norte-americano), apesar da União Soviética ser, nos últimos anos antes do seu desmembramento, a maior produtora mundial de petróleo bruto e gás natural. Após este longo período de decadência, o sistema económico soviético colapsou.
Escusado será dizer que Putin — ao gastar uma percentagem enorme da riqueza nacional na indústria da guerra, em detrimento do desenvolvimento do país — repete os erros do período soviético e sujeita o povo ainda a mais miséria. Ele, porém, é provavelmente o homem mais rico do planeta.
Fonte:
Meliantsev, Vitali A, “Russia’s Comparative Economic Development in the Long Run”, Lomonossov University, Moscow, 2004.
Muitos dos que culpam os Estados Unidos, a NATO e a União Europeia pela atual guerra na Ucrânia apoiam-se em autores antiamericanos. Um deles, particularmente famoso, é Noam Chomsky — um suposto filósofo da linguagem e da política.
Do ponto de vista académico, as teses de Chomsky sobre a linguagem passam por algumas banalidades (tais como a afirmação de que a estrutura mental humana está adaptada ao desenvolvimento da linguagem) ou hipóteses amplamente contraditadas (como por exemplo, a pretensão de que todas as línguas têm uma estrutura comum e existe uma gramática universal), sustentadas por um ego inflado, suscetível de impressionar os mais incautos.
Esta confiança é contrariada por inúmeros trabalhos, dos quais destacamos o artigo publicado na Frontiers in Psychology1 pela polaca Ewa Dabrowska, uma investigadora a quem foi atribuído em 2018 o mais prestigiado prémio de investigação da Alemanha (Alexander Von Humboldt), no valor de 3,5 milhões de euros, para dar continuidade à sua investigação empírica sobre a forma como a linguagem é adquirida em crianças e adultos (em contextos linguísticos e culturais específicos), e como os indivíduos diferem nas suas capacidades de linguagem.2 Tal como afirma Dabrowska: “Os argumentos a favor do inatismo de categorias ou princípios linguísticos específicos são irrelevantes (são argumentos para o inatismo geral e não para o inatismo linguístico), baseados em premissas falsas ou circulares”. Os investigadores Andrew Nevins, David Pesetsky e Cilene Rodrigues corroboram a afirmação de Dabrowska:3 “não existe um modelo geral de gramática universal (…), apenas uma panóplia de hipóteses diversas sobre GU [Gramática Universal] e o seu conteúdo”.
Apesar das posições destes e tantos outros autores, que demonstram a vacuidade científica das propostas de Chomsky, muitos se indignarão com a nossa ousadia de colocar em causa um intelectual de alto gabarito, que escreveu dezenas de livros, supostamente científicos. Mas nada disto é inédito. Já foram escritas milhares de páginas, e mesmo milhares de livros sem qualquer interesse para o progresso da humanidade, embora os seus autores sejam todos, precisamente, da área das humanidades. Popper — que considera a gramática “escondida” de Chomsky algo que pura e simplesmente não existe, e afirma que este não poderia estar certo quanto à sua alegação de que todas as línguas têm uma estrutura comum4 — exemplifica, ao citar Hegel, como se podem juntar palavras, numa algaraviada que ninguém entende e que muitos, talvez por isso, achem interessante.5 Mas o que Chomsky e Hegel têm sobretudo em comum — juntamente com Heidegger, Sartre, Foucault, Zizek6 e tantos, tantos outros — é que são contrários ao espírito do Iluminismo, aos ideais da razão, da ciência, do humanismo e do progresso7, e é por isso que Chomsky condena o chamado “Ocidente”, a metade do mundo que defende os ideais e valores iluministas.
Isto conduz-nos diretamente ao comportamento político de Chomsky, que usa e abusa da liberdade de expressão de que desfruta para acusar o país em que nasceu e vive de ser o pior do mundo8, apoiando outros, como a Rússia de Putin, onde a liberdade de expressão é um mito. Se vivesse nas ditaduras que apoia e falasse recorrentemente contra o regime, como faz nos Estados Unidos, Chomsky seria preso ou morto — e é por isso que, apesar de tudo, ele continua a viver na América. Chomsky — que curiosamente é filho de um ucraniano — era lido pelo terrorista mais famoso do mundo9 e continua a inspirar tantos outros antiamericanos, ilustres ou anónimos, um pouco por todo o lado, incluindo, é claro, Portugal.
Chomsky é um extremista encapotado que começou por defender a violência da anarquia, acabando a defender a violência da tirania. Tudo isto na paz e segurança do sistema democrático que o protege. Chomsky declara-se um libertário e um anarquista, mas defende os regimes mais autoritários e assassinos da história humana. A sua hipocrisia é incomensurável.10
5 “O som é a mudança verificada na condição específica de segregação das partes materiais e da negação dessa condição; é meramente uma idealidade abstracta ou ideal, por assim dizer, dessa especificação. Mas esta mudança é, por consequência, em si mesma imediatamente a negação da substância material específica; o que é, portanto, a idealidade real da gravidade específica e da coesão, isto é, o calor. O aquecimento de corpos sonoros, assim como dos corpos percutidos ou friccionados, é a aparência de calor que surge conceptualmente juntamente com o som” (Popper citando Hegel em A Sociedade Aberta e Seus Inimigos, Vol. II, Editora Fragmentos, Lisboa, 1993, p. 34).
Pode parecer estranho, mas há de facto uma tendência nefasta para admirarmos aquilo que é escrito (ou dito) de forma obscura, densa, rebuscada, muitas vezes incompreensível, pois confundimos frequentemente um estilo indigerível com erudição. É por isso que Popper realça a importância de escrever de forma simples, clara e compreensível, e considera a clareza de discurso uma obrigação que qualquer intelectual que se preze deve impor a si próprio.
7Valores ou ideais inscritos no subtítulo do livro de Steven Pinker O Iluminismo Agora —Em Defesa da Razão, Ciência, Humanismo e Progresso (Editorial Presença, Lisboa, 2018).
Para 494 dos 596 deputados europeus, sim, a Federação Russa é um estado patrocinador do terrorismo e um estado que usa meios terroristas. 58 deputados votaram contra a resolução. Ou seja, cerca de 83% votaram a favor e apenas 10% contra. Os restantes 10% correspondem aos 44 deputados que se abstiveram. A resolução foi, assim, aprovada por uma larguíssima maioria e reiterou o apoio inabalável às independência, soberania e integridade territorial da Ucrânia, no interior das suas fronteiras internacionalmente reconhecidas, e a condenação da guerra ilegal de agressão, não provocada e injustificada, da Federação Russa.
O Parlamento Europeu exortou a União Europeia e os seus estados membros a desenvolverem um quadro jurídico para a designação de estados patrocinadores do terrorismo e estados que usam meios do terrorismo, e instou os líderes europeus a considerarem a inclusão da Rússia nessa lista europeia de estados patrocinadores do terrorismo e instou os estados membros a contribuírem para o isolamento internacional abrangente da Rússia. A resolução pedia também que o grupo Wagner, apoiado pelo estado russo, e os kadyrovites, bem como outros grupos armados financiados pela Rússia e em atividade na Ucrânia, fossem incluídos na lista europeia de pessoas, grupos e entidades envolvidos em atos de terrorismo. Foi pedido um nono pacote de sanções, alargando o número de indivíduos sujeitos a essas medidas sancionatórias. Foi solicitada a prevenção, investigação e processamento de quaisquer formas de ludibriar as sanções.
Os eurodeputados apelaram ainda a um renovado apoio às investigações independentes em curso sobre crimes de guerra e crimes contra a humanidade cometidos pela Rússia, e realçaram que a vertente guerra de agressão sobre a Ucrânia “destaca a necessidade de uma avaliação histórica e jurídica completas e um debate público transparente sobre os crimes do regime soviético, sobretudo na própria Rússia, porque a falta de responsabilidade e justiça só conduz à repetição de crimes semelhantes”.
Analisando a votação da resolução c9-0482/2022, aprovada por larga maioria, como já foi dito, constatam-se duas coisas — uma que já se previa à partida e outra verdadeiramente surpreendente.
A primeira é que os votos contra a resolução vieram quase todos dos extremos políticos à esquerda e à direita do Parlamento.
A segunda é que, para além dos votos contrários à resolução dos dois deputados portugueses do PCP, já esperados, e da posição tipicamente hipócrita dos deputados do Bloco de Esquerda, que se abstiveram, houve cinco deputados do Partido Socialista que também se abstiveram.
Não sabemos se isto é de alguma forma embaraçoso para o PS. Só sabemos que é uma vergonha para o país.
Com a maré vazia é muito fácil descer da aldeia de Cacela Velha, cruzar o pequeno canal com água pelo joelho (se a maré estiver mais cheia o nível pode subir até â cintura ou mesmo ao pescoço — mas isso não é impeditivo para os mais aventureiros) e chegar ao mar.
Este ano o Verão de São Martinho veio com tanta força, e a água do mar estava tão apetecível no sotavento algarvio, que, durante quatro dias seguidos (10, 11, 12, 13 de novembro) fomos à praia, banhámo-nos, ao sol e no mar, e fizemos longas caminhadas pelos areais de Manta Rota e Cacela Velha. Quatro dias consecutivos com tempo super agradável não é assim tão comum em novembro, por isso quisemos que este magnífico período ficasse registado, para mais tarde o recordarmos.
A praia de Cacela Velha é pouco frequentada. Tem de se fazer uns 500 metros a pé, a partir da bela aldeia de Cacela Velha (onde se tem vistas fantásticas sobre a ria, o mar e toda a zona costeira, incluindo o litoral fronteiriço de Espanha), descer uma longa escadaria e atravessar a Ria Formosa — o que nem sempre é fácil porque a maré pode não estar vazia — para se alcançar a praia. Também se pode aceder à praia de Cacela Velha via Manta Rota, localidade onde já não é preciso cruzar a Ria Formosa para chegar ao mar, caminhando ao longo da praia uns 20 minutos para oeste e atravessando um pequeno canal que une o mar e a ria (canal constantemente em mudança face a ventos e marés, mas que se ultrapassa facilmente sobretudo na baixa mar), e alcançando assim a praia de Cacela Velha. No verão há alguns barqueiros que levam as pessoas à praia, nomeadamente no sítio da Fábrica. Uma vez chegados, estamos no paraíso.
A pequena ondulação acontece porque o vento está de leste/sudeste, o que no sotavento significa que vem do lado do mar. Ao fundo a aldeia de Cacela Velha.
Além de pouco frequentada, a praia é enorme, a areia dourada e a água límpida. Temperaturas em torno da que consideramos ideal (23,5º) são bastante comuns no verão, estação em que a água do mar chega a atingir os 26º. As mais altas temperaturas ocorrem quando o vento está do quadrante leste, o que proporciona uma tipologia de tempo que aqui se chama levante. É quando o mar tipicamente calmo do sotavento se torna agitado com ondulação mais ou menos significativa. A temperatura do mar fica então mais alta e assim se mantém por alguns dias, mesmo depois de o levante passar. A temperatura média do mar no sotavento, ao longo do ano, ronda os 18º/19º, o que permite banhos de mar praticamente em qualquer mês do calendário. Nestes quatro dias de São Martinho a temperatura da água do mar rondou os 20º.
É muito difícil dizer qual a melhor praia do sotavento algarvio. Cabanas, Ilha de Tavira, Terra Estreita, Barril, Fuzeta, as ilhas de Armona, Farol e Faro são todas elas (sobretudo, para nós, a Terra Estreita) praias magníficas. Mas se tivéssemos de escolher uma, essa seria Cacela Velha. Sem quaisquer apoios de praia, principalmente sem gente na maior parte do ano, na praia de Cacela Velha podemos relaxar, sentir a natureza em estado puro e, se nos apetecer, tirar a roupa toda e mergulhar num mundo azul.
A capela de Cacela Velha debruçada sobre a Ria Formosa e o Oceano Atlântico.