Chipre

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Limassol vista do mar.

Chipre é a maior ilha do Mediterrâneo Oriental e o terceiro país mais pequeno da União Europeia, depois de Malta e do Luxemburgo. A superfície total da ilha corresponde a uma área de 9.251 km2, sobre a qual vivem 847.008 habitantes[1]. A capital é Nicósia e a língua oficial o grego. Chipre aderiu à UE em 1 de maio de 2004, quando já estava dividido, embora toda a ilha seja considerada território da União. Os cipriotas turcos são cidadãos da UE, já que são cidadãos de um país que é parte integrante da mesma – a República de Chipre – ainda que vivam numa parte da ilha que o governo cipriota não controla. Este é um dado bastante curioso sobre Chipre, um dos 19 países da chamada zona euro, que aderiu à moeda europeia em 1 de janeiro de 2008{2], mas a sua história é muito mais antiga, como veremos de seguida.

Sendo uma ilha, Chipre foi tradicionalmente um território ocupado. Normalmente, as potências mediterrânicas dominantes em cada época, foram igualmente as dominantes de Chipre. A ilha foi ocupada em primeiro lugar pelos egípcios e, depois, pelos assírios, para voltar, mais tarde a fazer parte do Egito. Em 525 a.C., Chipre passou a fazer parte do imenso império persa, comandado por Dario I, e viu-se, durante vários anos, envolvido nas guerras entre gregos e persas até aparecer Alexandre, o Grande, que acabou de vez com as antigas civilizações do Egito e da Mesopotâmia e impôs a todo o mundo civilizado, incluindo Chipre, a cultura helénica.

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O mosteiro de Stavrovouni.

Após a morte de Alexandre, foram ainda seus generais e descendentes destes que governaram durante vários anos o Chipre, até aparecerem os romanos como grandes dominadores do Mediterrâneo, e mais além. A mãe do imperador Constantino, Helena, após visita à Terra Santa, mandou construir, no século IV, um mosteiro em Stavrovouni (que quer dizer Montanha da Cruz), na atual região de Larnaka, no leste da ilha, para guardar as relíquias sagradas que trouxera, incluindo partes da cruz onde Cristo fora crucificado. A autenticidade destas peças, porém, nunca pôde ser comprovada. Helena incentivou o cristianismo em Chipre, dando vantagens aos cristãos, incluindo isenções de impostos e distribuição de terras.

Em 364, o Império Romano dividiu-se em dois e Chipre passou a fazer parte do Império Bizantino, cujo centro era Constantinopla. Em 632 a ilha foi invadida pelos árabes. Durante mais de 200 anos Chipre caiu numa grande instabilidade e muitos dos tesouros cristãos foram roubados, até o imperador Nicephoros Phocas recuperar a ilha, em 964. Viveu-se uma paz relativa por mais umas centenas de anos. Em 1184, Isaac Komnenos, um membro da família do imperador, tomou inesperadamente a ilha, apresentando documentos falsos que o apontavam como novo governador. Mal tomou posse do cargo, declarou a independência da ilha, libertando-a da alçada de Constantinopla, e intitulou-se Imperador de Chipre.

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Uma prensa de azeite do período bizantino, usada entre os séculos VII e IX, na cidade de Limassol.

Um episódio ocorrido apenas sete anos depois acabaria por determinar que Isaac tivesse um reinado demasiado curto. No inverno de 1190-91, Ricardo Coração de Leão estava na Sicília em escala para Jerusalém, que queria resgatar das mãos de Saladino, o supremo comandante do Islão, que a havia recapturado em 1187. Depois de levantarem ferro da Sicília, os navios de Ricardo enfrentaram uma enorme tempestade tendo três deles naufragado perto de Chipre e outro, onde seguiam a irmã de Ricardo, rainha Dowager, e a sua noiva, a princesa Berengaria de Navarra, chegado em segurança ao porto de Limassol. Os tripulantes dos três navios naufragados foram feitos prisioneiros e tanto a rainha como a princesa tratadas desrespeitosamente. Quando Ricardo desembarcou à frente dos seus homens tinha em mente, sobretudo, resgatar a irmã e a noiva mas, face aos acontecimentos, acabou por tomar a ilha e aprisionar Isaac, que viria a falecer no exílio.

Ricardo casou com Berengaria no dia 11 de maio de 1191, em Limassol, e foi nesta cidade que a princesa foi coroada rainha de Inglaterra. Os cipriotas, porém, não viram com bons olhos a chagada dos católicos à ilha, uma vez que eram ortodoxos. Revoltaram-se, e obrigaram Ricardo a repensar sobre a utilização de Chipre como base de incursão até Jerusalém. Ricardo Coração de Leão decidiu então vender a ilha aos Templários[3], os quais, face às constantes revoltas, pediram a Ricardo para a comprar de novo. Este acedeu e não se sabe ao certo se a doou ou revendeu a Guido de Lusignan[4]. Assim começaria o chamado “período latino” de Chipre, que durou cerca de 300 anos. Os ocupantes foram sobretudo francos, com as ordens religiosas dos Templários e Hospitalários a deterem vastos territórios na região de Limassol.

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São muitos os registos das ordens religiosas deixados em Chipre.

Embora nesta época o poder papal fosse incontestável, o conflito entre católicos e ortodoxos esteve sempre latente, com uma patente fricção entre as duas igrejas. A população mantinha-se maioritariamente ortodoxa, mas em 1260 surgiu a Bulla Cypria, a qual subjugou toda a população cristã da ilha aos ditames de Roma. Durante o período em que a dinastia Lusignan subsistiu em Chipre, o de maior prosperidade sob o reinado de Hugo IV (1324-59), as potências que dominavam o Mediterrâneo eram Génova e Veneza, as quais contrabandeavam com o Egito e contrariavam, assim, as restrições ao comércio com os islamistas impostas pelo Papa.

Aconteceram algumas invasões dos genoveses, que foram combatidas primeiro pelo rei João I e depois por seu filho Janus, embora este, no início do século XV, tenha cooperado com os genoveses e atacado a costa do Egito. Isto irritou os mamelucos, que responderam atacando Limassol e Larnaka. No ano seguinte voltaram com um exército maior, tomaram Limassol, saqueram e incendiaram Nicosia e, levando Janus com eles como prisioneiro, retornaram ao Egito com um vasto tesouro, além de mulheres e escravos. Quando Janus regressou a Chipre, depois do pagamento de um elevado resgate, foi sob a condição de reconhecer o sultão com seu soberano. Com a morte de Janus, em 1432, terminava a grandeza dos Lusignans em Chipre. Seguiu-se um período em que a ilha foi governada pelos venezianos.

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Uma das várias mesquitas de Limassol.

Entretanto, em 1453 os turcos conquistaram Constantinopla, pondo fim ao Império Romano do Oriente, que sobrevivera aos seu congénere ocidental cerca de mil anos. A partir de Constantinopla, os otomanos expandiram-se em várias direções. A ilha de Rodes foi subjugada em 1522 e, pouco tempo depois, chegou a hora do Egito e da Síria. Veneza entrava em declínio, face à descoberta da rota marítima do Cabo, pelos portugueses. Além disso, tinha de pagar um tributo a Constantinopla pela posse de Chipre, reconhecendo tacitamente a soberania do Islão. Os venezianos tentaram, enfim, revoltar-se contra os otomanos e construíram apressadamente muralhas defensivas, mas Chipre acabaria por ser invadido no Verão de 1570 pelo comandante turco Mustafá, à frente do seu poderoso exército. A população, cansada dos venezianos, não só não se defendeu dos turcos como até os apoiou com o fornecimento de provisões.

Em 1702, o sultão ofereceu Chipre ao seu Grande Vizir e em 1769 começou a primeira de muitas batalhas que ocorreriam por mais de cem anos entre a Rússia e a Turquia. Uma esquadra russa ultrapassou o Dardanelos e os russos chegaram a estar algum tempo em Chipre. Em 1821, a população grega de Korca[5] revoltou-se e massacrou os habitantes turcos. Foi a oportunidade que os otomanos esperavam. Os bispos cristãos foram chamados ao palácio, dizimados e os seus corpos espalhados pelas ruas. Os habitantes cristãos foram perseguidos durante seis meses de terror. Os gregos revoltaram-se então abertamente contra os ocupantes turcos. O sultão teve de pedir ajuda ao governador do Egito, Mohammed Ali, para suster a revolta em Atenas, mas os gregos pediram também ajuda. Ingleses, franceses e russos responderam afirmativamente. Lord Byron, o conhecido poeta inglês[6], foi um dos que morreu na Grécia durante a campanha de libertação.

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Na cidade de Limassol, as praias estendem-se por mais de dez quilómetros.

Em 1829 a Turquia foi derrotada e em 1832 a Grécia era um reino independente. Muitos cipriotas viajaram para Atenas e obtiveram a nacionalidade grega. Entretanto, aproveitando a fraqueza dos turcos, Mohammed Ali revoltou-se e obteve a vitória sobre os otomanos, fundando uma dinastia independente no Egito e pretendendo que Creta e Chipre se integrassem no território egípcio. As potências europeias intervieram de novo e impediram que Chipre fosse integrado no Egito, ao contrário de Creta. Chipre mantinha-se parte do Império Otomano. A partir daqui, sob a liderança do sultão Mahmoud II e, depois, de seu filho, Mejid I, a Turquia encetou um vasto programa de reformas no sentido da sua modernização. Todo o império, fosse qual fossem nacionalidade ou religião, passou a ser tratado de igual modo, sob leis iguais para todos. Os cipriotas beneficiariam destas reformas.

Entretanto, Inglaterra e França, não querendo que a Rússia aumentasse o seu poder no Mediterrâneo, aliaram-se aos turcos, tradicionais inimigos dos russos. Quando a guerra estalou, as frotas britânica e francesa navegaram até o Mar Negro e atacaram a base naval russa de Sevastopol, situada na Crimeia[7]. Depois da guerra, a Rússia, vencida, viu-se obrigada a aceitar as condições do Tratado de Paris de 1856. Uma parte do tratado previa grandes melhorias nas condições de vida dos residentes dos territórios sob domínio otomano. Cristãos e muçulmanos, falantes gregos e falantes turcos, todos passaram a viver em considerável harmonia em Chipre.

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O Mediterrâneo junto à costa cipriota.

Em 1866, encorajada pela Rússia, a Bulgária revoltou-se contra o Império Otomano. A revolução não vingou de imediato mas em 1875 recrudesceu em força, tendo sido reprimida com uma ferocidade tal pelo exército turco que o incidente ficou conhecido como as “Atrocidades Búlgaras”. A Rússia, aproveitando o isolamento turco, declarou guerra à Turquia em nome da independência das Bulgária, Roménia e Sérvia. Venceu de forma tão conclusiva que uma grande parte da Anatólia foi cedida aos russos. Os britânicos não gostaram desta conquista dos russos, pois ela punha em perigo o Canal do Suez, a ligação que permitia à Inglaterra uma comunicação rápida com a Índia. A abertura do canal devolvera a Chipre a importância estratégica perdida nos finais do século XV, quando os portugueses descobriram a Rota do Cabo.

Assim, os britânicos acabaram por fazer uma aliança com os turcos para defesa da zona do canal. Parte dos termos do acordo atribuía o território de Chipre aos britânicos, ficando estes responsáveis pela garantia dos direitos dos muçulmanos da ilha. Por outro lado, os russos deveriam devolver aos turcos o território que haviam conquistado dentro da Anatólia. Chipre viu-se assim livre dos turcos e foi ocupado pelos britânicos, que aí estabeleceram a base das suas forças no Leste do Mediterrâneo. Em 1882 houve uma revolução no Egito, e os ingleses, temendo que a ligação, via Canal do Suez, à Índia, à Austrália e à Nova Zelândia, estivesse em perigo de novo, em vez de continuarem a controlar a zona desde a sua base em Chipre, decidiram ocupar toda a zona do canal. Depois da batalha de Tel-el-Kebir, em Ismailia, os ingleses assumiram o controlo militar do Egito.

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Georgios Grivas, um dos grandes heróis de Chipre.

Quando rebentou a Grande Guerra, os britânicos anexaram formal e completamente a ilha de Chipre. Não tinham agora que fazer concessões aos turcos, uma vez que estes, aliados da Alemanha e da Áustria, eram inimigos. Os ingleses propuseram então a entrega de Chipre aos gregos (a população da ilha era, como ainda é, tradicional e maioritariamente helénica) em troca do envolvimento destes na guerra contra os seus tradicionais inimigos na zona – os turcos. Surpreendentemente para os cipriotas, os gregos recusaram a proposta e a ideia de Enosis (união entre Grécia e Chipre) morreu ali. Os britânicos não renovariam esta oferta. Chipre ganhou o estatuto de colónia britânica em 1925 e um governador substituiu o Alto Comissário britânico.

Durante a II Guerra Mundial os cipriotas gregos lutaram bravamente ao lado dos aliados, tendo alguns sido condecorados como heróis de guerra. Isto renovou a esperança na Enosis e na independência de Chipre. Porém, todas as tentativas de autodeterminação falharam, bem como os apelos de 1954 e 1955 dirigidos às Nações Unidas. Por essa altura, um cipriota grego, Georgios Grivas[8], oficial do exército grego, desembarcou clandestinamente na ilha. Ele organizou o EOKA (Organização Nacional dos Lutadores pela Liberdade) e ficou conhecido como Digenis, o Líder, tendo sido o responsável pelos primeiros atentados contra as forças britânicas. Os ingleses reagiram em força e enviaram para o exílio nas Seychelles o arcebispo Makarios III, aliado de Grivas na luta pela Enosis. Makarios foi libertado no ano seguinte e, após uma breve passagem por Atenas, recebido como um herói em Chipre.

Em 16 de agosto de 1960, Chipre tornou-se uma república independente. A grande aspiração dos cipriotas à independência obrigara os britânicos a conceder-lha. Porém, após três anos de relativa tranquilidade, a tensão entre cipriotas gregos e turcos acentuou-se. Makarios tentou fazer alterações à Constituição que, embora benéficas, a própria Constituição não permitia, e estas foram rejeitadas pelos cipriotas turcos. Começaram os confrontos. Grivas retornou à ilha em 1971 para organizar um novo grupo combatente, o EOKA-B, enquanto na Grécia uma junta militar conhecida como “Os Coronéis” tomava conta do poder.

Em 1974, um grupo de oficiais do exército grego planeou um golpe para eliminar Makarios e substituí-lo por Nicos Samson, um ex-membro do EOKA, e anexar uma parte de Chipre à Grécia. Esta Enosis limitada  fazia parte de um plano conhecido por Ankara, que toleraria as consequências em troca de parte do território cipriota, que seria cedida aos turcos. No dia 15 de julho o palácio presidencial foi atacado, mas o presidente Makarios escapou ileso e o golpe falhou. Os turcos, porém, não desperdiçaram a oportunidade há tanto esperada. Em 20 de julho invadiram Chipre e rapidamente ocuparam a parte Norte da ilha, cerca de 37% do seu território. Foram muitos, os mortos e deslocados. Os britânicos, que ainda permaneciam na ilha nas suas bases, as forças de manutenção de paz da ONU, os Estados Unidos – ninguém interveio para impedir a invasão turca. Em 1983 surgia um “estado” no Norte de Chipre, até hoje apenas reconhecido pela Turquia e rejeitado pelo resto do mundo. Chipre continua dividido e não se sabe se alguma vez vai deixar de estar. É difícil prever se um dia as religiões deixarão de dividir os homens, de dividir o mundo[9].

Notas:

[1] Dados de 2015.

[2] Retirados de https://europa.eu/european-union/about-eu/countries/member-countries/cyprus_pt.

[3] Sociedade dos Cavaleiros do Templo.

[4] Os Lusignans governaram o Reino de Chipre até 1474. O corpo de Guido foi sepultado numa igreja dos Templários, em Nicósia.

[5] Atual Albânia.

[6] Conhecido sedutor e autor do célebre poema “Don Juan”.

[7] A Rússia haveria de perder a Guerra da Crimeia, que decorreu entre 1954-55.

[8] Georgios Grivas era cipriota e morreu no dia 27 de janeiro de 1974, com 75 anos de idade. Os britânicos ofereciam 10.000 libras a qualquer pessoa que, em qualquer parte do mundo, fornecesse alguma pista que conduzisse à sua prisão. No entanto, Grivas estava escondido numa casa em Limassol, quando foi acometido por um ataque cardíaco.

[9] Baseado na obra Brief History of Cyprus in Ten Chapters, Dr. Dick Richards, KyriakouBooks, Limassol, 1992.


Foto do convento de Stavrovouni retirada de http://www.4viptour.com

Foto de Georgios Grivas retirada de beretandboina.blogspot.pt