A Associação de Turismo de Lisboa divulgou hoje um relatório do qual destacamos os seguintes dados, relativos ao ano de 2015.
– 8.437 milhões de euros gerados pelo turismo na região de Lisboa.
– 149.914 novos postos de trabalho motivados pelo turismo.
– 7,3 milhões de hóspedes (o dobro de 2005).
– Aumentos proporcionados pelo turismo em 2015, relativamente ao ano anterior (2014): + 240 milhões de euros na hotelaria; + 200 milhões de euros na restauração; + 140 milhões de euros em transportes e compras; + 100 milhões de euros em congressos.
– De acordo com pesquisa levada a cabo pela ATL, 91% da população lisboeta considera que o turismo causa um impacto positivo na cidade.
As pessoas que estão cansadas e incomodadas devido ao aumento do número de turistas em Lisboa, sobretudo nos bairros históricos, deveriam olhar com atenção para estes números. A realidade mostra que o turismo é o setor que mais contribui para que a economia – e, logo, a nossa vida – não esteja, nestes tempos difíceis, muito pior. A diminuição do desemprego em Portugal deve-se, em larguíssima medida, ao aumento do turismo. O “comportamento” positivo das nossas exportações deve-se também ao turismo, que representa 15% do total. Em suma, os milhões de cidadãos que nos visitam são os grandes responsáveis pela melhoria dos dados económicos do país. As receitas do turismo em 2016 ascendem, em todo o país, aos 12.680 milhões de euros, um crescimento de 10,7% face a 2015.
Entretanto, o Porto foi considerado o melhor destino europeu para 2017. O turismo diversifica-se em Portugal, já não é apenas Lisboa e o Algarve. Os prémios recorrentes que vencemos provam a nossa vocação turística. Uma vocação que se baseia numa característica genuinamente lusa – a universalidade do nosso povo e a qualidade, tão nossa, de bem-receber.
A revista de viagens espanhola Condé Naste Traveler publicou esta semana um artigo sobre “As 31 ruas a percorrer antes de morrer”[1].
Duas delas ficam em Portugal e outras tantas no Brasil. Em Portugal foi eleita a Rua Augusta, em Lisboa, e o Cais da Ribeira, no Porto.
Escreve-se, na revista, sobre a Rua Augusta: “Ampla, brilhante, obrigatória para captar toda a essência da cidade… uma delícia lisboeta”.
Rua Gonçalo de Carvalho, Porto Alegre.
Já no Brasil, as ruas contempladas foram a Rua Gonçalo de Carvalho, em Porto Alegre, e a Rua Manoel Carneiro, uma escadaria colorida no bairro da Lapa, Rio de Janeiro.
Sobre a Rua Gonçalo de Carvalho, escreve-se o seguinte:”Está repleta até o topo de ramos e folhas da árvore Tipuana Tipu. A própria cidade iniciou uma campanha na internet considerando, com orgulho, que esta rua era a mais bonita do mundo e pedindo a sua classificação como património ambiental. A verdade é que o merece”.
O artigo contemplou ruas de dezanove países, mas apenas a Espanha (4), os EUA (4) e a Inglaterra (3) têm um número maior de ruas (incluídas nas 31 mais bonitas) que Brasil e Portugal.
A jornalista Fiona Dunlop, em artigo para a CNN, considera Lisboa a cidade mais cool da Europa, elogiando a nossa capital em sete vertentes principais: vida noturna, gastronomia, ironia, praias e castelos, arquitetura, arte e arruamentos. Neste último capítulo, há uma referência a Alfama e às coloridas fachadas dos seus prédios[1].
La Boca é um bairro portenho [1], situado na antiga zona portuária, na margem direita do rio da Prata, onde nasceram dois grandes clubes argentinos, River Plate e Boca Juniors . Não vou alongar-me sobre a história deste típico bairro, até porque isso está disponível para consulta em muitos sítios da internet. Vou apenas mostrar as semelhanças, algumas delas muito curiosas, que o mesmo tem com Alfama.
1- Situam-se na margem (direita) de um rio.
2 – Estão na origem das cidades de que fazem parte, Buenos Aires e Lisboa.
3 – Têm em frente um mar que não é mar – mar da Prata [2] e mar da Palha.
4 – Desenvolveram-se a partir das atividades portuárias.
5 – São o coração de dois tipos de música, ambos Património Cultural Imaterial da Humanidade, assim classificados pela UNESCO – o tango e o fado.
6 – São bairros extremamente populares e a sua população é, em geral, pobre [3].
7 – Em La Boca usa-se uma interlíngua que se chama “lunfardo”, a qual se deve à passagem de marinheiros estrangeiros pelo bairro, sobretudo italianos, mas também portugueses. Muitos vocábulos dessa gíria são usados também em Alfama. Aqui ficam alguns exemplos que a maioria dos alfamenses certamente reconhecerá. “Guita” (dinheiro); “cana” (prisão); “canoas” (sapatos); “engrupir” (enganar); “fachada” (cara); “fanar” (roubar); “farra” (festa); “gagá” (debilitado mentalmente); “garfos” (dedos do carteirista); “lábia” (facilidade para dialogar); “mancar” (entender, compreender); “morfar” (comer); “palpitar” (imaginar); “tanga” (fraude, engano); “untar” (subornar); “zarpar” (ir-se rápido) [4] [5].
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[1] Relativo a Buenos Aires.
[2] O rio da Prata, dada a extensão do seu enorme estuário foi confundido com um mar. Daí terem-lhe chamado Mar da Prata. Ainda hoje há quem o chame assim.
[3] Como se pode ver pelo exemplo que mostramos na foto de La Boca (registada em 2009), muitas casas foram pintadas com cores vivas e variadas. Isto teve origem no aproveitamento dos restos das tintas usadas para pintar os navios, que os locais recolhiam para pintarem suas próprias casas.
[4] Existem até dicionários de Lunfardo, como pode ver-se pelo exemplo aqui:
[5] Já agora, fica também a referência a outro tipo de interlíngua que se fala na região – o “portunhol” (ou portanhol). Uma mistura, como a termo indica, de português com espanhol, falado sobretudo na zona da tríplice fronteira, entre Brasil, Argentina e Paraguai (ver foto no artigo deste blog sobre as Cataratas do Iguaçu) e também na zona da fronteira sul do Brasil, entre o estado do Rio Grande do Sul e o Uruguai.
Naquele dia saí cedo de casa e corri para a Baixa. Pelo caminho, vi soldados estendidos no asfalto em posição de combate. Vi tanques de guerra. Vi gente chegando. Vi, em pouco tempo, uma multidão encher o Rossio, o Chiado, o Bairro Alto e todo o centro de Lisboa. Vi senhoras que traziam flores vermelhas, em cestos de verga, e as ofereciam aos soldados – os nossos heróis. Vi o Largo do Carmo apinhado, com jovens, como eu, empoleirados das árvores e em cima dos tanques do exército. Vi as pessoas saudarem-se, sorrirem-se, abraçarem-se – vi a felicidade estampada em seus rostos.
E também eu – que estive lá! – participei de pequenas manifestações espontâneas, que se juntavam a outras manifestações espontâneas. Vagas de júbilo que cirandavam no coração de Lisboa, na maior e mais bonita festa que já vivi. Hoje, 39 anos passados, o 25 de abril não é mais a bela festa que foi em 1974.
Muitos reclamam que não se cumpriu o “espírito de abril”. Arrogam-se seus legítimos defensores ou representantes. Acham que o país não segue o rumo que abril preconizou.
Pois, nada disto é verdade. Abril não se fez para nos dar (ou apontar) um rumo. Abril fez-se, coisa muito diferente, para nos dar a possibilidade de nós próprios escolhermos um rumo. O 25 de abril, através dos militares e desse herói que foi o Capitão Salgueiro Maia, restituiu-nos “apenas” o valor mais elevado da vida social, o único pelo qual, alguém disse um dia, vale a pena morrer e aquele que uniu o povo no 25 de abril de 1974. Eu estive lá e posso testemunhá-lo. A palavra gritada pelo povo era: “LIBERDADE”!
No tempo da minha infância, nos anos sessenta do século XX, ainda circulavam machos e burros puxando carroças com legumes e outras mercadorias pelas ruas de Alfama. Havia poucos carros. Tudo se comprava em avulso, pesado e embalado no comércio local: 500 gramas de açúcar, 250 gramas de azeitonas, um litro de feijão (sim, era um litro e não um quilo), meio-quilo de café; sete e meio de branco ou tinto na taberna do Zé Gordo, onde hoje é a Mesa de Frades. Não se usava plástico nem Tetra Pak. Sou do tempo da Fonte das Ratas e lembro-me de ver — ainda! — os vendedores de água, conhecidos por aguadeiros, apregoando “aú”! Eu próprio vendia leite avulso de porta em porta, ajudando os meus pais, o que me custou a alcunha de Norma Leiteiro, que eu detestava. As pessoas colocavam colchões nos becos e nos pátios e dormiam ao ar livre, nas noites quentes. Muitos criavam galinhas, coelhos, patos e outros animais que andavam com seus filhotes pelo empedrado do bairro. Algumas crianças tomavam banho nos chafarizes e alguns adultos também. Muitas habitações não tinham casa de banho. Aos sábados à noite ia-se ao café ver o Bonanza na televisão a preto-e-branco, como hoje se vai ao cinema; e aos domingos, sempre às três da tarde, ouviam-se no rádio os relatos do futebol. Ninguém pensava em ganhar dinheiro com os Santos Populares: as pessoas ofereciam sardinhas, pão e vinho a quem passava; cantava-se, dançava-se e saltava-se a fogueira: cada beco fazia a sua festa — e era muito, muito mais bonito que agora! Naquele tempo havia mais gente, mais atividades, mais pregões, mais cheiros. E tudo era maior porque eu era mais pequeno. Havia também as Casas da Malta, onde se amontoavam imigrantes, em geral do Norte, que vinham trabalhar para Lisboa. Muitas das profissões — estivadores, conferentes, fiéis de armazém, pescadores, armadores, manobradores, timoneiros, mestres, arrais, marinheiros, entre muitas outras — estavam ligadas ao porto e ao rio, para além de várias atividades ilícitas, em geral, complementares àquelas. Era comum encontrar-se — sobretudo de manhã, bem cedo, para o “mata-bicho” e, ao fim do dia, para o “copo-de-três” — muitos destes trabalhadores, distribuídos pelas tabernas do bairro. Trabalhadores e tabernas em vias de extinção. A ancestral relação entre Tejo e Alfama perdeu força nas últimas três, quatro décadas, até se extinguir, e esta foi a maior transformação, não apenas dos últimos cinquenta anos, mas desde sempre: o fim de uma relação milenar! Terminou um ciclo, no qual Alfama descobriu o mundo, e inaugurou-se outro, em que o mundo descobre Alfama. O turismo cresceu bastante nos últimos anos, ao mesmo tempo que o cais e o rio se esvaziaram. A Doca da minha infância, repleta de fragatas e varinos, onde tantos, como eu, aprenderam a nadar, foi aterrada; o Tejo ficou mais distante, inacessível; Alfama, sem ele, divorciada, perdeu vivacidade e alegria: entrou num processo de transformação e aos poucos foi-se adaptando e regenerando. Agora, os hábitos e a maioria dos habitantes são outros: muita gente, de muitos lugares, veio morar para Alfama. Há mais diversidade profissional, social, cultural; multiplica-se o pequeno comércio de chineses, cingaleses, indianos; a vida noturna animou-se com a proliferação de casas de fado e bares diversos. Enfim, o bairro revitaliza-se, renova-se, mas não perde a identidade. Isto percebe-se melhor quando subimos a colina e alargamos a vista, primeiro em Santo Estevão e, depois, em Santa Luzia: lá está o Tejo, afinal, com sua corrente forte; o casario e o traçado árabe parecem eternos; e as andorinhas continuam a chegar no fim dos dias longos, em grande algazarra, anunciando o Verão. Alfama ainda é a minha aldeia.