Cão d’água português

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Pormenor da t-shirt de Mia Kontkanen, finlandesa, participante do Congresso sobre o Cão d’Água Português.

Decorreu na última semana de setembro, durante cinco dias (de 25 a 29), o 1º Congresso Internacional do Cão de Água Português. O encontro deu-se em Tavira, Algarve, Portugal, e a maioria das atividades realizaram-se na Praia do Barril. Para além das demonstrações na água, várias comunicações foram feitas no auditório de Pedras d’El Rey[1]. Catorze países estiveram representados, para além de Portugal. Foi um evento muito interessante. Na praia do Barril pude comprovar as extraordinárias aptidões do cão d’água para a natação e para o mergulho. Uma das provas consistia na busca de um objecto colocado no fundo do mar. Alguns cães superaram esse difícil teste: quando não conseguiam à primeira, vinham à superfície respirar e tentavam de novo.

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Demonstrações e concurso na Praia do Barril.

O cão d’água português é também conhecido, em Portugal, como cão d’água algarvio, pois era no Algarve que existia o maior número de exemplares, desde tempos remotos. Estes valorosos cães, de porte médio e pêlo encaracolado, embarcavam com os pescadores nos navios de pesca e realizavam uma série de utilíssimas tarefas: guiavam os cardumes para as redes dos pescadores[2]; recuperavam objetos perdidos no mar; apanhavam os peixes que se escapavam, indo buscá-los dentro de água; e salvavam pescadores que caíam ao mar[3].

O cão d’água português é uma raça extraordinária de “cães pescadores, corajosos e dóceis, inteligentes e combativos, afetuosos e alegres”[4]. Raul Brandão, na sua obra, “Os Pescadores”, referindo-se à faina do alto dos caíques de Olhão, escrevia o seguinte: “Tripulavam-no vinte e cinco homens e dois cães, que ganhavam tanto como os homens. Era uma raça de bichos peludos, atentos um a cada bordo, ao lado dos pescadores. Fugia o peixe ao alar da linha, saltava o cão ao mar e ia agarrá-lo ao meio da água, trazendo-o na boca para bordo”.[5]

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Bo e Obama (revistameupet.com.br).

O amor que os pescadores devotam a este cão – sobretudo a Sul de Lisboa e na costa algarvia – está bem patente em testemunhos vários registados ao longo dos tempos. Trata-se de uma amizade ancestral. Os cães d’água, apesar do seu valor, nunca eram vendidos, mas sempre dados, porque se considerava que não tinham preço.

No século XX, devido ao advento de tecnologias modernas de pesca e de novos meios de comunicação, o número de cães d’água diminuiu drastricamente, chegando o “Guiness Book of Records”, em 1981, a considerar a raça – ao que parece com algum exagero – a mais rara do mundo. Isso trouxe mais visibilidade ao Cão d’Água e hoje, como o número de participantes neste congresso comprova, o futuro deste nobre animal parece garantido – pelo menos a médio prazo[6]. Na Casa Branca, em Washington, habitam uma fêmea e um macho cães d’água, que fazem as alegrias da família Obama e, claro, isto conferiu a esta raça ainda mais visibilidade…[7]

Por fim, o sucesso deste congresso indicia que, provavelmente, será apenas o primeiro de muitos. Talvez o próximo não se realize em Tavira, mas seja onde for, (quem sabe, no Brasil?), farei o possível por estar presente. O Cão d’Água é um animal extraordinário e merece a nossa admiração. E um povo marítimo só poderia ter, como fiel amigo, um cão amante do mar.

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Gravura sobre o desembarque de D. Miguel em Belém na qual se pode observar um cão d’água nadando ao encontro das embarcações (1828).

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Notas:

[1]http://www.cpc.pt/archive/2013/capcongress_pt.pdf

[2] Ver o artigo sobre Santa Catarina na categoria “Viagens e locais”, deste blog, onde se descreve como os botos (espécie de golfinho), em Laguna, também encaminham os cardumes para as redes dos pescadores.

[3] Numa entrevista dada a um orgão de comunicação social, um dos participantes do congresso, afirmou que está vivo graças a um cão d’água. Segundo ele, o seu pai foi salvo por um cão desta raça, quando tinha apenas oito anos de idade.

[4] http://www.pedradaanixa.com/historia.htm

[5] Raul Brandão, “Os Pescadores”, Lisboa, 1932

[6] Este congresso reuniu 200 participantes, de regiões tão díspares quanto os EUA, a Escandinávia ou a Austrália.

[7] O primeiro cão d’água a habitar a Casa Branca foi um macho, Bo, em 2009. Mais tarde, uma cadela da mesma raça – Sunny – veio juntar-se-lhe.

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OUTRAS RAÇAS PORTUGUESAS DE CÃES:

aireswww.hunde-welpen-portal.de
Serra-d’aires (www.hunde-welpen-portal.de).
miguelwww.diarioliberdade.org
Cão-de-fila de S. Miguel (www.diarioliberdade.org).
perdigueirowww.sabinemiddelhaufeshundundnatur.net
Perdigueiro-português (www.sabinemiddelhaufeshundundnatur.net).
podengowww.akc.org
Podengo-português (www.akc.org).
terceirawww.portugeserashonden.nl
Barbado-da-Terceira (www.portugeserashonden.nl).
estrelaen.wikipedia.org
Serra-da-Estrela (en.wikipedia.org).
cccl.no.sapo.pt
Castro-laboreiro (cccl.no.sapo.pt).
bib.ge
Rafeiro-do-Alentejo (bib.ge).
tovi.blogs.sapo.pt
Cão-de-gado transmontano (tovi.blogs.sapo.pt).

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