Tarifa

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Uma placa no centro histórico informa que a “muy nobre cidade de Tarifa” foi reconquistada aos mouros em 21 de setembro de 1292, por Sancho IV, o Bravo. Apesar dessa vitória, no fim do século XIII, a marca árabe paira ainda hoje sobre a cidade. África continua dominando o horizonte, irresistivelmente, para lá do estreito a que chamaram de Gibraltar[1], em honra do berbere Tarik ben Ziyad,[2] que, em abril de 711, desembarcou junto ao rochedo, iniciando a ocupação muçulmana da Península Ibérica, derrotando, cidade após cidade[3], os visigodos, sempre que estes ofereciam alguma resistência[4].

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A presença árabe duraria mais de setecentos anos na Península[5] e, pelo menos, quinhentos anos, aqui, em Tarifa. Não admira, portanto, que se faça sentir ainda hoje e, provavelmente, sempre, já que o nome da cidade deriva do de outro berbere, enviado por Tarik para explorar o território e preparar o terreno para a invasão – Tarif ibn Malik.

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Na bela praia onde Tarif desembarcou os ventos são constantes, e há por isso quem considere Tarifa a capital mundial dos wind e kitesurf. Baleias e golfinhos podem ser avistados nas águas transparentes, onde o Atântico se junta ao Mediterrâneo[6]. Existe ampla oferta de hotéis, casas para alugar, parques de campismo e todos os visitantes têm  lugar assegurado para banhos de sol e de mar, pois a praia, além de ser muito bonita, é enorme, com quilómetros de extensão[7].

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E quem quiser sentir o que Tarik e Tarif experimentaram, embora em sentido contrário, pode sempre apanhar um ferry para Tanger ou Ceuta, e embrenhar-se em África. Tarifa orgulha-se de ser  o ponto da Europa mais próximo do continente negro. Dar o salto, para lá ou para cá, é uma tentação eterna.

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[1] Gibraltar deriva de “Gebal-Tarik” (montanha de Tarik). Todas as cidades europeias do estreito de Gibraltar têm nomes de origem árabe. Também Algeciras deriva do árabe “Al-jazeera” (a ilha).

[2] Os berberes são um povo cuja origem se mantém obscura, embora seja quase certo que são uma mistura de vários povos, incluindo de alguns judeus que se refugiaram  no Norte de África. Há quem refira a sua origem canaanita (da terra de Canaan), portanto, israelitas. O próprio Tarik acreditava ser judeu, descendente da tribo de Simeão (“Raízes dos Judeus em Portugal”, de Inácio Steinhardt, Vega, Lisboa, 2012).

[3] Em junho de 712, Mussa bin Nussair atravessou o estreito à frente de um exército de 1800 homens, desta vez quase todos árabes. Desembarcou em Algeciras e rumou a ocidente, conquistando Sevilha, Huelva, Faro (Ossónoba) e Beja. A região do sul da Península não era já a Bética dos Romanos, mas ainda a que tinha sido ocupada pelos Vândalos Silingi, que, depois de derrotados pelos Visigodos, passaram para o Norte de África. O nome da terra dos Vândalos era pronunciado, em árabe, Al Wandalus ou Andaluz. Daí deriva o nome Andaluzia.

[4]Em contraste com os visigodos, os árabes mostrar-se-iam um povo tolerante. Os habitantes da Península Ibérica, cansados dos germânicos, receberam os muçulmanos com alegria. A dinastia árabe que governava o império era a omíada, com califado em Damasco. Após lutas com os abássidas, que se reclamavam descendentes de Maomé (Abbas era tio do profeta), estes venceram e transferiram o califado para Bagdad. Porém, o omíada Abderramão I, emir de Córdova, manteve a independência e, quase 200 anos depois,  em 929, Abderramão III instaurou o califado de Córdova, que perduraria por mais de cem anos, aprofundando ainda mais a independência em relação aos abássidas. Os omíadas sempre governaram em convivência pacífica com os outros povos e com as restantes etnias árabes. Os judeus, por exemplo, viveram em paz e tiveram inclusive cargos importantes na administração, experimentando uma atmosfera de liberdade que não existia em mais nenhum lugar da Europa.

[5] A ocupação da península Ibérica pelos árabes foi sempre muito variável ao longo do tempo. Ela nunca foi absoluta – o reino das Astúrias resistiu sempre – e chegou, na parte final (a ocupação terminou em 1492), a ser diminuta – limitada ao emirato de Granada – uma pequena faixa que incluía as atuais cidades de Granada, Málaga e Almeria.

[6] Será fácil encontrar em Tarifa uma das várias empresas que fazem passeios no mar (em geral de duas horas) para observação de cetáceos.

[7] O único ponto em que os espanhóis parecem não ter aprendido nada com os árabes, nem com qualquer outro povo, é o da cozinha. O Sul de Espanha continua a ser uma zona gastronomicamente pobre. Aliás, excetuando a Galiza, come-se (geralmente) mal em Espanha.

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