O “grunhido” de Saramago

Jose-Saramago

No dia 19 do corrente, há seis dias, portanto, tivemos oportunidade de ler no Zero Hora, jornal gaúcho de referência, uma entrevista muito interessante com a pesquisadora americana Pamela Rutledge que podem ler aqui. Numa das perguntas, a jornalista do Zero Hora referiu-se a José Saramago dizendo que este afirmara que “com o Twitter, estamos a um passo do grunhido”. Independentemente da resposta de Rutledge (que podem consultar), gostaríamos de comentar esta frase e, através dela, o pensamento típico da Esquerda Radical a que pertence Saramago.

Essa Esquerda é normalmente apelidada de “progressista”. Isto, porém, constitui uma enorme falácia, uma deturpação da realidade, uma vez que opiniões como esta de Saramago fazem parte de uma ideologia retrógrada, de um caminho, esse sim, de regresso ao passado, em última análise — para usar a linguagem soundbite de Saramago — de regresso ao “grunhido”.

De facto, a libertação do coletivismo tribal, o aparecimento do pensamento crítico, autónomo, filosófico e científico; a criação de instituições democráticas que se opõem e se sobrepõem ao poder sem controlo; o desenvolvimento de técnicas que melhoram significativamente a nossa qualidade de vida (embora, como tudo, tenham os seus “efeitos secundários”) e que conduziram, entre outras coisas, ao aparecimento das redes sociais como o Twitter e o Facebook — tudo isto é que é, claramente, progressista, uma vez que é bom para a humanidade, pois torna a nossa existência mais livre, democrática e participativa. É muito difícil silenciar as redes sociais ou, pelo menos, ignorá-las, algo que há poucos anos parecia impossível.

Pelo contrário, a ideia radical (comum à Extrema-Esquerda e à Extrema-Direita) de que existe na humanidade uma tendência para a degenerescência (para o “grunhido”) é, além de injusta, profundamente enganadora — e perigosa. Desde a Grécia Antiga (portanto, desde o seu nascimento) que a democracia é atacada. Saramago atacou-a até morrer. Esse ataque à democracia tem por base uma descrença nas capacidades humanas para lidar com a liberdade. Assim, todos os predecessores de Saramago advogaram o regresso à segurança, à ordem e às virtudes da sociedade fechada. Um regresso ao passado. É preciso ler A República (Platão), A Origem da Desigualdade entre os Homens (Rousseau), O Capital (Marx) e A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado (Engels) para perceber, em todas essas obras, a nostalgia do paraíso perdido; é daí que vêm as ideias gastas de Saramago.

Talvez demore ainda muito tempo até que esta crença na decadência humana deixe de ser apelidada de progressista. A propaganda política, o talento de muitos dos inimigos da liberdade e o desconhecimento dos meandros da história social têm ajudado a que assim seja. Isso não invalida, porém, que estejamos perante uma das grandes mentiras da história escrita pelos “progressistas”. A verdade é que são os inimigos da liberdade que são conservadores e retrógrados; e é a nossa sociedade democrática, aberta e livre que é progressista.

Apesar da retórica moralista de Saramago, vivemos no melhor mundo de sempre e não há nenhum paraíso perdido.

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Foto de José Saramago retirada de http://www.theguardian.com

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Ver mais sobre Saramago aqui.

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