O Grande Capital

O Liechtenstein em primeiro plano e, ao fundo, separada pelo Reno, a Suíça. O homem ordena, em seu benefício, a natureza.

Depois de uma viagem de 5,935 quilómetros pela Europa, regressámos a Portugal. Do Liechtenstein e da Suíça para baixo, a paisagem vai mudando, e com ela a organização, o ordenamento e a própria condição das estradas por onde circulamos. França, Espanha e, finalmente, Portugal, sempre a descer no mapa e na qualidade. Regressámos ao país por Vila Real de Santo António e seguimos pela Nacional 125. Nas bermas da rodovia acumulam-se o mato, o lixo e a desordem.

Mas, para lá da paisagem, algo que constatámos na Suíça e que contrasta flagrantemente com o que se passa em Portugal, é a descentralização. O que se tem passado em Portugal com a apelidada “bazuca” seria impensável na Suíça, um país que é, ele próprio, uma bazuca. António Costa (e Silva), o estratega, amigo de António Costa, o primeiro-ministro, foi encarregado de elaborar um plano para identificar as principais áreas onde aplicar os muitos milhões que a União Europeia vai entregar a Portugal. Isto é realmente o cúmulo do provincianismo — acreditar em indivíduos omniscientes — algo que jamais aconteceria na Suíça, talvez o país mais descentralizado do planeta. Em Portugal, pelo contrário, tudo passa pelos indivíduos providenciais, adstritos aos gabinetes ministeriais em Lisboa. O resto é paisagem, praticamente abandonada.

É a este abandono que se devem os grandes incêndios que deflagram regularmente em Portugal, muito mais do que aos “grandes interesses económicos” tão propalados pelos ideólogos de uma esquerda anacrónica, que tem no nosso país uma representatividade exacerbada, quando comparada com o que se passa na Europa civilizada.

Mas o arqui-inimigo da esquerda marxista é uma entidade abstrata chamada “Grande Capital”, um papão repetidamente agitado pelos discursos de Jerónimo de Sousa, um beato bem-intencionado dessa igreja laica que é o Partido Comunista Português. Já os suíços, pelo contrário, não têm medo nenhum do “Grande Capital”, convivem pacificamente com ele todos os dias. Falar-se do “Grande Capital” num país cronicamente depauperado como Portugal é ridículo, risível, de facto, uma anedota que se contaria com agrado, não fora a vergonha por haver tantos compatriotas que nela acreditam.

Algo que seria igualmente impensável na Suíça é o protagonismo que se dá em Portugal a tantos e tantos comentadores. Somos, de facto, um país de palradores. Um caso paradigmático é o de Raquel Varela, uma ideóloga lunática, supostamente historiadora, com amplo espaço mediático na rádio e televisão públicas, ou seja, paga por todos nós. As ideologias radicais estão confinadas na Suíça (e nos outros países socialmente avançados) à academia, onde alguns excêntricos, de resto, com uma credibilidade muitíssimo superior à de Varela, se dedicam ao seu estudo, não à sua divulgação. Acontece assim porque seria inútil propagandear algo que uma população culta e educada reconhece como anacrónico e irrealista.

Portugal, pelo contrário, mantém-se um país de teóricos e críticos, e não surpreende, portanto, que se mantenha um país crítico.

O endividamento crónico da terceira república portuguesa, fruto de opções marcadamente ideológicas, contrárias à racionalidade económica, hipoteca, de forma trágica, a vida das novas gerações.

Como diria o outro, “é a economia, estúpido!”

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Portugal afunda

Nos últimos anos tem-nos salvado o mar, o clima, e os bons produtos que ambos proporcionam e podemos vender, sem grande esforço, através do turismo.

Vamos sendo consecutivamente ultrapassados por países que há poucos anos estavam muito atrás de nós no que toca ao PIB per capita em paridade de poder de compra. Em 2017 fomos ultrapassados pela Lituânia e pela Estónia e prevê-se que em 2021 sejamos ultrapassados pelas Hungria e Polónia, que se aproximam vertiginosamente da média europeia enquanto Portugal se afasta. Todos os países que se encontram atrás de nós (excetuando a Grécia) tiveram um crescimento médio positivo na última década (2011-2020), ao passo que Portugal teve um crescimento negativo (-0,3%). Acresce que estes países (Polónia, Hungria, Eslováquia, Roménia, Letónia, Croácia, Bulgária) têm melhores condições para crescer do que nós: estão menos endividados e, por isso, podem concretizar mais investimento público, são mais qualificados e (excetuando a Croácia) dependem menos do turismo.

Resumindo: em poucos anos estaremos na cauda da Europa a 27, talvez à frente, apenas, da Bulgária e da Grécia.

Fatalidade ou opções económicas desastrosas? O mundo não é a preto-e-branco e, de facto, há uma série de causas, algumas estruturais, que justificam o nosso atraso, mas a opção por políticas que favoreceram, nos últimos anos, o setor não-transacionável da economia, suportado pelo crédito fácil, bem como o aumento desmesurado da despesa pública, têm contribuído para o endividamento público e privado do país, o que torna extremamente difícil o investimento e, consequentemente, a recuperação económica.

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Fontes:

Comissão Europeia, do Eurostat e WTTC.

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Monsanto, Portugal

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A aldeia de Monsanto é uma belíssima reorganização granítica levada a cabo pelo homem na encosta de um monte escarpado com 758 metros de altura (no atual concelho de Idanha-A-Nova no centro de Portugal) que, como a palavra indica, é, foi ou seria “santo” (Mons Sanctus): Monsanto – a Aldeia mais Portuguesa de Portugal.
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Esse título foi-lhe atribuído em 1938, por ter vencido um concurso organizado pelo Serviço Nacional de Informação, e uma réplica do troféu correspondente – um galo de prata, criado por Abel Pereira da Silva – ornamenta o topo exterior da Torre do Relógio (antiga torre sineira), visível, pelo ângulo fixado nesta foto, por trás da Igreja da Misericórdia (em primeiro plano), esta construída no século XVI.
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Mas as distinções sucedem-se ao longo do tempo. Em 2016, a Associação das Agências de Viagem do Japão – através da votação de mais de 300 agentes de viagem e profissionais do turismo – incluiu Monsanto no lote restrito das “30 aldeias mais bonitas da Europa”. Não é difícil perceber porquê quando, cercados pelos seus imponentes penedos graníticos, deambulamos por Monsanto.
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Penedos que comprimem habitações e ameaçam esmagá-las mas que, realmente, são a sua proteção natural. A singularidade deste lugar gira toda em torno do granito, cuja aspereza nos entra pelos olhos e pelos poros. Sem dúvida que estas pedras tiveram uma influência determinante sobre os indivíduos que, desde tempos ancestrais, vêm ocupando este monte, desde o sopé até o cume, primeiro, e do cume para baixo, depois.
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Indivíduos afáveis os que hoje aqui vivem e que vamos encontrando aqui e além durante a nossa escalada até ao topo deste monte santo. De vez em quando paramos para recuperar o fôlego, aspirando o ar puro, e tomar um gole da excelente água que se pode encontrar em fontes diversas, como a do Penedo ou a de São Pedro, entre outras.
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Mas vale a pena chegar ao cume, onde encontramos o castelo. O primitivo fora construído no século XII pelos Templários sobre uma anterior fortificação muçulmana. No entanto, o que vemos hoje já nada tem a ver com o castelo dos Templários. Houve várias reconstruções ao longo do tempo, sobretudo a efetuada no início do século XVI, por Duarte de Armas. Em 1815, uma violenta explosão de pólvora no paiol destruiu quase completamente o interior do castelo. A última reforma significativa (não muito feliz) foi realizada no século XX.
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No exterior do castelo encontramos uma necrópole com sepulturas, de formato antropomórfico, escavadas na pedra. Ao que parece, são anteriores ao reinado de D. Afonso Henriques e há quem diga que são até anteriores ao período medieval (a avaliar pelas dimensões, como se vê na foto, isso parece-nos plausível). Chamaram-lhe necrópole de São Miguel por se encontrar junto a uma capela com o mesmo nome, construída em finais do século XII, provavelmente, assim sugerem alguns achados, sobre um templo anterior .
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Vale a pena visitar Monsanto, um lugar que inspira. O grande escritor Fernando Namora, que aqui exerceu medicina (de 1944 a 1946), escreveu: ” Cada manhã em Monsanto nasce o mundo. Lá me apercebi que a sombra é azul”. E José Saramago: “De pedras julgava o viajante ter visto tudo. Não o diga quem nunca veio a Monsanto”. (Ilustração de Ricardo Coelho/Portugal: Todas as cores).

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Belmonte, Portugal

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Belmonte é uma vila portuguesa cheia de história. No seu castelo nasceu Pedro Álvares Cabral, o comandante da armada que, a caminho da Índia, se desviou (propositada ou acidentalmente – eis a questão) até a costa oriental do Brasil. Belmonte (que recebeu foral de D. Sancho I em 1199) faz parte de um grupo de doze localidades do interior de Portugal, relativamente próximas entre si, reunidas num produto turístico chamado Aldeias Históricas de Portugal.
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Em Belmonte a bandeira do Brasil tremula ao lado da bandeira de Portugal. A vila é geminada com quatro cidades brasileiras: a sua homónima, Belmonte, e Santa Cruz de Cabrália, na Bahía; São Vicente, em São Paulo; e Ouro Preto, em Minas Gerais. Esta é, pois, uma vila que, sem dúvida, merece a visita dos nossos amigos brasileiros.
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Em Belmonte podemos visitar quatro museus: o Museu Judaico (atualmente em obras), o Museu do Azeite (num antigo lagar do século XIX), o Ecomuseu do Zêzere e o Museu dos Descobrimentos. Tantos museus num espaço reduzido, como é o desta pequena vila, é algo pouco comum em qualquer parte do mundo, e constitui uma prova da importância cultural deste belíssimo burgo.
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Mas os locais e as exposições a visitar vão além dos museus. A Casa Etnográfica de Caria, a Igreja de Santiago, o Panteão dos Cabrais e, claro, o Castelo, são locais a visitar. Neste pode apreciar-se, até maio do presente ano, uma excelente exposição sobre a conquista de Ceuta, em 1415 – da qual participou um bisavô de Pedro Álvares Cabral (Luís Álvares Cabral) – que marca o início da expansão portuguesa conhecida por Descobrimentos.
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Pode (e deve) também dar-se um salto à Serra da Estrela, via Manteigas, mesmo ali ao lado, e visitar, ainda dentro de Belmonte, igrejas, capelas, edificações romanas, e a sinagoga Bet Eliahu – que marca a forte tradição judaica, que remonta ao século XIII.  Há alojamento de qualidade disponível e, claro, a gastronomia é excelente. A zona de Belmonte é ideal para servir de base a quem queira visitar também as outras aldeias históricas. E isto é válido em qualquer estação do ano, cada uma com seus encantos específicos.

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Portugal e o Turismo

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Os Caretos na Rua Augusta, em Lisboa.

Ao deslocarmo-nos há dias pelo Norte de Portugal – em Amarante, no Alto Douro Vinhateiro e no Porto (sétima cidade europeia onde o turismo mais cresceu) – verificámos o mesmo fenómeno a que já assistíramos recentemente em outras partes do país, sobretudo nos arquipélagos dos Açores e da Madeira, em Lisboa, no Alentejo e no Algarve: um fluxo turístico que varre Portugal de Norte a Sul, de Este a Oeste, algo nunca visto até hoje.

Se virmos bem, era apenas uma questão de tempo. Portugal tem condições ímpares para a prática turística: clima excelente, boa gastronomia, gente acolhedora, riquezas naturais e culturais, diversidade, custo de vida baixo, tranquilidade e segurança. A oferta tem vindo a adaptar-se à crescente procura, sobretudo no que toca ao alojamento, com a proliferação de hotéis, albergues, casas de campo, apartamentos particulares, etc. Muita gente ganha a vida trabalhando na área do turismo, cada vez mais.

O turismo representa já uma percentagem muito importante do PIB nacional, e isto quer dizer que, se não fossem as receitas deste setor, estaríamos numa posição muito pior do que aquela em que infelizmente nos encontramos. José Hermano Saraiva referia-se muitas vezes, em seus programas televisivos, à importância do turismo e à vocação de Portugal para essa atividade económica. E tinha toda a razão: Portugal é um país turístico por excelência; poderia e deveria aproveitar muito melhor esse potencial.

O turismo deveria ser, de facto, um setor económico estratégico, visto não termos dimensão, nem reservas naturais, nem localização, para sermos uma grande potência em muitas outras áreas. Claro que devemos ser competitivos em outros setores, mas se os outros o forem tanto quanto nós (e geralmente são-o mais), perderemos sempre, pois estamos na periferia da Europa e não temos massa crítica (mercado interno) para crescermos (já para não falarmos da inépcia dos nossos políticos, da corrupção, da nossa tradicional dependência do Estado, etc., etc.). Deveríamos apostar fortemente na Educação e no investimento em Ciência e Tecnologia, mas não o temos feito de forma consistente.

O turismo é, pois, estratégico porque é aquilo em que somos naturalmente bons. Isto é tão óbvio que chega a ser patético assistir ao coro de críticas que ultimamente se tem erguido contra o fluxo turístico. É algo verdadeiramente incompreensível: reclamamos porque não há dinheiro e reclamamos contra quem vem cá deixar o seu dinheiro. Esquecemos, ou ignoramos, que só nos desenvolvemos quando nos abrimos ao mundo. Fecharmo-nos só nos tornará ainda mais estúpidos. E mais pobres também.

Algarve, Portugal

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Vegetação no topo de uma escarpa do Barlavento algarvio

O Algarve é uma pequena região (cerca de 5.000 quilómetros quadrados) de um pequeno país, mas, tal como este, com uma enorme diversidade. Situado no extremo sul de Portugal, podemos analisar  este distrito de várias formas, mas há duas que parecem mais óbvias. Uma que divide o Algarve entre serra e litoral; e outra que o divide entre Barlavento, a Oeste, e Sotavento, a Leste. Dito isto, convém esclarecer que estas visões dualistas não são suscetíveis de beliscar a unidade desta região que, apesar dos contrastes (ou sobretudo por eles) se constitui como um todo equilibrado, dinâmico e, como qualquer pessoa pode comprovar in loco, muitíssimo atraente.

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Pôr do sol na Serra do Caldeirão.

No Barlavento encontramos a Serra do Monchique, com vistas magníficas sobre o mar, uma imensa área verde e um importante complexo termal, em Caldas de Monchique. No Sotavento, por sua vez, destaca-se a Serra do Caldeirão, famosa pelas estradas tortuosas, a densa rede hidrográfica e o medronho, um fruto que, após destilação, se transforma numa aguardente muitíssimo apreciada. A desertificação e o isolamento da região serrana, a primeira mais recente e o segundo mais antigo, têm sido compensados pela chegada de muitos estrangeiros que optam por morar na tranquilidade da serra, quase sempre em locais com vistas deslumbrantes sobre o mar.

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Praia da Marinha, no Barlavento. Recortada na falésia.

No que toca ao litoral, há acentuadas diferenças entre Barlavento e Sotavento. Embora as praias sejam magníficas em ambos os espaços – na verdade, as melhores da Europa: águas calmas, limpas e de temperatura amena -, a costa do Barlavento (lado de onde sopra o vento) é mais recortada, com praias que são, em muitos  casos, pequenas  e belíssimas baías ou enseadas, no fundo de falésias, escarpas e penhascos, e com a água do mar um pouco mais fria que a do Sotavento (lado para onde sopra o vento).

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O mar e a Ria Formosa vistos de Cacela Velha, no Sotavento algarvio.

Aqui, pelo contrário, a costa é baixa, apenas com dunas, e existe, ao longo de uns 60 quilómetros, a Ria Formosa – um curso de água, alimentado pelo mar (reserva natural), que é a casa de muitos espécimes animais e vegetais e que transforma as praias em ilhas, só acessíveis por barco. Claro que há algumas exceções, onde se construíram passadiços ou pequenas pontes, mas a maior dificuldade de acesso faz com que as praias do Sotavento sejam mais tranquilas (com zonas praticamente desertas) que as do Barlavento, onde o fluxo de veraneantes é bastante superior.

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Saboreando um imperador na praia de Olhos de Água, com o mar (ou será uma piscina?) aos pés.

Com quase duzentos quilómetros de costa, é perfeitamente natural que os gastrónomos locais utilizem, praticamente todos os dias, peixes e frutos do mar. De facto, em todas as cidades algarvias existem excelentes mercados de peixe e em muitas delas realizam-se festivais de mariscos, sendo de destacar os percebes, apanhados nas escarpas da costa ocidental, com grande risco, face à sua localização, em rochas de difícil acesso. Estes são talvez os frutos do mar mais deliciosos do mundo, e a sardinha das águas algarvias, pequena e gorda, é seguramente a mais apreciada. É conhecida a apetência que os portugueses têm para comer este peixe, grelhado no carvão, acompanhado com pão, vinho e uma salada mista com pimentos verdes.

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Praias tranquilas, lindas, surpreendentes.

Naturalmente, o Algarve enche-se de visitantes durante o verão. Mas, cada vez mais, há quem venha também na época fria. Aqui o sol brilha 300 dias por ano. Os amigos brasileiros surpreender-se-ão com o céu totalmente azul, sem um farrapo de nuvem, durante quatro, cinco e, muitas vezes, mais dias consecutivos. Os invernos são amenos, embora durante a noite a temperatura baixe bastante. Muitos cidadãos europeus, sobretudo ingleses, escolheram o Algarve para viver. Esta região foi considerada, em 2014 e 2015, pela Live and Invest Overseas o melhor destino para os norte-americanos viverem depois da reforma.

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Tavira. Provavelmente, a cidade mais bonita do Algarve.

A tranquilidade e segurança, as maravilhosas praias, o clima ameno, a excelente gastronomia, um custo de vida dos mais baixos da Europa e os preços acessíveis do imobiliário[1] fazem do Algarve um dos destinos mais apetecíveis do mundo. Foi por isso que escolhemos aqui viver, em Conceição de Tavira, no Sotavento. Raramente precisamos do carro. Com uma simples bicicleta vamos à praia, ao supermercado e fazemos os nossos passeios. A fronteira espanhola está a 25 quilómetros, Sevilha a 150, Lisboa a 300, África a 400; do aeroporto de Faro, aqui ao lado, partem aviões de low cost para grande parte da Europa. Se o paraíso existe na Terra, um dos seus endereços é aqui.

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Manta Rota, no Sotavento algarvio.


Notas:

[1] Para se ter uma ideia dos preços do imóveis em Portugal deixamos aqui alguns dados que retirámos do jornal “Expresso”, e que se baseiam num estudo efetuado pela APEMIP (Associação dos Profissionais e Empresas de Mediação Imobiliária de Portugal), que, por sua vez, se baseou no portal imobiliário internacional Property Guide. A análise reporta-se aos preços por metro quadrado nos centros das principais cidades europeias, considerando um espaço de 120 m2. O preço médio em Portugal é de €1.963/m2, o que equivale à 30ª posição entre 38 países analisados. No top 5 estão Mónaco (€44.522/m2), Reino Unido (€25.575/m2), França (€13.639/m2), Rússia (€11.866/m2) e Áustria (€10.807/m2). Os países com m2 mais baixo que o português são apenas oito: Chipre (€1.790), Croácia (€1.764), Roménia (€1.537), Hungria (€1.528), Montenegro (€1.400), Bulgária (€1.222), Macedónia (€1.134) e Moldávia (€965).

Os 11 aspetos distintivos de Portugal

1- A LUZ

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A luz de Lisboa.

A luz de Portugal é famosa. Lisboa, a “Cidade Branca”[1], é elogiada por artistas plásticos, fotógrafos e cineastas – para quem a luz é parte importante do seu trabalho – por sua luminosidade particular. Além da luz diretamente recebida, há também a luz filtrada e a luz refletida. É na combinação destes tipos de luz que se manifesta a particularidade de Portugal. Neste contexto, têm uma importância acrescida o vento (normalmente, de Norte), o céu limpo (Portugal é um dos países do mundo com mais dias de sol) e as edificações de matizes claros (nomeadamente as construídas em pedra, que é quase sempre o calcário branco) ou pintadas de branco, que ampliam a transparência da luz. Este tipo de construções encontram-se sobretudo nas regiões do Sul de Portugal continental, nomeadamente no Alentejo e no Algarve.

2- A PAISAGEM

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Pôr do sol na Caparica, arredores de Lisboa.

Portugal é um país pequeno mas extremamente diversificado. Isto reflete-se em tudo (como veremos, muito, na gastronomia), mas também, claro, na paisagem. Temos vários tipos de clima, alguns dos quais separados por poucos quilómetros de distância – o Norte de Portugal, por exemplo, vai desde o verde viçoso do Minho (onde podemos encontrar o exuberante Gerês) ao árido (mas belo) Trás-os-Montes. As praias são magníficas: as do Norte com água bem fria, e as do Sul (nomeadamente no Algarve) com águas mornas (no Verão) e calmas, excelentes para banhos. As principais cidades portuguesas situam-se junto a belos rios – O Mondego, o Douro e o Tejo. Seguir o seu percurso equivale a conhecer por dentro algumas das mais belas paisagens naturais do mundo. Os arquipélagos dos Açores e da Madeira – onze ilhas de encantos muito diversos – são igualmente famosos pelas suas belezas paisagísticas.

3- O MAR

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Praia do Barril, Tavira, Algarve.

Não existe outro país continental onde as pessoas tenham uma relação tão estreita com o mar. Esta relação está já inscrita no código genético dos portugueses. Isso é visível na distribuição da população pelo território. Esta apetência para o mar – manifestada pelas mais diversas atividades profissionais, culturais e de lazer – deriva da presença em Portugal dos Fenícios, povo que, tal como nós, embora muito antes, se dedicou, durante largo período, ao comércio marítimo. Os portugueses quase sempre aceitaram os desafios do mar. Nele, muitos ganharam a vida e muitos outros a perderam. Dificilmente um português conseguirá viver longe da água salgada. Esta relação completa-se com o fiel cão de água português, o canino mais adaptável, em todo o mundo, ao ambiente marítimo[2]. Como se sabe, esta vocação marítima conduziu os portugueses aos quatro cantos do mundo. Portugal foi o primeiro império marítimo mundial[3]. Data desses tempos o início do processo conhecido por “globalização”.

4- A CORTIÇA

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Colares e brincos em cortiça.

Trata-se de uma especificidade portuguesa. Portugal é o maior produtor mundial de cortiça. Este produto tem características muito próprias – sobretudo a sua combinação de impermeabilidade e leveza – que o tornam excelente em várias utilizações, sobretudo, claro, como rolha, em garrafas de vinho[4]. Porém, nem toda a cortiça dá para fazer rolhas. A primeira extração de cortiça só se realiza quando o sobreiro tem 25 anos. E a cortiça adequada para produzir rolhas só é extraída quando o sobreiro tem 43 anos (terceira extração). O sobreiro (Quercus Suber L.), única árvore em que a casca se regenera, dura em média 200 anos, isto é, suporta cerca de 17 extrações. A cortiça tem mais aplicações para além de rolha. Os produtos derivados são utilizados em áreas tão diversas quanto a moda, a construção, o design, a saúde, a produção de energia ou a indústria aeroespacial.

5- A GASTRONOMIA

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O peixe grelhado, sobretudo a sardinha, é uma iguaria muito apreciada pelos portugueses.

A gastronomia em Portugal é excelente. As duas vertentes de uma gastronomia de elevada qualidade são as boas matérias-primas e os bons cozinheiros (que fazem – ou reproduzem – as boas receitas). O peixe é a melhor matéria-prima de Portugal, em termos gastronómicos. Aqui existe, reconhecidamente, os melhores peixes do mundo. A sardinha é rainha e o bacalhau é rei. Ninguém sabe tratá-los melhor que os portugueses. Depois, fabricamos o melhor pão, aliás, os melhores pães (e broas), pois a variedade é enorme. Excelentes vinhos (brancos, tintos, espumantes, rosés e generosos) são produzidos em Portugal. O vinho do Porto é famoso no mundo inteiro. Os nossos queijos são variados e de qualidade insuperável. O queijo “Serra da Estrela” já foi várias vezes considerado o melhor do mundo. O nosso azeite é de altíssima qualidade e ganha regularmente, tal como o vinho e o queijo, prémios internacionais. Finalmente, a doçaria. É de chorar. Os nossos melhores doces vêm de uma tradição “conventual”. Enfim, perante coisas ancestrais, é quase pecado falar em “nouvelle cuisine” (que também aqui há). A nossa cozinha não é uma moda, não é uma nova forma de arte. A nossa cozinha é cultura (viva), é sabedoria – e é amor[5].

6- O MANUELINO

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A Torre de Belém, desenhada por Francisco de Arruda, é um magnífico exemplar do estilo manuelino.

Mais fácil e melhor que descrevê-lo é observá-lo nas mais variadas obras de arte, quer em edificações, quer em ourivesaria. Tradicionalmente, considera-se o manuelino como uma evolução do estágio ulterior do estilo gótico, e por isso é também denominado como gótico português tardio ou flamejante. O estilo manuelino desenvolveu-se sobretudo no reinado de D. Manuel, embora já existisse no do seu antecessor, D. João II, e desenvolveu-se também a partir da arte mudéjar, tendo ainda, mais tarde, incorporado elementos do Renascimento italiano. Os motivos principais do manuelino (designação cunhada em 1842 por Francisco Adolfo Varnhagen) são a esfera armilar, a cruz da Ordem de Cristo e elementos naturalistas ou fantásticos. As três obras mais emblemáticas do manuelino são, provavelmente, o Mosteiro dos Jerónimos, a Torre de Belém e a janela do Capítulo, no Convento de Tomar, todas construções do século XVI.

7- A CALÇADA PORTUGUESA

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Calçada portuguesa no Largo do Chiado, em Lisboa.

Foi considerada recentemente por um colunista do Financial Times uma das principais atrações entre aquelas que figuram nas mais belas cidades do mundo. Os efeitos visuais são sempre interessantes e, em imagens vistas de cima, muitas vezes, de rara beleza. Exportámos esta arte para outros países, da China (Macau) ao Brasil, como se pode verificar, por exemplo, no Rio de Janeiro. Mas é em Portugal Continental e nas Ilhas que se encontram os exemplos mais cativantes. No Continente, a pedra usada é sempre o calcário, sobretudo preto e branco (mas também castanho, vermelho, azul, cinzento e amarelo) mais fácil de trabalhar que o (mais duro) basalto negro, usado nas Ilhas, sendo ali os desenhos formados em calcário branco. Os trabalhadores especializados na colocação deste tipo de calçada são denominados mestres calceteiros. Esta arte iniciou-se (nos moldes em que hoje a conhecemos) em meados do século XIX e, desde 1986, existe a Escola de Calceteiros da Câmara Municipal, situada na Quinta do Conde dos Arcos, em Lisboa.

8- A AZULEJARIA

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Casa do Alentejo, em Lisboa.

O que dizer do azulejo português? Essa expressão artística manifesta-se em todo o país e cobre todas as camadas da população, desde os artesãos dos lugares mais recônditos, aos mais consagrados artistas. Com cerca de 500 anos de produção, a sua origem é árabe. No início, os azulejos predominavam em igrejas e palácios, mas com o tempo popularizaram-se, sobretudo a partir do século XIX, e chegaram às fachadas e aos interiores dos edifícios residenciais. Embora a azulejaria se tenha desenvolvido noutros países (como a Espanha, a Itália e os Países Baixos), em Portugal a sua originalidade deriva sobretudo da relação estabelecida com outras artes, nomeadamente a pintura, a gravura e a arquitetura, e do diálogo que mantém com o espaço envolvente, iluminando-o e transformando-o globalmente. No Museu Nacional do Azulejo, situado no Convento da Madre de Deus, em Lisboa, é possível observar magníficos exemplares. Quem goste desta expressão artística deve também fazer uma visita à Quinta da Bacalhôa, em Azeitão, na Península de Setúbal.

9- O FADO

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Fado na Mesa de Frades.

Apesar do recente reconhecimento como Património Mundial pela UNESCO, o fado ainda é visto por muitos como uma expressão artística menor. Mas há fados e fados. E há o Fado. Este foi imortalizado por Amália Rodrigues e desde aí não foi mais possível ignorá-lo. Amália, sobretudo no período em que cantou poemas de grandes poetas portugueses dentro das composições de Alain Oulman, guindou o fado a uma das expressões artísticas mais genuínas, belas e nobres. As suas atuações eram absolutamente arrebatadoras e Amália guiava-as apenas com a sua espantosa intuição. Uma das características únicas do fado é a utilização da guitarra portuguesa (há a de Lisboa e a de Coimbra, com afinações diferentes), com sua sonoridade única e inequívoca. Neste instrumento se destacaria um intérprete e criador extraordinário chamado Carlos Paredes. E é ainda uma voz feminina que se destaca nos dias de hoje no fado: Mariza é a digna sucessora de Amália.

10- A POESIA

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Estátua de Fernando Pessoa, junto à “Brasileira”, em Lisboa.

No campo da escrita, Portugal não é apenas um país de poetas. Desde Fernão Mendes Pinto que existem ilustres contadores de histórias, narradores exímios, domadores lestos, que cavalgam as palavras. Eça de Queirós é um deles. Mas foram dois poetas que marcaram para sempre as letras portuguesas: Luís de Camões e Fernando Pessoa. Radicalmente diferentes, na vida e na obra, igualam-se e complementam-se no génio. Ambas as obras, separadas por um quarto de milénio, estão no topo do que alguma vez foi produzido, no género, por homens e mulheres. Ambos viveram durante algum tempo em Lisboa (e passaram por Alfama), e ambos são símbolos importantíssimos da cidade, e de toda a nação. Mas outros nomes de poetas poderíamos acrescentar – Camilo Pessanha, Cesário Verde, Florbela Espanca, Sophia de Melo Breyner, Ruy Belo, Herberto Helder, entre muitos, muitos outros.

11- OS PORTUGUESES

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Veraneantes em Cabanas, Algarve.

As generalizações são sempre abusivas, ainda mais quando se trata de povos e, neste campo, não há melhores ou piores. Existem vários tipos de portugueses, como existem vários tipos de subsolos: o transmontano é duro e rude como o granito; o alentejano maleável como a argila e macio como o xisto. A diversidade reina. Mas talvez seja possível encontrar alguma tipicidade num país com 850 anos. O português tem, como já vimos, uma costela fenícia, à qual devemos acrescentar as árabe, judaica e berbere. Ou seja, o arcaboiço é semita[6]. Por outro lado, uma característica básica do português é a miscigenação. Basta ver os negros no Brasil e os negros dos Estados Unidos para perceber como as colonizações portuguesa e inglesa foram diferentes. A expressão “Deus criou o branco e o preto, e o português criou o mulato” tem pleno cabimento. Talvez por isso o português se adapte rapidamente à vida longe de casa. E, nesta, ninguém sabe receber tão bem quanto ele, o típico hospitaleiro. Pena é que, a nível social, dependa tanto do Estado. O português raramente tem iniciativa e precisa de ser liderado. Este é um problema cultural, que justifica, em parte, o atraso do país.

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Notas:

[1] A capital portuguesa ficou conhecida como “Cidade Branca”, sobretudo, após o filme, com título homónimo, do realizador suiço Alain Tanner, rodado em Lisboa e estreado em 1983.

[2] Existe também um cão de água espanhol, mais pequeno que o português e, ao que parece, menos sociável com as crianças. Sobre o cão de água português ver artigo deste blogue: https://ilovealfama.com/tag/cao-dagua-portugues/.

[3] Ver artigo deste blogue: https://ilovealfama.com/2014/08/22/o-primeiro-imperio-maritimo-mundial/.

[4] 60% das rolhas de cortiça de todo o mundo são produzidas em Portugal. Seguem-se Espanha e Itália. Há ainda pequenas parcelas que são produzidas em Marrocos, Argélia e Tunísia. Por outro lado, nem todas as rolhas de cortiça têm suficiente qualidade. Isto é muito importante, dado que a oferta de rolhas de qualidade não é suficiente para a procura. Os preços, naturalmente, sobem (uma boa rolha de cortiça pode custar mais de um euro), até porque todo o processo de extração só pode ser feito por processos manuais.

Para se ter ideia da importância das rolhas de vinho em cortiça, recordemos um curiosíssimo episódio ocorrido em 2010. Nesse ano foram descobertas no Mar Báltico, em área finlandesa, mais de 160 garrafas de champanhe provenientes de um naufrágio. O vinho tinha cerca de 200 anos e estava em perfeito estado de conservação, pois a enorme pressão no fundo do mar fez com que as rolhas se mantivessem estanques. Foi decidido provar o vinho que se verificou estar em perfeitas condições (a quase total escuridão e a temperatura média de 4 graus também contribuíram para isso). E, sem surpresa, foi solicitado o apoio técnico à melhor corticeira do mundo – a portuguesa Amorim – que estudou o assunto e substituiu algumas das rolhas originais por rolhas naturais de alta qualidade.

[5] Para lá da excelência da nossa gastronomia, e a condizer com ela, há que referir também o gosto dos portugueses pela comida. Somos dos poucos povos que fazem questão de almoçar e jantar com refeições completas. E somos dos que mais gostam de ir ao restaurante. De acordo com Barry Hatton, um jornalista britânico radicado em Portugal (in “Os Portugueses”, Editora Clube do Autor, 9ª edição, nov. de 2013, p. 261), “um estudo de 2008 revelou que as famílias portuguesas gastam 9,5% do seu orçamento familiar a comer e a beber fora – mais do dobro da média da UE. Essa estatística ajuda a explicar a razão pela qual Portugal tem três vezes mais restaurantes per capita do que o resto da UE (um por 131 pessoas; a média da UE é de um por 374)”. Podemos – e devemos – ainda acrescentar à lista de produtos fabulosos “made in Portugal”, algo tão básico e importante como o sal. O sal português é de altíssima qualidade, sobretudo o da região do Algarve, nomeadamente de Tavira. A flor de sal é um produto que resulta das pequenas placas que flutuam na água do mar apresada nos talhos das salinas. Logo após a recolha é depositada em caixas perfuradas para escorrer e secar ao sol, até ser armazenada. É muito apreciada pelos melhores cozinheiros mundiais. Tanto o sal tradicional quanto a flor de sal de Tavira são recolhidos entre julho e setembro, e a Comissão Europeia atribuiu-lhes, em novembro de 2013, a Denominação de Origem Protegida – DOC. 

[6] Aqui discordamos abertamente de Teixeira de Pascoaes. Escreve ele no seu ensaio “Arte de “Ser Português” (Assírio & Alvim, 1ª edição, 1991, p. 58): “Portugal resiste, há oito séculos, ao poder absorvente de Castela. Demonstra este facto que, de todas as velhas Nacionalidades peninsulares, foi Portugal a dotada com mais força de carácter ou de raça. E este seu carácter, trabalhado depois pela Paisagem, resultou ou nasceu da mais perfeita e harmoniosa fusão que, neste canto da Ibéria, se fez do sangue ariano e semita. Estes dois sangues, equivalendo-se em energia transmissora de heranças, deram à Raça lusitana as suas próprias qualidades superiores, que, em vez de se contradizerem – pelo contrário – se combinaram amorosamente, unificando-se na bela criação da alma pátria”.

Ora bem, este é um retrato bastante romântico do português. Basta olhar à nossa volta para perceber isso – basta olhar para nós próprios. Embora haja, evidentemente, algum sangue ariano entre nós, somos, sem dúvida, semitas e, mais, (estudos genéticos comprovam-no), goste-se ou não, somos em larga medida africanos, com sangue ancestralmente negro. Claro que nos referimos a cruzamentos antigos. Somos dos povos mais miscigenados do mundo e estamos também presentes noutros povos, como, por exemplo, no Brasil. Atualmente, em Portugal, de acordo com um artigo publicado no Journal of Human Genetics, por Mark A. Jobling, Susan Adams, João Lavinha e outros (The Genetic Legacy of Religious Diversity and Intolerance: Paternal Lineages of Christians, Jews, and Muslims in the Iberia Peninsula), vol. 83, nº 6, 2008, pp 725-736, existem, no Norte do país, 64,7% de população de ascendência ibérica, 23,6% de ascendência judaica sefardita e 11,8% de ascendência berbere. Já no Sul de Portugal as proporções são 47,6% (ibéricos), 36,3% (sefarditas) e 16,1% (berberes).

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O primeiro império marítimo mundial

Império português1

Parece haver apenas duas formas de nos posicionarmos face aos Descobrimentos Portugueses. Uma é considerada conservadora, atrasada, imperialista, de Direita. Outra, anti-patriótica, ignorante, leviana, de Esquerda. Estes sentimentos antagónicos acirram-se ainda mais em tempos de crise, como o que vivemos atualmente.

No entanto, factos são factos, e os Descobrimentos foram efetivamente um feito extraordinário, não apenas da História de Portugal, mas também da História Universal[1]. Portugal alargou o mundo para lá do Mediterrâneo que – como o nome indica – era até então o centro da Terra. África, América, Ásia e, ao que parece, a própria Austrália[2] foram alcançadas pelos navios portugueses. Tal feito é ainda mais extraordinário se considerarmos a pequena dimensão de Portugal e o seu reduzido número de habitantes. A solução para o problema populacional foi encontrada através da miscigenação, por um lado, e pelo comércio de escravos (sobretudo para o Brasil), por outro.

Portugal foi no século XVI o país mais rico do mundo. Não apenas o mais rico, mas também o mais avançado nos campos científico e tecnológico. O conhecimento era “de experiência feito”, como escreveu Camões, e essa experiência entrava pelo Tejo num número impressionante de navios, oriundos de todas as partes do mundo.

As embarcações lusas eram as melhores e as maiores que existiam e ainda hoje algumas delas são procuradas, como é o caso do galeão Flor de la Mar, afundado em 1511 nas águas costeiras de Sumatra, antes de concluir meio-dia de viagem. Em 1992, a casa de leilões de arte Sotheby’s avaliou o tesouro afundado com o Flor de la Mar, a preços desse ano, em 2,5 mil milhões de dólares[3]. Outro navio, o Madre de Deus, capturado nos Açores pelos ingleses[4], em 1592, foi conduzido a Inglaterra. Este navio era três vezes maior que qualquer navio britânico e vinha da Índia carregado de tesouros. A carga foi avaliada em meio milhão de libras esterlinas, uma soma astronómica, equivalente a quase metade de todo o tesouro inglês[5].

O império português foi um império marítimo, tal como o inglês, mas no caso português essa denominação é ainda mais verdadeira pois, como vimos, os portugueses não tinham homens em número suficiente para ocupar as terras. Estabeleceram-se várias praças nas zonas costeiras, através das quais os portugueses controlavam e faziam o comércio. Ainda assim, em todos os lugares por onde passaram, deixaram legados culturais, seja no património edificado, seja na língua[6], nas artes, na religião ou em outras manifestações, como a gastronomia.

Portugal é um país voltado para o mar. Espanha, o único país com quem tem fronteiras terrestres, constituiu sempre uma espécie de barreira que obrigou Portugal a enfrentar o desafio marítimo. Nunca se procurou a expansão continental, nem isso seria possível. Portugal abriu caminho para que outros impérios marítimos surgissem, sobretudo o holandês e, com uma implantação posterior mas também mais forte, o inglês. Portugal e Inglaterra foram velhos aliados contra espanhóis, holandeses e franceses. Claro que a Inglaterra, como país muito maior, se aproveitou muitas vezes das nossas fraquezas[7]. Mas é também verdade que mantivemos algumas colónias (sobretudo, o gigante Brasil) graças à proteção dos ingleses.

Outros países europeus, mais virados para o continente do que para o oceano, procuraram construir impérios pela via terrestre – sobretudo os casos russo e alemão[8] – e estes impérios terrestres haveriam de ser bem mais destrutivos que os marítimos, custando muito caro à Eurásia, dizimada pelos regimes nazi e estalinista. Quando no final do século XIX os europeus decidiram repartir entre si o continente africano, Portugal já ali se implantara há 500 anos. A colonização africana foi brutal, sobretudo a belga e a alemã[9] – e isso conduz por vezes à discussão sobre colonizações “suaves” (se é que existem) e “brutais”.

A colonização portuguesa, apesar das idiossincrasias locais, foi, em alguns períodos, brutal. Há relatos de atrocidades cometidas pelos portugueses, praticamente em todos os lugares onde se estabeleceram. Mas nunca praticaram o extermínio. Até porque precisavam dos habitantes locais para se multiplicarem e para conseguirem a mão-de-obra necessária à manutenção dos territórios. A escassez de mão-de-obra foi, aliás, sobretudo no Brasil, uma das razões principais da prática da escravatura – o que pode ser considerado a maior pecha da colonização portuguesa. Apesar da escravatura sempre ter existido e continuar a existir, talvez sob formas piores, tal não constitui desculpa para uma prática, sem dúvida, infame.

Hoje esse grande país chamado Brasil é o resultado da miscigenação de índios, negros e portugueses, pontuada por habitantes de outros povos – um exemplo para o mundo de uma sociedade verdadeiramente inter e intra-racial. É por isso que faz todo sentido uma expressão popularizada, não apenas em Portugal: “Deus criou o branco e o preto. Os portugueses criaram o mulato”.

O espírito português está bem retratado no livro A Peregrinação de Fernão Mendes Pinto[10], um aventureiro que percorreu todo o sudeste asiático e viveu as mais incríveis peripécias até regressar a Portugal, passados 21 anos. Durante algum tempo pensou-se que esse relato fosse no mínimo exagerado e até fantasioso, mas os japoneses sempre confirmaram os episódios narrados que lhes diziam respeito e muitos historiadores – como é o caso da americana, Rebecca Catz, professora da Universidade da Califórnia, em Los Angeles – chegaram à conclusão de que o relato é verdadeiro[11]. Aliás, só poderia ser verdadeiro, dado que o que se conta na Peregrinação apenas chegou ao conhecimento dos europeus vários anos depois da morte de Fernão Mendes Pinto. Ora, este não podia ter conhecimento daqueles factos se não os tivesse presenciado[12].

Hoje o império marítimo português não passa de uma memória. Mas o fascínio pelo mar continua intacto. Nas artes, na gastronomia, no lazer, no imaginário e no horizonte de Portugal.

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Notas:

[1] Adam Smith, o célebre economista liberal escocês, considerou os Descobrimentos Portugueses como um dos maiores feitos da humanidade.

[2] Também a América do Norte tem sido reclamada como uma descoberta dos portugueses. Ver artigo deste blog sobre a Pedra de Dighton.

[3] Martin Page, “Portugal e a Revolução Global”, Nova Fronteira, Brasil, 2011. 

[4] Apesar de os ingleses terem sido quase sempre nossos aliados, isso não aconteceu durante os 60 anos em que fomos governados pela Espanha, após a crise dinástica provocada pela morte de D. Sebastião, dado que a Espanha era inimiga da Inglaterra.

[5] Nigel Cliff, “Guerra Santa”, Globo Livros, Brasil, 2013.

[6] “Obrigado”, por exemplo, deu origem, no Japão, a “arigato” e “pão” a “pan”.

[7] Ver artigo deste blog.

[8] Também o francês (com Napoleão) e outros, embora não tão devastadores.

[9] Os belgas mataram milhões de seres humanos, no Congo, e os alemães quase exterminaram o povo herero, na atual Namíbia, além de terem dizimado cerca de 300.000 maji-maji, na África Oriental Alemã. Os alemães, embora tardiamente, também quiseram ter o seu império marítimo mundial e, de certa forma, conseguiram-no, embora por um curto período que terminou na Primeira Guerra Mundial.

[10] Fernão Mendes Pinto, “A Peregrinação”, Relógio d’Água Editores, Lisboa, 2001.

[11] Martin Page, ob. cit.

[12] Não devemos ser ingénuos e considerar que tudo o que é relatado na “Peregrinação” é verdadeiro (no sentido de “exato”). Seria impossível Mendes Pinto recordar (a obra foi escrita vários anos após os acontecimentos narrados) tantos pormenores. A “Peregrinação” continua a ser um desafio, sobretudo no que toca às fontes a que Mendes Pinto recorreu, sendo certo que recorreu a várias, mais ou menos identificáveis, e a algumas (muitas) de impossível identificação. Sobre este assunto, ver o excelente artigo de Rui Manuel Loureiro, “Missão Impossível: em Busca das Fontes da Peregrinaçam de Fernão Mendes Pinto”, inserido no livro, organizado por Virgínia Soares Pereira, “Fernão Mendes Pinto e a Projeção de Portugal no Mundo”, editado pela Universidade do Minho (2013). No entanto, tal como referimos no texto, parece que Pinto “mente cada vez menos” (“Fernão Mentes? Minto”) tal como refere, ainda na obra aqui citada, o investigador holandês, Arie Pos, através do seu artigo “Imagens da China na Peregrinação de Fernão Mendes Pinto”. Ver também a obra de António Rosa Mendes, “A Peregrinação e a Peregrinação de Fernão Mendes Pinto”, Gente Singular Editora, Olhão, 2011, onde o autor discorda de Rebecca Catz, desmontando e negando a tese de que a Peregrinação seria essencialmente uma sátira.

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Mapa: http://www.ruralea.com

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As ruas mais belas do mundo

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Rua Augusta, Lisboa.

A revista de viagens espanhola Condé Naste Traveler publicou esta semana um artigo sobre “As 31 ruas a percorrer antes de morrer”[1].

Duas delas ficam em Portugal e outras tantas no Brasil. Em Portugal foi eleita a Rua Augusta, em Lisboa, e o Cais da Ribeira, no Porto.

Escreve-se, na revista, sobre a Rua Augusta: “Ampla, brilhante, obrigatória para captar toda a essência da cidade… uma delícia lisboeta”.

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Rua Gonçalo de Carvalho, Porto Alegre.

Já no Brasil, as ruas contempladas foram a Rua Gonçalo de Carvalho, em Porto Alegre, e a Rua Manoel Carneiro, uma escadaria colorida no bairro da Lapa, Rio de Janeiro.

Sobre a Rua Gonçalo de Carvalho, escreve-se o seguinte:”Está repleta até o topo de ramos e folhas da árvore Tipuana Tipu. A própria cidade iniciou uma campanha na internet considerando, com orgulho, que esta rua era a mais bonita do mundo e pedindo a sua classificação como património ambiental. A verdade é que o merece”.

O artigo contemplou ruas de dezanove países, mas apenas a Espanha (4), os EUA (4) e a Inglaterra (3) têm um número maior de ruas (incluídas nas 31 mais bonitas) que Brasil e Portugal.

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[1] Artigo completo em:

http://www.traveler.es/viajes/rankings/galerias/las-calles-mas-bonitas-del-mundo/704/mosaico/1

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Lisboa, a cidade mais “cool” da Europa

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A jornalista Fiona Dunlop, em artigo para a CNN, considera Lisboa a cidade mais cool da Europa, elogiando a nossa capital em sete vertentes principais: vida noturna, gastronomia, ironia, praias e castelos, arquitetura, arte e arruamentos. Neste último capítulo, há uma referência a Alfama e às coloridas fachadas dos seus prédios[1].

O rescendor de Lisboa espalha-se pelo mundo.

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[1] http://edition.cnn.com/2014/01/25/travel/lisbon-coolest-city/index.html

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