A Alemanha e a Europa

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Herr Wolfgang Schäuble.

É da História. Quando a Alemanha pôde decidir algo sobre a Europa, decidiu mal. A maior parte das vezes, como se sabe, com consequências catastróficas. E a História, que “nunca se repete”, tem uma tendência incrível a repetir-se quando se trata dos alemães.

Hoje, corremos todos o risco de assistir a mais uma repetição da História, se permitirmos que personagens intragáveis, como Wolfgang Schäuble, decidam por nós.

Isto sabem os ingleses muito bem. Por isso, com o seu espírito pragmático, mantêm-se sabiamente com um pé dentro e outro fora da Europa.

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Foto copiada de ouropel.blogspot.com

A “Peregrinação” de Fausto Bordalo Dias

O Barco Vai de Saída – O início da “Peregrinação”, de Fausto.

A “Peregrinação”, de Fernão Mendes Pinto, é uma daquelas obras incontornáveis da cultura portuguesa. Escrita após uma viagem de 21 anos pelo Oriente (Mendes Pinto saiu de Lisboa em 1537 e regressou em 1558), e editada pela primeira vez em 1614 (cerca de 30 anos após a morte do autor), causa, ainda hoje, muita polémica.

Desde logo, pelo longo período que medeia entre as aventuras (e desventuras) da viagem e a entrega do manuscrito (pela filhas de Fernão Mendes) para publicação. Seguramente este (o manuscrito), cujo original está hoje perdido, passou por várias mãos… Teria sido alterado?

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Depois, há várias questões que se prendem com o conteúdo da obra: a linguagem, a toponímia, a reconstituição de percursos e personagens. Por exemplo, quem foi esse corsário português chamado António de Faria? (Aquilino Ribeiro aventou a hipótese de que fosse o próprio Fernão Mendes). E o Coja Acem? Não há unanimidade, como seria de esperar, e é, de resto, impossível comprovar ou desmentir cada um dos episódios desta imensa obra. A “Peregrinação” tem 226 capítulos e mais de 800 páginas1. Porém, uma coisa é certa: a maior parte do que Fernão Mendes narra é verdade. Esta é a conclusão a que chegam os investigadores, nacionais e estrangeiros. Há quem diga mesmo que, à medida que se são vão ampliando os estudos, Fernão Mendes mente cada vez menos. Uma alusão evidente ao trocadilho “Fernão, Mentes?”, que alguns dos mais céticos colaram a este aventureiro de Montemor.

Por fim, as questões mais filosóficas. Que tipo de obra é a “Peregrinação”? O que a motivou? Qual a intenção de Mendes Pinto ao escrevê-la? Será uma sátira, como pretende a historiadora americana, Rebbeca Catz? Uma busca interior, um caminho de conversão, como defende o professor da Universidade do Algarve, António Rosa Mendes?

Ciente destas e de outras questões sobre a obra em causa, estaria e estará, seguramente, Fausto Bordalo Dias, que, no entanto, as abordou de uma forma original2. Como? Criando a partir daquela obra-prima uma outra obra-prima. Este autor, ao contrário do primeiro, não saiu de Lisboa – e a sua viagem foi (pelo menos até certo ponto) toda interior. Daí resultou um trabalho que é, sem dúvida, a melhor (re)interpretação da obra de Mendes Pinto. Desta feita, através de sons, viajamos, no espaço e no tempo, como já fizéramos através da “Peregrinação”. E, durante a viagem, podemos nós próprios – se para tal tivermos asas – “voar por cima das águas”…

Não é, de forma alguma, descabido considerar “Por Este Rio Acima”, um álbum de 1982 (no qual se integra a canção aqui apresentada), como “obra-prima”. A criatividade e a competência patentes na música, nas letras, nos arranjos, nos instrumentos e instrumentistas; as vozes, incluindo a voz belíssima do próprio Fausto – tudo se harmoniza num nível muito elevado. Acresce que, tal como a obra que a inspira, esta é uma criação caracteristicamente portuguesa. Mas não seria obra-prima se não fosse universal.

“Por Este Rio Acima” é a primeira obra de uma trilogia, intitulada “Lusitana Diáspora”. A segunda obra foi o álbum “Crónicas da Terra Ardente”, de 1994, baseado na “História Trágico-Marítima”, uma relação de naufrágios, compilados por Bernardo Gomes de Brito, e publicada em dois tomos em 1735 e 1736. A terceira (e última) obra foi o álbum “Em Busca das Montanhas Azuis”, de 2011, o qual já não se baseia nas viagens marítimas dos portugueses, mas na descoberta do interior do continente africano.

Fausto criou doze álbuns de originais ao longo de mais de 40 anos de carreira. A sua vida está desde cedo ligada ao mar e à apetência marítima dos portugueses. Fausto Bordalo Dias nasceu em 1948, no interior do navio “Pátria”, algures no Atlântico, entre Angola e Portugal.

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Notas:

1  Pelo menos no exemplar que possuo da Relógio d’ Água… Acrescente-se que a esmagadora maioria dos historiadores concorda sobre a impossibilidade de decifrar completamente a “Peregrinação” São os casos do holandês Arie Pos e o algarvio Rui Manuel Loureiro (ver a obra Fernão Mendes Pinto e a Projeção de Portugal no Mundo, Editora Húmus, da Universidade do Minho, 2013).

2 Fausto já abordara o tema da “Peregrinação” num álbum de 1979 – História de Viageiros – e José Afonso lançou também um álbum, em 1983, dedicado à “Peregrinação”, sendo que as canções desse álbum – Como se Fora seu Filho – foram escritas para integrarem a peça teatral do grupo A Barraca – Fernão Mentes? – (que tive a felicidade de ver ao vivo), por sua vez também inspirada na “Peregrinação”.

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A nossa edição:

“Peregrinação”, Fernão Mendes Pinto, Editora Relógio d’Água, Lisboa, 2001.

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Dois romances excelentes sobre o século da barbárie

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Nos últimos quinze dias embrenhei-me nas (no total, quase mil) páginas destes dois romances históricos, baseados em rigorosas pesquisas, por parte dos seus autores, respetivamente, o britânico Martin Amis e o cubano Leonardo Padura. O primeiro narra-nos a vida de três personagens, em Auschwitz, e, o segundo, as peripécias que envolveram a morte de Trótski, perpretada pelo catalão Ramón Mercader. Como pano de fundo, respetivamente, nazismo e estalinismo, os dois regimes totalitários da história da Humanidade e da história do século XX.

O que há de comum nestes dois regimes? Em primeiro lugar, ambos se baseiam em profecias, em doutrinas que apregoam um destino histórico (aquilo que Popper apelidou de historicismo). Em segundo lugar, ambos apostam na destruição da capacidade dos indivíduos pensarem por si mesmos, na coletivização da sociedade, no seio da qual o indivíduo é apenas uma peça numa engrenagem; um anónimo, sem ambições ou vontade, dentro da massa social.

Sem direito a pensar, cada indivíduo executa cegamente o que dele se espera – inclusive matar ou morrer – e deixa de ter vida pessoal. A despersonalização acaba por acontecer, de facto. E só quando a grande massa da população alcança esse estádio se atinge igualmente aquilo a que podemos chamar de Estado totalitário.

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As nossas edições:

  • “A Zona de Interesse”, Martin Amis, Editora Quetzal, 1ª edição, Lisboa, 2015.
  • “O Homem que Gostava de Cães”, Leonardo Padura, Porto Editora, 1ª edição, Lisboa, 2011.

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