50 anos de Abril

Exposição pública sobre a Guerra da Coreia, em Seul.

Este ano celebramos, mais uma vez, o 25 de Abril em viagem, concretamente na magnífica Coreia do Sul.

Os coreanos são um povo muito antigo que teve a pouca sorte de, a dado momento da sua história, se ver acossado por impérios grandiosos e poderosos, como são os casos russo, chinês e japonês.

A Coreia foi ocupada pelo Japão várias vezes, a última entre 1910 e 1945 e, ainda neste ano, no final da II Guerra Mundial, invadida pelos soviéticos. Com esta invasão iniciava-se a chamada Guerra Fria entre Estados Unidos e União Soviética, e estavam criadas as condições para que, cinco anos mais tarde, ocorresse uma guerra bem quente, a Guerra da Coreia, um conflito que provocou quase 5 milhões de mortos e reforçou a divisão da nação coreana, mantida até hoje, em dois estados independentes.

O contraste existente entre a Coreia do Norte e a Coreia do Sul é gigantesco, embora estejamos a falar do mesmo povo; e isto, só por si, prova como são importantes os regimes políticos. De facto, não poderia haver melhor exemplo prático como o da Coreia para constatar que há um abismo separando comunismo e democracia, opressão e liberdade.

Os dados são avassaladores e só para se ter um vislumbre da discrepância entre os dois estados, bastará dizer que os sul-coreanos são em média 27 vezes mais prósperos do que os seus vizinhos do norte. A extraordinária progressão da Coreia do Sul contrasta fortemente com a estagnação da Coreia do Norte e mostra-nos como as sociedades abertas se desenvolvem, social, económica e culturalmente, enquanto as sociedades fechadas — de esquerda ou de direita — apenas trazem miséria ao povo.

Pretendemos mostrar a importância das sociedades abertas nestes 50 anos de Abril. E não esquecer nunca o quanto somos felizes por viver em Liberdade.

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A Guerra dos Chips

Os circuitos integrados, também conhecidos como semicondutores e, vulgarmente, chips, são a maior inovação tecnológica na transição do século XX para o século XXI, digamos, dos últimos cinquenta anos. Tal como Gordon Moore previu, a capacidade de processamento de cada chip vem duplicando de dois em dois anos — a chamada Lei de Moore. Os chips são utilizados em praticamente tudo, desde a indústria das comunicações — telemóveis, computadores, eletrodomésticos e automóveis — até à indústria da guerra — mísseis, tanques, drones e serviços de espionagem. O nosso modo de vida tornou-se dependente deles, de tal forma que são estrategicamente mais importantes do que qualquer outro produto à escala mundial e a sua produção representa, de longe, a indústria mais valiosa do planeta. Quando falamos em produção englobamos as duas fases fundamentais da mesma: o desenho e o fabrico. O que acontece é que normalmente as empresas (maioritariamente nos Estados Unidos) que desenham os chips são empresas fabless, ou seja, não os fabricam, porque a maquinaria necessária é muito sofisticada e muito cara, requerendo investimentos avultados para que seja mantida válida a Lei de Moore. Taiwan, Japão, Coreia do Sul e Singapura são os países do Leste asiático que fabricam os chips de última geração, com a China a procurar desesperadamente alcançá-los, mas conseguindo apenas — por enquanto — fabricar chips de segunda linha.

A Guerra dos Chips é uma guerra estratégica, com sansões, retaliações, espionagem e querelas comerciais, como comprova o Chips ans Science Act, uma lei assinada em 2022 por Joe Biden com a intenção de proteger a indústria americana. Dado que os circuitos integrados são essenciais na indústria de Defesa, os diferentes estados procuram que a produção se mantenha em mãos amigas. É por isso que os Estados Unidos estão dispostos a defender Taiwan da China — é em Taipé que se localiza a maior fábrica de chips avançados do mundo e onde são fabricados a maior parte dos chips desenhados pelas empresas fabless americanas. A TSMC (Taiwan Semiconductor Manufacturing Company) foi criada por Morris Chang um chinês fugido do regime comunista e anterior diretor executivo da Texas Instruments. É nesta fábrica que se produzem 90% dos chips mais avançados. Além da TSMC, os maiores fabricantes de chips estão igualmente na Ásia Oriental onde se produzem 90% de todos os chips de memória, 75% de todos os microprocessados lógicos e 80% de todas as bolachas de silício.

A indústria dos chips precisa de máquinas especializadas para a sua produção sendo líder mundial neste campo uma empresa dos Países Baixos chamada ASML (Advanced Semiconductor Materials Lithography). Dado a sua reduzidíssima dimensão, os chips só podem ser esculpidos através de uma tecnologia que usa a luz ultravioleta extrema, com comprimentos de onda muito curtos, o único tipo de luz que permite que componentes igualmente minúsculos sejam impressos nos chips. Esta tecnologia é conhecida como EUV (Extreme Ultaviolet Litography) e as máquinas de litografia mais avançadas, usadas para moldar milhões de transístores microscópicos, cada um mais pequeno do que uma célula humana, são maioritariamente fabricadas pela ASML.

Tudo isto e muito mais consta do excelente livro de Chris Miller, “A Guerra dos Chips”. Miller termina o livro interrogando-se se a Lei de Moore continuará válida por muito mais tempo, ou se a capacidade de processamento de um chip vai deixar de duplicar de dois em dois anos. O que parecia impossível tem sido possível até agora, mas ninguém sabe o que vai acontecer no futuro.

Futuro próximo em que — e isto é algo que o livro de Miller não aborda — os chips clássicos vão perder o protagonismo, em favor dos chips quânticos, com uma capacidade de processamento incrivelmente superior.

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A nossa edição: “A Guerra dos Chips”, Christopher Miller, Dom Quixote, Lisboa, 2023.

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Dicotomia Esquerda/Direita — um anacronismo

Há muito que vimos advogando o fim da dicotomia esquerda/direita. Nunca fez muito sentido, mas agora — com o crescimento generalizado dos populismos, alavancados pelas redes sociais — essa dicotomia torna-se gritantemente anacrónica.

O que se passa, é que os verdadeiros democratas — os que defendem uma sociedade livre, baseada num estado de direito, com real separação de poderes — têm de lutar não só contra os tradicionais partidos populistas e antidemocráticos, que não param de crescer, mas também contra líderes populistas e antidemocráticos dentro de alguns partidos do próprio espetro político tradicionalmente democrático.

A verdadeira luta é, portanto, entre democratas e antidemocratas e não entre esquerda e direita. Pouco importa se um partido é de esquerda ou de direita se defender a democracia liberal. E pouco importa se é de direita ou de esquerda se for populista e antidemocrático. Um democrata dificilmente se entenderá com um ditador; mas um ditador de esquerda facilmente se entenderá com um ditador de direita, e vice-versa.

Estão desfasados no tempo aqueles que ainda têm o cérebro dividido em dois hemisférios (blocos), o esquerdo e o direito. A verdadeira dicotomia é entre centro e periferia, liberdade e opressão, desprendimento e obsessão pelo poder. É lamentável que alguns líderes tolerem as posições antidemocráticas de alguns partidos apenas porque fazem parte do seu bloco anacrónico: esquerda ou direita. É o caso de Rui Tavares, quando se junta ao Bloco e, sobretudo, ao PCP, sendo o mesmo válido para Pedro Nuno Santos pelos mesmos motivos. E o mesmo seria válido para qualquer partido que tolerasse as posições do Chega.

Compreende-se o cordão sanitário que se constrói em torno deste partido, mas não se compreende a tolerância a partidos antidemocráticos como o PCP, com uma visão de sociedade que conduziria, caso fosse aplicada, a resultados igualmente desastrosos. A ideologia marxista-leninista culmina em resultados tão nefastos quanto o fascismo. E, ao contrário do que muitos advogam, as intenções não servem para nada, apenas os resultados importam.

Dos partidos com assento parlamentar que concorrem às eleições de 10 de março, apenas dois parecem ter ultrapassado a velha dicotomia esquerda/direita: PAN e IL. Já quanto aos dois partidos do centrão político, que concorrem entre si há 50 anos pela maioria na Assembleia da República e pela formação de um governo, o mais radical é sem dúvida o PS, que, através do seu novo líder, diaboliza a cada instante a chamada “direita”, agarrado a uma oposição que agoniza no leito da história.

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Personalidade do Ano

Foto retirada de: http://www.poder360.com.br

“Acossado”, pode ser uma das palavras mais adequadas para caracterizar a situação em que se encontra Volodymyr Zelensky desde 24 de fevereiro de 2022. Tendo como principal objetivo do seu mandato, iniciado em maio de 2019, acabar com a guerra no Leste da Ucrânia, viu o seu país ser invadido pelos exércitos de um dos maiores assassinos da Europa pós-Hitler, Vladimir Putin. Como toda a gente sabe, Zelensky teve oportunidade de se pôr a salvo, mas manteve-se no seu posto, sabendo de antemão que procurariam eliminá-lo.

De então para cá, a ação de Zelensky desenrola-se entre dilemas terríveis. Precisa de pedir constantemente ajuda externa, que é sempre pouca, mas não pode exigi-la, sob pena de ser considerado ingrato, arrogante ou irrealista (apesar de os ucranianos estarem a dar a vida não apenas pela integridade e sobrevivência do seu país, mas também pela integridade europeia, pela sobrevivência dos valores de uma Europa livre); tem uma necessidade imperiosa de reconquistar território, mas não pode fazê-lo a todo o custo porque, para ele, — ao contrário do que acontece com o facínora do outro lado — a vida humana é valiosa; sente a dor de cada soldado morto, mas precisa a todo o transe de novos combatentes, sabendo que muitos deles morrerão; tem de manter e melhorar o sistema democrático em funcionamento, combater a corrupção interna, mas não pode desviar a atenção da frente de batalha e da estratégia de guerra; tem que levantar a moral dos combatentes e do povo e não permitir que se instale a descrença e a depressão, o que se torna cada vez mais difícil à medida que a guerra avança e o apoio ocidental tarda, sempre tarda.

Muitos consideram ridículo comparar Zelensky com Churchill; ironizam e desacreditam-no por ser um mero comediante; acusam-no de ser corrupto. Estes são na sua maioria esmagadora extremistas de esquerda ou de direita para quem a Liberdade é relativa. Mas Zelensky tem feito tudo o que é preciso e já provou ser um estadista. A sua luta não é apenas pelos seu povo e seu país; ele bate-se igualmente pela democracia, pela justiça e pela liberdade, valores que são — ou deveriam ser — inegociáveis, também, para cada um de nós.

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Humberto Correia

Humberto Correia já iniciou a corrida que espera vencer em 2026.

Natural de Moncarapacho, viveu em França e viajou por vários países, até que regressou ao Algarve, onde vive atualmente. Depois de se ter candidatado à Câmara de Faro, decidiu dar um salto de gigante e, aos 62 anos, está a angariar assinaturas para se candidatar à Presidência da República, em 2026. Encontrámo-lo no coração de Faro, no Jardim Manuel Bivar, junto à banca onde expõe os seus quadros e vários exemplares do livro autobiográfico, traduzido em várias línguas, “As Pulgas da Minha Infância”. Foi aí que nos concedeu a pequena entrevista que se segue, entrecortada por abordagens aos transeuntes para angariação de assinaturas.

Humberto Correia (HC): Para conquistar uma assinatura eu tenho de abordar entre 30 a 50 pessoas!

ilovealfama (ila): É a média…

HC. É uma média…

ila: Tanto?

HC: Ah, pois! Mas as assinaturas eu vou conseguir. E com um ano de avanço! Já alcancei os 3/4 [das 7500] mas quero chegar às 10 mil para ter margem suficiente. Tenho de conseguir uma média de 150 assinaturas por mês. Então, no dia 15 de janeiro tenho de chegar às 6000 assinaturas. Hoje eu cheguei às 5850. Tenho que manter o objetivo de angariar 150 assinaturas por mês, no mínimo.

ila: Algumas podem ser anuladas, não é? Podem estar incorretas…

HC: Não é só isso. As pessoas assinam duas folhas que é a declaração de proponente e um pedido de certidão de eleitor e eu depois tenho que fazer de cada proponente um pedido de certidão de eleitor. Tenho que entregar no Tribunal Constitucional 24 mil folhas, 3 de cada pessoa. E então o que é que se passa? Quando é um proponente aqui de Faro, vou ali à Junta entrego o papel e uma semana depois dão-me a certidão. Mas quando é de Bragança, por exemplo? Tenho de mandar pelo correio: só o trabalho de mandar as cartas, comprar os envelopes e os selos, está a ver?

ila: Deveria ser algo que já se pudesse fazer pela internet… Isto parece estar mesmo feito para dificultar a vida a quem está fora do sistema. Bom, algumas perguntas sobre o seu trajeto — o senhor é daqui do Algarve?

HC: Eu nasci na freguesia de Moncarapacho. Atualmente estou a viver em Olhão. Tenho 62 anos e só tenho a 4ª classe. Saí da escola para começar a trabalhar aos 10 anos de idade, declarado. Andei em quatro escolas. No Pereiro, que é um sítio por cima de Moncarapacho, depois andei em Olhão, depois andei em Bias (perto da Fuzeta) e a última foi em Armação de Pêra.

ila: Ah, então terminou a escola já no Barlavento. E depois, imagino, começou a trabalhar.

HC: Exato. Entrei no mercado de trabalho em 1971.

ila: Muito novo…

HC: Era grume, carregava malas num hotel. Está a ver aqui esta fotografia? Sou eu a trabalhar com dez anos. Aqui já tenho 14 anos. E aqui neste cartão, 10 anos, está a ver?

ila: Qual era o hotel?

HC: Hotel Garbe, hoje chama-se Holiday, Hotel Holiday. Trabalhei de 71 a 72 no Hotel Carmo e uma parte ainda de 73, depois saí e fui mais para cima trabalhar no Hotel do Levante, que hoje é uma escola hoteleira. Trabalhei no Hotel do Levante em 73,74 e 75. Em 1976 fui para França. Comecei a trabalhar em França aos 16 anos numa fábrica de tripas: tripa natural e tripa artificial. Tive sorte porque estava na parte de tripa artificial, porque só o cheiro afastava muita gente!

ila: E ficou por França quanto tempo?

HC: 27 anos. Trabalhei em várias fábricas: essa de tripas, depois numa fábrica de armas, numa filial da Manufrance. Depois trabalhei numa extração de cascalho e areia, à beira de um rio; depois trabalhei a cortar perus à corrente, de 5 em 5 segundos fazia a mesma coisa, durante três anos: eles vinham e eu fazia 3 cortes; depois fui para a construção civil. Regressei definitivamente a Portugal em 2003, tinha eu 42 anos.

ila: Em relação à sua vida mais pessoal, casou, tem filhos?

HC: Casei, a minha ex-mulher é portuguesa, sou divorciado, os meus filhos são franceses, mas lusodescendentes. Tive primeiro uma filha e depois um filho. Fui pai aos 19 anos e assumi.

ila: Eles vivem em França?

HC: Sim. E estão bem, felizmente.

ila: E atualmente o que é que o senhor faz?

HC: Desde que regressei definitivamente a Portugal, dediquei-me a pintar na rua. Vivo da minha pintura há 20 anos. Só faço isto.

ila: Mas entretanto escreveu um livro…

HC: Sim, é um livro sobre a minha infância. O título do livro é “As Pulgas da Minha Infância”. Termina com a minha chegada a França.

ila: São o primeiros 16 anos, digamos assim.

HC: Exatamente.

ila: Muito bem. Mudando de assunto: quando é que o senhor teve pela primeira vez a ideia ou sentiu a vontade de se propor a concorrer à Presidência?

HC: Esta ideia já vem porque eu fui candidato à Câmara de Faro, em 2017. E a seguir às eleições fiquei tão desiludido que pensei: “as próximas é a República”. Esperei quatro anos para me preparar. Isso é preciso preparação, não é fácil…

ila: Imagino… O que é que o levou a candidatar-se?

HC: Três coisas. Primeiro, a política: em relação à minha idade, é uma excelente ocupação; segundo, somos governados por pessoas que vivem fora da realidade; e terceiro, a miséria de muita gente: as pessoas, mesmo a trabalhar, não conseguem pagar uma renda de casa. Só vou avançar com uma única proposta. Impor o cumprimento do artigo 65 da Constituição. Atualmente este é de longe o maior problema do povo português.

ila: Para além desse problema, com certeza que existem outros, mas essa, digamos, é a sua principal bandeira, é isso?

HC: Sim, quando eu falo com as pessoas eu vejo que esse é o principal problema nacional. As pessoas não fazem filhos porque não têm habitação; as pessoas emigram por causa da habitação, porque não conseguem viver aqui; os jovens ficam a morar com os pais porque não têm como pagar casa; as mulheres que sofrem violência doméstica não podem sair de casa sem terem habitação. Praticamente tudo está relacionado com a habitação, pelo menos muita coisa.

ila: Qual o seu posicionamento político-ideológico, enquadra-se nalgum pensamento ideológico?

HC: Nunca fiz parte de qualquer partido político. Mas não sou de esquerda nem de extremos.

ila: Então considera-se, talvez, do centro-direita?

HC: Por aí.

ila: Candidata-se para ganhar ou apenas para veicular as suas ideias?

HC: “Veicular” é o que eu já faço há 31 meses. Quando eu jogo é para ganhar.

ila: Há alguém que tenha influenciado o seu pensamento político ou nem por isso?

HC: São múltiplas influências. Desde logo, a comunicação com as pessoas ao longo destes 31 meses. E depois a leitura. Eu tenho lido muito sobre a História de Portugal, começando pelo inicio da nacionalidade, depois os vários períodos dinásticos, e a República. Li a História de Portugal várias vezes. Li muito o Salazar. E vou lendo tudo o que me interessa sobre a História de Portugal e a política portuguesa.

ila: Então, interessa-se sobretudo pela política nacional?

HC: Sim. E sou mais conservador que liberal.

ila: Como é que avalia os mandatos do atual presidente, Marcelo Rebelo de Sousa?

HC: O professor Marcelo vem de uma máquina partidária. E para mim os partidos políticos são farinha do mesmo saco. É por isso que eu defendo o presidencialismo e não o parlamentarismo.

ila: Um regime tipo francês, não?

HC: Exatamente.

ila: Mas você sabe que não vai ter poder para alterar a Constituição…

HC: Eu sei, eu sei.

ila: Vai ter que se cingir às regras atuais e jogar dentro do sistema vigente.

HC: Eu vou cumprir a Constituição, mas digo, desde já, que não concordo com ela. Nesse ponto.

ila: Então defenderia igualmente um sistema com duas câmaras no parlamento, à semelhança do que se passa em França e noutros países com uma câmara “alta” e uma câmara “baixa”?

HC: Isso para mim não é importante. Eu acho que há deputados a mais. A minha proposta seria a de 20 deputados, não mais.

ila: Vinte!?

HC: Vinte deputados, com o direito de destituírem o presidente. Vinte deputados — um por distrito. É com essa proposta que eu vou avançar.

ila: E depois cada deputado deve ter uma série de assessores, ajudantes, não? Para o necessário trabalho legislativo, acha que vinte deputados chegam?

HC: Há deputados a mais, há políticos a mais em Portugal. Isto é a minha opinião.

ila: Portugal já teve vários presidentes, desde a primeira República. Há algum com o qual o senhor mais se identifique?

HC: Há dois.

ila: Quais?

HC: Óscar Carmona e Ramalho Eanes. Foram dois homens que governaram em épocas muito difíceis. E conseguiram manter o país. Dedicaram-se à nação e não aos partidos políticos. Isso faz toda a diferença.

ila: Em Portugal o presidente não governa, como vimos. Mas se fosse candidato a primeiro-ministro e a governar o país, quais as 3 ou 4 medidas mais importantes que incluiria num programa eleitoral? A primeira já vimos que se dirigiria à habitação, e as outras?

HC: A segunda seria a educação. Seguiria o modelo francês. Escola obrigatória para todas as crianças a partir dos 3 anos de idade, gratuita e de qualidade. E a terceira seria plantar 500 mil hectares de floresta nativa. A destruição dos ecossistemas e as alterações climáticas vão ser o maior problema da humanidade. Na minha opinião a melhor forma de combater isso é plantando florestas. Florestas nativas, não eucaliptos e pinheiros. Seriam estas as minhas três prioridades, sendo que a habitação é, sem dúvida, a principal.

ila: Como acha que o problema da habitação poderia ser resolvido?

HC: Só há um caminho: o Estado tem que construir e alugar a preços acessíveis. Seria possível construir em três dimensões: 30m2, 50m2, 80 m2 a 3 euros o metro quadrado, o que faria no caso dos 30 m2, 90 euros mensais; no caso dos 50 m2, 150 euros mensais; e quanto aos 80 m2, 240 euros mensais. É a única solução. De outra forma as pessoas, mesmo a ganhar 1000 euros por mês, não conseguem ter uma vida decente. Aqui em Faro você não encontra uma casa para alugar a menos de 700/800 euros por mês. É por isso que somos o segundo país com a taxa de natalidade mais baixa da Europa e o quinto país mais envelhecido do mundo. Morrem três portugueses, nascem dois, e um destes dois vai emigrar. Isto é gravíssimo. Para modificar isto é preciso resolver o problema da habitação. A habitação é fundamental para o ser humano.

ila: Sente-se preparado para debater com políticos profissionais de peso que eventualmente podem também candidatar-se às próximas eleições presidenciais, como António Costa e André Ventura?

HC: Quanto mais peso melhor. São mesmo esses que eu quero enfrentar. Quanto mais peso eles tiverem melhor para mim. A rota é para cumprir, custe o que custar.

ila: Qual considera que poderá ser a sua melhor arma para combater a experiência desses potenciais candidatos?

HC: A minha experiência de vida. Eu sou parte do povo português, conheço as suas dificuldades, o seu sofrimento, os seus problemas, por isso sinto-me otimista e muito confiante.

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IRC — O imposto esquecido

As taxas mundiais do imposto sobre o rendimento das empresas — as que estão na média, as que se afastam ligeiramente e as que estão bastante abaixo e bastante acima da média. (Retirado de https://taxfoundation.org/data/all/global/corporate-tax-rates-by-country-2023/)

A Tax Foundation acaba de publicar (geralmente fá-lo em dezembro) os dados mundiais sobre o imposto aplicado aos lucros das empresas, em 2022, que em Portugal tem o título de Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Coletivas (IRC), e nos países de língua inglesa se denomina Corporate Income Tax (CIT).

A média mundial deste imposto tem vindo a diminuir drasticamente desde 1980, tendo nos últimos 4,5 anos estabilizado em torno dos 23,5% (25,67%, quando ponderada pelo PIB). Em relação à média, Portugal tem uma taxa máxima deste imposto demasiado alta e está dentro das 20 taxas mundiais mais elevadas. A taxa deste imposto em Portugal está em 31,5% (34% no Brasil), ou seja, é muito pouco competitiva. Apesar de em Portugal se aplicar uma taxa de IRC de 21% aos negócios residentes, a taxa pode ascender aos tais 31,5% (acrescem 1,5% de derrama municipal e 9% de derrama estadual) se os lucros das empresas forem superiores a 35 milhões de euros. No entanto, a taxa efetiva de imposto (ETR, na sigla inglesa), tendo em conta incentivos, benefícios e deduções fiscais vigentes a nível nacional e internacional, ronda os 25%, de acordo com o Banco de Portugal.

Os defensores de altos impostos sobre as empresas argumentam que os mesmos são necessários para financiar os serviços públicos. Mas os economistas da Tax Foundation e da OCDE alertam para a falácia desse argumento. De facto, maiores encargos financeiros implicam menor investimento na tecnologia e nos equipamentos que permitem aumentar a eficiência, logo, a produtividade e os lucros, o que, obviamente, vai prejudicar os trabalhadores, sobretudo aqueles de mais baixas qualificações, bem como as mulheres e os jovens. São sobretudo estes, mais do que os patrões ou os acionistas, que carregam o fardo que o imposto sobre o lucro das empresas impõe à economia.

Por outro lado, a redução da taxa deste imposto proporciona crescimento do investimento (do qual resulta um maior stock de capital), da produção, do emprego e dos salários — um efeito de bola de neve — e evita a transferência de lucros para países com impostos mais baixos, dinamizando as sociedades.

Sendo Portugal um país com anemia persistente no que toca ao crescimento económico, com carência de empresas de média/grande dimensão e com salários baixíssimos, é surpreendente que a descida das taxas do IRC não seja uma prioridade para nenhum partido português. E mais surpreendente ainda é que este tema seja marginalmente debatido aquando de campanhas e pré-campanhas eleitorais, como a que estamos a viver agora.

Ninguém parece muito interessado no assunto. As questões ideológicas continuam a ter demasiado peso, o pragmatismo económico é uma miragem e os factos são frequentemente ignorados. Por exemplo, parece não incomodar ninguém que apenas dezasseis países — e sobretudo estes dezasseis — tenham taxas máximas de imposto sobre o rendimento das empresas superiores a Portugal: Marrocos, Moçambique, Namíbia, Camarões, Venezuela, Brasil, Samoa Americana, Sudão, Malta, Chade, Colômbia, Cuba, Argentina, Suriname, Porto Rico e Comoros.

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O caminho do comunismo para a auto-escravização, por Karl Popper

Cabeçalho da revista de onde foi retirado este artigo de Karl Popper. A tradução é nossa.

Nenhum teórico contribuiu tanto para a queda do comunismo — ou socialismo — como Friedrich August von Hayek. Em nenhum lugar ele fez isso tão vincadamente como no seu pequeno livro O Caminho da Servidão, publicado pela primeira vez em 1944, quando se vislumbrava já o fim da Segunda Guerra Mundial1. Seguiram-se-lhe excelentes livros e artigos. O mais importante deles foi A Constituição da Liberdade, publicado em 19602, e os três volumes de Lei, Legislação e Liberdade, publicados entre 1973 e 19793. Quando tinha 89 anos, Hayek publicou, com o apoio de W.W. Bartley, um livro de grande sucesso, O Conceito Fatal (1989)4 . Estes livros formam uma série extraordinária de trabalhos académicos que, ao mesmo tempo, são um golpe de martelo5 contra o totalitarismo. Contribuíram em muito para a queda do Muro de Berlim de Khrushchev e da Cortina de Ferro de Estaline.

Mas Hayek não se limitou a produzir estes escritos políticos tão poderosos. Embora grande académico e distinto cavalheiro, bastante reservado no seu modo de viver, pensando e ensinando, avesso à política profissional, ele fundou, logo após a Segunda Guerra Mundial, A Sociedade Monte Pèlerin. A função desta instituição era proporcionar algum equilíbrio, tendo em conta os inúmeros intelectuais que optavam pelo socialismo. Hayek sentiu que era preciso fazer mais do que escrever artigos e livros. E assim fundou uma sociedade de académicos e economistas práticos que se opunham à moda do socialismo, protagonizada pela maioria dos intelectuais que acreditava num futuro socialista. A sociedade foi fundada na Suíça em 1947 no Mont Pèlerin, nos terrenos a sul do Lago Genebra. Tive a honra de ser convidado por Hayek para ser um dos membros fundadores. Entre os fundadores que sobreviveram estão Milton Friedman e Aaron Director. Esta sociedade ainda existe; e por muitos anos exerceu uma considerável influência entre as fileiras de intelectuais, especialmente os economistas. A sua primeira e talvez maior conquista foi, parece-me, encorajar aqueles que lutavam contra a autoridade esmagadora de John Maynard Keynes e a sua escola. Não sendo economista, não serei provavelmente competente para avaliar a influência histórica da Sociedade Mont Pèlerin. Essa é uma tarefa — uma importante tarefa, penso — para futuros historiadores das doutrinas e políticas económicas. No entanto, tendo sido durante muitos anos membro da London School of Economics, pude observar o crescimento do ensino esquerdista, o qual, nos primeiros anos depois da guerra, foi imensamente poderoso.

É justo que eu diga que o movimento iniciado por Hayek com o seu livro O Caminho da Servidão teve um importante precursor. Refiro-me ao professor de Hayek, Ludwig Von Mises, que conheci no início de 1935, em Viena, devido ao seu interesse pelo meu primeiro livro5. Conheci Hayek cerca de seis meses depois, em Londres. Foi Mises quem apresentou a primeira e fundamental crítica moderna ao socialismo: que a indústria moderna se baseia num mercado livre e que o socialismo, e especialmente o “planeamento social” era incompatível com uma economia de mercado livre e, consequentemente, fadado ao fracasso. (“Planeamento socialista” era naquela época o slogan mais emocionante nos círculos intelectuais). Esta tese de Mises foi, como podemos ver hoje, de importância fundamental.

Hayek estava convencido — talvez até convertido; pois ele disse-me que, tal como eu, tinha estado na juventude inclinado para o socialismo e, se a memória não me engana, ele disse o mesmo em alguma das suas obras publicadas. É bom lembrar que Hayek foi um dos primeiros a assumir esta tese imensamente importante de Mises, desenvolvendo-a enormemente e acrescentando-lhe uma segunda tese muito importante — uma resposta ao problema: o que acontecerá se um governo poderoso tentar instituir uma economia socialista, isto é, um “planeamento socialista”? A resposta foi: isto só pode ser feito pela força, pelo terror, pela escravização política. Esta segunda tese, quase tão importante como a primeira, é, tanto quanto sei, devida a Hayek; e tal como a tese anterior de Ludwig Von Mises foi imediatamente aceite por Hayek, também a tese de Hayek foi quase de imediato aceite por Mises. Devo referir, de novo, que não sou economista nem historiador de doutrinas económicas: as observações históricas que acabamos de fazer talvez venham a revelar-se incorretas quando todos os documentos históricos, especialmente as cartas, forem examinados. Contudo, pode ser interessante que aparecessem desta forma a alguém que, embora não sendo economista, não era de todo um outsider.

Ludwig Von Mises foi, claro, depois de Hayek, o mais importante membro fundador da sociedade Mont Pèlerin. Sempre tive consciência da contribuição absolutamente fundamental de Mises, e admirei-o muito. Desejo enfatizar este ponto, uma vez que tanto ele como eu estávamos cientes da oposição entre os nossos ponto de vista no campo da teoria do conhecimento e da metodologia. Penso que Mises viu em mim um adversário perigoso — talvez aquele que roubara a total concordância do seu maior aluno, Hayek. A metodologia de Mises era, abordando-a brevemente, subjetivista, o que o levou a reivindicar uma verdade absolutamente certa para os princípios da ciência económica. A minha metodologia era objetivista e conduziu à visão de que a ciência é falível e cresce pelo método da autocrítica e da autocorreção; ou, para ser mais elaborado, pelo método da conjetura e da tentativa de refutação. Eu respeitava demasiadamente Mises, que era muito mais velho, para começar um confronto com ele. Ele falava comigo muitas vezes, mas nunca foi além de alusões às nossas divergências: nunca iniciava realmente uma discussão com críticas diretas. Tal como eu, ele percebeu que havia algum campo em comum e sabia que eu tinha aceitado os seus teoremas fundamentais e o admirava muito por isso. Mas ele deixou claro, por meio de insinuações, que eu era uma pessoa perigosa — embora eu nunca tenha criticado os seus pontos de vista, nem mesmo para Hayek; e, mesmo agora, eu não desejaria fazê-lo. No entanto já mencionei a várias pessoas o facto da minha discordância, sem entrar em argumentos críticos. Tanta coisa sobre esses dias distantes.

Um Império Governado por Mentiras

Quero agora ir além desses dias e formular a tese deste artigo. É isto. O desaparecimento da União Soviética talvez possa ser explicado, em última instância, pelo colapso económico devido à ausência de um mercado livre; isto é, pelo que chamei de primeiro teorema de Mises. Mas penso que o segundo teorema, o teorema da escravização, de Hayek, é ainda mais importante para compreender o que aconteceu — e ainda está a acontecer — no antigo império soviético. Pois este teorema tem um corolário ou apêndice muito importante. Pode ser formulado da seguinte forma: o caminho para a servidão leva ao desaparecimento da discussão livre e racional; ou, se se preferir, do livre mercado de ideias. Mas isto tem o mais devastador efeito sobre toda a gente, incluindo sobre os chamados líderes. Isso conduz a uma sociedade em que a verborreia vazia governa o dia-a-dia; palavreado que consiste largamente em mentiras emitidas pelos líderes, com nenhum outro propósito além das autoafirmação e autoglorificação. Mas isto marca o fim da sua capacidade de pensar. Eles próprios se tornam escravos das suas mentiras, tal como todos os outros. E é também o fim da sua capacidade de governar. Eles desaparecem, mesmo sendo déspotas. Claro que estas são também, em parte, questões sobre talentos individuais. Mas sustento que dependem da duração temporal da escravidão. A aceitação das mentiras como moeda intelectual universal elimina a verdade — tal como o dinheiro mau expulsa o dinheiro bom.

Gorbachev foi o primeiro secretário-geral do Partido Comunista da União Soviética a fazer várias visitas pessoais ao Ocidente. Acho improvável que ele tenha entendido muita coisa na sua primeira ou segunda visitas. Mas ele gostou da receção e voltou sempre. E então percebeu algo. Não quero dizer que o Ocidente fosse rico e que o trabalhador norte-americano estivesse muito melhor que o trabalhador soviético. Quero dizer que ele percebeu que o Império Soviético “não era um país normal”: como de facto ele próprio disse quando afirmou que esperava fazer da Rússia Soviética “um país normal”. De alguma forma, ele percebeu, provavelmente inconscientemente, que seu próprio império sofria de uma espécie de doença mental reprimida; como de facto aconteceu, juntamente com todos os seus líderes. Era a regra das mentiras. A perda de liberdade devido ao medo constante do terror é, de facto uma coisa terrível, que priva aqueles que vivem sob tais circunstâncias de uma parte da sua humanidade: da sua responsabilidade intelectual e também de parte da sua responsabilidade moral. Primeiro, não podem protestar onde deveriam; então, eles não podem ajudar onde deveriam ajudar — nem mesmo os seus amigos. Sob Estaline, isto afetava toda a gente, mesmo nos níveis mais altos da hierarquia. Todo o pensamento genuíno e realista, todo o pensamento não mentiroso, pelo menos dentro da hierarquia, concentrava-se na sobrevivência pessoal. Um quadro destes, não muito aberto, foi pintado no gigantesco discurso de Khrushchev (divulgado pelo Departamento de Estado dos EUA em 4 de junho de 1956) que terminava com:”Viva a bandeira gloriosa do nosso partido leninista”. (Aplausos tumultuosos e prolongados, terminando em ovação. Todos se levantam).6 Mas, como todos sabemos, Khrushchev foi rapidamente — não demasiado — derrubado pela burocracia do partido; e a sua saída ajudou a acelerar o declínio intelectual da hierarquia do Partido Comunista, tanto dentro como fora do império. Apesar do ensino obrigatório de uma ideologia marxista-leninista altamente complexa, incluindo uma filosofia chamada “Materialismo Dialético”, tudo o que restou desta teoria foi o seguinte dogma histórico (estou citando as Memórias de Khrushchev): “A liquidação do sistema capitalista é a questão essencial no desenvolvimento da sociedade.”7

Destruindo o Capitalismo — e o Mundo

Os economistas descrevem frequentemente as nossas sociedades ocidentais como “sociedades capitalistas”, entendendo por “capitalista” uma sociedade onde as pessoas podem comprar e vender livremente casas, terrenos e ações; e, se quiserem, podem arriscar as suas poupanças nas bolsas de valores. Mas esquecem que o termo “capitalismo” se tornou popular através de Marx e do marxismo, e que na terminologia marxista significa outra coisa. Na linguagem e na teoria marxistas, o capitalismo é um sistema social que escraviza todos os seres humanos, mantendo-os nas suas garras — não apenas os trabalhadores, mas também os capitalistas: todos são forçados pelos seus mecanismos a não fazer o que querem, mas a fazerem o que têm de fazer, o que são obrigados a fazer. O capitalismo é interpretado como um mecanismo económico que tem as consequências mais terríveis e inevitáveis: aumento da miséria para os trabalhadores e proletarização para a maioria dos capitalistas. Na luta pela concorrência, “um capitalista mata muitos outros”, escreve Marx. O capital fica concentrado em muito poucas mãos — algumas pessoas muito ricas enfrentam uma vasta massa de proletários miseráveis e famintos. É assim que Marx visualiza o capitalismo.

Obviamente, este capitalismo nunca existiu. Foi uma ilusão — nem mais nem menos. No entanto, na verdade, tais ilusões influenciaram a humanidade ao longo da sua história. A grande tarefa do partido marxista, da política marxista, era matar, ou liquidar, este sistema social ilusório. Khrushchev teve a oportunidade de fazê-lo. A oportunidade surgiu com a Grande Bomba de Andrei Sakharov. Sakharov tinha então 39 anos e passou muitos deles, apesar de vários fracassos, na construção de uma bomba nuclear que seria muito mais poderosa que qualquer bomba americana. No ano de 1961, ele conseguiu: um teste da sua grande bomba foi positivo. A bomba era, como ele escreve, “vários milhares de vezes mais poderosa do que a bomba lançada sobre Hiroshima.”8 Consideremos o que isto significa: Hiroshima era antes do bombardeamento uma cidade com mais de 340.000 habitantes. Assim, “vários milhares de vezes mais poderosa” significa que um distrito densamente povoado de 340 milhões de habitantes, ou mais, poderia ser devastado por uma bomba? Muito mais do que o número de habitantes dos Estados Unidos? Provavelmente, não: não existem tais distritos em nenhum lugar do mundo. De qualquer modo, qualquer distrito densamente povoado do mundo pode ser completamente devastado por uma dessas bombas. Parece que Khrushchev estava na Bulgária quando ouviu falar do sucesso dos testes da Grande Bomba da Sakharov.

Ele escreve em “Memórias de Khrushchev” (1971): “Foi durante a minha visita à Bulgária que tive a ideia de colocar misseis com ogivas nucleares em Cuba sem deixar que os Estados Unidos descobrissem que eles estavam lá até que fosse tarde de mais para fazer algo a esse respeito.”9 Foi uma ideia louca. Na altura em que deviam ser transportados, foram entregues 38 misseis, cada um equivalente a “vários milhares” de bombas de Hiroshima. Suponhamos que “vários” signifique apenas três: isso significaria 114.000 bombas de Hiroshima. Felizmente, elas ainda não estavam prontas. Khrushchev diz, é claro: “Quando colocamos os nossos misseis balísticos em Cuba, não tínhamos desejo de começar uma guerra!”. Acredito nele, o seu desejo não era uma guerra, mas a entrega inesperada de 150.000 bombas de Hiroshima de uma só vez. Ele escreve: “Não creio que a América alguma vez tenha enfrentado uma ameaça de destruição tão real como naquele momento!”10 Concordo. Na verdade, foi a ameaça mais perigosa para a humanidade na sua história até agora. América com um só golpe. Mas, apesar dos ferimentos mortais recebidos, os foguetes dos EUA também teriam voado; a Rússia também teria sido destruída, e as consequências, especialmente da radiação, teriam destruído a humanidade. Mas Khrushchev perdeu; e os Estados Unidos justamente armaram-se. A corrida foi perdida pela União Soviética e Sheverdnadze mostrou a bandeira branca. Nesta situação, a Hungria permitiu o êxodo dos jovens alemães orientais. Obviamente, a situação impossibilitou a interferência de Gorbachev. Então veio o colapso da Alemanha Oriental e tudo o mais que se seguiu. Tudo isto porque era tarefa do marxismo liquidar um inferno capitalista inexistente. Pode muito bem dizer-se que o marxismo caiu num buraco negro intelectual — num zero absoluto de ficção. Deveríamos considerar isto um aviso sobre o que uma ideologia pode alcançar. Obviamente, o perigo ainda não acabou. Será necessária responsabilidade intelectual para nos ajudar.

O Estado de Direito

No que diz respeito às repúblicas da antiga União Soviética, nenhum planeamento económico por parte do Estado (na medida em que o Estado exista) pode ajudar. A ajuda de que necessitam não vem dos economistas, nem mesmo do economista Hayek. Só pode vir de Hayek, o filósofo político. Nenhum Estado pode ter o dever de construir um sistema económico funcional. Mas cada Estado tem o dever de construir um Estado de Direito. Isto podemos aprender com Hayek. Não existia Estado de Direito na União Soviética, e ainda não existe: nem existem leis que sejam aceitáveis e viáveis, nem juízes aceitáveis; há apenas vestígios de governo partidário e de juízes em dívida com o partido. Enquanto for esse o caso, não há diferença entra legalidade e criminalidade. Agora, o Estado de Direito deve ser construído a partir do zero. Pois, sem Estado de Direito, a liberdade é impossível; e, sem Estado de Direito, um mercado livre é igualmente impossível. É este lado do trabalho de Hayek que é mais urgentemente necessário na antiga União Soviética.

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Notas:

1 The Road to Serfdom, George Routledge & Sons Ltd., London, 1944.

2 The Constitution of Liberty, University of Chicago Press, 1969, and Routledge & Kegan Paul, London, 1960.

3 Law, Legislation and Liberty, Vol. I, Rules and Order, Routledge, London, 1973; Vol. II, The Mirage of Social Justice, Routledge,London, 1976; Vol. III, The Political Order of a Free People, Routledge, London, 1979.

4 The Fatal Conceit: The Error of Socialism, edited by W. W. Bartley III; Vol. I of The Collected Works of F. A. Hayek, Routledge, London, 1988.

5 Logik der Forschung, 1934; English translation, The Logic of Scientific Discovery, 1959.

6 Khrushchev Remembers, translated and edited by Strobe Talbott, Appendix 4,
Khrushchev’s Secret Speech ( as released by the U.S. Department of State on June 4, 1956), Little, Brown & Company Inc., New York, 1971, pp. 559-618.

7 Khrushchev Remembers, p. 513.

8 Memoirs, translated by Richard Lourie, Alfred A. Knopf Inc., New York, 1990, and Hutchinson, London, 1990, p. Z18.

9 Khrushchev Remembers, p. 493.

10 Khrushchev Remembers, p. 496.

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Olga Tokaczurk

Capas das edições brasileiras de dois excelentes livros de Olga Tocaczurk (Nobel em 2018). É curioso atentar às traduções. “Correntes” (Todavia) foi o título que atribuíram no Brasil a “Flights” — vencedor do Man Booker Prize — que, por sua vez, foi traduzido em Portugal por “Viagens” (Cavalo de Ferro).

Além das boas recordações (praticamente correu tudo bem) trouxemos, desta viagem ao Brasil, 102 livros. Dois deles de Olga Tokaczurk, que não conhecíamos. Embora habitualmente só incluamos ensaios na categoria “livros”, desta feita abrimos uma exceção: é que esta escritora polaca (polonesa, para os amigos brasileiros) está no nível mais alto entre romancistas, ombreando na qualidade literária com autores superlativos, como Fiódor Dostoievsky, Guimarães Rosa ou Thomas Mann, cada qual com seu estilo próprio, evidentemente. Esta afirmação ousada pode ser provocada pelo efeito surpresa, ou talvez não.

Imaginação, ousadia, rasgo, estilo, rigor e conhecimento (inclusive da “alma” humana — Tokaczurk é psicóloga): estes ingredientes fazem parte de um vasto repertório pessoal e literário.

Já vos aconteceu lembrarem-se de sonhos incríveis quando acordam, mas que depois se desvanecem e já não conseguem recordar? Pois Olga Tokarczuk aparentemente consegue. A sua escrita é uma miríade de atalhos entre o caminho do sonho (ou o pesadelo) e o da realidade. Será esta um sonho ou serão os sonhos reais? A única coisa que é possível dizer é que tudo está interligado.

Ps. Ainda no Brasil, lemos também um excelente livro de Camila Sosa Villada, O Parque das Irmãs Magníficas, que em Portugal recebeu o título As Malditas (Las Malas, em castelhano). Camila não possui todos os recursos literários de Olga, mas sobra-lhe coragem. Na escrita e na vida.

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De Timon a Belém — e volta

Antes da partida e da esquerda para a direita: Fernanda foi de ônibus para Belém e Luan ficou em Timon. Os cinco restantes fizeram a viagem, a que se refere este artigo, de ida e volta, de carro, entre Timon e Belém.

Esta viagem enquadra-se numa mais ampla que fizemos (eu e Fla) ao Brasil, entre 22 de setembro e 24 de outubro de 2023. Estivemos em seis estados (Piauí, Maranhão, Pernambuco, Paraíba, Pará e Ceará) e cinco capitais (Teresina, Recife, João Pessoa, Belém e Fortaleza). O centro desta viagem foi a casa onde vive a mãe da Fla, em Timon, no Maranhão, aonde regressámos sempre, após visitarmos outros estados e cidades, até voltarmos a Portugal. Dado que Teresina fica do outro lado do rio Parnaíba, fomos também muitas vezes à capital do Piauí enquanto estivemos em Timon. A nossa viagem de carro a Belém — e volta — aconteceu entre os dias 15 e 22 de outubro.

Desde logo, uma informação aos automobilistas que queiram fazer este trajeto: excetuando uns 50 quilómetros na zona de Zé Doca e uns 30 antes de chegar (ou depois de sair) de Belém, devido a reformas, a estrada está boa e perfeitamente transitável. O nosso pequeno Hyundai i20 (na verdade, não era nosso mas sim emprestado por Fernanda, irmã de Fla) foi e voltou cheio, com três adultos e duas crianças: os nossos sobrinhos Benjamim e Frederico, a avó deles, a filha da avó que é a minha mulher, Flávia, e eu. O objetivo da nossa ida a Belém, para lá de conhecermos a cidade, era o de nos encontrarmos com Fernanda, que vive na capital do Pará, após ter iniciado funções como auditora no Tribunal de Contas dos Municípios do Estado do Pará. Saímos de Timon às 10:30 da manhã e só parámos para almoçar na Churrascaria do Genival, em Alto Alegre do Maranhão, seguindo de imediato para Zé Doca, aonde chegámos por volta das cinco da tarde, para pernoitarmos. No dia seguinte, após dormirmos e tomarmos o café da manhã em casa de amigos da Fernanda, regressámos à estrada. Algumas horas depois atravessámos o rio Gurupi, que separa os estados do Maranhão e do Pará, almoçámos em Santa Maria do Pará (no restaurante Bom Gosto) e chegámos a Belém às três e meia da tarde.

Porto do Ver-o-Peso.

Em Belém ficámos instalados num excelente apartamento, na Avenida Nossa Senhora da Nazaré, a uma quadra da basílica homónima. O alojamento é suficientemente espaçoso, com dois quartos, cada qual com seu banheiro, totalmente equipado, estacionamento no subsolo e, além disso, muitíssimo bem localizado. O preço por cinco dias foi de €357,85. O primeiro dia serviu para nos instalarmos, encontrar-nos com Fernanda, irmos ao supermercado, darmos uma pequena volta de carro pela cidade, e pouco mais. No dia seguinte, de manhã, cirandámos pelo bairro de Campina: visitámos demoradamente o mercado Ver-o-Peso, fomos ao mercado Francisco Bolonha, andámos pela Praça do Relógio e terminámos o nosso passeio na Praça da República, antes do regresso ao apartamento. Depois do almoço, já com Fernanda, visitámos a Basílica de Nossa Senhora da Nazaré, passeámos um pouco e fomos lanchar ao Point do Açaí, no Blvd. Castilhos França, em Campina.

Já comêramos inúmeras vezes açaí noutras partes do Brasil, e até em Portugal, ou assim o pensáramos até então, mas só em Belém comemos pela primeira vez açaí verdadeiro — puro. Tem um sabor muito forte e amargo, difícil para quem não está habituado, o que não é o caso dos paraenses que acompanham praticamente tudo com açaí, desde pratos de peixe ou carne até sobremesas.

No Point do Açaí, em Belém.

No terceiro dia em Belém, logo de manhã, antes do calor apertar, fomos com os meninos ao Parque Urbano Belém Porto Futuro. Trata-se de um parque desportivo bem equipado, onde se pode estar em lazer ou praticando exercício físico. Benjamim (9anos) e Frederico (7 anos) divertiram-se bastante percorrendo os diversos aparelhos, correndo, escalando, pulando e baloiçando. Ainda da parte da manhã, depois de deixarmos os meninos e a avó Joana em casa, eu e Fla fomos a uma visita guiada ao Teatro da Paz. (Por pura sorte era quarta-feira e a visita foi gratuita). Construído à imagem do La Scala, em Milão, este teatro situado na Praça da República é seguramente um dos mais belos do Brasil, se não o mais belo mesmo.

Fundado em 1878, o Teatro da Paz tem uma acústica perfeita, lustres em cristal, piso de madeiras nobres, frescos nas paredes e teto, além de obras de arte de indiscutível valor, pintadas ou esculpidas, entre outros elementos decorativos. A sua escadaria de entrada é de mármore italiano e a imponente fachada foi reformada em 1905 para reproduzir fielmente o estilo neoclássico, importado de Itália. Já estivemos no Teatro alla Scala e podemos assegurar que o Teatro da Paz é, de facto, muito parecido com a mítica sala milanesa, sem deixar de ser original.

Teatro da Paz, na Praça da República, em Belém.

Felizes por termos visitado o Da Paz fomos almoçar ao restaurante Avenida, que fica muito perto do apartamento onde estávamos hospedados, na mesma avenida, quase em frente à Basílica da Nazaré, pelo que podemos deixar o carro no estacionamento do “nosso” prédio. Tinham-nos dito que no Avenida — inaugurado por um português já falecido (Fernando José de Oliveira) e continuado pelos seus filhos — se comia o melhor pato no tucupi de Belém, e fomos experimentar. Não podemos dizer que adorámos, mas comemos sem reclamar. Como já ficou dito, a cozinha paraense é forte e é preciso tempo para absorvê-la. O tucupi é um molho amarelo fermentado, extraído da raiz da mandioca brava, que acompanha vários pratos tradicionais do Pará, assim como o jambu, uma erva que lembra o agrião, mas muito mais amarga, que, claro, também entra no pato no tucupi. Sinceramente, não tivemos tempo suficiente para assimilar todo o esplendor da gastronomia paraense, mas podemos dizer que topámos-lhe o potencial.

Após o almoço fomos todos (os 6) ao bosque Rodrigues Alves, no bairro do Marco, já bem afastado do centro da cidade. Trata-se de um espaço verde zoobotânico (assim referido no local), exuberante, com espécies típicas da Amazónia, onde o ar verde nos envolve em ondas de frescura. A meio da nossa visita caiu uma carga de água diluviana e tivemos de esperar que abrandasse para podermos fugir para o carro. Apesar disto, valeu muito a pena a visita interrompida a este parque.

Benjamim no Museu das Ilusões, Belém.

No quarto dia, de manhã, decidimos regressar ao mercado Ver-o-Peso para comprarmos um peixe para o almoço. Escolhemos um tambaqui, peixe de água doce que, para nossa surpresa, não tinha o sabor a terra que muitos dos que comêramos antes apresentavam. Dona Joana temperou-o a preceito e cozinhou-o na panela, em leite de coco. Comemo-lo acompanhado por arroz branco, e estava, de facto, delicioso. Depois do almoço fomos todos ao Museu das Ilusões, um espaço inserido num centro comercial, bem perto do aeroporto internacional de Belém. As crianças divertiram-se bastante com as inúmeras ilusões — e a alegria delas fez também a nossa.

Mais para o fim da tarde ainda tivemos tempo para irmos à Estação das Docas comer um sorvete na famosa Cairu, enquanto o sol pousava no horizonte. Aqui é possível encontrar sabores pouco comuns, mas deliciosos, como bacuri, murucí, cupuaçu, araçá, além, claro, do próprio açaí. A Estação das Docas é um espaço bem recuperado, onde para lá da traça original dos antigos armazéns portuários se mantêm também os vistosos guindastes amarelos, desativados no cais. Restaurantes, lojas, esplanadas, um teatro, uma fábrica de cerveja, entre outros equipamentos, são motivos de atração para habitantes e turistas, que ali se reúnem a partir do final do dia.

Fla e Pinduca, o rei do Carimbó.

Mas esta jornada bem preenchida ainda não estava completa. À noite, eu e Fla, agora acompanhados com Fernanda, voltámos ao Teatro da Paz, desta feita para assistirmos ao primeiro dia do 30º FIDA — Festival Internacional de Dança da Amazônia. Quando chegámos pudemos constatar que a iluminação externa do teatro destaca-o da envolvente e realça ainda mais a sua beleza quando é noite. O espetáculo foi interessante, com muitos intervenientes e, no final, tivemos a sorte de encontrar Pinduca, o rei do Carimbó, com quem tivemos a oportunidade de conversar um pouco.

O quinto dia em Belém, sexta-feira, 20 de outubro, foi muito importante para mim e Fla, pois foi o dia em que conhecemos Lúcio Flávio Pinto. Combinámos encontrar-nos com ele na Banca do Alvino, em plena Praça da República, às 8:30 da manhã. Assim, logo após o café da manhã seguimos para lá. Após uma agradável troca de impressões, Lúcio concedeu-nos uma entrevista, que pode ser lida em https://ilovealfama.com/2023/10/31/lucio-flavio-pinto/.

O grande Lúcio Flávio Pinto com Fla, na Praça da República, em Belém.

Depois deste inesquecível encontro, fomos ao apartamento para levarmos connosco D. Joana e os meninos a uma visita ao Parque Zoobotânico e Museu Emílio Goeldi, não muito longe do local em que estávamos alojados, no bairro de Nazaré. Infelizmente, devido às fortes chuvadas que tinham caído, o museu estava encerrado, pelo que só tivemos oportunidade de percorrer o parque. Mais uma vez, pudemos observar espécimes representativos da Amazónia, mas não só. Uma linda onça pintada — que fora confundida com um gato e adotada por um habitante que posteriormente a entregou ao IBAMA — encantou Benja e Derico. Neste dia, o último completo em Belém, decidimos ainda provar mais alguns pratos locais, tipicamente paraenses. Em frente ao Avenida — o restaurante onde provámos o pato no tucupi — há um quiosque muito frequentado que nos disseram servir as melhores comidas típicas de Belém. Fomos lá almoçar. Provámos o Tacacá, o Cururu e o Vatapá. Os sabores destes pratos são tão diferentes em relação ao que estamos habituados que não nos surpreende o título conquistado por Belém de Cidade Criativa da Gastronomia, pela UNESCO.

À tarde Fernanda veio connosco (ela só podia juntar-se-nos depois do trabalho) a outro parque, este mesmo ao lado da Cidade Velha — Mangal das Garças. Menos densificado e mais aberto do que os anteriores, este parque tem mais relvados e lagos, bem como árvores de menor porte. Destacam-se também as aves aquáticas e diversos tipos de papagaios.

No Mangal das Garças.

No centro do parque fica o Farol de Belém, uma estrutura em ferro que podemos subir de elevador (por 5 reais) e desfrutar das melhores vistas sobre a cidade. Quando saímos do Mangal das Garças continuámos o nosso passeio pela Cidade Velha, visitando a Igreja do Carmo, a Praça D. Pedro II, a Catedral Metropolitana e o Espaço Cultural Casa das Onze Janelas. A nossa visita a Belém estava chegando ao seu termo. À noite percorremos, de carro, uma vez mais algumas das ruas de Belém, já em jeito de despedida. No dia seguinte, o sexto em Belém, saímos cedo para percorrermos de novo a BR 316, agora no sentido inverso, em direção a Timon. Ao fim e ao cabo, limitámos a nossa visita à cidade propriamente dita, não saímos de Belém, não visitámos nenhuma ilha, não fomos a Marajó nem a nenhuma praia, mas, dentro do tempo limitado, conhecemos locais e pessoas bastante interessantes da cidade. No entanto, queremos fazer nova visita para visitarmos os locais referidos e, eventualmente, outros, até porque, sem dúvida, há algo que podemos desde já dizer: O Pará é um estado fantástico, por isso, sim, voltaremos.

Uma das vistas do topo do Farol de Belém.

A saída de Belém por estrada está muito condicionada devido a obras. Os primeiros 30, 40 quilómetros são extremamente lentos, pelo que se recomenda sair o mais cedo possível. Não foi o nosso caso, e por isso apanhámos muito trânsito. Almoçámos em Santa Luzia do Pará num restaurante familiar, pequeno, mas com comida boa. Fica do lado esquerdo da estrada. Mais uma vez, pernoitamos em Zé Doca, na Pousada do Farol, aonde chegámos por volta das 4 da tarde. Este alojamento tem quartos razoavelmente confortáveis, com ar condicionado, serve café da manhã aceitável e não cobra caro: 260 reais para os cinco (um quarto de casal e um quarto para 3 pessoas). No domingo, 22 de outubro, completámos a nossa viagem a Belém, e volta, chegando a Timon por volta das 14 horas, depois do almoço em Peritoró, no Espetinho do Paraibano. Tínhamos percorrido, no total, cerca de 2.000 quilómetros de carro. Valeu!

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Arte em Alte

Renata e Daniel interpretando uma canção tradicional.

Alte é uma aldeia inserida no concelho de Loulé, em pleno coração do Algarve. É considerada, com justiça, uma ilustre representante das aldeias tradicionais portuguesas, com casas brancas de chaminés trabalhadas, ruas floridas, uma bela igreja matriz, e o alvo casario cravado na colina ocre e verde, dentro de uma paisagem tipicamente mediterrânica.

Alte sempre teve uma atividade cultural própria, destacando-se o artesanato local, a música e dança (com os 75 anos de atividade do Rancho Folclórico da Casa do Povo), e atividades desportivas ao ar livre, como os percursos pedestres e o ciclismo.

Por tudo isto, e muito mais, vale a pena visitar Alte. E o “muito mais” é mesmo muito: estamos a pensar, por exemplo, em dois ateliers na praça central da aldeia, frente a frente, tão bem localizados que é impossível não os encontrar. Um pertence a Daniel Vieira e o outro a Renata Pawelec. Daniel é natural de Alte, Renata é polaca, e ambos são artistas plásticos e músicos.

Renata Violetta interpretando um fado clássico.

Assim, para lá de se inteirar do trabalho plástico destes artistas, o visitante pode ter a sorte de assistir a um intimista espetáculo musical dentro do próprio atelier de Renata. Apaixonada pelo fado após uma noite passada no Clube de Fado, em Lisboa, ela passou desde aí a cantá-lo, lutando por ultrapassar o sotaque e conseguindo chegar a várias finais de concursos dedicados à arte fadista. A voz de Renata é doce, harmoniosa e intimista e ela sabe colocá-la na perfeição, tal como tivemos a sorte de constatar aquando da nossa última passagem por esta tradicional aldeia algarvia.

Além da parceria artística, uma amizade quase tangível liga Daniel e Renata. Também isto, para lá das pinturas e das músicas, nos tocou.

Voltaremos.

Jamais esqueceremos esta passagem por Alte. Nesta foto estão, da esquerda para a direita, uma polaca, dois portugueses e três brasileiros.

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