Runaway

Esta canção, originalmente interpretada por Del Shannon, ficou mundialmente conhecida por fazer parte do genérico da série televisiva “Crime Story”.

Criada por Gustave Reininger e Chuck Adamson, a série tinha como produtor executivo Michael Mann e contava com a participação de Dennis Farina, no papel do detetive Mike Torello. Existem várias  versões do tema “Runaway”, inclusive uma dos Beach Boys, quase todas com mais de 20, 30 ou 40 anos. Ultimamente saiu uma nova versão (penso que em 2007) interpretada pelos Queen e Paul Rodgers. O vídeo que aqui fica foi realizado através de uma montagem com imagens da série “Crime Story” e de atuações de Paul Rodgers e dos Queen. Apesar de se notar que as atuações ao vivo não correspondem minimamente a qualquer interpretação de “Runaway”, mesmo assim, gosto do vídeo e do balanço desta música que entra tão facilmente no ouvido. Gosto muito, também, da voz de Paul Rodgers – e não apenas nesta interpretação.

Há canções que nasceram para ser recriadas de tempos a tempos. Esta é uma delas.

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Um encontro memorável

Kissin é um dos meus pianistas preferidos. Tive a sorte de o ver atuar há tempos na Gulbenkian, num recital memorável, quando ele deveria andar pelos seus 30 anos. Ainda hoje, com 41, Evgeny Kissin, moscovita de origem judaica, mantém a sua expressão de adolescente.

O episódio que quero relatar passou-se em 1988 e trata de um daqueles encontros felizes e raros que acontecem uma vez na vida. Neste caso, na vida de duas pessoas – Evgeny Kissin e Herbert Von Karajan. Se a elas juntarmos, através do seu famoso e arrebatador concerto nº1 para piano e orquestra,  Tchaikovsky, teremos o encontro de três génios. Kissin com 17 anos, Karajan no fim da vida (um anos antes) e Tchaikovsky, presente com sua música.

Para nosso deleite, esse episódio foi gravado, e aqui fica o registo do 1º andamento, sendo que podem encontrar, na mesma fonte, todo o concerto e ainda uma reportagem sobre este encontro feliz. Nesta, Kissin recorda o momento em que, após o concerto, quando sua mãe se aproximou, Karajan afirmou, apontando para ele:

Genius.

Poderíamos ainda alargar esta onda de felicidade  à excecional Filarmónica de Berlim. Como se sabe, esta orquestra foi talhada durante 35 anos pela batuta implacável de Herbert Von Karajan. Depois, seguiram-se Claudio Abbado e o diretor atual, Sir Simon Rattle (eleito pelos membros da própria orquestra), maestros que tive o prazer de ver atuar ao vivo, bem c

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A Ideia de Justiça

Sen
Amartya Sen

A edição original é de 2009, pela Penguin Books, Grã-Bretanha, e a edição que temos em mãos é de 2012, Companhia das Letras, Brasil.

Nesta categoria (“Livros”), a nossa ideia é mais de divulgação do que de crítica. Entretanto, eis a nossa síntese de “A Ideia de Justiça” em seis linhas-mestras.

1- A ideia de justiça deve ser sobretudo uma prática;

2- Os comportamentos são mais importantes do que instituições e regras;

3-  A uma estrutura “transcendental” devemos opor uma estrutura comparativa;

4- A uma perspetiva paroquial devemos opor uma visão universalista;

5- O IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) é mais importante que o PIB (Produto Interno Bruto) para o desenvolvimento de um país;

6- É muito importante trabalhar as “capacidades” – em vez de basearmos a realização do indivíduo no rendimento, devemos baseá-la na perspetiva de lhe proporcionar autonomia, para que ele tenha oportunidade e liberdade de optar por empreendimentos que o realizem enquanto ser humano e não apenas enquanto assalariado/consumidor.

Além disto (o livro é todo baseado em dicotomias, que revelam duas visões opostas sobre a justiça), os exemplos históricos mencionados por Sen são muito interessantes, sobretudo a abordagem à cultura oriental, nomeadamente a indiana, de onde Amartya Sen é oriundo. Estamos de acordo com Sen – pouco importa ter leis muito avançadas se não tivermos pessoas educadas e esclarecidas para as pôr em prática. A ação (praxis) é que importa ou, por outras (e nossas) palavras, mais vale minimizar efetivamente a injustiça, do que maximizar uma justiça que fica apenas no papel.

E daqui partima para uma crítica simples, que é, afinal, apenas um reparo. É que sobre este assunto – acho nós- é impossível ignorar um filósofo como Karl Popper. (É curioso notar que Amartya Sen refere ter sido primeiro matemático, depois físico, economista e, por último, filósofo). O tema da justiça é caríssimo, como não poderia deixar de ser, a Popper. Não interessa agora para o caso o que este autor pensa sobre o assunto, mas, pode dizer-se, está, substancialmente, em linha com a visão de Sen.

Neste livro, Sen cita cerca de 700 autores (além de 450 nos “Agradecimentos”), mas nem uma única vez Popper. No meio de tanta erudição, será Popper um filósofo desconhecido? Ou, sendo conhecido, apenas desprezado?

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Foto retirada de www.scoopwhoop.com

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A nossa edição:

“A Ideia de Justiça, Amartya Sen, Editora Companhia das Letras, 1ª edição, São Paulo, 2012.

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Doutor Maluco

Alguns dos meus amigos de infância ainda se devem lembrar dele. E talvez haja algum que se lembre de quem lhe colocou a alcunha – Doutor Maluco – não sei se por ser diferente de todos os comuns mortais conhecidos no bairro, se pela figura eminente e misteriosa.

Passava pela Rua dos Remédios com ar altivo, ele que, de facto, era alto, distinto; fato preto, boina preta, sapatos pretos que riscavam o ar, impecavelmente engraxados.

(O negro contrastando com a alvura da pele).

Passava depressa, direito, flutuando – sempre pelo meio da rua, jamais sobre o passeio.

“Então ó Doutor Maluco!”

E o Doutor Maluco – eu nunca soube o verdadeiro nome dele – continuava imperturbável seu caminho, olhando em frente, por cima de todos, jamais baixando os olhos ou a cabeça, o rosto correctíssimo, impenetrável e sereno.

Lembro-me que numa tarde de Carnaval alguém lhe acertou com um ovo. O Doutor estancou, sacudiu a boina, limpou-a com um lenço alvíssimo que tirou duma algibeira, e sem enfado, sem olhar para nós ou para alguém, retomou seu caminho.

O tempo passou e nós teríamos, talvez, uns 18 anos quando um dia o encontrámos, no Largo da Graça. Vimo-lo à distância, e logo o Rui exclamou, “olha o Doutor Maluco!”

O Chico, que também ia connosco e sempre se saía com tiradas surpreendentes, sem mais, perguntou:

– Sr Doutor, o que é um homem que injeta heroína?

A resposta saiu pronta, natural, suave, como lhe houvessem perguntado as horas – e foi a única vez que ouvi a sua voz:

– É um herói.

Nunca mais vi o Doutor Maluco, que seguiu, olhando por cima dos transeuntes.

Cinco anos depois, o Rui e o Chico morreram, vítimas da heroína. Jovens, belos e audazes – como os heróis.