Porque dormimos?

Matthew Walker fotografado no seu laboratório do sono. Foto de Saroyan Hamphrey.

Podemos pensar que uma ou duas noites mal dormidas não causam grandes problemas, até porque no fim de semana podemos dormir mais tempo e colocar o sono em dia. Puro engano. Os danos no cérebro e no corpo que a privação do sono provoca não são reparáveis com noites em que durmamos mais para compensar o sono perdido. Pelo contrário, o déficit de sono nunca é recuperável, apenas acumulável. Assim, se dormirmos regularmente menos de sete horas por noite, os danos físicos e mentais, mais cedo ou mais tarde, acabarão por surgir1.

Que tipo de danos? Bom, praticamente todos. As doenças mentais causadas pela falta de sono vão desde a esquizofrenia à doença de Alzheimer, passando pela depressão, o distúrbio bipolar, a ansiedade e o suicídio; e as doenças fisiológicas provocadas pela carência de sono passam, entre outras patologias, pelo cancro, a diabetes, os ataques cardíacos, a infertilidade, a obesidade e a imunodeficiência. Pode parecer exagerado, mas não é: estas conclusões são sustentadas por décadas da melhor investigação científica e têm por base um incontável número de experiências, levadas a cabo um pouco por todo o mundo2. De resto, o livro que aqui analisamos, Porque Dormimos?, é fruto de uma longa investigação (de mais de vinte anos) do seu autor, Matthew Walker.

1- Sono, o enigma desvendado

Até há muito pouco tempo, ninguém sabia exatamente porque dormimos. O assunto era demasiado controverso. Um dos problemas é que se procurava uma função única, um “cálice sagrado” que todos queriam encontrar. As teorias eram diversificadas: o sono é um período em que o corpo conserva energia; dormir é uma oportunidade para oxigenar os globos oculares; dormir é um estado não consciente em que realizamos os desejos reprimidos quando estamos acordados… e havia também quem dissesse o que parecia mais óbvio: dormimos para descansar. Mas, afinal, essa resposta não era assim tão óbvia, pois isso implicaria que um lenhador precisasse de muito mais tempo de sono que um empregado de escritório ou um reformado, o que não é o caso.

Nas últimas duas décadas, porém, as neurociências tiveram um desenvolvimento incrível e contribuíram de forma decisiva para tornar essas e outras respostas obsoletas. O sono é infinitamente mais complexo, relevante e interessante do que se pensava. Sobretudo, é vital: o que quer dizer que a sua carência acarreta graves prejuízos para a saúde. Estas descobertas foram possíveis graças a equipamentos que vieram permitir a realização de ressonâncias magnéticas e tomografias, as quais juntamente com o uso de elétrodos3, tornaram possível detetar as regiões do cérebro que estão (ou não) mais activas4 em determinado momento. Por outro lado, a montagem de laboratórios do sono em universidades e centros de investigação proporcionaram o desenvolvimento de estudos sobre os efeitos, no corpo e na mente, provocados pela privação do sono, a maior parte das vezes comparando os resultados obtidos por um grupo de pessoas que dorme normalmente com os de outro grupo de pessoas privadas de um sono completo5.

E não restam dúvidas: dormimos porque dormir é tão vital como comer, beber ou respirar. De acordo com a mais recente investigação, o sono é “a atividade mais eficaz que podemos levar a cabo para repor diariamente a saúde do nosso cérebro e do nosso corpo – até ao momento é o melhor esforço da Mãe Natureza para contrariar a morte”6. Ou seja, para a ciência atual, a questão já não é a de se saber para que é que o sono é benéfico. Em vez disso, a pergunta que se faz é se existirá alguma função biológica que não beneficie de uma boa noite de sono. E a resposta que milhares de estudos já realizados nos dão é: não, não existe. Por outro lado, todas as patologias são agravadas e muitas causadas pela falta de sono.

2 – O que nos leva a dormir ou ter dificuldade em fazê-lo

Há dois fatores paralelos que, combinados, determinam os períodos do dia em que nos sentimos mais despertos ou sonolentos: o ritmo circadiano (Processo-C) e a pressão do sono (Processo-S), esta determinada pela acumulação de um químico no cérebro chamado adenosina7. Quando o ritmo circadiano está alto e o nível de adenosina baixo (por exemplo, de manhã), sentimos um agradável estado de vigília plena, e estamos prontos para enfrentar as vicissitudes do dia; pelo contrário, quando chega a noite, depois de estarmos 15 horas acordados, o nosso cérebro está inundado com altas concentrações de adenosina, enquanto o ritmo circadiano está a diminuir, baixando os níveis de atividade e alerta. São, portanto, estes os fatores naturais que nos induzem à vigília ou ao sono. Qualquer perturbação num destes (ou em ambos os) processos é prejudicial para o nosso sono e para a nossa saúde.

Além destes processos, há ainda outra substância, uma hormona, que dá o “tiro de partida” para o sono – a melatonina. Esta hormona, libertada por uma glândula situada algures nas profundezas da parte de trás do cérebro chamada pineal, sob ordens do núcleo supraquiasmático (ver nota 9), é libertada na corrente sanguínea enviando uma mensagem clara ao cérebro e ao corpo, “está escuro! está escuro!”, assinalando assim a hora de dormirmos. Após começarmos a dormir, a concentração de melatonina vai diminuindo até se desligar completamente quando a luz do dia emerge da noite. A ausência de melatonina informa o nosso corpo de que o sono foi cumprido e é tempo de vigília. Depois, com o anoitecer, os níveis de melatonina começam a subir até atingirem o pico, iniciando-se assim um novo ciclo.

De salientar que o ritmo circadiano8 não regula apenas os horários do sono, mas também os de comer, beber, as emoções, a quantidade de urina que o corpo produz, a temperatura interior do corpo, o metabolismo e, entre outros, a libertação de inúmeras hormonas. Os ritmos circadianos são variáveis entre espécies mas também entre indivíduos9. No que diz respeito ao sono, há três tipos de pessoas, cada uma com o seu cronotipo, de acordo com os diferentes ritmos circadianos: o “tipo matutino” (constituído pelos indivíduos que despertam mais cedo de manhã e se sentem sonolentas não muito depois do início da noite) que engloba cerca de 40% da população; o “tipo vespertino” (constituído por pessoas que adormecem mais tarde e, logo, acordam mais tarde também) que inclui cerca de 30% da população; e um tipo intermédio, algures entre os dois primeiros, com ligeira inclinação para a vivência noturna, que engloba os restantes 30%.

Há sobretudo duas substâncias que, por serem mais comuns, prejudicam o sono. A cafeína e o álcool. A cafeína bloqueia e desativa os recetores da adenosina, bloqueando, assim, o sinais de sonolência que esta envia para o cérebro. Os efeitos da cafeína começam a sentir-se cerca de meia-hora depois de bebermos um café, por exemplo, mas a sua característica mais problemática é o prolongamento desses efeitos no tempo, em qualquer caso, de várias horas. De facto, a eliminação da cafeína do organismo depende de uma enzima produzida pelo fígado, muito diferenciada entre indivíduos, por fatores genéticos. Assim, há pessoas cuja enzima é mais eficaz a eliminar a cafeína, mas a maioria demora mais de sete horas a eliminá-la da corrente sanguínea. Isso quer dizer que a grande maioria das pessoas que bebem café depois do jantar vai certamente ter dificuldades em adormecer. Já o álcool produz um efeito igualmente nocivo, mas muito mais enganador10. Ao contrário do que muitas pessoas pensam, o álcool não ajuda a adormecer mais depressa e nem sequer proporciona um sono mais profundo. O álcool fragmenta o sono e provoca breves momentos de despertar, embora a pessoa não se aperceba disso. O fígado e os rins demoram horas a degradar e excretar o álcool, de modo que o consumo de bebidas alcoólicas à noite irá inevitavelmente prejudicar o sono.

Para além da cafeína e do álcool (e também outras drogas e o tabaco), outros fatores externos que conflituam com o sono são a iluminação excessiva, sobretudo as luzes LED11, as temperaturas elevadas e os horários prematuros de iniciar as aulas e de pegar ao trabalho. Entrar no trabalho ou na escola às oito da manhã (e às vezes mais cedo) priva milhões de pessoas de dormirem o suficiente, sobretudo os “vespertinos” que, naturalmente, são impelidos a ir para a cama mais tarde. Os prejuízos na saúde das pessoas, e os custos para a sociedade e as empresas, são incalculáveis. É por isso que a fixação de horários diversificados seria uma medida que, além de simples, traria um impacto extremamente positivo, tanto maior quanto mais alargado. Mas existem fatores internos que também prejudicam o sono. Distúrbios psicológicos como a ansiedade e a depressão, entre outros, podem condicionar o sono. Mais grave é quando a falta de sono e esses distúrbios se auto-alimentam, criando um círculo vicioso difícil de quebrar. A solução, de acordo com Walker, não passa pela tomada de comprimidos para dormir, uma vez que estes não nos induzem a dormir naturalmente (impedindo-nos por isso de receber os benefícios do sono), antes funcionam como sedativos e podem mesmo provocar a morte. Mais à frente aludiremos ao que Walker propõe para dormirmos melhor.

3- A ciência do sono

Pode dizer-se que a moderna ciência do sono começou em 1952, quando o professor da Universidade de Chicago Nathamiel Kleitman e o seu aluno Eugene Aserinsky descobriram que temos dois tipos de sono diferentes: NREM e REM12. O primeiro, predominante num primeiro ciclo de sono e o segundo nos últimos ciclos (são considerados cinco ciclos de sono sensivelmente de hora e meia cada, num sono normal de entre sete a oito horas). O sono NREM, quando não existem movimentos rápidos dos olhos, produz ondas cerebrais mais lentas e longas, enquanto o sono REM, quando o movimento ocular é rápido e acompanhado de sonhos, produz ondas cerebrais curtas e rápidas, muito semelhantes às emitidas quando estamos acordados. Ambos os tipos de sono são indispensáveis para a nossa saúde física e mental.

Quando começaram a medir as ondas lentas do sono NREM, nas décadas de 1950 e 1960, os cientistas consideraram que o cérebro estaria ocioso ou até adormecido nesses momentos. Mas isto estava profundamente errado. As ondas cerebrais do sono NREM espalham-se harmoniosamente desde o meio do cérebro, no tálamo, bloqueando a transferência da perceção de sinais exteriores, até ao cimo do cérebro, o córtex. A perda da sensação de consciência explica porque não sonhamos durante o sono NREM e faz com que o córtex descanse, entrando no modo de funcionamento por defeito. É então que as memórias de curto prazo são transportadas do seu local de armazenamento provisório, o hipocampo, para outro mais seguro, o neocórtex. Isto não acontece apenas nos humanos, mas também nos chimpanzés, orangotangos, bonobos, gatos, ratinhos e até nos insetos. Está provado também que o sono NREM, sobretudo na fase 2, melhora as capacidades motoras, daí ser muito importante nas crianças e nos desportistas, entre outros.

É também muito importante perceber o que acontece quando o sono NREM é prejudicado nos indivíduos mais velhos, o que, infelizmente, acontece com grande frequência. Isto tem implicações graves na memória destas pessoas, e está diretamente relacionado com a doença de Alzheimer.13 Finalmente, outro aspeto a ter em conta quanto ao sono NREM é que este atua como calmante, permitindo que o ramo de luta ou fuga do sistema simpático se acalme, diminuindo o risco de pressão alta e a ocorrência de apoplexias. Um bom sono NREM é, portanto, vital.

Sono REMSono NREM
Ondas cerebrais com frequência rápida e caótica.Ondas cerebrais com frequência lenta e sincronizada.
Ondas produzidas em quatro aglomerações distintas do cérebro. Ondas produzidas no centro dos lobos frontais.
Ondas tipo rádio FM.Ondas tipo rádio AM .
Entrada sensorial do tálamo aberta.Entrada sensorial do tálamo fechada.
Corpo totalmente paralisado (atonia).Corpo não-totalmente paralisado.
Com sonhos.Sem sonhos.
Indivíduos com potencial criativo elevado se acordados neste período.Indivíduos pouco ou nada criativos se acordados neste período.
Sem episódios de sonambulismo.Possibilidade de episódios de sonambulismo.
Pouco sensível à temperatura, ao exercício físico e à alimentação.Sensível à temperatura, ao exercício físico e à alimentação.
Diferenças entre os sonos REM e NREM.

Como se pode verificar pelo quadro acima, o sono REM tem características bastante diferentes do sono NREM. Desde logo as ondas produzidas pelo cérebro durante o sono REM, de frequência curta e rápida, são mais semelhantes ao estádio de vigília do que ao período de sono NREM. É por isso que o sono REM é muitas vezes chamado de “sono paradoxal”: um cérebro que parece estar acordado (com partes 30% mais ativas do que no estado de vigília) e um corpo claramente adormecido. Durante o sono REM o corpo perde completamente a tonacidade e os músculos pura e simplesmente paralisam, transformando-nos em prisioneiros dentro do próprio corpo. Isto acontece para que possamos sonhar à vontade. Seria muito perigoso se durante alguns sonhos extremamente movimentados nós próprios nos pudéssemos mover. Assim, a Natureza, através do processo evolutivo, resolveu o assunto obrigando-nos à imobilidade durante os períodos de sono REM.

O sono REM é um estado caracterizado por uma forte ativação nas regiões visuais, motoras, emotivas e autobiográficas do cérebro, e por uma desativação relativa nas regiões que controlam o pensamento racional. Uma questão particularmente importante do sono REM está relacionada com os sonhos, uma vez que só neste modo de sono podemos sonhar. Calcula-se que entre 35% a 55% das preocupações e emoções que experimentamos durante o dia reapareçam à noite quando sonhamos.14 A princípio pensou-se que os sonhos fossem um sub-produto do sono REM, mas posteriormente descobriu-se que os sonhos têm uma função própria. Ou melhor, duas.

A primeira tem que ver com a nossa saúde mental e emocional. De facto, os sonhos fazem um trabalho de terapia noturna: quando sonhamos com experiências traumáticas ou dolorosas sentir-nos-emos mais aliviados e calmos quando voltarmos a recordá-las. Isto acontece porque a única altura das 24 horas do dia em que a concentração de um químico relacionado com o stress, a noradrenalina, é completamente desligado no interior do cérebro, é durante o sono REM.15 A segunda tem a ver com a nossa apetência para a interpretação de expressões faciais, a resolução de problemas e a criatividade.

As áreas do nosso cérebro dedicadas à descodificação dos sinais que nos chegam das expressões faciais são as áreas que o sono REM equilibra durante a noite para que possam estar operacionais na manhã seguinte. Experiências com pessoas privadas de sono REM mostraram que estas tiveram dificuldades em ler expressões faciais, vivenciando um mundo adverso e ameaçador que não correspondia à realidade.16 Finalmente, a função mais extraordinária dos sonhos é a de ampliar a criatividade. Quando sonhamos, o nosso cérebro reúne vastos segmentos dos conhecimentos adquiridos, misturando-os de forma inspirada e, enveredando por atalhos, descobre soluções para problemas anteriormente impenetráveis. É por isso que quando acordamos após um sonho temos uma maior probabilidade de criar peças artísticas valorosas, como poemas ou canções, e maior apetência para resolver problemas, como anagramas. Os exemplos são vastos e variáveis, muitos deles famosos: Mendeleev viu a tabela periódica num sonho; Keith Richards compôs os acordes de “Satisfaction” durante o sono REM;17 Paul McCartney acordou com a melodia de “Yesterday” na cabeça. St. Paul Boux, um poeta surrealista francês, colocava na porta do quarto, antes de dormir, uma placa que dizia: “Não perturbar: poeta trabalhando.”

Esta ligação e mistura criativa de informações é o que distingue o nosso cérebro dos computadores. Os nossos “algoritmos” são diferentes e bem podemos falar de um “algoritmo do sonho”. As pessoas que sonham com um problema têm uma probabilidade muito maior de o resolver do que aquelas que não sonham. O cérebro durante o sonho conjuga a memória recente sobre um determinado assunto com outras antigas relacionadas com o mesmo assunto e ainda outras hipotéticas relações, proporcionando respostas altamente criativas, inacessíveis a quem não sonha.18

Tudo isto nos conduz a um grave problema: tendo em conta 1) que os nossos adolescentes acordam cada vez mais cedo para irem para a escola, 2) que o ritmo circadiano na adolescência se adianta algumas horas e que 3) é no final do nosso sono que prevalece o sono REM com sonhos, estamos a privar os adolescentes das nossas sociedades da qualidade de vida que eles, não apenas enquanto adolescentes mas também na idade adulta, merecem. E porque se adianta o ritmo circadiano dos adolescentes algumas horas? A ciência não tem uma resposta inequívoca, mas Walker avança como uma hipótese a ter em conta: ao diferenciar os sonos dos adolescentes e dos pais, a Natureza está a incentivar a emancipação destes iminentes adultos.19

4- Como dormir melhor

No final do livro, Matthew Walker deixa-nos 12 dicas para melhorarmos o nosso sono, dizendo-nos que, se tivéssemos de escolher apenas uma delas, seria a primeira: manter um horário de sono regular. Além disso, devemos: evitar o álcool, a cafeína e a nicotina; fazer exercício físico, mas não a horas tardias; evitar grandes refeições e demasiadas bebidas à noite; evitar medicamentos que de alguma forma perturbem o sono; não fazer sestas depois das três da tarde; descontrair antes de ir para a cama e, se possível, tomar um banho quente e relaxante antes de dormir; escurecer o quarto e mantê-lo não demasiado quente; não ver televisão nem usar o computador ou o telemóvel antes de adormecer (é preferível ler um livro); evitar as luzes LED; manter uma exposição solar adequada, o que quer dizer que devemos receber bastante luz durante a manhã e expor-nos à luz natural durante, pelo menos, meia-hora durante o dia; desligar as luzes antes de ir para a cama; não ficar acordados na cama se não conseguirmos dormir: se nos mantivermos acordados durante mais de 20 minutos devemos levantar-nos e fazer qualquer coisa relaxante até sentir sono. A ansiedade por não conseguirmos dormir pode dificultar ainda mais o adormecer.

Finalmente, recordemos que uma vida com o sono em dia é sinal de uma vida saudável. Catástrofes como o desastre no reator nuclear de Chernobyl e o encalhe do petroleiro Exxon Valdez, entre tantos outros, foram provocados pela falta de sono.20 E, já agora, se algum dia (ou noite) sentir sono enquanto conduz, por favor, pare. A probabilidade de ter um acidente grave é elevadíssima.

Bom dia, boa noite, bom sono e bons sonhos!

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A nossa edição:

Matthew Walker, Porque Dormimos, Editora Desassossego, Lisboa, 2019, 1ª ed.

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Notas:

1Depois de dez dias de apenas sete horas de sono por noite, o cérebro fica tão disfuncional quanto estaria depois de 24 horas sem dormir.

2 A importância do sono é hoje reconhecida pela OMS que catalogou a falta de sono abrangente como um epidemia global. E o próprio Guiness Book retirou o recorde da privação do sono do seu livro de recordes, por reconhecer o seu caráter nocivo.

3 Os elétrodos registam sinais emitidos por três regiões distintas: a atividade das ondas cerebrais, a atividade dos movimentos oculares e a atividade muscular.

4 De realçar que o cérebro consome 20% da energia do nosso corpo, embora represente apenas 2% do seu peso total.

5É considerado “sono normal” um sono contínuo com duração entre 7,5 e 9 horas. Uma sesta com duração máxima de hora e meia e que termine antes das 15:00 horas, também é considerada normal e mesmo benéfica.

6Ob. cit., p. 18.

7Logo que acordamos a adenosina começa a acumular-se no cérebro. Quando atinge o seu ponto máximo, sentimos uma vontade irresistível de dormir. Na maior parte das pessoas isto acontece depois de estarem entre 12 a 16 horas acordadas.

8 “Circa” (em torno de) e “diam” (dia). Daí deriva o termo circadiano.

9 Foi possível determinar o ritmo circadiano humano através de experiências em que indivíduos foram privados da luz solar. A mais famosa foi realizada em 1938, quando o professor da Universidade de Chicago Nathaniel Kleitman e o seu assistente Bruce Richardson estiveram 32 dias mergulhados na escuridão profunda da Caverna Mammoth, no Kentucky, uma das mais profundas do planeta. Sabe-se hoje que o relógio circadiano de um humano adulto é de cerca de 24 horas e 15 minutos. São a luz solar e o núcleo supraquiasmático que ajustam o nosso relógio interior para as 24 horas do dia. “Quiasma” significa ponto de cruzamento, e o núcleo supraquiasmático situa-se mesmo por cima do ponto, no centro do cérebro, onde os nervos óticos, com origem nos globos oculares, se cruzam, “decidindo” quando queremos estar acordados ou a dormir.

10 O sono insuficiente durante a infância tem relação direta com o consumo de álcool e drogas na adolescência. “O álcool é um dos repressores mais poderosos do sono REM de que temos conhecimento” (ob. cit., p. 97).

11 Apesar de em 2014 Shuji Nakamura, Isamu Akasaki e Hiroshi Amano terem ganhado o Prémio Nobel da Física pela invenção da luz LED, devido à poupança de energia e à maior longevidade das lâmpadas LED, estas emitem luzes azuis de ondas curtas muito mais próximas da luz do dia do que as velhinhas lâmpadas incandescentes de luzes quentes e amarelas, perturbando assim o sono.

12 REM (Rapid Eye Movement); NREM (Non-rapid Eye Movement).

13 A doença de Alzheimer é provocada pela acumulação de uma proteína chamada beta-amiloide. A Drª Maiken Nedergaard, da Universidade de Rochester, descobriu uma espécie de “rede de esgoto”, a que chamaram sistema glinfático (constituído por células gliais espalhadas pelo cérebro), o qual, à semelhança do que o sistema linfático faz no corpo, limpa as substâncias nocivas do cérebro, nomeadamente os contaminantes metabólicos perigosos gerados pelo trabalho dos neurónios, entre eles a perigosa proteína beta-amiloide, bem como outra proteína denominada “tau” e moléculas de pressão, que se pensa serem a causa da Alzheimer. A carência de sono NREM faz com que essa limpeza não seja eficientemente realizada, provocando a acumulação dos contaminantes metabólicos. Margareth Thatcher e Ronald Reagan, que afirmavam dormir apenas 4 ou 5 horas por noite, contraíram a doença de Alzheimer… Alguém deveria avisar o nosso Presidente!

14 O professor da Universidade de Harvard, Robert Stickgold, chegou a esta conclusão após conceber uma experiência com 29 jovens adultos saudáveis, a quem pediu que registassem o que faziam durante o dia, bem como as suas preocupações emocionais. Pediu-lhes também que registassem os sonhos de que se lembrassem, obtendo, assim, 299 relatórios de sonhos ao longo de 14 dias.

15 O Dr. Murray Raskind, um médico especialista em PSPT (Perturbação de Stresse Pós-Traumático) e doença de Alzheimer, constatou que um medicamento chamado prozonina, que receitava para controlo da pressão arterial de alguns dos seus pacientes, também lhes aliviavam os pesadelos e sonhos dolorosos recorrentes devidos aos traumas de guerra. Veio a revelar-se que a prozonina tinha também o efeito de suprimir a noradrenalina no cérebro, permitindo que os pacientes dormissem mais tranquilamente.

16 Isto é bastante problemático para pessoas que nas suas atividades profissionais, como polícias e pessoal médico, frequentemente têm que avaliar as emoções transmitidas por expressões faciais de inúmeros indivíduos, avaliações em que o erro pode causar uma tragédia.

17 Keith costumava deitar-se com uma guitarra e um gravador ligado ao lado da cama. Numa manhã, quando acordou, sem se lembrar de nada, puxou a fita do gravador atrás e ouviu os primeiros acordes de “I Can Get No Satisfaction”.

18 Uma descoberta relativamente recente (2013) confirmou que há “sonhadores lúcidos”, ou seja, pessoas que conseguem controlar os próprios sonhos. Estes indivíduos representam quase 20% da população.

19 Durante a adolescência, o processo de desenvolvimento da arquitetura cerebral, com a ajuda do sono REM, já está completo. O objetivo agora já não é aumentar a escala, antes reduzi-la, e aqui quem tem o protagonismo é o sono NREM, ajudando na poda das ligações, e no desbaste sináptico que tipicamente acontece na adolescência.

20 Ob. cit., pp. 350-51.

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Foto retirada de:

https://www.theguardian.com/lifeandstyle/2017/sep/24/why-lack-of-sleep-health-worst-enemy-matthew-walker-why-we-sleep.

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