Fortaleza, Brasil

Os Falcões.

Fortaleza é definitivamente uma cidade musical. Seja no Mercado dos Pinhões, na Praça dos Mártires, no Centro Cultural Dragão do Mar, em Juracema ou mesmo na praia, todos os dias a música paira no ar, gratuita e harmoniosamente. Às sextas à noite o Mercado dos Pinhões enche-se de alegres convivas (sobretudo acima dos quarenta) para ouvirem e dançarem o choro. Uma vez por mês – tivemos a sorte de ser no dia da nossa visita – uma banda interpretando êxitos dos anos sessenta e setenta, os Falcões, entra em cena, após a actuação do grupo de choro, e, posso testemunhá-lo, leva o ambiente ao rubro. O vocalista, um misto de Del Shannon com Paul Anka, deixa-se fotografar com senhoras eufóricas que não resistem a subir ao palco, e atira pelas potentes colunas sonoras uma voz surpreendente. A alegria, regada com muito álcool, é contagiante – e o velho mercado bombeia música.

Trio de David Calandrine.

No sábado, durante o almoço no jardim da Praça dos Mártires (a mais antiga praça de Fortaleza, também conhecida por Passeio Público e um dos lugares mais bonitos da cidade), num restaurante/buffet, onde aliás se come muito bem, assistimos à actuação do excelentíssimo trio do guitarrista David Calandrine. Músicas cujo repertório vai de Villas-Lobos a Milton Nascimento, passando por composições próprias, tudo interpretado com um toque distinto e profissional,  que poderíamos designar, genericamente, por “jazz”. Ao fundo o mar verde-azulado transmite sua beleza ao nosso olhar, como que concorrendo com a beleza que aquela música é para os nossos ouvidos. Tudo é sensualidade. E neste jardim refrescante o que apetece mesmo é ficar, esquecer o relógio e fruir.

Centro Cultural Dragão do Mar.

No domingo fomos ao Dragão do Mar. Este centro cultural é constituído por auditórios, salas de espectáculos, pracinhas ao ar livre e  vários edifícios estilo arte-deco, que funcionam como restaurantes e bares. Aqui pode-se assistir a música ao vivo, teatro, cinema, exposições, conferências e é possível também jantar ou simplesmente tomar um copo ou um sorvete numa das esplanadas. Jantámos no Alma Gêmea: uma bela galinha, ao molho tártaro, e uma excelentíssima torta de limão gelada, como sobremesa, desta vez acompanhados pela Orquestra de Sopros de Mulungu. Seguiu-se a peça “História de São Francisco segundo Dona Cremilda”, um conto de José Mapurunga, adaptado, encenado e interpretado pela actriz Katiana Monteiro. Tudo sem sair da mesa do jantar…

Praia de Meireles.

Além de cidade virada para as artes, Fortaleza é também uma cidade desportiva. Iracema e Beira-Mar, locais quase desertos durante o dia, enchem-se, ao crepúsculo, com praticantes de jogging, patinadores, ciclistas, ginastas e todo o tipo de transeuntes. Milhares e milhares de pessoas. Talvez as mesmas, ou pelo menos algumas delas, que mais tarde enchem as barracas de praia e os bares circundantes; vendedores de tudo e mais alguma coisa tentam também retirar o melhor deste espaço, onde o mar está sempre presente e o frio nunca vem.

E tal como o mar vai e volta, também o vento sopra forte e recolhe, numa sequência perpétua: Fortaleza respira! Este bafo quente dá-nos até coragem para um mergulho na praia de Meireles, embora saibamos que tanto aqui, como em Iracema, as águas não são as melhores para banhos. A praia do Futuro, que a Deus pertence, e, sobretudo, outras das redondezas cumprem bem melhor essa função. Porém, em Fortaleza, mesmo não lavando o corpo, pode sempre lavar-se a vista – e a alma. É o que acontece na Beira-Mar quando, de repente, na mesa ao lado, debaixo das castanholas (árvores muito comuns aqui), duas mulheres e um homem fazem maravilhas com um simples cavaquinho que passa de mão em mão.

Vista de Fortaleza.

Por fim, e como não podia deixar de ser, o Pirata. O espaço e a maioria das pessoas são bonitos. A música, se tivermos em conta que serve, ali, essencialmente para dançar, é excelente e a quadrilha junina que se apresenta a rigor é deslumbrante – a sua actuação foi uma agradabilíssima surpresa. E apesar da ordem ser dançar, dançar, dançar, ainda se pode petiscar ali com qualidade: a carne de sol que degustámos estava mesmo muito boa! A gastronomia popular não é, porém, maravilhosa nem muito diversificada em Fortaleza, e não difere muito da de outras zonas do Nordeste: peixe frito, arroz, feijão (aqui é comum o “baião-de-dois”: o feijão vem já misturado no arroz, aos que se acrescentam ainda queijo, creme de leite salgado e salsa ), carne de sol, água de coco, paçoca, tapioca, mandioca, lagosta, camarão. Pena que algum do camarão seja de viveiro (aqui dizem “cativeiro”) e que, apesar de por vezes ser grande e de bom aspecto, não tenha sabor a mar, o que é, de facto, bastante frustrante. Não se compreende também como, com tanto mar à volta, a maioria dos restaurantes serve tilápia, um peixe de rio, e, ainda por cima, a preços exorbitantes. Isto acontece, porém, sobretudo nos locais mais turísticos; comemos muito bem quando deambulámos pelos restaurantes frequentados pelos residentes.

Teatro José de Alencar.

Fortaleza é ainda uma cidade onde se pode passear agradavelmente pelo centro histórico. Aqui estão localizadas as construções mais bonitas, as principais praças e jardins, e o comércio tradicional, como naturalmente seria expectável. As pessoas são simpáticas, acessíveis e alegres. Construções como a Catedral Metropolitana, o Mercado dos Pinhões, o conjunto do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura, o Mercado Central e, sobretudo, o lindíssimo teatro José de Alencar, entre outros, valem bem uma visita.

Numa semana os sentidos saciam-se plenamente em Fortaleza, uma das mais interessantes cidades no Nordeste do Brasil.

*************************************************