AO90

Algumas considerações sobre o tão badalado e tão atacado Acordo Ortográfico de 1990 (adiante “AO90”), que entrou em vigor, no Brasil e em Portugal, em 2009, no momento em que uma nova investida está patente em alguns artigos na blogosfera e nos jornais, desta vez à boleia da recente decisão da Presidente do Brasil, Dilma Rousseff, de adiar para 2016 a aplicação plena do AO90.

1 – Jamais se produzirá um Acordo Ortográfico que seja do agrado de todos e jamais se produzirá um acordo perfeito ou completamente coerente, sem qualquer ponto polémico.  Daqui se deduz que, fosse qual fosse o AO90, haveria sempre quem o contestasse. Porém, a maioria dos erros apontados, inclusive muitos que pretendem caricaturar o AO90 – como é o caso, entre outros, de “o cagado anda de fato na praia” – são falsos. Não sendo eu especialista, remeto os interessados para um sítio onde poderão, provavelmente, esclarecer algumas dúvidas: http://emportuguezgrande.blogspot.com.br/%5B1%5D. Dado que os argumentos técnicos estão suportados até a exaustão nos conteúdos dos “links” que aqui apresento, remeter-me-ei a outros aspetos e dimensões do problema.

2 – A discussão sobre o AO90 não deve restringir-se às questões técnico-científicas, apesar da inquestionável importância destas, mas estender-se a outras mais abrangentes e relevantes: políticas, sobretudo, mas também sociais e culturais, entre outras. Embora no caso do AO90, como se sabe, não tenha havido um escrutínio popular sobre o assunto[2], o princípio geral deve ser o de que os especialistas servem para nos ajudar a decidir, não para decidirem por nós. Como afirmou Péricles, ” se só alguns estão aptos a gizar uma política, todos são capazes de a julgar”. Todos temos o direito – e o dever – de formar uma opinião, porque, afinal, a língua é de nós todos.

3 – Os especialistas[3] não são, portanto, os donos da língua, mesmo que através de algumas opiniões – como as evidenciadas por sumidades como Vasco da Graça Moura – tentem fazer-nos crer o contrário. E se é verdade que a Língua Portuguesa não é património dos especialistas, é igualmente verdade que não é também património exclusivo de Portugal ou de qualquer outro país. A Língua Portuguesa é património de todos os que a usam, seja qual for a sua nacionalidade.

4 – O conteúdo do ponto anterior será, sem dúvida, melhor entendido por aqueles que falam, ouvem, escrevem e leem não apenas em português de Portugal (ou de outro qualquer país lusófono), mas também no de outros países, mormente aqueles que, por razões diversas, viajam pelo mundo da lusofonia e, sobretudo, aqueles que aprenderam a amar as culturas desses mesmos países e não consideram a cultura do seu país superior às dos outros.

5 – O AO90 é mais vantajoso para Portugal do que para o Brasil. É óbvio que a relevância relativa da nossa Língua é maior se tiver 250 milhões de falantes (inclui-se neste número aproximado todos os lusófonos do mundo) do que 10 ou 11 milhões. É uma estupidez pensar que os brasileiros nos querem impor as suas regras. A polémica sobre o AO90 é muitíssimo menor no Brasil do que em Portugal. E, ao contrário do que o oportunismo de Vasco Graça Moura sugere, o adiamento da aplicação plena do AO90, no Brasil, para 1 de janeiro de 2016 (afinal, em consonância com Portugal) não representa uma “reviravolta” na posição dos brasileiros. No Brasil, toda a comunicação social, todos os orgãos do poder político, todos os concursos públicos, todas as editoras e todos os estabelecimentos de ensino já adotaram o AO90.

6 – É um erro transformar a discussão sobre o AO90 numa guerra entre Portugal e Brasil. Mas é isso que Vasco Graça Moura faz quando escreve, por exemplo, “haverá sempre umas baratas tontas disponíveis para se sujeitarem ao que quer que o Brasil venha a resolver” ou “o Acordo Ortográfico é tão mal feito que nem o Brasil o aceita” ou, ainda, “se Portugal nada fizer, o comando das operações ficará nas mãos do Brasil”[4]. Brasil que, claro, também tem os seus (poucos) guerreiros, como é o caso de um tal Felipe Lindoso[5]. Estes, ao contrário de VGM, acham que são os portugueses que querem impor as suas leis. E, como numa guerra vale tudo, o recurso às mentira, demagogia e ameaça é frequente de ambos os lados. Ora, um acordo, como toda a gente sabe, implica tolerância, compromisso e responsabilidade. E não se trata de uma originalidade dos países lusófonos, outras línguas passaram recentemente por reformas ortográficas: o alemão em 1996; o neerlandês em 1996 e 2006; o espanhol em 2010; o francês em 1990, aplicando-a, como nós, só agora.

7 – Os detratores portugueses do AO90 deveriam observar também que forma tão indesejada de escrever é já, em larga medida, paticada por escritores como Rubem Fonseca, Lygia Fagundes Telles, Nelida Piñon, Dalton Trevisan, só para citar alguns grandes brasileiros, vivos. E, já agora, que Fernão Lopes, Camões, Fernando Pessoa e Mário Cesariny escreveram de formas diferentes na mesma língua – o português – só para citar alguns grandes escritores portugueses desaparecidos[6]. Isto para dizer o óbvio: a Língua não é uma coisa estática, evolui ou, para quem não queira ver as mudanças como evolução, simplesmente muda, se transforma, pelas mais variadas razões.

8 – Posto isto, talvez cheguemos à razão principal da oposição ao AO90: a resistência à mudança. Uma resistência já constatada por Wittgenstein quando escreveu: “Pensa no mal-estar que se sente quando a ortografia de uma palavra é alterada. (E nos sentimentos ainda mais profundos que foram suscitados por questões de caligrafia)”[7]. É esta resistência à mudança que está na base da atitude conservadora de alguns, atitude que, a generalizar-se, poderá conduzir mais rapidamente[8] à desintegração da Língua Portuguesa no mundo. As posições empedernidas mostram que quem é contra o AO90 será até morrer. Eu sou a favor. A mim, interessa-me manter e aprofundar a internacionalidade do português. Dentro de dez anos, todo o ruído agora provocado pelos opositores ao AO90 desaparecerá na poeira do tempo[9],[10].

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[1] Sobre as comparações entre os casos da língua inglesa e da portuguesa, ver:

http://ciberduvidas.pt/textos/controversias/11324

[2] Aos que reclamam não terem sido ouvidos sobre o AO90 convém recordar-lhes que este faz parte de uma política prosseguida por governos democraticamente eleitos e que desde a sua assinatura em 1990, todos os responsáveis políticos eleitos em Portugal o apoiaram e incluíram várias vezes nos programas eleitorais que levaram a sufrágio.

[3]  Os especialistas veem-se frequentemente como autoridades únicas e máximas, e esta perspetiva pode ser caracterizada como “especialismo” – uma doença, cada vez mais comum, que não se restringe à linguística, mas que alastra a todos os ramos do conhecimento. A tendência do especialismo é a de fechar-se sobre si próprio, rejeitando todo e qualquer argumento vindo do exterior. Felizmente, alguns especialistas não sofrem desta doença.

[4] Ver artigos no Diário de Notícias de 02/01/2013, e no mesmo jornal do dia 09/01/2013, ambos p. 54.

[5] http://www.publishnews.com.br/telas/colunas/detalhes.aspx?id=71969.

[6] Realço, também, já que se fala de Literatura, ou seja, de uma forma de expressão artística, que muitos artistas – incluindo muitos escritores – não são especialistas, no sentido académico do termo, e isso não impede que alguns deles sejam geniais. A história é até fértil em criadores que subverteram as regras do seu tempo, cometendo, do ponto de vista dos especialistas seus contemporâneos, autênticas heresias. Algumas delas, porém, estão hoje entre as maiores obras da humanidade.

[7] Ludwig Wittgenstein, Tratado Lógico-Filosófico/Investigações Filosóficas, Fundação Calouste Gulbenkian, p. 295.

[8] A autonomia do português do Brasil, de Angola ou de qualquer outro é, a prazo, uma inevitabilidade.

[9] Gostava de deixar, por último, um texto excelente de Henrique Monteiro, sobre o AO90, publicado no Expresso de 22 de fevereiro de 2012 e dedicado, precisamente, a Vasco Graça Moura. Não poderia estar mais de acordo: http://expresso.sapo.pt/o-acordo-20-anos-depois=f706306.

[10] Dada a sua relevância, remeto ainda, a posteriori, para um texto, também publicado no Expresso, em 2 de março de 2013, por Margarita Correia: http://www.ciberduvidas.com/textos/acordo/13941.

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2012 – Uma Espécie de Balanço

Depois da descoberta das partículas sub-atómicas, vivemos num mundo onde imperam a probabilidade e a estatística. O mundo natural é indeterminista; e, curiosamente ou não, o mundo social também. Só uma ditadura pode ser determinista e, mesmo assim, até certo ponto. A democracia é, sem dúvida, indeterminista.

Em termos simples, pode dizer-se que, num mundo indeterminista, nada pode prever-se com precisão – prevalecem as probabilidades, as médias, os arredondamentos. Na política, ao determinismo dos extremos, sejam de direita ou de esquerda, opõe-se o indeterminismo do centro, uma espécie de tendência estatística para a média, como na lei dos grandes números [1]. Claro que há uma pequena probabilidade de haver uma ocorrência fora da curva [2]. Isso dependerá, essencialmente, das “condições objectivas” [3] de um dado momento. A votação em Hitler foi um desse momentos: um raro – e trágico – evento.

Em geral, porém, seja no nosso ou em qualquer outro país, a tendência, propensão ou probabilidade é que a maioria das pessoas vote no chamado “centrão”. Os anglo-saxónicos, com seu sentido prático, sabendo disto, poupam tempo, dinheiro e paciência com seu bipartidarismo de há centenas de anos. De uma penada, evitam distorções, coligações e mais tachos.

Esta evidência do indeterminismo na vida social foi algo que cresceu rapidamente com a globalização. O debate, a circulação de ideias, a simples opinião aumentaram notoriamente com o advento da internet e, sobretudo, com as chamadas redes sociais, fazendo com que as decisões políticas sejam hoje escrutinadas praticamente em tempo real.

Mas, agora mais que nunca, num mundo ameaçado por uma crise grave, cujas causas e consequências as teorias de esquerda denunciam tão claramente, o que levará, ainda assim, as pessoas a optar pelo centrão? Mais: o que leva um país, onde vigora há décadas um dos melhores sistemas sociais do mundo, como é o caso da Suécia, a querer mudar para uma sociedade mais liberal, teoricamente bem mais incerta? Haverá mesmo uma tendência social – acompanhando o que acontece nas outras ciências [4] – para o indeterminismo?

Eu acredito que sim. E acredito também que isso acontece, não porque as pessoas sejam estúpidas [5]. Quanto a mim, a razão principal não reside numa influência exterior, mas dentro delas. Talvez mais do que na Ciência Política, encontremos pistas na Psicologia e na Filosofia [6]. Trata-se de aceitar (aquilo que é) e de interpretar (aquilo que gostaríamos que fosse) a realidade. Aqui reside, nos subtis mecanismos internos das aceitação e interpretação, a tendência humana para o voto ao centro. Talvez, quem sabe, uma tendência secreta das massas para o realismo [7], para uma queda dentro da curva…

Posto isto, eu que nunca votei no PSD (outrora PPD) nem no CDS, tenho de reconhecer uma coisa. O atual primeiro-ministro, apesar do coro de protestos, insultos e insinuações, está a percorrer o seu caminho, afinal, o caminho traçado pela Troika, depois do célebre resgate, já que é esta quem define a política económica do nosso país. A única alternativa de Passos Coelho seria convencer espanhóis, italianos, irlandeses e, eventualmente, franceses de que as condições impostas pela Troika têm de ser alteradas, suavizadas e que, para isso, alemães (sobretudo) e outros países do norte da Europa têm de se mostrar mais solidários. Isso é possível de realizar, simplesmente porque seria melhor do que um desmembramento de consequências imprevisíveis, onde certamente todos perderiam, e muito. Até agora, porém, nenhum líder mostrou ter coragem suficiente para enveredar por este caminho, nem mesmo aqueles de países de maior dimensão e peso, e de famílias políticas bem mais distantes de Merkel do que Passos Coelho [8].

Claro que, tal como todos os que o antecederam, Passos não cumpriu uma série de promessas. Nisso, realmente, ele não se distingue dos demais. Mas destaca-se pelas postura, determinação e caráter – mesmo se levarmos em conta (e temos de levar) as más companhias, como é o caso clamoroso de Miguel Relvas.

Além disso, a missão de Passos é patriótica, pois, neste momento, ninguém está verdadeiramente interessado em pegar no país. Não concordo com a sua política, mas ela enquadra-se numa ideologia liberal que ele sempre defendeu, não constitui novidade. E é por isso que não é expectável (nem está minimamente ao seu alcance) uma contribuição sua para aquilo que seria a verdadeira solução do problema europeu: uma inversão da política alemã e do seu braço financeiro, o BCE. Para isso teriam de abandonar este caminho de austeridade sem saída, que só leva a mais e mais recessão.

É bem possível que o diagnóstico sobre Portugal piore em 2013, pelo menos em parte. Mas eu ainda não ouvi, ou li, qualquer proposta alternativa (e realista) que me fizesse crer na existência de um caminho substancialmente melhor, a não ser o que apontei acima. Era por ele que se deveria bater, sem desvios, uma oposição credível. Pior que o desgoverno de Coelho, só a total ausência de uma verdadeira alternativa.

Aquilo que eu gostaria que fosse não resiste à evidência daquilo que é.

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Notas:

[1] A lei dos grandes números diz-nos que quanto maior for uma série de eventos aleatórios, mais certa se torna a média esperada. O exemplo clássico é o do lançamento de uma moeda: num número suficientemente grande de lançamentos a tendência será para que se registe 50% para cada uma das possibilidades (cara ou coroa).

[2] Os eventos aleatórios são muitas vezes representados graficamente numa curva de sino. Os eventos esperados caem dentro da curva. Mas há sempre uma probabilidade, ainda que ínfima, de uma ocorrência inesperada. Por exemplo, em mil lançamentos saírem 900 coroas e apenas 100 caras ou, mais raro ainda, 990 coroas e 10 caras (ou vice-versa).

[3] “condições objectivas” é uma expressão cara aos marxistas e demonstrativa de seu espírito determinista.

[4] Toda a ciência contemporânea (e a consequente parafernália técnica, incluindo os poderosos computadores atuais) se baseia nos princípios indeterministas.

[5] Acontece que muitas vezes se chamam as pessoas de estúpidas, indiretamente. É como eu vejo, por exemplo, quando se diz que as pessoas votaram em determinado partido porque foram enganadas pela “propaganda” e/ou pelas “mentiras” desse mesmo partido.

[6] Não tem a filosofia como objeto, em última análise, o homem? A resposta, afirmativa, é dada por Kant.

[7] Não será por acaso que muitos intelectuais, sobretudo de esquerda, reivindicam o direito ao sonho e à utopia. Por outro lado, realismo e indeterminismo não são de forma alguma incompatíveis.

[8] François Hollande representa a maior desilusão quando pensamos numa real oposição à política europeia de Merkel.

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A Ideia de Justiça

Sen
Amartya Sen

A edição original é de 2009, pela Penguin Books, Grã-Bretanha, e a edição que temos em mãos é de 2012, Companhia das Letras, Brasil.

Nesta categoria (“Livros”), a nossa ideia é mais de divulgação do que de crítica. Entretanto, eis a nossa síntese de “A Ideia de Justiça” em seis linhas-mestras.

1- A ideia de justiça deve ser sobretudo uma prática;

2- Os comportamentos são mais importantes do que instituições e regras;

3-  A uma estrutura “transcendental” devemos opor uma estrutura comparativa;

4- A uma perspetiva paroquial devemos opor uma visão universalista;

5- O IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) é mais importante que o PIB (Produto Interno Bruto) para o desenvolvimento de um país;

6- É muito importante trabalhar as “capacidades” – em vez de basearmos a realização do indivíduo no rendimento, devemos baseá-la na perspetiva de lhe proporcionar autonomia, para que ele tenha oportunidade e liberdade de optar por empreendimentos que o realizem enquanto ser humano e não apenas enquanto assalariado/consumidor.

Além disto (o livro é todo baseado em dicotomias, que revelam duas visões opostas sobre a justiça), os exemplos históricos mencionados por Sen são muito interessantes, sobretudo a abordagem à cultura oriental, nomeadamente a indiana, de onde Amartya Sen é oriundo. Estamos de acordo com Sen – pouco importa ter leis muito avançadas se não tivermos pessoas educadas e esclarecidas para as pôr em prática. A ação (praxis) é que importa ou, por outras (e nossas) palavras, mais vale minimizar efetivamente a injustiça, do que maximizar uma justiça que fica apenas no papel.

E daqui partima para uma crítica simples, que é, afinal, apenas um reparo. É que sobre este assunto – acho nós- é impossível ignorar um filósofo como Karl Popper. (É curioso notar que Amartya Sen refere ter sido primeiro matemático, depois físico, economista e, por último, filósofo). O tema da justiça é caríssimo, como não poderia deixar de ser, a Popper. Não interessa agora para o caso o que este autor pensa sobre o assunto, mas, pode dizer-se, está, substancialmente, em linha com a visão de Sen.

Neste livro, Sen cita cerca de 700 autores (além de 450 nos “Agradecimentos”), mas nem uma única vez Popper. No meio de tanta erudição, será Popper um filósofo desconhecido? Ou, sendo conhecido, apenas desprezado?

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A nossa edição:

Amartya Sen, A Ideia de Justiça, Editora Companhia das Letras, 1ª edição, São Paulo, 2012.

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Foto retirada de www.scoopwhoop.com

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Ranking dos 10 políticos portugueses mais detestáveis

1º Cavaco Silva,”O Conspirador”

2º Francisco Louçã, “O Moralista”

3º Miguel Relvas, “O Hedonista”

4º Paulo Portas, “O Oportunista”

5º Passos Coelho, “O Liberal”

6º Alberto João Jardim, “O Troglodita”

7º Marcelo Rebelo de Sousa, “O Quadrilheiro”

8º Nuno Melo, “O Malandreco”

9º Bernardino Soares, “O Ortodoxo”

10º Manuel Maria Carrilho, “O Cínico”

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Face à classificação de há 5 meses (29/05/2012), releva o seguinte: entrada directa, para o 5º lugar, de Passos Coelho; manutenção firme nos dois primeiros lugares de Cavaco e Louçã; subidas de Relvas ao terceiro posto e Portas ao quarto; saída de Pacheco Pereira.

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Fama

Todos precisam de reconhecimento, mas nenhum génio sonha com a fama.

Quem já sentiu, como eu, essa sensação estranha de conhecer um “artista” — pintor, poeta, escritor, músico — que carece manifestamente de talento, mas que nos invade com sua obra, confiante, seguro de si, ostensivo na sua ânsia de reconhecimento e de sucesso? Claro que a auto-confiança é positiva e todos têm, afinal, o direito de exprimir e divulgar seus trabalhos da forma que melhor lhes aprouver. Mas nós? A nossa opinião, evidentemente subjetiva e eventualmente errada, deve ser emitida com sinceridade ou devemos fingir que aquele projeto é magnífico e incentivar o(a) nosso(a) artista a seguir em frente? Ou nem uma coisa nem outra — algo que, suspeito, seja o mais comum? Por que será que alguns verdadeiros talentos detestam a notoriedade e duvidam de si próprios enquanto outros de talento mais que duvidoso querem a fama e estão convencidos de conquistá-la? Fernando Pessoa, por exemplo, detestava ser conhecido, ele que foi um génio, e queria viver como alguém comum. Por outro lado, pessoas comuns querem ser génios famosos. Ele viveu infeliz, inseguro, solitário mas deixou-nos um tesouro. Outros vivem contentes, felizes e iludidos e deixam-nos algo que se resume a nada.
O que será preferível: um tolo feliz ou um génio frustrado? Não sei. Mas acho curioso que se juntem neste filme trágico-cómico que é a vida, atores tão diversos e simultaneamente tão próximos nas contradições humanas. E, no meio disto, eu, que me empolgo com coisas insignificantes, pergunto a mim próprio quantas vezes fui, e quantas vezes serei ainda, ridículo e só encontro uma resposta: muitas, inúmeras, incontáveis vezes.

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Porque deixei de ser marxista

Marx contou sempre com o apoio de Engels para o seu projeto.

Não me recordo exatamente em qual dia, mas foi numa data importante, numa noite em que o Partido Comunista encheu o Campo Pequeno. Eu deveria ter 17 ou 18 anos, no máximo, foi em 1975 ou 1976. Um amigo, bastante mais velho, com quem conversava, regular e apaixonadamente, sobre a política efervescente da época, militante do PCP, levou-me com ele. Lembro-me de estar no meio de uma multidão enorme, com uma braçadeira vermelha colocada; lembro-me da força daquela multidão, do som ensurdecedor que se produzia quando gritávamos as palavras de ordem em uníssono. Eu já havia experimentado aquela sensação de força, por exemplo no 25 de abril, mas ali, além desse sensação agradável, senti também uma outra que me assustou. Na verdade, para ser sincero, aterrorizou-me. Senti-me anulado por aquela força coletiva – um átomo apenas, que se anima na mesma direção de todos os outros; uma gota diluída numa corrente, sem qualquer possibilidade de escape. Alguém que se opusesse de alguma forma ao que ali se passava seria pura e simplesmente esmagado. Isso foi óbvio para mim. Naquela altura eu ainda não lera Marx, mas o que senti foi suficiente para que me interrogasse sobre as minhas ideias.
Em primeiro lugar, interroguei-me se queria ser um “coletivista”. E por mais voltas que desse, a resposta interior era sempre “não”. Era sobretudo uma intuição. Eu não sabia muito bem explicar porquê. Mas o coletivismo assustava-me. Só mais tarde percebi que o que se opõe ao coletivismo é o individualismo. Eu era, de facto, e por natureza, um individualista. Infelizmente, esta palavra tem ainda hoje uma conotação negativa, de tal forma que muito boa gente, sendo politicamente individualista, tem quase (ou tem mesmo) vergonha de o dizer. Tal facto deriva de um equívoco: o de se confundir “individualismo” com “egoísmo”. Porém, o que se opõe ao egoísmo não é o coletivismo, é o altruísmo. Assim, uma pessoa pode perfeitamente ser coletivista e egoísta ou ser individualista e altruísta. Esta distinção, que me parece de uma lógica irrefutável, não poderia sair, obviamente, de uma cabeça pobre como a minha, fê-la um senhor chamado Karl Raimund Popper. Mas foi muito importante para me sentir melhor com a minha irritante intuição. Depois, com o tempo, acabei por perceber que as sociedades coletivistas são também sociedades totalitárias. Não poderia ser de outra maneira, uma vez que as ideologias coletivistas sobrevalorizam o todo (chamemos-lhe sociedade, coletividade, organismo, nação, estado, as terminologias são pouco importantes) em detrimento do indivíduo – e é nisso que reside a sua “superioridade” – uma entidade infinitamente mais poderosa e perfeita que o mero indivíduo, sendo que este apenas deve servir essa organização social superior. Essa aspiração totalitária e coletivista uniu, como se sabe, ideologias tão diversas como o marxismo e o nazismo. Não nego que a doutrina marxista tenha aspetos positivos. Marx foi um pensador ilustríssimo, extremamente útil no contexto histórico da sua época, mesmo que a sua teoria seja, desde há muito, anacrónica. De facto, nem mesmo as teorias das ciências exatas resistem ao tempo. Poderá uma teoria social, lidando com variáveis imprevisíveis como “homem” e “poder”, fazê-lo? É evidente que não. A presunção de conhecimento sobre a natureza humana é, aliás, o elemento mais perigoso da teoria de Marx. Uma presunção que conduziu os povos, onde os comunistas conquistaram o poder, às purgas, aos trabalhos forçados, às torturas, aos assassinatos de muitos milhões de indivíduos. Uma história trágica que só um crente pode justificar. É por isso que o comunismo é uma religião que desde o fim da minha adolescência até hoje, e suponho que para sempre, deixou de me convencer.

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Foto retirada de: gsetaoeducacional.com.br.

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Cavaco

Perguntavamo-nos algumas vezes por que razão alguém apoiaria uma pessoa que a nós parecia tão notoriamente inadequada para Chefe de Estado. Demorou algum tempo, porém, até percebermos que esta questão está mal colocada. Haverá sempre alguém que goste de pessoas que nos parecem execráveis, e vice-versa. A verdadeira questão não é essa. O importante é saber por que razão a Esquerda (e nós somos de Esquerda e nunca votámos no Sr. Silva) não soube angariar um candidato que galvanizasse as pessoas, que as fizesse não optarem por Cavaco – pois é evidente que, se elas votaram em Cavaco, é porque não tinham alternativa melhor. E a resposta é só uma: a Esquerda, apesar de toda a propaganda, está-se nas tintas para o povo. Esta afirmação pode constituir alguma surpresa, mas só para quem ande muito distraído. Desde o 25 de abril que a Esquerda coloca acima do povo – de quem apregoa ser a principal e, mesmo, única defensora – a ideologia, a estratégia e a rigidez de princípios. Esta falta de flexibilidade é aproveitada, e bem, pela Direita, que se une, no essencial, quando é preciso, como aconteceu nas duas eleições de Cavaco Silva.

Outro grande problema da Esquerda mais conservadora (ou, se preferirem, ortodoxa) traduz-se na incapacidade de autocrítica. Evidentemente, não assume qualquer responsabilidade pelo desastre que Cavaco representa para o país. Essa incapacidade de autocrítica impede a Esquerda de melhorar e afasta-a do povo.

E o povo responde afastando-se dela.

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Foto retirada de: https://www.comunidadeculturaearte.com/cavaco-silva-anda-a-explorar-a-netflix-e-gostou-imenso-da-serie-the-crown/

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Os Ricos

Está na moda, de novo, bater nos ricos. Belmiro de Azevedo e Américo Amorim, entre outros, são ricos. Isto é quase tudo o que sei sobre eles. Será o suficiente para os detestar? E, por outro lado, “rico” foi, é ou será sinónimo de “pulha”? Eu diria que “não” a estas duas perguntas, também por duas razões. A primeira, geral, porque pulhas existem e existirão sempre entre pobres, ricos e remediados. A segunda,  mais concreta, porque existem ricos que são nobres, bondosos e altruístas.

Não me darei ao trabalho de citar exemplos, sempre demasiado subjectivos, nesta matéria. Acrescentarei apenas que a nobreza ou vileza de carácter não se mede pelo dinheiro ou bens que se possuem. Uma boa medida para avaliação seria, talvez, a análise da forma como nos relacionamos com o próximo.

“Próximo”, como o termo indica, podem ser os nossos filho, pai, vizinho, amigo, colega ou periquito. Se amarmos o próximo, será mais provável que amemos também a sociedade, o mundo e até o universo. De facto, eu tenho as maiores dúvidas sobre aquele, seja qual for a sua condição social, que tem as mais belas ideias sobre o mundo, mas maltrata seu cão.

À parte a inveja que provoca em alguns seres completamente insuspeitos, a riqueza, em si mesma, não é má. Má, vil e inútil continuará a ser, sempre, a estupidez.

Dado que não é realisticamente possível eliminar quer a riqueza quer a estupidez, a separação entre ambas constitui, na minha perspectiva, um dos pilares de um mundo minimamente decente. A sua junção, essa sim, constituiria — constituirá sempre — o desastre completo.

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Ranking dos 10 políticos portugueses mais detestáveis

1º- Cavaco Silva “O Conspirador”

2º- Francisco Louçã “O Moralista”

3º- Alberto João Jardim “O Troglodita”

4º- Nuno Melo “O Malandreco”

5º- Manuel Maria Carrilho “O Cínico”

6º- José Pacheco Pereira “O Convencido”

7º- Bernardino Soares “O Ortodoxo”

8º- Miguel Relvas “O Hedonista”

9º- Marcelo Rebelo de Sousa “O Quadrilheiro”

10º- Paulo Portas “O Oportunista”

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