
No Centro Europeu de Pesquisa Nuclear (CERN), cientistas de todo o mundo estudam o exótico mundo subatómico das partículas elementares, tentando perceber o que aconteceu nos primeiros momentos do universo. O principal instrumento para o efeito é um anel subterrâneo de 27 kms de circunferência chamado Large Hadron Collider (LHC), o maior colisor de partículas do mundo, ao serviço desde 20081. No seu interior dois feixes de partículas (normalmente protões2, mas também iões de chumbo, que são hadrões), guiados por fortes campos magnéticos3, viajam, em direções opostas, a uma velocidade próxima da velocidade da luz (0,999999991 c). Após muitíssimas voltas, mais de 11.000 por segundo, quando atingem a energia máxima, os protões chocam em um dos quatro pontos de colisão4, ao longo do tubo.5
Num acelerador, as partículas circulam no vácuo, e o vácuo no tubo de feixe do LHC é super elevado para evitar as colisões com moléculas de gás. A pressão nos tubos de feixe do LHC será cerca de cem vezes menor do que na lua. Trata-se do espaço mais vazio do sistema solar.

Cada vez que dois feixes de protões6 se encontram, alguns protões colidem com energia muito elevada: estes são os vértices primários. A partir desses vértices primários, vértices secundários são criados e assim sucessivamente. Apenas as colisões mais energéticas (os “vértices primários”) são geralmente consideradas e selecionadas pelos chamados “algoritmos de reconstrução”.
Nos pontos de colisão existem grandes detetores, ligados por milhares de cabos7 a um sistema de leitura eletrónica.8 Assim que um impulso é registado, o sistema grava a hora e o local exatos e envia informações para centenas de computadores que trabalham em simultâneo para combinar as informações. Em frações de segundo, o sistema decide se um evento é interessante ou não.
As partículas pesadas que, previsivelmente, resultem das colisões no LHC têm vida muito curta, decaindo rapidamente em partículas conhecidas mais leves. Algumas destas – muões, fotões e eletrões, mas também protões, neutrões e outras – voam através do detetor a uma velocidade próxima da velocidade da luz. Os detetores usam estas partículas mais leves para deduzirem a breve existência das partículas novas e pesadas.9

A dissociação das partículas requer energias elevadíssimas e a unidade de energia convencionada para especificar a capacidade de um acelerador de partículas é o eletrão-volt (eV). As colisões no LHC podem atingir os 14 triliões eV, ou seja, 7TeV por protão. (A massa de um protão corresponde à energia de mil milhões eV). O consumo de energia que o funcionamento do LHC exige é tal que, de uma subestação em França, seguem duas linhas de alta tensão (400 Kv) diretamente para o CERN. Um fornecimento de emergência (130 Kv) pode ser disponibilizado pela rede suíça, garantindo o funcionamento dos serviços gerais e dos sistemas de segurança, caso ocorra alguma falha. A fatura elétrica anual ronda os 50 milhões de euros. O custo de construção do LHC rondou os 3000 milhões de euros.
No CERN há também um desacelerador antiprotão dedicado ao estudo da antimatéria. (Quando a matéria e a antimatéria se encontram aniquilam-se para produzir energia). Em 1995, foram aqui criados, artificialmente, anti-átomos.

Mas os cientistas que trabalham nestas instalações não se dedicam apenas ao estudo do que se passou antes do primeiro segundo do Universo. A física das partículas tem permitido avanços espetaculares em várias áreas científicas como, por exemplo, na medicina, embora talvez a tecnologia mais conhecida desenvolvida no CERN seja a World Wide Web10, inventada em 1989 para que um número cada vez maior de cientistas partilhasse informações. Só nos últimos dez anos de funcionamento do LHC, os cientistas descobriram 59 hadrões diferentes,11 e confirmaram, ainda que provisoriamente, a existência do Bosão de Higgs12.
São praticamente incontáveis as descobertas que ocorreram no CERN ao longo dos anos. Vários dos cientistas que aqui trabalharam receberam o Nobel da Física. Esta instituição vem cumprindo, ao longo dos últimos 67 anos, o sonho dos pais fundadores13, que foi o de devolver à Europa, após a II Guerra Mundial, o estatuto de região vanguardista em ciência, a nível global.
O Centro Europeu de Pesquisa Nuclear está situado na Suíça, no cantão de Genebra, a menos de 1 km de França. Visitá-lo é uma experiência inesquecível. E gratuita. A exposição “Microcosmos” abre às 8h e encerra às 17:30h. As visitas guiadas (máximo 24 pessoas) ocorrem por ordem de chegada, não há marcações. Nós estávamos lá antes das 8 da manhã.

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Notas:
1 Os “colisores” atuais, como o LHC, em que dois feixes de partículas, viajando em direções contrárias, colidem, têm grandes vantagens, pois obtêm energias muitíssimo mais elevadas, relativamente aos “aceleradores” anteriores, em que as partículas colidiam com um alvo fixo. Além disso, o tamanho do colisor está diretamente relacionado com a energia máxima que pode ser obtida. O tamanho exato do LHC é de 26.659 metros.
2 Para “fazer” protões, os físicos injetam hidrogénio gasoso num cilindro de metal, chamado Duoplasmatrom, envolvendo-o em seguida com um campo elétrico para separar o gás nos seus eletrões e protões constituintes. Este processo produz cerca de 70% de protões.
3 Este campo magnético é obtido por meio de ímans supercondutores, construídos a partir de bobinas de cabo elétrico supercondutor que opera sob temperatura muito baixa (cerca de -271º C), inferior à do espaço sideral. Por isso, grande parte do acelerador está ligado a um sistema de distribuição de hélio líquido, que resfria os ímans, bem como outros serviços de abastecimento. O hélio deve fluir sempre e ser resfriado constantemente, retirando todo o calor. O sistema tem de ser capaz de manter constantemente o hélio a baixa temperatura. São precisas 5.000 toneladas de hélio neste íman gigante, o mesmo que a quantidade produzida anualmente em todo o mundo.
4 Esses quatro pontos de deteção têm a seguinte designação: ATLAS; CMS; LHCb; e ALICE. Há ainda dois pontos de colisão mais pequenos: TOTEM e LHCf.
5 Existem oito elevadores que permitem o acesso ao túnel, situado cem metros abaixo do solo, e o trajeto demora cerca de um minuto. Uma vez no túnel, os cientistas e técnicos deslocam-se de bicicleta para circularem ao redor deste, entre os oito pontos de acesso. O LHC é operado automaticamente a partir de uma sala de controlo e, desde que esteja em funcionamento, os técnicos só têm acesso ao túnel para trabalhos de manutenção.
6 Os feixes são consecutivos, separados por 7,5 metros, e têm forma cilíndrica, com 7,48 cm de comprimento e apenas um milímetro de largura, quando estão longe de um ponto de colisão. A sua duração é de 10 horas.
7 Cada um dos filamentos supercondutores (de titânio-nióbio) dentro dos cabos tem cerca de 0,006 mm de espessura, sendo dez vezes mais fino que um cabelo humano comum. Como curiosidade, refira-se que as maiores reservas mundiais de nióbio (mais de 90%) estão no Brasil.
8 A construção destes detetores resultam do que poderíamos chamar “inteligência de grupo”. Os cientistas que trabalham no centro de deteção compreendem a função do sistema, em geral, mas nenhum está familiarizado com os detalhes e funções específicas de cada parte. Os detetores podem ser comparados a enormes câmaras digitais tridimensionais que conseguem tirar até 40 milhões de instantâneos por segundo. Os detetores são construídos por camadas e cada camada possui uma funcionalidade diferente. As internas são menos densas e as externas mais densas e compactas.
9 Os eletrões são muito leves e perdem a energia rapidamente. Os protões, por seu turno, penetram mais nas camadas do detetor. Os muões são as únicas partículas que alcançam as camadas externas do detetor. Há ainda outras partículas que são medidas indiretamente, por exemplo, os neutrões que transferem a sua energia para os protões, sendo estes detetados. Os fotões não deixam rastro, mas, nos calorímetros (que também fazem parte dos detetores), cada fotão transforma-se num eletrão e num positrão, sendo estes então medidos.
10 Foi o cientista britânico a trabalhar no CERN, Tim Berners-Lee, quem, entre 1989 e 1990, inventou todas a ferramentas necessárias para a criação do sistema.
11 Sabe-se, desde 1964, quando Murray Gell-Mann e Georg Zweig propuseram, independentemente, o que é hoje conhecido como o modelo de quark, que os hadrões não são partículas elementares. Eles são compostos por quarks. O estudo de novas composições de quarks é ainda um campo em aberto na ciência das partículas.
12 O bosão de Higgs é uma partícula, detetada no LHC em 2012 e confirmada em 2013, que confere massa às outras partículas e que foi procurada por quase 50 anos (Peter Higgs, um cientista britânico propô-la em 1964). O bosão de Higgs valida o modelo-padrão atual de partículas. A partícula, detetada pelas equipas do ATLAS e também do CMS, interagia e decaía de acordo com o previsto pelo modelo-padrão, além de que, ainda que provisoriamente, se provou que tinha paridade positiva e spin nulo – o que indicava fortemente ser aquele o bosão de Higgs.
13 Os franceses Pierre Auger, Raoul Dautry, François de Rose e Lew Kowarski, o italiano Edoardo Amaldi, e o pai da chamada “Interpretação de Copenhaga”, o dinamarquês, Niels Bohr.
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Fontes:
- home.cern.
- https://www.lhc-closer.es.
- exposição microcosmos.
- visita guiada ao CERN.
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