Morreu, no último dia 5, Nelson Mandela. Como seria de esperar, um volume incomum de comentários e opiniões surgiu em todos os meios de comunicação social, após o seu desaparecimento. Tudo o que possa ser dito será, assim, recorrente. Arrisco, porém, o seguinte. Mandela figurará, como um grande vulto, na História da Humanidade por várias razões, mas, para mim, a razão maior da admiração generalizada de que é alvo resulta do facto de o próprio Nelson Mandela nunca se ter considerado um herói; considerava-se, pelo contrário, um ser falível, imperfeito, como outro qualquer. Sob este aspeto, pode ser comparado a outras personalidades, como Sócrates (o grego, evidentemente), Popper ou Einstein, todos homens que buscaram até o fim um caminho melhor, sem nunca terem a certeza de o ter encontrado, manifestando-se, nas suas dúvidas, falhanços e incertezas, tão humanos quanto nós. Com o seu exemplo, eles dão-nos força e alento para procurarmos nós próprios o nosso caminho e, não menos importante, dão-nos também a esperança de nos transformarmos, nessa busca, em seres humanos melhores. É por isto que Mandela — esse homem extraordinário que derrotou o ódio com o perdão, que nunca exigiu nada aos outros mas deu tudo de si próprio — foi e será amado pela generalidade dos que se debruçaram ou debruçarão sobre as suas vida e obra — por ser, afinal, um de nós.
Pormenor da t-shirt de Mia Kontkanen, finlandesa, participante do Congresso sobre o Cão d’Água Português.
Decorreu na última semana de setembro, durante cinco dias (de 25 a 29), o 1º Congresso Internacional do Cão de Água Português. O encontro deu-se em Tavira, Algarve, Portugal, e a maioria das atividades realizaram-se na Praia do Barril. Para além das demonstrações na água, várias comunicações foram feitas no auditório de Pedras d’El Rey[1]. Catorze países estiveram representados, para além de Portugal. Foi um evento muito interessante. Na praia do Barril pude comprovar as extraordinárias aptidões do cão d’água para a natação e para o mergulho. Uma das provas consistia na busca de um objecto colocado no fundo do mar. Alguns cães superaram esse difícil teste: quando não conseguiam à primeira, vinham à superfície respirar e tentavam de novo.
Demonstrações e concurso na Praia do Barril.
O cão d’água português é também conhecido, em Portugal, como cão d’água algarvio, pois era no Algarve que existia o maior número de exemplares, desde tempos remotos. Estes valorosos cães, de porte médio e pêlo encaracolado, embarcavam com os pescadores nos navios de pesca e realizavam uma série de utilíssimas tarefas: guiavam os cardumes para as redes dos pescadores[2]; recuperavam objetos perdidos no mar; apanhavam os peixes que se escapavam, indo buscá-los dentro de água; e salvavam pescadores que caíam ao mar[3].
O cão d’água português é uma raça extraordinária de “cães pescadores, corajosos e dóceis, inteligentes e combativos, afetuosos e alegres”[4]. Raul Brandão, na sua obra, “Os Pescadores”, referindo-se à faina do alto dos caíques de Olhão, escrevia o seguinte: “Tripulavam-no vinte e cinco homens e dois cães, que ganhavam tanto como os homens. Era uma raça de bichos peludos, atentos um a cada bordo, ao lado dos pescadores. Fugia o peixe ao alar da linha, saltava o cão ao mar e ia agarrá-lo ao meio da água, trazendo-o na boca para bordo”.[5]
Bo e Obama (revistameupet.com.br).
O amor que os pescadores devotam a este cão – sobretudo a Sul de Lisboa e na costa algarvia – está bem patente em testemunhos vários registados ao longo dos tempos. Trata-se de uma amizade ancestral. Os cães d’água, apesar do seu valor, nunca eram vendidos, mas sempre dados, porque se considerava que não tinham preço.
No século XX, devido ao advento de tecnologias modernas de pesca e de novos meios de comunicação, o número de cães d’água diminuiu drastricamente, chegando o “Guiness Book of Records”, em 1981, a considerar a raça – ao que parece com algum exagero – a mais rara do mundo. Isso trouxe mais visibilidade ao Cão d’Água e hoje, como o número de participantes neste congresso comprova, o futuro deste nobre animal parece garantido – pelo menos a médio prazo[6]. Na Casa Branca, em Washington, habitam uma fêmea e um macho cães d’água, que fazem as alegrias da família Obama e, claro, isto conferiu a esta raça ainda mais visibilidade…[7]
Por fim, o sucesso deste congresso indicia que, provavelmente, será apenas o primeiro de muitos. Talvez o próximo não se realize em Tavira, mas seja onde for, (quem sabe, no Brasil?), farei o possível por estar presente. O Cão d’Água é um animal extraordinário e merece a nossa admiração. E um povo marítimo só poderia ter, como fiel amigo, um cão amante do mar.
[2] Ver o artigo sobre Santa Catarina na categoria “Viagens e locais”, deste blog, onde se descreve como os botos (espécie de golfinho), em Laguna, também encaminham os cardumes para as redes dos pescadores.
[3] Numa entrevista dada a um orgão de comunicação social, um dos participantes do congresso, afirmou que está vivo graças a um cão d’água. Segundo ele, o seu pai foi salvo por um cão desta raça, quando tinha apenas oito anos de idade.
O fenómeno não é novo, e muitos se recordarão ainda de Jean Marie Le Pen, Jörg Haider ou Christoph Blocher [1], carismáticos líderes populistas, bastante ativos no cenário político europeu, ainda antes de entrarmos no século XXI. Apesar daqueles protagonistas se encontrarem agora fora de cena [2], a popularidade de partidos, movimentos e alas de extrema-direita tem vindo a aumentar nos últimos anos, no Velho Continente, e tem sido, na esmagadora maioria dos casos, legitimada pelo voto popular.
Na Holanda, por exemplo, o Partido pela Liberdade (PVV), liderado por Geert Wilders, obteve, nas eleições de 2010, 24% dos votos. Em França, a Frente Nacional, agora liderada por Marine Le Pen, conseguiu 18% dos votos na primeira volta das últimas eleições. Na Finlândia, o Partido dos Verdadeiros Finlandeses (Perussuomalaiset) arrecadou 19% dos votos nas eleições de 2011. Na Suécia, o Partido Democrata (o nome engana, pois trata-se de um partido de extrema-direita) obteve 5,8% dos votos nas últimas eleições, conseguindo assim entrar no parlamento. Na Hungria, o partido Jobbik conseguiu 43 dos 386 lugares do parlamento húngaro e é a terceira força política do país, explicitamente antissemita, chegando um dos seus deputados, Marton Gyongyosi, a defender, em novembro último, a elaboração de uma lista com os nomes de judeus que possam representar “um risco de segurança nacional”. O Jobbik veio para ficar, tendo em conta a sua popularidade entre os jovens húngaros, especialmente os universitários [3].
As forças de extrema-direita conquistaram já o seu terreno noutros países europeus: na Alemanha (NPD – Partido Nacional Democrata), na Noruega (Partido do Progresso – do qual Behring Breivik fez parte) [4], na Áustria (FPÖ – Partido Austríaco da Liberdade), na Bélgica (Vlaams Belang), na Dinamarca (Partido Popular Dinamarquês, liderado por Pia Kjaersgaard), na Itália (Liga do Norte), na Suiça (Partido do Povo).
Na Inglaterra, para além do British National Party, tem vindo a ganhar espaço o Partido para a Independência do Reino-Unido (UKIP), cujo carismático líder, Nigel Farage, se proclama como “nem de direita nem de esquerda”, e advoga uma política de “senso comum”, colocando o UKIP, nas sondagens, à frente dos liberais-democratas, que estão no Governo em coligação com o Partido Conservador. O UKIP pretende limitar a entrada de cidadãos estrangeiros no Reino-Unido e na Europa, e as suas propostas têm tido acolhimento junto da opinião pública. Uma sondagem recente do “The Independent” mostra que, se em 2009 seis em cada dez britânicos aprovavam o livre trânsito de cidadãos na Europa, hoje são seis em cada dez que pensam o oposto. Nas eleições europeias de 2009 o UKIP conseguira o segundo lugar à frente dos trabalhistas e nas eleições locais de maio último obteve mais votos que os liberais.
Uma das consequências da implantação da extrema-direita nestes países parece ser uma inflexão à direita dos partidos conservadores, receosos de perderem votos. Nisto estão de acordo a maioria dos estudiosos do assunto: jornalistas e historiadores. E isto é corroborado também pelos factos, por exemplo, em medidas mais restritivas relativamente aos imigrantes, tomadas pelos governos europeus, como são os casos da Inglaterra, da Suiça e da Hungria, entre outros.
Face a esta realidade, qual deverá ser a reação dos governos democráticos da Europa? Os factos parecem demonstrar que a complacência dos governos favorece a implantação daqueles partidos. Era o que acontecia na Grécia. A prová-lo está o resultado mais relevante das medidas tomadas agora pelos poderes gregos, prendendo o líder do Alvorada Dourada, Nikolaos Michaloliakos, e outros membros do partido: o Alvorada Dourada, a quem as sondagens atribuíam, antes destes acontecimentos, entre 10 a 15% das intenções de voto, desceu rapidamente para os 6,8%.
Um bom exemplo é também o de Portugal. Em agosto de 2010, o tribunal de Loures condenou o líder dos Hammerskins Portugal e da Frente Nacional, Mário Machado, a sete anos e dois meses de prisão. Portugal, apesar da grave crise económica e social, é um país onde os movimentos ou partidos xenófobos não têm praticamente apoiantes e, muito menos, representatividade parlamentar. Uma sociedade tolerante não pode pactuar com a intolerância.
Parece, pois, claro que os governos e os poderes democráticos (incluindo o judicial) devem atuar energicamente para conter estes movimentos e não esperar que os mesmos se diluam por eles próprios. Numa Europa dominada pela Direita, tudo leva a crer que esta segunda hipótese coincide com a estratégia dos governos conservadores. Afinal, como vimos, os partidos extremistas permitem aos conservadores ganhar votos com inflexões à direita.
E a Esquerda – que respostas tem para apresentar-nos? Até agora, muito poucas. François Hollande, em quem muitos depositavam uma forte esperança, tem sido uma estrondosa desilusão. Não há líderes convincentes na Esquerda. E esta é também uma das razões do avanço da extrema-direita.
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[1] A propósito de Christoph Blocher, o cineasta suiço Jean-Stéphane Bron realizou este ano um filme sobre a sua vida, apresentado, em agosto, em Locarno. O título do filme é “A Experiência Blocher”.
[4] A 22 de Julho de 2011, Breivik matou 77 pessoas, a maioria jovem, e fez explodir uma bomba no centro de Oslo. Depois de ter sido preso, Breivik declarou a sua intenção de prosseguir o seu combate ideológico contra uma sociedade multi-cultural. Foi condenado a 21 anos de prisão, uma pena que poderá ser prolongada.
Muito curioso este mapa publicado pelo Washington Post [1]. Podemos verificar que são poucos os países que atingem o nível mais elevado de recetividade a visitantes estrangeiros. Em toda a América, apenas o Canadá. Na Europa, oito países tão diversos quanto o são Portugal, a Islândia, a Bélgica, a Irlanda, a Áustria, a Bósnia-Herzgovina, a Macedónia e Malta. Em África, Marrocos, Mali, Senegal e Bukkina Faso. No Médio Oriente, o Yemen e os Emiratos Árabes Unidos. Na Ásia, apenas a Tailândia e Singapura. Por fim, a Nova Zelândia, na longínqua Oceania… ao todo, 18 países.
Numa segunda linha, aparecem países como o Brasil, a Austrália, o México, a Turquia, a Finlândia e a Suécia.
A leitura deste mapa suscita-nos duas reflexões, que gostaria de partilhar aqui. Em primeiro lugar, mostra-nos que a diferença entre os dois países ibéricos, Portugal e Espanha, se reflete na diferença entre o Brasil e os restantes países da América do Sul. Há uma correlação positiva entre Portugal e Brasil, países claramente bons anfitriões, e chega a ser surpreendente, a baixa recetividade a estrangeiros de países como a Argentina, o Equador e, sobretudo, a Bolívia e a Venezuela. Isto está de acordo – ou, pelo menos, não é contraditório – com a ideia, defendida por muitos, de que a colonização portuguesa foi bastante mais tolerante do que a colonização espanhola.
Por outro lado, este mapa mostra-nos que existe uma outra riqueza no mundo que não apenas a riqueza material. Tal como as pessoas que concluem com êxito cursos de ciência e tecnologias são, em geral, financeiramente mais ricas do que aquelas que concluem cursos de humanidades ou letras, também os países podem ser, económica e financeiramente, muito ricos, sendo, ao nível humano, relativamente pobres. E tanto mais pobres quanto mais basearem as suas estratégias exclusivamente nas questões económicas. A riqueza humana não é transacionável nos mercados.
Miradouro das Portas do Sol. Um dos pontos obrigatórios, com vista fantástica sobre Alfama e o Tejo, para quem visita Lisboa.
Por fim, tudo isto me leva a pensar no grande número de estrangeiros que visitam diariamente Alfama. Na maioria das ruas de Alfama vemos, hoje em dia, mais estrangeiros que portugueses. Muitos voltam. E muitos, ainda, decidem aqui viver. Alfama, com sua multiplicidade de visitantes e habitantes, é a prova provada da ancestral hospitalidade portuguesa[2].
Portugal é um país pequeno. Para se ter uma ideia, o Brasil é cem vezes maior que Portugal. Apesar disso, este pequeno país sempre quis ser independente. É um dos países mais antigos do mundo e o Estado que mantém as atuais fronteiras há mais tempo na Europa. Resistiu, desde a sua fundação por D. Afonso Henriques, às ocupações de castelhanos e de franceses, quer no seu território peninsular, quer nas colónias espalhadas pelo mundo, estas muito cobiçadas também pelos holandeses.
Apesar do reduzido território, Portugal teve “engenho e arte” para se expandir além fronteiras. A história não é totalmente clara, mas para além das ilhas Canárias, Madeira, Açores, das costas leste e oeste africanas, da Índia, Malásia, Brasil etc. — aquelas terras cujas descobertas é consensual atribuí-las aos lusitanos — há quem defenda que os portugueses chegaram também primeiro à China, à Austrália, ao Japão e mesmo à América do Norte [1].
Em 1494, o Papa dividiu o mundo ao meio atribuindo metade aos espanhóis e a outra metade aos portugueses. O povo desse pequeno retângulo “à beira-mar plantado” virara-se para o mar ignoto e conquistara-o. Ninguém pode duvidar dos feitos desses navegadores oriundos da Escola de Sagres (que, na verdade, parece ter-se localizado mais para os lados de Lagos), os maiores da história marítima mundial. Isto cingindo-nos aos livros de história oficiais, porque, com maior ou menor credibilidade, muitos autores apresentam evidências do pioneirismo português noutras paragens. O caso da Austrália (e da Nova Zelândia) é paradigmático, dado que existem mapas portugueses da costa deste continente 250 anos antes da chegada do capitão Francis Cook [2].
Seja como tenha sido, um país tão pequeno, com número tão reduzido de habitantes, dificilmente poderia dar-se ao luxo de ter tão vastas e dispersas colónias, num mundo onde outros países muito maiores emergiam: o feito de manter essas terras não foi, talvez, menor do que aquele de as encontrar. Para o efeito, Portugal usou uma estratégia baseada em dois pontos essenciais:
1º A miscigenação com os povos nativos e também com os escravos, para fazer face à escassez de indivíduos.
2º A aliança com outros países, nomeadamente a Inglaterra, para fazer face às ameaças aos territórios encontrados.
A consequência do primeiro ponto foi o aparecimento do mulato, do caboclo, de povos e países interraciais, cujo paradigma é, sem dúvida, o Brasil, talvez o povo com mais mistura genética recente do mundo, fruto da miscigenação de portugueses, índios e negros. Os portugueses são, sem dúvida, um dos povos mais exogâmicos do mundo. E muitos brasileiros e portugueses, quando se afastam afetivamente uns dos outros, talvez desconheçam que as culturas de ambos têm necessariamente muito em comum e que, mesmo biologicamente, existe uma ligação fortíssima entre os dois povos. Portugal e Brasil são literalmente países irmãos[3].
A consequência do segundo ponto foram a pobreza e a estagnação económica patentes durante séculos em Portugal. A aliança com a Inglaterra permitiu que conservássemos integralmente o Brasil, mas esta proteção política e militar teve graves contrapartidas económicas. Portugal foi obrigado a comprar os tecidos ingleses, pagando-os com o ouro do Brasil: manter este território saiu muito caro a Portugal! Porém, só assim seria possível conservar o Brasil; e só assim foi possível chegar ao grandioso Brasil atual.
Hoje Portugal é de novo apenas aquele quadrado debruçado sobre o Atlântico, ao qual se acrescentam uns pontinhos no meio do mesmo oceano – os arquipélagos da Madeira e dos Açores (embora tenhamos uma vasta e estratégica ZEE ainda não explorada). E mais uma vez passamos por uma grave crise, depois dos anos eufóricos que se seguiram ao 25 de abril, e do sonho europeu. O país que abriu o caminho da globalização torna-se numa das suas maiores vítimas. Aderindo de boa fé ao projeto europeu pela mão de um dos maiores europeístas de sempre, Mário Soares, vê-se agora esmagado por regras impostas pela cúpula europeia, que se mostra renitente em avançar para uma união política e fiscal, única forma de construir uma Europa mais solidária.
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Notas:
[1] Em Dighton, Massachussets, nos EUA, existe uma rocha, com cerca de 40 toneladas de peso, que contém uma série de inscrições, as quais vêm, desde há séculos, sendo alvo de várias tentativas de decifração. A teoria mais recente, enunciada em 1918 pelo americano Edmund B. Delabarre e mais tarde defendida em obra do mesmo autor, publicada em 1929 (“Dighton Rock”), sugere que parte dessas inscrições foram feitas, em 1502, por Miguel Corte Real, um açoriano que teria embarcado de Lisboa em busca de seu irmão que partira desta mesma cidade um ano antes. Esta teoria foi retomada e desenvolvida pelo historiador e médico luso-americano Manuel Luciano da Silva. Devemos, obviamente, nós ainda mais, pois não somos historiadores e não tivemos acesso às fontes, ter cuidado com a divulgação destas teorias. De forma alguma queremos deixar a impressão de que as mesmas têm rigor científico. A verdade é que, pura e simplesmente, não podemos aquilatar esse rigor, pelo que as apresentamos a título meramente informativo.
[2] A teoria de que foram os portugueses os primeiros a chegar às Austrália e Nova Zelândia pode ler-se no livro (2007) do australiano Peter Trickett, “Beyond Capricorn: How Portuguese adventurers secretly discovered and mapped Australia and New Zealand 250 years before Captain Cook”, entre outras obras anteriores. Tudo leva a crer, porém, que esta obra tem pouco rigor científico e (apesar dos aplausos – e condecorações – que Trickett obteve em Portugal), apesar das pistas que levanta, não passa de uma obra de ficção. Isto mesmo refere o historiador português Paulo Jorge de Sousa Pinto no excelente artigo, A Austrália descoberta pelos portugueses? Ficções aquém e além de Capricórnio, publicado na revista Brotéria, volume de maio/junho de 2014, nº 178. (Esta nota foi acrescentada ao presente artigo em data posterior à primeira edição do mesmo).
Naquele dia saí cedo de casa e corri para a Baixa. Pelo caminho, vi soldados estendidos no asfalto em posição de combate. Vi tanques de guerra. Vi gente chegando. Vi, em pouco tempo, uma multidão encher o Rossio, o Chiado, o Bairro Alto e todo o centro de Lisboa. Vi senhoras que traziam flores vermelhas, em cestos de verga, e as ofereciam aos soldados — os nossos heróis. Vi o Largo do Carmo apinhado, com jovens, como eu, empoleirados das árvores e em cima dos tanques do exército. Vi as pessoas saudarem-se, sorrirem-se, abraçarem-se — vi a felicidade estampada em seus rostos.
E também eu — que estive lá! — participei de pequenas manifestações espontâneas, que se juntavam a outras manifestações espontâneas. Vagas de júbilo que cirandavam no coração de Lisboa, na maior e mais bonita festa que já vivi. Hoje, 39 anos passados, o 25 de abril não é mais a bela festa que foi em 1974. Muitos reclamam que não se cumpriu o “espírito de abril”. Arrogam-se seus legítimos defensores ou representantes. Acham que o país não segue o rumo que abril preconizou.
Pois, nada disto é verdade. Abril não se fez para nos dar (ou apontar) um rumo. Abril fez-se, coisa muito diferente, para nos dar a possibilidade de nós próprios escolhermos um rumo. O 25 de abril, através dos militares e desse herói que foi o Capitão Salgueiro Maia, restituiu-nos apenas o valor mais elevado da vida social, o único pelo qual, alguém disse um dia, vale a pena morrer e aquele que uniu o povo no 25 de abril de 1974. Eu estive lá e posso testemunhá-lo. A palavra gritada pelo povo era: “LIBERDADE”!
A atual política económica brasileira é claramente protecionista. Esta política defende as empresas e indústrias brasileiras – sobrecarregando com impostos os produtos importados — e visa manter baixa a taxa de desemprego. Porém, há que considerar algumas consequências perniciosas do protecionismo, dado que as empresas:
– acomodam-se e não investem na formação e qualificação dos seus quadros, tornando-se obsoletas;
– contratam funcionários em número excessivo, de baixa produtividade e auferindo baixos salários;
– praticam preços elevados para cobrirem o custo da ineficiência e obterem, ainda assim, lucros chorudos, face à ausência de verdadeira concorrência;
– prestam, em geral, serviços de baixa qualidade [1].
Quem paga esta ineficiência é o consumidor. Porém, quem tem muito dinheiro não tem problema, mesmo que o preço a pagar seja exorbitante, e pode até dar-se ao luxo de comprar mais barato no exterior, quando viaja pela Europa ou pelos EUA. Do outro lado da moeda ficam os menos abastados, que compram a prestações (parcelado) e que, para pagarem carro, celular, etc, têm de muitas vezes cortar em bens de consumo básicos[2]. A estes, chamam aqui no Brasil, “classe média”, mas a verdade é que – em comparação com os países mais desenvolvidos – se tratam de pobres encapotados[3]. O Brasil ainda é, em larga medida, um país de (poucos) ricos e (muitos) pobres.
No protecionismo não existe uma justa concorrência de preços e o ambiente económico torna-se pernicioso para os mais pobres dado que, com o aumento dos preços, é inevitável a subida da inflação. Assim, mesmo com programas destinados a acabar com a pobreza extrema, o fosso entre ricos e pobres não diminui[4]; ou diminui apenas aparentemente, pois, como se sabe, a inflação afeta sobretudo os mais desfavorecidos. Um outro efeito desta política protecionista é que ela se torna viciosa, difícil de eliminar a curto prazo, a não ser com elevado custo social (sobretudo, desemprego).
Com a deterioração do tecido empresarial, cai enormemente a taxa de exportação de produtos de maior valor acrescentado, permanecendo o Brasil um exportador de matérias-primas, como sempre foi no passado, vulnerável às grandes flutuações dos preços nos mercados internacionais, vivendo quase em exclusivo, nos outros setores, do consumo interno.
Talvez o protecionismo alguma vez tenha feito sentido. Mas o Brasil — este extenso, rico e belo país — precisa criar as condições para abandoná-lo, caso queira finalmente dar o salto para a modernidade.
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Notas:
[1] É o caso, por exemplo, das empresas de comunicação (telefonia), particularmente daquelas que prestam serviços de internet: caros e muito longe dos padrões dos países desenvolvidos. Porém, quando as empresas brasileiras têm de se abrir à concorrência as coisas melhoram, como é o caso do mercado da aeronáutica, só para citar outro exemplo.
[3] Para se ter uma ideia, compare-se os salários desta “classe média” brasileira e os das suas congéneres norte-americanas ou europeias. Verificar-se-á que no Brasil os salários são muitíssimo menores e que o custo de vida – que há meia-dúzia de anos era, generalizadamente, bem menor aqui – é hoje, em vários bens, mais caro no Brasil do que naqueles países.
Face à classificação de há 5 meses (29/10/2012), releva o seguinte: entradas de António José Seguro, Nuno Crato, Vítor Gaspar e Marques Mendes; manutenção incontestável do primeiro lugar, desde o início das “sondagens”, de “O Conspirador”; saída de cena de Francisco Louçã, “O Moralista”.
Trata-se de um clássico. Este livro é muito interessante para nós, portugueses, pois explica, bem melhor do que todos os livros de história que lemos até hoje, como e por que razão Portugal nunca foi o principal beneficiado com as riquezas da sua colónia americana. É muito comum ouvir alguém dizer, em Portugal, “nunca soubemos aproveitar as riquezas, sempre esbanjámos tudo, desde o ouro do Brasil”. Ora, Celso Furtado demonstra-nos, através deste magnífico livro, que essa história do esbanjamento tem muito pouco de verdadeira. O ouro apenas passava por Lisboa – o seu destino final era Londres, na Inglaterra.
É isso que iremos ver em seguida, pois optámos por nos debruçar, neste apontamento, exclusivamente sobre as duas principais riquezas brasileiras da época colonial: primeiro o açúcar e depois o ouro.
A – Quanto ao açúcar
1 – Foi devido à exploração da cana de açúcar que os portugueses puderam implantar-se no Brasil. Não fora essa exploração e jamais os portugueses conseguiriam ocupar o território e cobrir os enormes gastos com a defesa do mesmo – muito cobiçado, sobretudo pelos franceses. Foi um grande êxito essa empresa agrícola do século XVI – única na época.
2 – O conhecimento técnico por parte dos portugueses – que já tinham experiência de produção de açúcar nas ilhas atlânticas – permitiu-lhes ocupar boa parte do território do nordeste brasileiro, que rapidamente foi aumentando, dado que a exploração da cana é extensiva. O negócio do açúcar expandiu-se enormemente, sobretudo a partir da segunda metade do século XVI, graças à colaboração dos flamengos, sobretudo, holandeses. Estes recolhiam o produto em Lisboa, refinavam-no e faziam a distribuição por toda a Europa, particularmente o Báltico, a França e a Inglaterra. Os holandeses eram grandes comerciantes e tinham o tipo de organização ideal para distribuir um produto novo, como o açúcar, pela Europa. A contribuição dos holandeses não se limitou, porém, à refinação e comercialização do açúcar. Eles financiaram a instalação de engenhos produtivos no Brasil e também a importação de mão de obra escrava. Além disso, parte do transporte do produto para Lisboa era também realizado por eles. Logicamente, obtinham em todo este processo bons lucros, e o negócio acabava por ser mais deles do que dos portugueses.
3 – Este negócio foi praticamente um monopólio, durante muitos anos, porque a outra potência colonizadora, a Espanha, estava concentrada na extração de metais preciosos. Isso provocou um enorme poder económico no estado espanhol, que cresceu desmesuradamente, o que provocou um enorme aumento dos gastos públicos e privados subsidiados pelo governo. Consequência: inflação, que chegou a propagar-se por toda a Europa, traduzida em persistente déficit da balança comercial, via aumento das importações. Assim, os metais preciosos recebidos da América provocavam um fluxo de importação de efeitos negativos sobre a produção interna, altamente estimulante para as demais economias europeias. A decadência económica de Espanha prejudicou enormemente suas colónias americanas e nenhuma exploração de envergadura, fora da mineira, chegou a ser encetada. As exportações agrícolas de toda a imensa região não alcançaram importância significativa durante os três séculos do império espanhol. Um factor importante do êxito da colonização agrícola portuguesa foi, assim, a decadência da economia espanhola, que se deveu principalmente à descoberta precoce dos metais preciosos.
4 – O sistema, montado pelos colonos portugueses e pelos comerciantes e investidores holandeses, desarticular-se-ia quando Portugal perdeu sua independência sendo integrado na Espanha. Os holandeses que controlavam todo o comércio europeu por mar, incluindo o do açúcar, logo se envolvem em guerra com a Espanha, vindo a ocupar (por um quarto de século) a região produtora de açúcar, no Brasil. Aqui os holandeses adquiririam os conhecimentos técnicos e organizacionais da indústria, que mais tarde constituiriam a base para a implantação e desenvolvimento de uma indústria concorrente na região do Caribe. Estava perdido o monopólio de que beneficiaram o portugueses e holandeses nos três quartos de século anteriores. Na segunda metade do século XVII os preços do açúcar reduzir-se-iam a metade e permaneceriam baixos durante todo o século seguinte. Perdeu-se o monopólio, mas a produção de cana manteve-se no Brasil até hoje.
B – Quanto ao ouro
1 – A corrida ao ouro brasileiro começou no início do século XVIII e proporcionou o primeiro grande fluxo de imigração de origem europeia, nomeadamente portuguesa, para o Brasil. Era possível pessoas de recursos limitados se aventurarem na mineração, pois aqui não se exploravam grandes minas – como ocorria com a prata no Perú e no México – mas o ouro de aluvião, que se encontrava depositado no fundo dos rios. Calcula-se que a população de origem europeia (e das ilhas atlânticas) tenha decuplicado no decorrer do século da mineração, no Brasil. A exportação de ouro cresceu em toda a primeira metade do século XVIII e alcançou seu ponto máximo em torno de 1760, quando atingiu o valor de 2,5 milhões de libras. A partir daí decresceu e, por volta de 1780, já não alcançava 1 milhão de libras.
2 – Depois da restauração da independência, Portugal encontrava-se numa situação muito difícil. Havia perdido os melhores entrepostos orientais e a melhor parte da colónia americana havia sido ocupada pelos holandeses. A situação interna era muito complicada também, com os espanhóis, durante mais de um quarto de século, não reconhecendo a independência. Portugal compreendeu que para sobreviver como metrópole colonial tinha de se aliar a uma grande potência, o que significaria necessariamente alienar parte da sua soberania. Tentou em primeiro lugar aliar-se aos holandeses, inclusive propondo a divisão do Brasil, mas a Holanda rejeitou a proposta, talvez demasiado confiante no seu poder marítimo. A solução acabaria de vir pelo lado dos ingleses, através de sucessivos acordos (1642-54-61) que estruturaram uma aliança que marcaria profundamente a vida política e económica de Portugal e do Brasil durante os dois séculos seguintes.
3 – Assim, tal como não se poderia explicar o grande êxito da empresa açucareira sem ter em conta a cooperação comercial-financeira com os holandeses, também só pode explicar-se a persistência do pequeno e empobrecido reino português como grande potência colonial na segunda metade do século XVII, bem como sua recuperação no século XVIII – durante o qual manteve sem disputas a colónia mais lucrativa da época – se tivermos em conta a situação especial de semi-dependência que aceitou como forma de soberania. Portugal fazia concessões económicas e a Inglaterra pagava com promessas ou garantias políticas. Os ingleses conseguiam o privilégio de manter comerciantes residentes em praticamente todas as praças portuguesas e Portugal conseguia, através de uma cláusula secreta do acordo de 1661, que os ingleses se comprometessem a defender as colónias portuguesas contra quaisquer inimigos.
4 – Mas o acordo que haveria de ser determinante sobre o percurso do ouro foi o acordo comercial de 1703 (Tratado de Methuen). Portugal abria o seu mercado às lãs inglesas e a Inglaterra dava preferência aos vinhos portugueses. O acordo foi ruinoso para Portugal, que se viu obrigado a transferir para Inglaterra o impulso dinâmico criado pela produção aurífera no Brasil para pagar o deficit comercial. Em contrapartida, porém, conseguia manter uma sólida posição política, consolidando definitivamente seu território americano.O mesmo agente inglês que negociou o acordo comercial de 1703 (John Methuen) também tratou das condições que garantiriam a Portugal uma sólida posição na conferência de Utrecht. Aí conseguiu o governo lusitano que a França renunciasse a quaisquer reclamações sobre a foz do Amazonas e a quaisquer direitos de navegação nesse rio. Igualmente nessa conferência Portugal conseguiu da Espanha o reconhecimento de seus direitos sobre Colónia do Sacramento. Ambos os acordos tiveram a garantia direta da Inglaterra.
5 – Assim, enquanto a economia do ouro brasileiro proporcionou a Portugal apenas uma aparência de riqueza, trouxe à Inglaterra um forte estímulo ao desenvolvimento manufactureiro (e o oposto a Portugal), uma grande flexibilidade à capacidade de importar, permitindo uma concentração de reservas que fizeram do sistema bancário inglês o principal centro financeiro da Europa, que se transferiu de Amsterdam para Londres. Recebendo a maior parte do ouro que então se produzia no mundo, os bancos ingleses reforçaram a sua posição. Segundo fontes inglesas, as entradas de ouro brasileiro em Londres chegaram a atingir as 50 mil libras por semana, permitindo uma acumulação substancial de reservas metálicas, sem as quais a Grã-Bretanha dificilmente poderia ter atravessado as guerras napoleónicas.
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A nossa edição:
Celso Furtado, Formação Econômica do Brasil, Editora das Letras, 24ª edição, São Paulo, 2011.