Açores, grupo central.

O Pico visto da Calheta, em São Jorge.

Vento Leste não dá nada que preste.

Raul Brandão, As Ilhas Desconhecidas.

As nove ilhas açorianas dividem-se em três grupos: oriental, central e ocidental. Enquanto cada um dos dois grupos mais afastados têm apenas duas ilhas, o grupo central é constituído por cinco ilhas: Terceira, Graciosa, São Jorge, Pico e Faial[1]. Estas três últimas localizam-se muito perto uma das outras, pelo que é possível viajar entre elas através de travessias regulares, asseguradas por embarcações locais. Terceira e Graciosa ficam um pouco mais longe, ainda assim não tanto que não possam ser visitadas da mesma forma. É perfeitamente possível, portanto, incluir as cinco ilhas dentro de uma mesma viagem ao grupo central dos Açores. No nosso caso, viajámos entre Pico, São Jorge e Faial de barco, e entre Pico e Terceira de avião, antes do regresso a Lisboa, a partir de Angra do Heroísmo.

No primeiro dia da nossa viagem voámos de Lisboa para o Pico[2], onde ficámos instalados num alojamento local perto de São Roque. A melhor forma de percorrer as ilhas açorianas, sobretudo para quem não tenha muito tempo, é de carro. Foi o que fizemos em todas elas. O aluguer de automóveis é fácil e barato, e não envolve muita burocracia.

O azul do mar e o verde da terra: as cores dos Açores.

Todas as ilhas dos Açores são diferentes, embora todas tenham também coisas em comum, destacando-se, claro, a ligação à Natureza: o mar e os prados verdejantes. Ambos constituem as tradicionais fontes de rendimento dos açorianos, a que se vem juntando, até agora de forma sustentável, o turismo. É muito importante que o turismo cresça (pois ainda há espaço para crescer) sustentavelmente.

A ilha do Pico, a mais jovem dos Açores, tem uma característica interessante: é lá que fica a montanha que dá nome à ilha, a mais alta de Portugal, precisamente, o Pico. Muitas vezes coberto de nuvens cerradas, uma subida ao Pico não é recomendável sem acompanhamento, sobretudo no Inverno, quando o tempo se torna ainda mais instável. Era nossa intenção fazê-lo, mas tal não foi possível, porque o tempo não o permitiu. “Tempo” que é peculiar nos Açores. De facto, é normalíssimo encontrarmos um céu carregado de nuvens num dos lados de uma ilha e um céu limpo no lado oposto, a poucos quilómetros de distância. Verificámos isso numa viagem anterior a São Miguel e também nesta viagem, no Pico, no Faial, na Terceira e em São Jorge. A montanha do Pico pode cobrir-se totalmente de nuvens, ou apresentar um anel de nuvens no meio, deixando a base e o topo a descoberto, ou ficar com apenas o cume ou a base cobertos, ou outra qualquer alternativa: são poucos os dias completos do ano em que a montanha se encontra totalmente visível, do topo à base.

Feminina, em forma de seio, assim é a montanha mais alta de Portugal.

Outra atração da ilha do Pico são os currais, vinhas protegidas por muros de pedras. Estas vinhas são plantadas no chão de lava negra, fruto de erupções vulcânicas ocorridas no século XVIII, e a que o povo dá o nome de “mistérios”. Esses muros perfazem muitos milhares de quilómetros, há quem diga que os suficientes para circundarem o globo terrestre, e são testemunho da persistência das gentes do Pico. Os cachos pendurados nas frágeis videiras teimam em persistir também. O vinho do Pico é raro, especial, único, apropriado para acompanhar os peixes e frutos do mar da região, sobretudo o que resulta das castas brancas. O verdelho do Pico atingiu por mais de dois séculos fama internacional, chegando à mesa dos czares da Rússia. No século XIX, assistiu-se ao fim do “ciclo do verdelho”, tendo as vinhas sido devastadas pelos oídio e filoxera. É nesta época que muita gente da ilha emigra para o Brasil e a América do Norte. No século XX as vinhas foram recuperadas e, desde 2 de julho de 2004, a Paisagem da Cultura da Vinha do Pico foi elevada ao estatuto de Património Mundial pela UNESCO[3].

A flora primitiva e endémica do Pico é muito rica e rara, e algumas das espécies têm estatuto de proteção. A diversidade faunística e florística tem vindo a ser ampliada, com a introdução de novas espécies, sobretudo florestais. A zona oeste da ilha, onde predominam os terrenos de lava, é considerada uma zona privilegiada e única para o cultivo não apenas da vinha, mas também de árvores de frutos.

As vinhas e pomares do Pico são testemunhos da persistência das suas gentes, os picoenses, também conhecidos como picarotos.

As três principais localidades do Pico são Madalena, São Roque e Lajes, as duas primeiras com cais onde atracam navios que fazem ligações às outras ilhas do grupo. Lajes do Pico, no lado sul da ilha, onde o mar é mais calmo, fica junto a uma larga baía, e é uma vila muito bonita onde se come regiamente[4]. Foi a primeira localidade do Pico a ser habitada. Para cruzar a ilha de norte para sul, ou vice-versa, é necessário subir e descer o planalto central, o que proporciona vistas espectaculares sobre as encostas da ilha e o mar[5]. São Jorge e o Faial são vistos de vários pontos do Pico e parecem ali mesmo à mão. No entanto, as viagens de barco não são fáceis pois o mar, sobretudo no Inverno, pode ser tumultuoso e perigoso. São inúmeros os casos de naufrágio ocorridos nas travessias entre ilhas.

A vida marítima, sobretudo a faina da pesca, é largamente retratada na literatura açoriana, cuja tradição é injustamente desconhecida da maioria dos portugueses. A obra mais famosa de um escritor açoriano sobre os Açores é provavelmente Mau Tempo no Canal, de Vitorino Nemésio, mas muitos outros romances e contos, de escritores desconhecidos do grande público, como Ernesto Rebelo, Tomás da Rosa ou Vasco Pereira da Costa, mereceriam a nossa atenção.

Uma das célebres fajãs dos Açores. Ao fundo, a ilha Graciosa. São Jorge tem mais de sessenta fajãs.

Dois dias depois de nos termos instalado no Pico, fomos visitar a ilha de São Jorge. Do cais de São Roque embarcámos no Gilberto Mariano[6] rumo à simpática vila de Velas, de onde partimos à descoberta da “Ilha Castanha”. Antes de embarcarmos pudemos testemunhar uma minúscula parte das dificuldades que as águas açorianas colocam às gentes do mar. Os marinheiros não conseguiam estabilizar a embarcação, pois a ondulação não o permitia, e só conseguimos entrar no navio a correr, num pequeno intervalo entre duas vagas. Muitas vezes, as carreiras são suspensas ou fica interditado o transporte de viaturas, não sendo possível levar o carro para outra ilha. Isso aconteceu connosco, pelo que tivemos de alugar um novo carro em São Jorge, coisa que fizemos também no Faial e na Terceira[7].

São Jorge é a ilha mais central dos Açores. Do Pico da Esperança, o ponto mais alto da cordilheira que atravessa longitudinalmente a ilha, é possível avistar todas as ilhas-irmãs do grupo central. Uma das atrações de São Jorge são as fajãs. Uma vez que são terrenos planos que entram pelo mar, proporcionam imagens lindíssimas quando vistas de cima por quem desce da cordilheira central. Entre outras, visitámos as fajãs dos Cubres e da Caldeira do Santo Cristo, bem como as piscinas naturais da Fajã das Pontas, na costa norte da ilha. Quanto às localidades, tal como no Pico, são três as principais: Velas, Calheta e Topo. Esta última foi a primeira a ser habitada e possui um pitoresco porto de pesca. Em Velas encontram-se belas igrejas, sobretudo a igreja de Santa Bárbara, construída no século XVIII, uma das mais bonitas igrejas açorianas, classificada como Monumento Nacional, e na Calheta vale a pena visitar as piscinas naturais. São Jorge é um paraíso para os amantes dos desportos náuticos. Quem goste de um bom banho de mar pode desfrutar, além das piscinas naturais, de praias de calhau rolado em vários pontos da ilha.

Nos prados dos Açores pasta o melhor gado bovino do país. O queijo de vaca da ilha de São Jorge é de qualidade superior, sobretudo o de cura prolongada, de cerca de dois anos.

Na volta de São Jorge, devido ao estado do mar, o Gilberto Mariano não pode atracar em São Roque do Pico. Desembarcámos na Madalena e daí um táxi pago pela empresa de transporte marítimo levou-nos a São Roque, onde tínhamos o carro. No dia seguinte regressaríamos a Madalena para mais uma viagem de barco, desta feita até à cidade da Horta. O Faial é uma ilha pequena (quando comparada com as vizinhas Pico e São Jorge), quase redonda, que se circunda percorrendo poucos quilómetros de carro. Para a atingirmos, de barco, temos de atravessar o célebre canal do Faial. São incontáveis as histórias sobre incidentes que ocorreram ao longo do tempo nesta travessia. Pudemos sentir a força do mar, as correntes cruzadas, o vento agreste. Imagine-se quando isto era feito à vela!

Na Horta, elevada a cidade em 1833 como reconhecimento à sua adesão à causa liberal, tomámos um carro alugado e iniciámos a nossa visita ao Faial. A nossa primeira paragem foi na Caldeira, uma cratera com cerca de 2 km de diâmetro e 400 metros de profundidade, bem no centro da ilha. A área circundante, onde imperam as hortênsias azuis[8] e se destacam cedros, zimbros, faias, fetos e musgos, está classificada com Reserva Natural[9]. Um estreito caminho, protegido por uma cerca, contorna a cratera, proporcionando vistas incríveis sobre o mar, o Pico e as encostas verdejantes do Faial.

Encosta sudeste da Ilha Azul, o célebre Canal do Faial e a Ilha do Pico.

Descendo pelo mesmo caminho, chegámos à estrada que circunda a ilha, iniciando esse circuito no sentido contrário aos do ponteiro do relógio. Passámos por várias localidades, entre as quais, Praia de Almoxarife, Ribeirinha, Salão, Cedros e Praia do Norte, até atingirmos os Capelinhos, onde visitámos o farol e o Centro de Interpretação. A história do vulcão dos Capelinhos é famosa. As erupções começaram em setembro de 1957, a cerca de 1 km da costa, sob o mar, e duraram mais de um ano, até outubro de 1958. O material expelido formou uma pequena ilha que mais tarde, através de um istmo, se uniu ao Faial, que viu, assim, a sua área aumentada em 2,4 km 2. A população, aterrorizada, com muitas casas e culturas arrasadas, emigrou em larga escala para a América, deixando a ilha com menos de metade da população[10]. No Centro de Interpretação pudemos observar uma excelente exposição sobre a formação das nove ilhas açorianas, todas de origem vulcânica, todas “plantadas a meio do Atlântico, nos instáveis limites de diversas placas tectónicas e a curta distância da dorsal médio-atlântica”[11].

O material expelido por um vulcão sub-aquático formou os atuais Capelinhos.

O atual território dos Açores, a cerca de 760 milhas náuticas de Lisboa e de 2110 de Nova Iorque, faz parte de uma vasta plataforma oceânica situada entre as placas norte-americana (a oeste), euro-asiática (a nordeste) e africana ou núbia (a sul), a denominada Microplaca dos Açores, cujas zonas mais elevadas correspondem às nove ilhas e ilhéus a elas associados. Essa microplaca terá sido formada há uns “meros” 60 milhões de anos.

A nossa viagem em torno da ilha continuou sem mais paragens em direção à cidade da Horta, passando por Castelo Branco, Feteira e Flamengos. Nesta última localidade se instalaram, no século XV, um grupo de flamengos comandados por Josse Van Huerter[12]. Depois do almoço na Horta, dedicámos algum tempo a deambular por esta bonita cidade. Destacam-se as igrejas de Nossa Senhora do Carmo, de São Francisco, de São Salvador e o porto da Horta, escala para inúmeras embarcações que cruzam o Atlântico, e onde se encontra um simbólico paredão com inscrições de mensagens desenhadas por tripulações de todo o mundo.

Porto Pim e a cidade da Horta vistos do Monte Guia.

Vale a pena subir ao Monte da Guia (tal como os Capelinhos um antigo vulcão que se juntou à ilha do Faial após uma erupção no mar) e desfrutar da vista deslumbrante sobre a cidade da Horta e a enseada de Porto Pim, junto à qual se encontra a Fábrica da Baleia, uma infraestrutura industrial, antiga fábrica transformada em Centro do Mar, onde estão expostos os equipamentos necessários ao aproveitamento integral dos cachalotes. Aí funciona também o Centro Virtual de Interpretação Marinha.

Foi em Porto Pim que, depois de descermos do Monte da Guia, repousámos numa esplanada, tomando uma cerveja, deixando correr o pouco tempo que restava até a hora de partida da embarcação que nos transportaria de novo à nossa ilha-base, o Pico.

A cidade da Horta com seu casario branco e a própria “Ilha Azul” foram ficando para trás, à medida que o navio, sobre um mar enrolado, se aproximava dos dois ilhéus da Madalena (“Deitado” e “Em Pé”), a porta de entrada para o porto homónimo, aonde chegámos ao anoitecer.

A simpática praia de Porto Pim. Ao fundo, o edifício da Fábrica da Baleia.

A última ilha que visitámos foi a Terceira, que fica a cerca de meia-hora de voo do Pico. Após o desembarque nas Lajes, dirigimo-nos à empresa de aluguer de automóveis e, já ao volante de uma nova viatura, prosseguimos para Angra do Heroísmo para deixar as malas na pousada e logo seguirmos viagem à descoberta deste novo território. Como não tínhamos ainda almoçado, fomos primeiro à procura de um restaurante à beira-mar, com a ideia de comermos um peixe grelhado. Indicaram-nos, precisamente, o “Beira-Mar”, em São Mateus da Calheta, mas estava fechado. Porém, alguém nos disse que o “Quebra-Mar”, uns 200 metros mais à frente, estava aberto e era do mesmo dono, pelo que nos dirigimos para lá. Este estava aberto. Abrimos a refeição com umas cracas e depois provámos uma sopa de peixe servida dentro de um pão, a que se seguiu um boca-negra grelhado; para acompanhar, um verdelho dos Biscoitos[13]. Reconfortados, iniciámos a nossa viagem à volta da ilha, desta vez na direção dos ponteiros do relógio.

Depois de São Mateus passámos por várias localidades até pararmos em Biscoitos, no lado oposto (norte) da ilha. Aqui se encontram umas piscinas naturais muito bonitas, formadas entre as rochas pela entrada da maré alta. Segundo nos disseram, é um dos locais de veraneio preferidos dos terceirenses. A paragem seguinte foi em Praia da Vitória, uma cidade orgulhosa do seu passado por ter sido aí, em 11 de agosto de 1829, que os absolutistas afetos a D. Miguel sofreram a primeira derrota militar dos liberais. Ao comando destes esteve o duque da Terceira, não permitindo que os 4000 homens transportados em vinte e uma embarcações conseguissem desembarcar na então Vila da Praia[14], que ganhou, ainda nesse ano, a designação de Praia da Vitória.

Sopa de peixe servida dentro de um pão. Uma especialidade do “Quebra-Mar”, em São Roque, na Terceira.

Algo que não se pode perder na Praia da Vitória é uma visita à Casa-Museu Vitorino Nemésio. Muitas curiosidades sobre a sua biografia podem ser aqui desvendadas[15]. A ação do seu romance mais famoso, Mau Tempo no Canal, é passada precisamente nas quatro principais ilhas do grupo central que visitámos: Pico, Faial, São Jorge e Terceira. A entrada na casa onde Nemésio nasceu fez-nos recuar à nossa própria infância, e ao programa televisivo, ainda a preto-e-branco, Se Bem me Lembro

Nos dois dias que passámos na ilha Terceira deparámos em todas as freguesias com “Impérios”, edifícios em honra do Espírito Santo, a maioria pintada com cores garridas pelos habitantes locais. Em todo o arquipélago, não apenas na Terceira, sobressaem além dos “Impérios”, as festas em honra do Divino Espírito Santo. Na Terceira, a duração destas festas vai desde o dia de Pentecostes até ao final do verão[16]. Durante os festejos, sobretudo nas povoações mais rurais, os terceirenses divertem-se com as touradas à corda, uma tradição caricata e perigosa que tem particular incidência nesta ilha. Embora as festas do Divino Espírito Santo possuam uma estrutura tradicional comum, apresentam bastantes variantes entre as várias ilhas do arquipélago e, dentro da mesma ilha, entre os vários Impérios.

Vista panorâmica da Praia da Vitória. Aqui nasceu e brincou Vitorino Nemésio.

No segundo dia na Terceira fomos conhecer o Algar do Carvão, “Monumento Natural Regional”, sensivelmente no centro da ilha, formado por grutas com cerca de 90 metros de profundidade, onde se podem ver estalactites e estalagmites, e uma lagoa que sobe ou desce consoante a chuva. A água escorre pelas paredes e o ambiente é muito húmido. O Algar do Carvão é uma “chaminé vulcânica”, formada há cerca de 3200 anos. Numa das grutas tivemos o privilégio de assistir a um mini-recital de um guia turístico açoriano que, para mostrar a extraordinária acústica do local, cantou a Avé Maria de Schubert, perante uma plateia boquiaberta. Se algum empresário de bel canto for um dia ao Algar do Carvão, é bem possível que contrate este magnífico cantor.

O tempo restante desta nossa viagem aos Açores passámo-lo deambulando por Angra do Heroísmo, uma das mais belas cidades açorianas, com papel destacado, como vimos, na história de Portugal. O património edificado é rico. A Sé Catedral, a Igreja da Misericórdia, os Convento e Igreja de São Francisco, o Palácio dos Capitães Generais, o Alto da Memória, o Mercado Duque de Bragança, valem todos uma visita. O Monte Brasil, onde fica a Fortaleza de São João Baptista, e as vistas que de lá se proporcionam sobre a cidade de Angra, é algo que nenhum visitante pode perder.

Na noite do nosso segundo dia na “Ilha Lilás”, iniciámos, com o coração cheio, a última etapa da nossa viagem, desta feita, rumo ao Algarve.

Um dos Impérios da ilha Terceira.

******************************

Notas:

[1] Pensa-se que as ilhas açorianas dos grupos oriental e central foram descobertas em 1427 e as duas ilhas do grupo ocidental (Flores e Corvo) em 1452.

[2] As ligações diretas entre Lisboa e o Pico iniciaram-se em 2005 e vieram dar um novo impulso ao turismo na ilha.

[3] Engloba os sítios do Lajido da Criação Velha e do Lajido de Santa Luzia.

[4] A gastronomia do Pico é rica, com destaque para o caldo de peixe, o arroz de lapas, o polvo guisado com vinho e a linguiça com inhames, entre outros, acompanhados por pão e bolo de milho caseiros.

[5] São inúmeros os miradouros do Pico nas estradas que sobem de Madalena, São Roque e Lajes para o centro de ilha. Destaque para o miradouro da Terra Alta, entre Santo Amaro e Piedade, com uma vista imponente sobre a ilha de São Jorge.

[6] Gilberto Mariano é uma figura quase mítica da Madalena do Pico. Analfabeto, fez durante muitos anos a entrega de cartas, encomendas, dinheiro, etc. na cidade da Horta, no Faial. Na volta, era portador de notícias de picarotos deslocados na ilha vizinha e de medicamentos em falta. Não há notícia de qualquer extravio de alguma mercadoria que lhe tivesse sido confiada, mesmo em tempos de invernia. Iniciou a sua atividade nos “Barcos do Pico” e depois na Empresa das Lanchas do Pico. Era particularmente dotado em amarrar embarcações nos dias de grande temporal. Conhecido como o “Gilberto das Lanchas”, tinha também, devido à sua envergadura e destreza, uma alcunha peculiar – o Arricana – aportuguesamento da palavra inglesa hurricane (furacão). Gilberto Mariano nasceu (1909) e morreu (1991) na Madalena do Pico.

[7] Numa viagem que inclua várias ilhas, como a nossa, é preferível alugar carro em cada ilha, porque o preço é praticamente o mesmo do que aquele que se pagaria pelo transporte de um único carro entre ilhas, e sobretudo porque isso evita os riscos associados à impossibilidade de transportar a viatura nas embarcações que fazem as travessias, devido ao estado do mar.

[8] Os grandes maciços de hortênsias justificam o título de “Ilha Azul”, que é atribuído ao Faial.

[9] Em todas as ilhas existem reservas naturais onde se podem observar algumas das quase 1000 espécies vegetais que povoam as ilhas, sendo que destas cerca de 300 são nativas e 60 endémicas.

[10] John F. Kennedy, então senador americano, esteve envolvido no Azorean Refugee Act, uma medida que facilitou a emissão de vistos às famílias faialenses. Esta medida abriria definitivamente as portas à emigração açoriana para os Estados Unidos. Estima-se que entre 1960 e 1990 tenham emigrado para os Estados Unidos da América cerca de 90 mil açorianos.

[11] https://nationalgeographic.sapo.pt/historia/grandes-reportagens/1554-capelinhos-setembro2007.

[12] Os moinhos de vento que encontramos nos Açores seguem a tradição flamenga.

[13] Uma boa informação sobre os peixes da gastronomia açoriana pode ser encontrada em: file:///C:/Users/User/Downloads/155267.pdf.

[14] Os Açores tiveram uma importância capital na luta entre liberais e absolutistas, e a Terceira, desde o início da Revolução de 1820, no Porto, aderiu à causa liberal. Em 1828, D. Miguel proclamou-se rei e o liberalismo caiu, mas enquanto o comandante militar da ilha de São Miguel apoiou os miguelistas, os terceirenses mantiveram-se fiéis ao liberalismo. Angra do Heroísmo foi transformada em sede da Junta Provisória (isto é, capital do Reino) em nome de Dona Maria, filha de D. Pedro. Em recompensa ao apoio dado à causa liberal, D. Maria II atribuiu, a Angra, o cognome de “mui nobre leal e sempre constante cidade de Angra do Heroísmo” e à Praia da Vitória, o de “muito notável”. D. Pedro, após uma viagem pela Europa em que buscou apoios aos liberais, chegou à Terceira em 3 de março de 1832. Pouco depois, os liberais atacariam São Miguel e conquistariam a ilha. Todo o arquipélago acaba por aderir ao liberalismo. Os “Bravos do Mindelo”, um exército de 7500 homens comandados por D. Pedro, entrou no continente e, em 1834, recuperou a coroa portuguesa para Dona Maria II.

[15] O jovem que nos guiou pela casa era excelente, competente, com um gosto evidente e entusiástico pelo seu trabalho e, logo, pelas vida e obra de Vitorino Nemésio.

[16] As festas do Divino Espírito Santo têm natureza caritativa e o objetivo é a entrega do bodo aos mais necessitados da freguesia. Tudo começa no domingo da Trindade (o primeiro após o Pentecostes) com o sorteio para saber quem serão os mordomos do ano seguinte. O primeiro a ser eleito recolhe as insígnias do Espírito Santo – a coroa e a bandeira – e guarda-as em sua casa até a Pascoela, quando começam os festejos. É então que se realiza a coroação, sendo a coroa colocada, na igreja da freguesia, na cabeça do Imperador – criança ou adulto – que depois a leva em procissão até a casa de outro mordomo que a guarda por uma semana.

******************************

Homo Interstaticus

Homo Biologicus, é o título do primeiro livro do médico francês Pier Vincenzo Piazza.

Todo o organismo tende para um estado de equilíbrio, o estado homeostático. Temos de respirar, comer e beber para manter esse equilíbrio, sendo que a auto-regulação do nosso organismo faz o resto. Há milhões de anos, quando os nossos ancestrais viviam num ambiente em que os recursos alimentares disponíveis eram escassos, a seleção natural, por uma questão de sobrevivência da espécie, “criou” o que hoje chamamos de homem “exostático”, aquele que, em oposição ao homem “endostático” que apenas se alimenta até ficar saciado, come mais do que necessita para repor o equilíbrio momentâneo, isto é, armazena comida no organismo prevenindo momentos futuros de escassez. Tal como beber sem ter sede ou respirar mais do que o necessário, também comer sem ter fome era, naquela período, penoso. Então, a seleção natural teve de “engendrar” uma estratégia para que o organismo dos nossos ancestrais armazenasse o bem mais escasso de que necessitava – comida – e assim nasceu o prazer.

A nossa espécie passou, a partir daí, a ter dois tipos de indivíduos, os “endostáticos” e os “exostáticos”. Estes últimos são os mais propícios a ter todo o tipo de prazeres, desde a vontade incontrolável de comer (daí a praga da obesidade), ao consumo de drogas, passando pelo vício do jogo e a apetência para desportos radicais. Para lá de um sistema endocabinoide mais operante próprio dos “exostáticos”, não existe nada de errado com estes indivíduos. O que acontece é que o processo de seleção natural tem uma escala de milhões de anos e o processo tecnológico humano de transformação dos recursos terrestres (nomeadamente a agricultura) tem uma escala muito menor. Ou seja, os nossos organismos preparados pela natureza para viverem em tempos de escassez, viram-se subitamente rodeados de abundância. Daí que haja tantos indivíduos obesos nas sociedades ocidentais: enquanto “exostáticos”, eles estão “programados” pela natureza para comerem mais do que necessitam e assim armazenarem energia, em prol da sobrevivência da espécie.

Esta dualidade endo/exos da nossa espécie reflete-se também nas visões que temos do mundo. O indivíduo “endostático” tende a ser conservador e o “exostático” progressista. As visões “endostática” e “exostática”, além de se oporem entre si, são limitativas e parciais, não nos permitindo enfrentar com eficácia os graves problemas que o mundo enfrenta, pois tal só é possível se compreendermos, afinal, por que existe essa oposição. Para isso, Piazza, o autor de Homo Biologicus, o livro onde tudo isto se esclarece, propõe um homem novo, com uma nova visão: o homo interstaticus. Com uma abordagem mais abrangente, este novo homem está pronto para sintetizar as visões “endostática” e “exostática”, e assim dar resposta aos problemas que a nossa espécie enfrenta. Por exemplo, não é mais possível, considerar os viciados em drogas (ou noutra coisa qualquer) como pessoas falhas de vontade, uma vez que a sua biologia os impele a ter esse comportamento. Ninguém se lembraria de considerar um esquizofrénico ou um autista como pessoas falhas vontade. Pois o mesmo deve acontecer com os viciados em drogas (das leves às duras, incluindo as mais disseminadas e legais como o álcool e, sobretudo, o tabaco) que, à luz dos conhecimentos científicos contemporâneos, tal como os que padecem de Alzheimer ou Parkinson, são pessoas doentes.

A abordagem aos problemas causados pelas drogas está pois condicionada pelo nosso dualismo. É por isso que a maioria de nós ainda pensa que as drogas consideradas “duras” são as mais perigosas, quando na realidade são as menos tóxicas e as que menos matam. Estas drogas são proibidas em quase todas as sociedades, ao contrário do álcool (proibido apenas em algumas sociedades) e do tabaco (cujo consumo não é proibido em nenhum país), que matam um número de indivíduos muitíssimo superior em todo o mundo, simplesmente por uma razão: porque um viciado em tabaco consegue perfeitamente trabalhar enquanto um viciado em heroína tem grande probabilidade de deixar de ser produtivo. Esta perspetiva utilitarista, que considera o viciado um fraco sem domínio de si mesmo, não nos permite abordar a raiz do problema.

Na verdade, essa visão do homem sem vontade, advém mais uma vez de uma perspetiva dualista ainda presente nas nossas sociedades: a de que somos compostos por duas partes, uma material (o corpo) e outra imaterial (a mente ou a alma). Piazza mostra-nos que tal coisa não existe: a nossa suposta “vontade” é fruto do que se passa no nosso cérebro que, apesar da sua incrível complexidade, é matéria. Somos, de facto, um animal exclusivamente biológico, um organismo com o cérebro proporcionalmente maior, mas ainda assim, um organismo como os outros na natureza. É com consciência das nossas limitações que devemos também abordar o futuro, repensar tudo, incluindo o percurso de guerras e destruição ambiental que vem caracterizando a atividade humana. É necessário um novo ponto de partida e a esperança reside numa abordagem mais abrangente e integral, à luz dos novos conhecimentos científicos sobre a biologia humana, a do homo interstaticus.

******************************

A nossa edição:

Pier Vincenzo Piazza, Homo Biologicus, Bertrand Editora, Lisboa, 2020.

******************************

Foto retirada de :

https://www.sudouest.fr/2019/09/29/piazza-la-biologie-et-la-vie.

******************************

A Festa do “Avante”

O marxismo é uma religião.

Apesar de algumas críticas, o Partido Comunista pretende levar a cabo, nestes tempos de pandemia, a sua “Festa do Avante”. A festa irá realizar-se e, face à reconhecida boa organização do partido, provavelmente irá correr bem. Para nós, a verdadeira questão não é essa. O que queremos salientar é o caráter religioso desta manifestação: o fervor comunista que faz com que as pessoas se dirijam ao Seixal como os católicos se dirigem a Fátima; e a fé, a esperança numa vida no paraíso, seja, no caso dos comunistas, na Terra ou, no caso dos católicos, no Céu. Para tal temos de enquadrar a “Festa do Avante” e a atuação do PCP nos contextos políticos nacional e internacional.

1- Não existe nenhum partido comunista (ou marxista), com o peso que o PCP tem em Portugal, no mundo socialmente desenvolvido. A representação que os partidos marxistas têm em países como a Noruega, a Suécia, a Finlândia, o Canadá, a Nova Zelândia, a Austrália, a Suíça, a Holanda, entre outros com os maiores índices de desenvolvimento humano, é meramente residual, entre 0% e 1%. Mesmo em Itália, onde tinha força considerável, o Partido Comunista (entretanto reformado, o que nunca aconteceu em Portugal com o PCP) praticamente desapareceu. Nesses países, o marxismo é uma ideologia anacrónica, estudada por alguns académicos e apoiada por alguns excêntricos. Em Portugal, o PC e o BE (partidos ideologicamente próximos e ambos de inspiração marxista) atingem em conjunto uns 15% de representatividade no parlamento português.

2- A causa principal desta representatividade remonta ao período fascista. A militância comunista é ainda, em larga medida, uma reação à ditadura salazarista. Os extremos alimentam-se e tendem a anular o espaço entre eles. É por isso que ainda é comum os comunistas considerarem aqueles que são do centro-direita, do centro, ou mesmo do centro-esquerda, de “fascistas”. Toda a gente sabe que um dos principais inimigos do PC, talvez o principal, é o PS, que segue invariavelmente, segundo os comunistas, uma “política de direita contrária aos interesses dos trabalhadores”. Muitos jovens de hoje, cujos pais ou outros familiares lutaram contra o fascismo, têm uma ligação emocional ao Partido Comunista, uma atitude em parte compreensível mas mais próxima da religião do que da racionalidade. A componente religiosa do marxismo é, aliás, algo bastante estudado e largamente documentado. Tal como há fações no interior das religiões que reclamam para o si o purismo da doutrina, também há inúmeros marxismos, cada um pretendendo ser o melhor intérprete da doutrina verdadeira.

3- O PCP não proferirá uma palavra para condenar os revoltantes atentados à liberdade perpetrados pelo ditador Lukashenko, que oprime o povo bielorusso, enquanto decorre a “Festa do Avante”. Para o PCP, todo o sofrimento causado pelos estados autoritários seus amigos é apenas um efeito secundário do medicamento — o marxismo — que promete curar a grande doença social: a desigualdade.

4- O valor social máximo de um marxista é, portanto, a igualdade. Para atingi-la, como a teoria antevê (ditadura do proletariado) e a história confirma, abdica da liberdade. Porém, acontece que as sociedades não-livres, incluindo as comunistas ou supostamente comunistas, são as mais desiguais da história, e as sociedades liberais são as menos desiguais (embora tenhamos muito a fazer para as tornar mais igualitárias). Isto é um facto. Perdida a liberdade, jamais alcançaremos a igualdade. Finalmente, privados de liberdade, sem sequer igualdade e muito menos prosperidade, perdemos tudo, tornamo-nos escravos dos ditadores: se nos revoltarmos, somos presos e, muito provavelmente, torturados ou mortos; se nos submetermos, transformamo-nos em autómatos, seres sem responsabilidade pelos próprios atos.

5- As modernas sociedades comunistas são, pois, as mais desiguais da história. Os ditadores comunistas, chamem-se Estaline, Ceausescu, Castro, Santos, Jong-un ou Jinping estão, ou estavam, durante os respetivos períodos de governação, entre os indivíduos mais ricos e com vidas mais sumptuosas do planeta. As suas riquezas, porém, ao contrário do que acontece com os empresários capitalistas, não resultam de uma atividade económica produtiva, antes do roubo que esses ditadores praticam sobre os seus próprios países e povos, onde impera a miséria.

6- A “Festa do Avante!” será assim, segundo a perspetiva comunista, mais um momento de “afirmação da grande capacidade do Partido”, um grande e inadiável evento cultural e político, uma oportunidade para mostrar, mais uma vez, os benefícios desse maravilhoso medicamento de largo espectro chamado marxismo. Um “covidezinho” aqui e outro ali, a acontecerem, mais não serão que manifestações de um efeito secundário irrelevante face à eficácia do tratamento que, embora alguns ainda não o saibam, nos irá salvar a todos.

******************************

Foto retirada de: rtp.pt

******************************

Viena, Budapeste e Bratislava

A construção do parlamento húngaro durou de 1885 a 1904. Aqui foram usados 40 milhões de tijolos, 500 mil pedras decorativas e 40 quilos de ouro. 242 esculturas decoram o exterior e o interior deste edifício neogótico. É o maior edifício da Hungria e o terceiro maior parlamento do mundo.

BUDAPESTE

São três capitais muito próximas[1], ligadas pelo rio Danúbio, perfeitamente visitáveis num fim de semana prolongado. Os voos diretos low cost entre Faro e Budapeste, operados pela companhia húngara Wizz, tornaram esta escapadela ao coração da Europa ainda mais irresistível. A nossa visita começou por uma cidade monumental. Em Budapeste, somos brindados com magníficas obras de arte por todo o lado, sejam edifícios, pontes ou esculturas. A parte mais interessante da cidade é a que fica junto ao rio, na margem oeste (Buda) ou leste (Peste), onde dois edifícios, respetivamente, se destacam: o Palácio Real e o Parlamento húngaro. O Palácio alberga o Museu de História de Budapeste, a Biblioteca Nacional Széchenyi e a Galeria Nacional Húngara. Foi nesta última que tivemos o ensejo de visitar uma exposição sobre Frida Kahlo e a sua obra, patente ao público aquando da nossa visita. Seguindo a história deste imponente palácio podemos acompanhar grande parte da atribulada história de Budapeste e da própria Hungria, um país no centro da Europa, ocupado por mongóis, turcos, austríacos, russos, alemães e soviéticos. O Castelo de Buda, como agora é mais conhecido o palácio, foi inicialmente mandado construir por Sigismundo de Luxemburgo (1368-1437), rei da Hungria e das Terras Checas, à época, um dos mais poderosos soberanos europeus. Mais tarde, sob o reinado de Matias I (1458-1490), foi ampliado dentro do estilo renascentista, mas a ocupação turca, de 150 anos, e a consequente reconquista de Buda (com a ajuda dos Habsburgos), em 1686, provocaram a sua destruição.

Pátio dos Leões, no Palácio Real.

Seguiu-se um período que ficou conhecido como a “Era das Reformas”, quando muitas edificações emblemáticas, como a Academia Húngara das Ciências, o Museu Nacional e a Ponte Széchenyi (“Ponte das Correntes”), foram erguidas. Porém, um conflito armado traria de novo a destruição; desta feita, a revolução contra os Habsburgos, de 1848. Só a partir de 1867, após um acordo com o Império dos Habsburgos, Buda e Peste conheceram um novo impulso, desta vez o maior de sempre. Na viragem para o século XX uniram-se para formar Budapeste, esta lindíssima cidade que conhecemos. Data desta época a construção do Parlamento, o maior edifício da Hungria, cujo projeto foi desenhado por Imre Steindl. Mas, uma e outra vez, o processo de desenvolvimento seria interrompido, primeiro pela Grande Guerra (1914-1918) e, um quarto de século mais tarde, pela II Guerra Mundial, quando os soviéticos bombardearam e destruíram mais uma vez o Palácio Real, onde os alemães se aquartelavam. Nessa altura, já Budapeste era conhecida pelos seus belos cafés e esplanadas, pelos banhos termais, pela vida noturna e oferta cultural e, claro, pelas extraordinárias obras de arquitetura e escultura espalhadas por toda a cidade, tal como hoje.

Exposição de e sobre Frida Khalo, na Galeria Nacional Húngara, em Budapeste.

Quem visitar Budapeste poderá encontrar, antes ou já no decurso da viagem, roteiros que invariavelmente incluirão, além dos referidos Palácio Real e Parlamento, as pontes sobre o Danúbio (Ponte das Correntes, Ponte Isabel, Ponte da Liberdade e Ponte Margarida), a Colina Gellért (onde fica a Estátua da Liberdade), o Palácio Sándor, a Catedral de São Matias, o Bastião dos Pescadores, os Banhos (Király, Rác, Gellért, Rudas, Veli Bej), o Museu Etnográfico, a Basílica de Santo Estevão, o Grande Mercado de Budapeste, o Bairro Judeu e a sua monumental sinagoga , a Baixa de Peste, o Jardim Botânico, o Palácio das Artes, a Praça dos Heróis, o Passeio do Danúbio (ao longo do qual podemos encontrar belíssimas esculturas), etc., etc., etc.

Em Budapeste há muito que admirar. E quando cai a noite, a cidade não perde beleza, antes ganha cambiantes de oiro que refletem dos edifícios sabiamente iluminados. É quando um passeio de barco ao longo do Danúbio nos parece mais apropriado. Para acabar a noite, nada melhor que um drink no Szimpla Kert, um edifício perto do bairro judeu[2] que alberga bares, restaurantes, galerias, discoteca, lojas, e onde atuam músicos diversos ou DJs, todos os dias.

No interior do Szimpla Kert.

A decoração, mais ou menos caótica, as paredes interiores cobertas por uma panóplia incrível de objetos, constituem uma atração suplementar. O próprio edifício apresenta uma fachada exterior ornamentada com mísulas entre os pisos, balaustradas sob as altas janelas e a varanda central, e pequenos frontões sobre as mesmas: além de robusto e clássico, é mesmo muito bonito. A rua onde fica o Szimpla Kert tem vários restaurantes e bares e toda esta zona tem grande animação noturna. Uma visita a este espaço é algo que o recém-chegado a Budapeste não pode perder.

VIENA

Por seu lado, Viena é igualmente uma cidade monumental. Partindo de Budapeste de comboio, atingimo-la em cerca de duas horas e meia. A primeira coisa que convém fazer ao chegar à cidade é comprar um título de transporte que permite circular durante 24 horas em qualquer transporte público de Viena, pela módica quantia de oito euros. Recomenda-se vivamente a utilização do metropolitano, que é rápido, abrangente e de alta frequência.

Belvedere superior, Viena.

A nossa primeira paragem foi no Palácio Belvedere[3], um conjunto formado por dois edifícios principais e um parque histórico, desenhado no começo do século XVIII pelo prestigiado arquiteto Johann Lucas von Hildebrandt e considerado um dos conjuntos barrocos mais belos do mundo. Era residência de Verão do general austríaco Príncipe Eugénio de Saboia e é hoje parte do Património da Humanidade da UNESCO. A nossa visita incidiu sobre o Belvedere Superior, originalmente espaço de representação (o príncipe vivia no Belvedere inferior), agora espaço que alberga algumas das mais importantes pinturas do mundo, integradas numa coleção que inclui vários milhares de peças.

Desde logo, os quadros de Gustav Klimt, Egon Schiele e Oskar Kokoschka, mas igualmente obras de outros autores austríacos, desde a Idade Média até aos nossos dias. E obras de Rodin, Monet, Manet, Van Gogh, Renoir, entre muitas outras. Uma manhã (ou tarde) inteira não é muito tempo para apreciar as belezas deste espaço que, nem seria necessário dizê-lo, são imperdíveis.

O famoso “Beijo”, de Klimt, a maior atração do Belvedere Superior.

Depois de Belvedere[4], ocupámos o nosso tempo à procura de locais relacionados com a vida de Karl Popper, nascido nesta cidade de Viena em 1902, uma tarefa que não se afigurou muito fácil. Constatámos, com alguma surpresa, que a maioria dos vienenses com quem falámos não conhecia Karl Popper[5]. Mesmo assim, conseguimos estar na rua onde ficava a casa em que viveu grande parte da infância, no liceu que tem o seu nome e na universidade de Viena, que frequentou. Por vezes, é muito interessante conhecer uma cidade através dos locais onde uma pessoa que admiramos viveu… A Universidade de Viena é particularmente interessante, com o seu enorme átrio sob cujas arcadas figuram bustos dos proeminentes alunos que ali estudaram (e são imensos!), Popper incluído.

Da Universidade rumámos ao coração de Viena, à praça onde se ergue a magnífica catedral de Santo Estevão. Nesta praça e nas suas imediações encontram-se muitos dos charmosos cafés de Viena, onde o viajante pode retomar o fôlego para nova caminhada.

Busto de Popper na Universidade de Viena.

Assim, da Stephans-Platz seguimos a pé até ao imponente palácio Hofburg, centro do poder dos Habsburgos, soberanos do Ducado da Áustria desde o século XII até o século XX[6]. Tudo aqui é grandioso. O palácio em si mesmo, com as suas mais de 2.600 salas, a Heldenplatz, para onde fica virado, os grandes jardins, a estatuária, o trabalho arquitetónico. O Palácio Hofburg, residência oficial do Presidente da Áustria, foi, como já dissemos, ocupado durante séculos pelos Habsburgos, era a sua residência de Inverno. Quisemos conhecer também a residência de Verão e, para isso, tomámos o metro e rumámos ao Palácio de Schönbrunn. Como seria de esperar, deparámo-nos com mais um conjunto (edifícios, estátuas, jardins) imponente. O Palácio de Schönbrunn, em estilo barroco, é realmente muito belo. Com esta visita a Schönbrunn terminou também a nossa visita a Viena. O comboio que nos transportaria a Budapeste já vinha a caminho. Quem disse que num único dia não se pode ver muito de uma cidade?

Palácio de Schönbrunn. Aqui se realizam, ao ar livre, magníficos concertos de Verão.

BRATISLAVA

Da nossa “sede”[7], em Budapeste, demos um salto de 200 quilómetros, desta feita de autocarro, a outra capital europeia, Bratislava. Esta cidade não tem a monumentalidade de Budapeste ou de Viena. Isso torna-se óbvio quase de imediato. Tal não surpreende, pois a Eslováquia, um pequeno país que na sua forma atual tem apenas 27 anos, foi sempre um território integrado num país ou império maiores. Fez parte do Reino da Hungria e depois, quando este integrou o Império Austro-Húngaro, passou a ser parte também desse império. Após a dissolução deste, em decorrência da Primeira Guerra Mundial, checos e eslovacos criaram a Checoslováquia, que duraria até 1993, quando os dois países se tornaram independentes, após o processo da “Revolução de Veludo”. Pelo meio, entre 1939 e 1945 (Segunda Guerra Mundial), ainda existiu uma república eslovaca supostamente independente, mas na realidade um estado fantoche controlado pelos nazis. De ascendência eslava, os eslovacos são um povo resiliente que tem desenvolvido enormemente o país desde a independência e, sobretudo, desde a sua integração na União Europeia e, posteriormente, na Zona Euro. É um dos países mais igualitários do mundo em termos salariais, apenas superado pelas Ilhas Faroé[8].

Praça do Município Velho, no centro histórico de Bratislava.

Percorremos Bratislava a pé. Do terminal rodoviário ao centro, e volta. A cidade é muito mais pequena, muito mais tranquila e muito menos turística que Viena ou Budapeste. Sendo uma capital europeia há menos de trinta anos, não pode ter a grandeza de outras que o são há séculos. Mas, mesmo assim, Bratislava tem os seus encantos. Na zona histórica sobressai a Praça do Município Velho, com os seus cafés e esplanadas. Não muito longe (tudo em Bratislava é perto), no topo de uma colina sobranceira ao Danúbio, destaca-se o Castelo de Bratislava, residência do presidente da República, cuja construção se iniciou ainda no século X. Daqui, a 85 metros de altura, pudemos desfrutar de uma bela vista sobre o centro da cidade e o Danúbio, lá em baixo. Na volta, fomos observando as esculturas que ornamentam muitas das ruas do centro histórico e são uma atração da cidade. Finalmente, entrámos no Palácio Pálffy, onde se encontra a Passagem de Matej Kren, que suscita a ilusão de um espaço infinito de livros. Um espaço infinito de livros na Terra e um espaço infinito de estrelas no Céu. Assim terminou a nossa viagem.

Passagem Matej Kren, em Bratislava.

******************************

Notas:

[1] Viena e Bratislava são as duas capitais mais próximas do mundo, separadas por apenas 65 quilómetros de estrada.

[2] A grande Sinagoga Dohani, a segunda maior do mundo, fica no bairro judeu de Budapeste.

[3] Uma entrada no Belvedere superior custa €22,00.

[4] O palácio foi vendido pelos herdeiros do príncipe Eugénio a Maria Teresa da Áustria, que o batizou de Belvedere (“bela vista”, em italiano).

[5] Outros vienenses ilustres, cujas ideias Popper combateu, são mais populares em Viena, na Áustria e, provavelmente, no mundo. Referimo-nos sobretudo a Freud e a Wittgenstein. O primeiro tem mesmo um museu com o seu nome em Viena.

[6] A Primeira Guerra Mundial, grande destruidora de impérios, não poupou o Império Austro-Húngaro.

[7] Ficámos quatro noites hospedados no Capital Guesthouse Budapest, por €137,00. A localização é boa, muito perto da estação ferroviária e relativamente perto do Danúbio e do centro histórico, e a relação qualidade-preço é bastante aceitável.

[8] Conferir o coeficiente de Gini ou ver nosso artigo aqui: https://ilovealfama.com/2020/04/24/paises-modelo/

******************************