Os Ricos

Está na moda, de novo, bater nos ricos. Belmiro de Azevedo e Américo Amorim, entre outros, são ricos. Isto é quase tudo o que sei sobre eles. Será o suficiente para os detestar? E, por outro lado, “rico” foi, é ou será sinónimo de “pulha”? Eu diria que “não” a estas duas perguntas, também por duas razões. A primeira, geral, porque pulhas existem e existirão sempre entre pobres, ricos e remediados. A segunda,  mais concreta, porque existem ricos que são nobres, bondosos e altruístas.

Não me darei ao trabalho de citar exemplos, sempre demasiado subjectivos, nesta matéria. Acrescentarei apenas que a nobreza ou vileza de carácter não se mede pelo dinheiro ou bens que se possuem. Uma boa medida para avaliação seria, talvez, a análise da forma como nos relacionamos com o próximo.

“Próximo”, como o termo indica, podem ser os nossos filho, pai, vizinho, amigo, colega ou periquito. Se amarmos o próximo, será mais provável que amemos também a sociedade, o mundo e até o universo. De facto, eu tenho as maiores dúvidas sobre aquele, seja qual for a sua condição social, que tem as mais belas ideias sobre o mundo, mas maltrata seu cão.

À parte a inveja que provoca em alguns seres completamente insuspeitos, a riqueza, em si mesma, não é má. Má, vil e inútil continuará a ser, sempre, a estupidez.

Dado que não é realisticamente possível eliminar quer a riqueza quer a estupidez, a separação entre ambas constitui, na minha perspectiva, um dos pilares de um mundo minimamente decente. A sua junção, essa sim, constituiria — constituirá sempre — o desastre completo.

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JOVEM RECRUTA SUICIDA-SE POR AMOR

Diogo agarrou a revista do Patinhas pousada a seu lado no degrau de pedra, e levantou-se.

– Mãe, vou até Santa Apolónia!

A frase foi completada já em andamento, com o Patinhas a cair algures no interior da casa. Noutros dias, Diogo teria descido o beco a correr e depois as escadas, à direita, duas a duas até ao último lanço, em que poderia saltar quatro, cinco e, em competição, seis ou mesmo sete degraus. Mas era domingo e estava calor…

Ao fundo da escadaria, num larguinho em que quatro ruelas completamente diferentes na dimensão e no traçado se encontravam, havia um chafariz de pedra. Uma miúda chapinhava; por perto, três catraios brincavam, nus.

Transpostas as ofuscantes linhas de luz marcadas no chão dos caminhos irregulares que tão bem caracterizam o emaranhado do bairro, Diogo encontrou-se numa zona aberta, como quem sai de uma floresta. Cruzou a Rua Museu de Artilharia, contornou o muro adjacente e passou pelo largo fronteiro aos edifícios da esquadra da Polícia, do Museu Militar e do Lactário. Para lá deste último, ficava a Av. Infante D. Henrique, depois a Doca, onde quase toda a malta aprendera a nadar, e finalmente o Tejo.

Era a fronteira Sul.

Diogo seguiu por debaixo das arcadas do Museu Militar, a passo lento. O grande relógio da Estação de Santa Apolônia marcava 5 horas. Diogo entrou, transpôs o átrio interior, e deu de frente com uma possante locomotiva. Contornou pela esquerda e seguiu ao longo da plataforma.

Bagageiros, com chapéus de fita vermelha, passavam por ele, empurrando carrinhos em que malas, sacos e garrafões de palha se acomodavam. Diogo caminhava e recordava o jogo que a malta fazia para ver quem era o último a saltar para a plataforma depois do comboio partir. Era um jogo perigoso, como perigoso era andar à pendura nos eléctricos ou atirar-se da proa de uma fragata à água do Tejo. Alguns dos mais valentes conseguiam saltar mesmo no fim das plataformas (as quais se assemelhavam bastante a pontões entrando num rio), precisamente perto do local onde Diogo vislumbrava agora um vulto branco.

Aquela era a fronteira Leste.

Diogo aproximou-se e constatou que o vulto branco era, de facto, um marinheiro. Sentiu um impulso irresistível e avançou ainda mais. Quando chegou muito perto, avistou um comboio, ao fundo, por detrás do marujo, descrevendo uma curva que o encaminharia à linha situada à esquerda da plataforma. Era para os carris dessa linha que se dirigia o olhar do marinheiro, uma mão caída segurando o chapéu branco, a outra enfiada na algibeira das calças. Depois foi tudo rápido de mais, embora a recordação de Diogo lhe devolva sempre as imagens em câmara lenta, como nos filmes.

O homem atirou-se à linha um momento antes do comboio passar. O corpo ficou sobre um dos carris ao nível da cintura: Diogo não ouviu nada, não pensou em nada; o olhar era o seu único sentido. O horror não o deixava desviar os olhos ou fechá-los por muito que o instinto lhe gritasse o que iria acontecer. Do vulto branco, agora acinzentado por força da enorme sombra que por sobre ele projetava a locomotiva, jorrou em todas as direções uma torrente fantástica de sangue vivo. Por instantes, a explosão paralisou-o. O comboio passara. Só então ouviu: primeiro uma chiadeira de rodas de ferro travando sobre carris, depois vozes, muitas vozes, cada vez mais vozes.

Houve um lapso de tempo em que tudo se varreu da memória de Diogo. Só a pouco e pouco tomou consciência do que acontecera. Trémulo, muito pálido, não conseguia já dirigir o olhar para o local do suicídio. Foi andando o mais rapidamente que pôde em direção à rua. Se pudesse teria corrido, mas não podia, as pernas tremiam-lhe demasiado. Alcançou-a no momento em que uma ambulância chegava. Ao cruzar mecanicamente a estrada, a buzina de um autocarro fê-lo saltar para o passeio; não fora a sua agilidade teria sido colhido. Por quê? – perguntava-se. E não compreendia.

Agora só queria chegar a casa e contar ao pai, contar à mãe. À noite acordou várias vezes, gemendo, gritando, chorando. E só quando a mão rude e enorme do pai lhe afagou longamente o cabelo, realmente adormeceu. Mas um sonho permanente e confuso agitava-o. Um sonho que terminava sempre da mesma maneira – numa explosão vermelha de sangue.

No dia seguinte, passeando entre a Graça e Sapadores, Diogo contou aos amigos.

Na fronteira Norte.

Ao jantar, o pai mostrou-lhe no jornal a notícia: JOVEM RECRUTA SUICIDA-SE POR AMOR, e nessa noite Diogo não gritou, mas demorou muito tempo a adormecer. Recordava, pensava e, por mais que quisesse, não compreendia.

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Passaram dez anos. Num certo fim de tarde encontrava-se Diogo sentado no muro de pedra do Cais das Colunas.

Fronteira Oeste.

A seu lado, uma jovem bela, namorada, a primeira de verdade. De súbito, algo lhe veio à ideia. Estremeceu.

– O que foi? – perguntou ela.

– Nada, nada – respondeu-lhe com os olhos absortos nas águas do Tejo. E após breve pausa:

– Vais sempre gostar de mim, não vais?

A resposta da moça foi sorrir e unir-se-lhe ainda mais.  Seu olhar, pleno de carinho, de amor, dizia tudo…

Fez-se um fundo silêncio. Finalmente, apertando ligeiramente a mão que continha na sua, sem deixar de olhar as águas, sem saber se falava para ela, para ele próprio ou para o marinheiro que se suicidara havia dez anos, Diogo afirmou:

– É verdade. Qualquer um pode morrer por amor.

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Ranking dos 10 políticos portugueses mais detestáveis

1º- Cavaco Silva “O Conspirador”

2º- Francisco Louçã “O Moralista”

3º- Alberto João Jardim “O Troglodita”

4º- Nuno Melo “O Malandreco”

5º- Manuel Maria Carrilho “O Cínico”

6º- José Pacheco Pereira “O Convencido”

7º- Bernardino Soares “O Ortodoxo”

8º- Miguel Relvas “O Hedonista”

9º- Marcelo Rebelo de Sousa “O Quadrilheiro”

10º- Paulo Portas “O Oportunista”

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Chile

Andes, América do Sul

Foi em Dezembro de 2011, mas está bem vivo na memória o curto salto a Santiago, Valparaíso e Viña del Mar. Deu para perceber que o Chile, quando comparado com outros países da América do Sul, é um país bem organizado, com adequadas infraestruturas, nomeadamente (e neste aspecto contrasta drasticamente com o Brasil) as rodoviárias.

Trata-se de um país peculiar, com os seus 4300 kms de comprimento e apenas 180 (em média) de largura, em que se destaca a indústria do cobre, representando 50 % de toda a economia chilena. Aqui se situam as duas maiores minas de cobre do mundo, uma a céu aberto e outra subterrânea, com mais de 2000 kms de túneis. O Chile é o maior exportador do mundo deste produto. 80% do país é composto por montanhas, com destaque para os Andes. O Chile é também um país onde ocorrem muito terramotos e erupções vulcânicas (2000 vulcões conhecidos), pois está situado no chamado Anel de Fogo do Pacífico. Todos os dias ocorrem abalos e, em média, de 28 em 28 anos, um grande terramoto, como o ocorrido em 1960, o maior do mundo desde que há registos, atingindo 9,5 graus na escala de Ritcher.

Mercado em Santiago.

O Chile é também um produtor privilegiado de frutas (segundo maior exportador mundial de kiwis, depois da Nova Zelândia), madeiras e vinho. A exportação de madeiras é muito importante, sendo o segundo maior item exportado do Chile. No sul do país encontram-se enormes plantações de pinheiros (vindos do Canadá) e eucaliptos (vindos da Austrália). O vinho chileno é bom, cultivando-se castas de qualidade, provenientes da Europa. Com vinho branco, cerveja, sumo de ananás e rum, os chilenos produzam uma bebida a que chamam “terramoto”. Quando se repete é uma “réplica”. À terceira vez, é um “tsunami”. Já que falamos de bebidas, deixamos aqui um apontamento sobre a “chicha”, uma bebida muito popular nos meios rurais, inicialmente importada do Norte (Colômbia e Peru), onde é produzida do arroz, sendo que no centro do Chile é produzida da uva e, no sul, de maçã.

Estátua de Allende, em Santiago.

Pelo que pude apurar, a sociedade chilena está bastante dividida, com uma forte clivagem esquerda/direita. Há um conflito permanente entre os sucessivos governos e os estudantes. Um dos principais pontos de discórdia tem a ver com o pagamento dos cursos superiores. Todos os estudantes têm de pagá-los (cerca de 650 euros/mês, na nossa moeda!), sendo que o governo financia, mas os estudantes têm de reembolsar esse valor, ficando muitas vezes 30 anos a pagá-lo.

Em Santiago pudemos experimentar o famoso ceviche, prato de peixe misturado com cebola, azeitonas verdes e amendoins, tudo cortado em pedacinhos, limão, salsa e mais um ou outro ingrediente que não consegui descobrir. É servido frio e parece uma sopa. Na verdade, embora popular, este foi um petisco alternativo, pois o que eu queria mesmo era provar “locos”, um marisco que dizem ser muito bom. Mas, segundo me informaram, não era época deles.

Pormenor do anfiteatro da Quinta Vergara.

Dois dias depois viajámos para Viña del Mar e Valparaíso. A história da fundação de Viña é bem curiosa. O fundador da cidade, José Francisco Vergara, que mandou construir um belo palácio, inserido numa charmosa quinta, os quais têm ambos, hoje, o seu nome, não ficou famoso por acaso. Ele casou com uma moça que era filha do homem mais rico da região, possuidor de grande extensão de terras. Acontece que este homem era português. (Sempre há um português metido na história…)

Inserido na Quinta Vergara, está um dos mais emblemáticos espaços para espetáculos de toda a América do Sul, um anfiteatro de arquitectura arrojada, com capacidade para mais de 15.000 espectadores. Ainda em Viña del Mar, não percebemos por que a praia, mesmo em frente ao restaurante onde comemos um excelente peixe grelhado e tomámos um bom vinho branco, estava deserta. A água, onde molhámos os pés depois do almoço nem sequer estava muito fria.

Casa de Neruda em Valparaíso.

Em Valparaíso, como não poderia deixar de ser, visitámos a casa do grande poeta Neruda. Valparaíso perdeu muita da sua importância depois da construção do Canal do Panamá. Os navios deixaram de circundar o continente para passarem do Atlântico para o Pacífico (e vice-versa) e o porto de Valparaíso, importantíssimo para a economia local, perdeu quase totalmente o fulgor de outrora.

De referir que Valparaíso e Viña del Mar são cidades praticamente coladas, viradas ambas para o oceano Pacífico. As águas por serem frias não são boas para banhos, mas generosas no que toca a peixe e marisco. Nunca tinha visto tanta variedade e, sobretudo, uma panóplia de moluscos e bivalves, cujas dimensões, de tão grandes, não estamos habituados a ver em Portugal.

Rua de Santiago.

O Chile está dividido administrativamente em regiões; as regiões em províncias; e as províncias em municípios. Cada município cobra os seus próprios impostos e, por isso, há diferenças significativas entre uns e outros, em termos de riqueza e desenvolvimento.

Quando regressámos a Santiago, no fim do dia, o trânsito estava caótico e perdemos um tempo infinito nas filas. Aproveitei para sair antes do centro e tomar uma cerveja no boémio bairro de Bellavista. Acabei por regressar ao hotel a pé, entretido com a animação que se sentia pelas ruas, própria do início de um fim-de-semana.

Uma das coisas que nos impressionaram em Santiago foi a segurança. Por todo o lado – a pé, de carro, a cavalo – se veem polícias. Pareceu-nos que, quanto a isso, ali não se brinca em serviço.

O povo é afável e educado. Gostámos do Chile. Esperamos voltar.

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