Costa do Conde, Paraíba, Brasil

Praia do Coqueirinho. Talvez a mais bonita da Paraíba.

Vivemos em quatro Estados do Brasil. Primeiro no Paraná, em Ivaiporã, depois na Bahía, em Porto Seguro, mais tarde no Rio Grande do Sul, em São Leopoldo, e por último na Paraíba, em Carapibus, 30 quilómetros a sul da capital, João Pessoa. Carapibus pertence à prefeitura do Conde, bem como a praia com o mesmo nome e todas as outras – Amor, Jacumã, Tabatinga, Coqueirinho, Arapuca, Tambaba, Graú, Bela – as melhores da Paraíba, integradas na chamada Costa do Conde. Gostámos tanto do lugar que acabámos por comprar uma casa e aqui vivemos durante dois anos. A zona é, de facto, paradisíaca, e todas as praias já referidas têm os seus encantos.

Praia Bela. Os brasileiros, sobretudo do Nordeste, não são muito dados a banhos de mar e sol. Em parte isto é compreensível, pois o sol aqui é realmente potente e perigoso: não passa pela cabeça de ninguém estar deitado na praia, ao meio-dia, a apanhar banhos de sol. Já em relação à preferência pelos banhos em rios e maceiós em detrimento do mar, colocam-se várias hipóteses, todas elas culturais, relacionadas com as tradições índia e negra. Neste aspeto, há um contraste vincado com a cultura portuguesa.

Por outro lado, além da ligação à natureza, a proximidade destas praias a João Pessoa proporciona a quem ali vive deslocar-se com facilidade à capital para suprir alguma necessidade que não possa ser satisfeita nas pequenas localidades costeiras pertencentes ao município do Conde. Costumávamos ir a João Pessoa uma vez por semana, primeiro de carro, depois de buggy, para nos abastecermos nalgum supermercado de maior dimensão e, sobretudo, para comprarmos peixe no Zé do Peixe, na Penha, uma pequena e pitoresca aldeia de pescadores junto ao mar, aproveitando, em geral, para almoçarmos no restaurante Vila do Porto na zona histórica de João Pessoa (um restaurante belíssimo que é também um espaço cultural) ou no Maré Alta, na marginal. A zona histórica vale bem uma visita demorada: a Igreja de São Francisco, do século XVI, com seus belos azulejos portugueses no pátio, é ponto de paragem obrigatório; os edifícios art nouveau são outra atração a não perder.

Brincando com a lua em Tabatinga 1.

A Praça Antenor Navarro alberga edifícios de grande interesse arquitetónico (é num deles que funciona o Centro Cultural Espaço Mundo); no topo da praça, virando à esquerda, encontra-se um pequeno largo com a Igreja de S. Frei Pedro Gonçalves e belos edifícios, como o Hotel Globo ou a Casa da Ordem dos Arquitetos; é mesmo ao lado desta que fica o restaurante-bar Vila do Porto. Descendo no mesmo sentido, encontraremos, já junto ao rio Paraíba, um bairro pobre com casas pré-fabricadas ao lado de grandes edifícios em ruínas, de antigos comerciantes portugueses. Alguns dias ficámos em João Pessoa para jantar, invariavelmente no Teimoso, um restaurante português, com alguns petiscos e pratos típicos de Portugal. À noite, a zona mais segura é mesmo a que fica junto à orla marítima, onde quase tudo acontece. Como em todas as cidades brasileiras, as zonas mais movimentadas e com mais turismo são as mais policiadas e, como tal, as mais seguras. Fora dessas zonas não é nada aconselhável andar a pé. Em João Pessoa fica também um restaurante famoso, aonde fomos duas ou três vezes, o Mangai, talvez o maior e o mais diversificado restaurante de comida genuinamente paraíbana.

Tabatinga 2. No Verão a água de mar muda de cor e fica mais transparente devido a alterações nos ventos e nas correntes marítimas.

Mas na Costa do Conde também há bons restaurantes. Dois deles, realmente excelentes, são o Turek, em Carapibus, e o Canyon, ao lado da praia do Coqueirinho. O primeiro é especializado em carne grelhada e o segundo em peixe (sobretudo moquecas) e marisco.Além da proximidade a João Pessoa, a Costa do Conde não fica muito distante do Recife. A capital do Pernambuco, onde fica o aeroporto internacional com ligações diretas (e indiretas) a Portugal, dista uns meros 120 quilómetros de Carapibus ou Jacumã. De vez em quando, para algum evento especial, como um concerto ou o carnaval (de Recife ou Olinda), ou para comprarmos livros na livraria Cultura (João Pessoa é pobre em livrarias, a mais ampla e diversificada é uma que vende livros em segunda mão, chamada Sebo Cultural) ou ainda para irmos ao aeroporto receber alguém ou nós próprios viajarmos, dávamos um salto ao Recife. Quem nos transportou muitas vezes para o aeroporto do Recife ou deste para nossa casa de Carapibus foi o senhor Ernande, já também um amigo, cujo contacto, no caso de alguém precisar, é o seguinte. (+55) 83998692749. O senhor Ernande pode (e deve) ser contactado através do whatsapp.

Ainda a praia de Tabatinga 1. Por ser mais próxima de nossa casa, é aquela aonde fomos mais vezes.

Como se sabe, o turismo no Brasil é incipiente, sobretudo o turismo externo. E, no entanto, a Costa do Conde tem um potencial turístico excecional. Tem boas praias, bom clima, bons restaurantes, boas pousadas, boa gente. Mas faltam duas coisas essenciais. Por um lado, segurança e, por outro, infraestruturas e equipamentos de todo o tipo, sobretudo boas estradas. Se houver vontade política e capacidade de investimento, a Costa do Conde poderá ser um destino atrativo para turistas de todo o mundo, nomeadamente para americanos e europeus. Isso daria um impulso à região criando riqueza e emprego. A cultura paraíbana, como acontece um pouco por todo o Brasil, é rica, e o forró pé-de-serra um produto local genuíno, é, por isso mesmo, igualmente um produto turístico por natureza. A cidade de Campina Grande, a segunda maior da Paraíba, a 130 quilómetros de João Pessoa, tem como cartão de visita as festas juninas (o equivalente aos nossos santos populares), nas quais participam as chamadas “quadrilhas”, numa manifestação popular única, que alcança na Paraíba e no Pernambuco a sua expressão mais elevada.

Passagem da praia do Amor para a praia de Jacumã.

Assim, passar uma férias na Costa do Conde durante o mês de Junho tem algumas vantagens. Em princípio, os voos são mais baratos. E, dado que no Brasil o Inverno começa precisamente nesse mês, é uma altura de “época baixa”, quando os preços, nomeadamente das pousadas, são também mais baratos. Por outro lado, há mais sossego, logo mais tranquilidade. E pode sempre dar-se um salto a Campina Grande para se assistir à atuação das quadrilhas. Quem quiser, pode alugar um carro e visitar outros locais, como Recife ou mesmo Natal, que fica a menos de 200 quilómetros de João Pessoa. Natal é, aliás, outra cidade com aeroporto internacional e uma hipótese alternativa ao Recife, caso o preço dos voos para a capital do Rio Grande do Norte seja significativamente inferior ao dos voos para o Recife. Pelo caminho até Natal há pontos interessantes, como a praia de Pipa, o cajueiro gigante de Pirangi ou o rio Catu que pode ser atravessado com o carro em cima de uma jangada (os brasileiros chamam-lhe “balsa”) em Sibaúma. A alternativa a alugar apenas o carro é alugar um carro com motorista e para isso, claro, o melhor é contactar o senhor Ernande.

Com Ismael, no seu pequeno veleiro. É preciso conhecer bem esta zona e, ainda assim, ter muito cuidado devido às rochas submersas. O mesmo acontece quando nos banhamos nas praias mais abertas, com maior ondulação, algumas não vigiadas: é preciso ser muito cuidadoso. O recomendável é procurar as praias mais abrigadas, viradas para o Norte, sobretudo se se estiver com crianças.

Quem quiser hospedar-se em Carapibus, num local com vista espetacular sobre o mar, pode optar pela Pousada Laguna, dos nossos amigos Ismael e Gládis, onde podem tomar um excelente pequeno-almoço ou um petisco típico da região (os “caldinhos” são divinos) verdadeiramente “em cima” do mar. De facto, a localização desta pousada é privilegiada, pois fica no topo de uma falésia de onde se tem uma vista arrebatadora: além de se ver o sol nascer no mar, também se pode ver o sol pôr-se , em terra. No topo da arriba há mesas e cadeiras espalhadas sob toldos e chapéus de palha: o tempo quase pára quando nos sentamos para um drink, desfrutando da brisa que sopra do oceano. O acesso à praia é feito descendo a arriba, através de uma passagem bela e exclusiva. Trata-se de uma passagem íngreme mas segura, fácil de percorrer, com banquinhos pelo meio do percurso para descansar e apreciar a paisagem durante a subida. A tranquilidade do lugar proporciona uma verdadeira comunhão com a natureza; ali é possível, realmente, relaxar.

Passagem entre a praia e a Pousada Laguna ao pôr-do-sol.

À noite, há o bar Tropicália, na rua principal de Jacumã (a avenida Ilza Ribeiro), em frente à igreja, que está aberto até ao amanhecer, desde que haja clientes. No Tropicália pode comer-se um bacalhau à Gomes de Sá e beber-se um bom vinho português, ou simplesmente tomar uma caipirinha ou uma cerveja artesanal, entre muitas outras opções, envolvido numa suave música ambiente. O bar está concebido para estimular o convívio entre os clientes e proporcionar a troca de ideias e experiências, mas, em alguns fins de semana também há música ao vivo. O proprietário, de seu nome Jorge Tavares, é português e igualmente, nosso amigo. Após o encerramento do bar, normalmente lá para as 4 da madrugada, quem quiser, e gostar de fazer nudismo, pode aproveitar a boleia do Jorge e acompanhá-lo no seu buggy, através de uma paisagem luxuriante, até à praia naturalista de Tambaba, e experimentar um reparador mergulho ao nascer do sol.

Sobre a praia da Arapuca.

Nessa altura não estará à entrada o rececionista, mas se forem mais tarde só terão acesso à praia, caso sejam do sexo masculino, se forem acompanhados de uma mulher. Já estas, por sua vez, podem entrar sozinhas, não nos perguntem porquê. Há uma única entrada para a praia, através de uma passagem entre as rochas, pelo que não poderão escapar ao controlo. No entanto, se forem antes das oito da manhã poderão entrar sem restrições. Na praia naturalista de Tambaba (há a praia pública de Tambaba, aliás muito bonita, ao lado da praia naturalista) existe um bar-pousada aberto desde manhã cedo, onde podem tomar o café da manhã à sombra de um coqueiro. É provável que essa seja uma forma inesquecível de começar o dia.

No nosso buggy. Em baixo, a praia do Coqueirinho.

Tudo o que possa ser dito é pouco para realçar a beleza natural desta zona costeira entre João Pessoa e a praia Bela. Conhecemos a maior parte do litoral brasileiro, de Norte a Sul. Escolhemos viver na Costa do Conde porque é, sem dúvida, pelo menos para nós, juntamente com algumas zonas de Alagoas e da Bahía, e obviamente com Fernando de Noronha (um paraíso natural), onde se encontram as melhores praias do Brasil. Fizemos bons amigos na Paraíba. Isso e o facto de ainda ali termos uma casa constitui uma garantia de que em breve, se não acontecer algum impedimento, iremos certamente voltar.

******************************

Porto

dsc02224
A Ribeira, uma das zonas mais animadas do Porto.
dsc02191
O Porto visto de Vila Nova de Gaia.
dsc02121
Estação de São Bento. Surpreendente.
lello-2
Lello. Considerada, com razão, uma das mais belas livrarias do mundo.
bolhao
À entrada do Mercado do Bolhão.
santa-catarina-1
Pormenor em prédio na rua de Santa Catarina.
mal
Majestic. O café mais famoso do Porto.

******************************

Algarve, Portugal

DSC00124 (1)
Vegetação no topo de uma escarpa do Barlavento algarvio

O Algarve é uma pequena região (cerca de 5.000 quilómetros quadrados) de um pequeno país, mas, tal como este, com uma enorme diversidade. Situado no extremo sul de Portugal, podemos analisar  este distrito de várias formas, mas há duas que parecem mais óbvias. Uma que divide o Algarve entre serra e litoral; e outra que o divide entre Barlavento, a Oeste, e Sotavento, a Leste. Dito isto, convém esclarecer que estas visões dualistas não são suscetíveis de beliscar a unidade desta região que, apesar dos contrastes (ou sobretudo por eles) se constitui como um todo equilibrado, dinâmico e, como qualquer pessoa pode comprovar in loco, muitíssimo atraente.

caldeirão
Pôr do sol na Serra do Caldeirão.

No Barlavento encontramos a Serra do Monchique, com vistas magníficas sobre o mar, uma imensa área verde e um importante complexo termal, em Caldas de Monchique. No Sotavento, por sua vez, destaca-se a Serra do Caldeirão, famosa pelas estradas tortuosas, a densa rede hidrográfica e o medronho, um fruto que, após destilação, se transforma numa aguardente muitíssimo apreciada. A desertificação e o isolamento da região serrana, a primeira mais recente e o segundo mais antigo, têm sido compensados pela chegada de muitos estrangeiros que optam por morar na tranquilidade da serra, quase sempre em locais com vistas deslumbrantes sobre o mar.

praia marinha
Praia da Marinha, no Barlavento. Recortada na falésia.

No que toca ao litoral, há acentuadas diferenças entre Barlavento e Sotavento. Embora as praias sejam magníficas em ambos os espaços – na verdade, as melhores da Europa: águas calmas, limpas e de temperatura amena -, a costa do Barlavento (lado de onde sopra o vento) é mais recortada, com praias que são, em muitos  casos, pequenas  e belíssimas baías ou enseadas, no fundo de falésias, escarpas e penhascos, e com a água do mar um pouco mais fria que a do Sotavento (lado para onde sopra o vento).

cacela
O mar e a Ria Formosa vistos de Cacela Velha, no Sotavento algarvio.

Aqui, pelo contrário, a costa é baixa, apenas com dunas, e existe, ao longo de uns 60 quilómetros, a Ria Formosa – um curso de água, alimentado pelo mar (reserva natural), que é a casa de muitos espécimes animais e vegetais e que transforma as praias em ilhas, só acessíveis por barco. Claro que há algumas exceções, onde se construíram passadiços ou pequenas pontes, mas a maior dificuldade de acesso faz com que as praias do Sotavento sejam mais tranquilas (com zonas praticamente desertas) que as do Barlavento, onde o fluxo de veraneantes é bastante superior.

olhos agua
Saboreando um imperador na praia de Olhos de Água, com o mar (ou será uma piscina?) aos pés.

Com quase duzentos quilómetros de costa, é perfeitamente natural que os gastrónomos locais utilizem, praticamente todos os dias, peixes e frutos do mar. De facto, em todas as cidades algarvias existem excelentes mercados de peixe e em muitas delas realizam-se festivais de mariscos, sendo de destacar os percebes, apanhados nas escarpas da costa ocidental, com grande risco, face à sua localização, em rochas de difícil acesso. Estes são talvez os frutos do mar mais deliciosos do mundo, e a sardinha das águas algarvias, pequena e gorda, é seguramente a mais apreciada. É conhecida a apetência que os portugueses têm para comer este peixe, grelhado no carvão, acompanhado com pão, vinho e uma salada mista com pimentos verdes.

olhos agua1
Praias tranquilas, lindas, surpreendentes.

Naturalmente, o Algarve enche-se de visitantes durante o verão. Mas, cada vez mais, há quem venha também na época fria. Aqui o sol brilha 300 dias por ano. Os amigos brasileiros surpreender-se-ão com o céu totalmente azul, sem um farrapo de nuvem, durante quatro, cinco e, muitas vezes, mais dias consecutivos. Os invernos são amenos, embora durante a noite a temperatura baixe bastante. Muitos cidadãos europeus, sobretudo ingleses, escolheram o Algarve para viver. Esta região foi considerada, em 2014 e 2015, pela Live and Invest Overseas o melhor destino para os norte-americanos viverem depois da reforma.

tav
Tavira. Provavelmente, a cidade mais bonita do Algarve.

A tranquilidade e segurança, as maravilhosas praias, o clima ameno, a excelente gastronomia, um custo de vida dos mais baixos da Europa e os preços acessíveis do imobiliário[1] fazem do Algarve um dos destinos mais apetecíveis do mundo. Foi por isso que escolhemos aqui viver, em Conceição de Tavira, no Sotavento. Raramente precisamos do carro. Com uma simples bicicleta vamos à praia, ao supermercado e fazemos os nossos passeios. A fronteira espanhola está a 25 quilómetros, Sevilha a 150, Lisboa a 300, África a 400; do aeroporto de Faro, aqui ao lado, partem aviões de low cost para grande parte da Europa. Se o paraíso existe na Terra, um dos seus endereços é aqui.

adão e eva2
Manta Rota, no Sotavento algarvio.

******************************

Notas:

[1] Para se ter uma ideia dos preços dos imóveis em Portugal, deixamos aqui alguns dados que retirámos do jornal “Expresso”, e que se baseiam num estudo efetuado pela APEMIP (Associação dos Profissionais e Empresas de Mediação Imobiliária de Portugal), que, por sua vez, se baseou no portal imobiliário internacional Property Guide. A análise reporta-se aos preços por metro quadrado nos centros das principais cidades europeias, considerando um espaço de 120 m2. O preço médio em Portugal é de €1.963/m2, o que equivale à 30ª posição entre 38 países analisados. No top 5 estão Mónaco (€44.522/m2), Reino Unido (€25.575/m2), França (€13.639/m2), Rússia (€11.866/m2) e Áustria (€10.807/m2). Os países com m2 mais baixo que o português são apenas oito: Chipre (€1.790), Croácia (€1.764), Roménia (€1.537), Hungria (€1.528), Montenegro (€1.400), Bulgária (€1.222), Macedónia (€1.134) e Moldávia (€965).

******************************

Cidade do Panamá e Colón

DSC08503
Na Cidade do Panamá sente-se e vê-se uma dinâmica enorme, um pulsar constante, uma pujança que nos envolve. Os arranha-céus multiplicam-se, conferindo à cidade aquele ar de moderna capital americana (ou de algumas capitais asiáticas) – uma urbe palpitante.
DSC08987
Vários desses arranha-céus têm um desenho arrojado, como este, em espiral, obra da empresa de arquitetura Pinzón Lozano & Asociados. A sua silhueta vê-se praticamente de qualquer lugar da cidade e é como um íman que atrai o nosso olhar. Magnífico.
DSC08634
Mas a ousadia arquitetónica está patente não apenas em edifícios particulares. Também no património público. Repare-se neste pormenor do atraente e colorido Museu da Biodiversidade, desenhado pelo renomado arquiteto americano (nascido no Canadá), Frank Gehry. Os museus são muito bem organizados na Cidade do Panamá. Destacamos, além do da Biodiversidade, o Museu do Canal Interoceânico do Panamá, situado no Casco Antigo da cidade, e o Centro de Visitantes de Miraflores, onde se pode ver uma magnífica exposição sobre o Canal, assistir a um filme em 3D e, ao vivo, ao movimento dos navios que passam pelas eclusas (ver foto abaixo).
DSC08689
Além da arquitetura, a Cidade do Panamá possui também um moderno sistema de transportes. O metro é recente e excelente, e liga-se a um centro modal de transportes, situado em Albrook, na periferia. O Canal do Panamá – obra gigantesca levada a cabo pelos norte-americanos e que está a ser objeto de ampliação – está finalmente em mãos panamianas. Através dele, acede-se ao porto da cidade que, tal como o aeroporto, é um “hub” estratégico. O aeroporto une as Américas do Norte e do Sul, e o Canal une o Atlântico, a Leste, e o Pacífico, a Ocidente.
DSC08880
O custo dos transportes, incluindo o táxi, é muito acessível (convém sempre discutir o preço com o taxista) dado que os combustíveis são bastante baratos. Os hotéis também não são caros e têm boa qualidade. Os restaurantes são igualmente acessíveis. Apesar da comida não ser extraordinária, há coisas interessantes. Vale a pena comer uma sopa de marisco ou tomar uma limonada adoçada com melaço de cana no Mercado do Marisco; comer um ceviche na zona do porto de pesca; e, sobretudo, almoçar ou jantar no El Trapiche, na Calle Argentina. À noite, a movida passa-se na Calle Uruguay.
DSC08926
Esta dinâmica panamiana ocorre por duas razões principais: 1- o potenciamento da sua extraordinária localização geográfica, o que inclui as receitas elevadíssimas da exploração do Canal do Panamá; 2- e uma política económica aberta e pragmática, o que levou, inclusivamente, à adoção do dólar como moeda oficial. Mas nem tudo são rosas. Apesar do progresso, há muita desigualdade ainda, mesmo no interior da Cidade do Panamá, com zonas mais pobres, mas sobretudo noutras cidades, como Colón (na foto), que visitámos também. Além disso, não é possível esquecer o papel de “paraíso fiscal”, pelo  qual o Panamá é conhecido no mundo, como ficou patente através dos recentíssimos “Panama Papers”.
DSC08907
E foi aqui, em Colón, que encontrámos um amigo de longa data. Ele é testemunha da dinâmica panamiana, pois é um dos responsáveis da construção de uma terceira ponte que unirá as duas margens do Canal do Panamá, que ocorre em Colón. Foi ele quem nos levou a conhecer o local onde estão a construí-la e também as eclusas de Gatún. Dois amigos de Alfama encontraram-se em plena selva tropical – evento histórico!

******************************

Tulum, México

DSC08345
Tulum

Os maias chegaram à península do Yucatã vindos da Ásia. Provavelmente seriam mongóis que migraram pela Sibéria e daqui para o atual Alasca, no final da última glaciação, há cerca de 12.000 anos. Da América do Norte desceram à América Central, onde se instalaram até os dias de hoje. Além da península do Yucatã[1], onde 80% da população é de origem maia, ocupam também os territórios atuais correspondentes às terras baixas e altas da Guatemala, ao Belize, à porção ocidental de Honduras e El Salvador, reunindo territórios que pertencem à região denominada Mesoamérica[2], numa área de 325.000 quilómetros quadrados. Fisicamente os maias caracterizam-se pela estatura baixa, a tez trigueira, a face redonda, a pele com poucos pêlos, e uma mancha característica no fundo das costas — a marca mongol.

Está comprovado que os maias percorreram esta região há milhares de anos, comerciando por terra e, sobretudo, por mar. Os navios que construíam não tinham mastros, dado que não usavam velas mas sim a energia humana para navegarem: utilizavam embarcações a remos, que manobravam junto à costa, ao longo da segunda maior barreira de coral do mundo.

Não eram, pois, um povo unificado; estavam divididos em tribos e reinos, com uma rígida estratificação social. Eram violentos e extremamente religiosos, praticando o sacrifício humano, sobretudo de crianças entre os quatro e os oito anos, para contentarem os deuses e receberem em troca a chuva necessária para que a atividade agrícola se desenvolvesse. Os deuses eram em número de vinte e três, distribuídos em três níveis: o inframundo, a terra e o céu.

DSC08300
Pormenor num dos templos de Tulum

Além de extremamente religiosos, os maias desenvolveram uma cultura muito interessante do ponto de vista científico. Tiveram quatro calendários: um ritual (Tzolkín) de 260 dias, um civil (Haab) de 360 dias – formando os dois a famosa “Roda Calendárica” – e outros dois para uso exclusivamente científico . O ciclo da vida durava 52 anos, findos os quais, tudo era renovado: novos templos eram construídos sobre os antigos e tudo que pertencia ao ciclo que findava era queimado. Grandes observadores do céus e dos movimentos dos astros, começaram uma contagem do tempo a partir do alinhamento de seis planetas, iniciando, assim, em 3114 aC, um ciclo maior que terminaria 5125 anos depois, em 21 de dezembro de 2012, quando os mesmos seis planetas se alinharam de novo no céu. Nesta altura foi referido por várias pessoas que os maias previram que o fim do mundo ocorresse nessa data, mas tal não corresponde à verdade. Os maias jamais falaram em “fim do mundo”, apenas em fim de um ciclo.

Há, pois, muita ignorância sobre a cultura dos maias. Em 1562, o bispo espanhol Diego de Landa[3] mandou destruir todos os livros maias, considerando-os bruxaria. Três livros, porém, foram roubados e escaparam à destruição. Um deles pertence a um cidadão privado e encontra-se na Alemanha; os outros dois encontram-se em museus, em França e Espanha; há quem fale num quarto livro, mas não se sabe ao certo se existe. Estes livros estão escritos na língua maia, língua que ainda hoje se fala, e que foi decifrada na década de 1950 pelo soviético Yuri Knorozov.

A cidade sagrada de Tulum[4] situa-se na costa nordeste da Península do Yucatã. Como o navio em que viajávamos aportou em Cozumel – uma ilha mexicana em pleno Mar das Caraíbas – tivemos de tomar outra embarcação para fazer a travessia, em cerca de 25 minutos, até Playa del Carmen, no continente, e daqui um autocarro até Tulum – mais uma hora de viagem, aproximadamente. O nome original desta cidade sagrada era Zamá, que significa “manhã” ou “amanhecer”. Terá sido construída por volta do ano 1000[5] e abandonada em 1527, após a chegada dos espanhóis, que ocorrera em 1518, sob o comando de Juan de Grijalva, vindo de Cuba, em abril desse ano, na segunda expedição ao continente. Completamente coberta pela vegetação, foi redescoberta 320 anos depois por John Stephens, diplomata e advogado norte-americano, e pelo arquiteto inglês Frederick Catherwood.

DSC08264
Árvore sagrada dos maias – Yaxche.

Tulum era uma cidade muralhada, o que prova a existência de conflitos armados, e situa-se estrategicamente no topo de um penhasco, sobre o mar, possuindo, nos restantes três quadrantes, muralhas, ainda hoje bem preservadas. Dentro delas moravam cerca de quinhentas pessoas – sacerdotes e políticos – e fora delas cerca de dez mil. Ossadas mostram claramente que havia um diferença entre os que moravam no interior e os que viviam do lado de fora: os primeiros eram mais altos, o que demonstra terem tido uma alimentação melhor. Verificou-se, também, que os maias protegiam as crianças nascidas com algum tipo de deficiência, acreditando que as mesmas eram predestinadas. Talvez por isso provocassem a deformação do crânio em alguns bebés, fixando talas de madeira em torno de suas cabeças, durante dois anos, prática ainda hoje observável entre os incas. Descobriu-se também que um certo tipo de pedras – as quais não eram infectáveis por nenhum tipo de bactérias – foram incrustadas nos dentes de alguns indivíduos, não se sabendo ao certo com que finalidade, talvez para preservar a própria dentição.

Na cidade sagrada de Tulum podemos encontrar vários templos, alguns dos quais serviam para sacrifícios, e outros como sepulturas, sendo que estas se encontravam também no exterior das edificações. Ao contrário do que se diz por vezes, não foram os espanhóis que introduziram as cisternas nesta região, os maias já as usavam há muitos anos. Um sistema de canais, ainda visível em Tulum, conduzia a água da chuva para os reservatórios, os quais eram tampados por forma a preservar a água e utilizá-la em tempos de seca.

DSC08239
Playa del Carmen

A Península de Yucatã, onde o turismo se desenvolveu exponencialmente nos últimos anos, é uma vastíssima planície, com uma ligeira elevação, precisamente onde floresceu Tulum, na costa nordeste. O solo é constituído em cerca de 90% por rochas e pedras, não existindo aqui grandes lagos ou rios, pelo que a vida dos agricultores maias não devia ser fácil. A edificação da cidade junto à costa é assim compreensível, bem como o papel da mesma enquanto entreposto marítimo. Os maias não cunhavam moeda, o “dinheiro” que usavam era o cacau, usado nas trocas comerciais e não davam o valor que depois os espanhóis atribuíram ao ouro e à prata.

Por tudo isto, vale a pena conhecer Tulum e, mais ainda, toda esta vasta região onde os maias, desde tempos remotos, se instalaram.

É de suma importância referir que as informações aqui disponibilizadas não são científicas, basearam-se no discurso de um guia local (Julian, um excelente guia maia) e em algumas consultas posteriores. O tema “civilização maia” requereria um estudo muitíssimo mais aprofundado para ter algum valor. A nossa intenção é apenas a de documentar uma visita de um único dia, e seria ridículo pretender mais do que isso. Por outro lado, os trabalhos e as investigações continuam por esse mundo fora, sendo que muita coisa há ainda a descobrir e aclarar sobre esta brilhante – e ainda muito controversa – civilização.

******************************

Notas:

[1] Numa área correspondente aos estados de Campeche, Tabasco, Chiapas, Iucatã e Quintana Roo.

[2] Termo proposto pela primeira vez em 1943 pelo antropólogo Paul Kirchhoff.

[3] https://pt.wikipedia.org/wiki/Diego_de_Landa.

[4] Tulum não é seguramente o local mais importante para visitarmos, em termos da civilização maia. Teothihucán e Monte Alban, Palenque, Copán e Yaxchillán, na área central, Uxmal e Chichén Itza, no Yucatã, Tikal, a cidade dos Deuses, onde se encontra a maior pirâmide de toda a América, são as metrópoles mais importantes e conhecidas.

[5] Pertence, portanto, ao período pós-clássico. “Tradicionalmente, os arqueólogos dividiram a História maia em três períodos principais: Pré-Clássico (800 a.C. a 300 d.C.), Clássico (300 d.C. a 900 d.C.), Pós-Clássico (900 d.C. a 1520 d.C.). Cada um destes períodos possui estilos distintos de cerâmica e arquitetura. O período Clássico tem sido tradicionalmente visto como o auge da civilização maia, devido à imponência de seus palácios e templos, às estelas – monumentos verticais onde foram registradas inscrições hieroglíficas –, além de sua elaborada cerâmica policrômica. O período Pré-Clássico teria sido formado por vilas rurais modestas e desprovido de realizações arquitetônicas tão expressivas quanto às do Clássico. Já o Pós-Clássico foi um período de decadência cultural e artística. Este modelo, que ainda é muito difundido, apresenta muitas discrepâncias. No intuito de reformular, e não refutar, os dados apresentados pelos estudiosos ao longo da primeira metade do século XX, o esforço dos arqueólogos hoje é a reinterpretação destas informações a fim de se buscar uma periodização mais adequada”. in http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-90742008000100015

******************************

Bibliografia:

“Calendário Maia, 2012 e a Nova Era”, Thiago José Bezerra Cavalcanti, ISBN, 2012, Rio de Janeiro.

******************************

Georgetown, Ilhas Caimão

DSC08150
Posando para a fotografia, em Georgetown.

Georgetown é uma pequena, tranquila e bela cidade debruçada sobre o Mar das Caraíbas. A praia mais próxima do centro, Seven Mile Beach, é de uma beleza deslumbrante, com águas calmas e cristalinas. Por todo o lado existem hotéis e resorts, a exemplo do que ocorre em Miami, com menos luxo e glamour, mas com muito mais tranquilidade e proximidade à natureza.

Seven Mille Beach.

É possível observar de perto vários tipos de aves, peixes e répteis; as iguanas circulam livremente pela cidade. Mergulho, snorkeling, vela e windsurf são o tipo de atividades perfeitas para se praticarem nas Ilhas Caimão, e os amantes dos desportos náuticos encontram aqui o paraíso.

******************************

Montego Bay, Jamaica

DSC07946
Passeando no Mar das Caraíbas.

Montego Bay, ou simplesmente Monbay, para quem a conhece, é a segunda maior cidade jamaicana, depois de Kingston, a capital. Surpreendentemente pacífica, tranquila, ordenada e limpa, a população da cidade é maioritária e notoriamente negra.

Por todo o lado se sente o cheiro da cannabis queimando; cada pessoa pode transportar consigo três onças e ser proprietária de três pés da planta. O artesanato que se vende nas ruas e muitas manifestações culturais, como o reggae, têm a ver com o consumo de marijuana.

As praias jamaicanas são muito bonitas, com as cores características das Caraíbas, mas as águas não são tão mornas como, por exemplo, as do Nordeste brasileiro. Há belezas naturais no interior desta pequena ilha, como cachoeiras e rios, mas na nossa curta estadia ficamos mesmo pelo litoral.

Surpreendemo-nos ao ver os veículos transitarem pela esquerda, o mesmo acontecendo nas Ilhas Caimão. Na Jamaica circulam também, a par, os dólares jamaicano e norte-americano.

******************************

Havana, Cuba

Fidel transformou e aumentou a fazenda do seu pai

para fazer de Cuba uma só fazenda de 11 milhões de pessoas.

Juan Reinaldo Sánchez1

Normalmente, a parte mais difícil de uma viagem a Cuba passa-se no aeroporto. Vencida a burocracia paranoica, o trajeto que liga o aeroporto a Havana — através de vias bordadas por edifícios descoloridos e gastos, quase arruinados — faz-se com relativa facilidade. Duas horas após o avião tocar a pista, é-se recompensado. Chegamos à capital de um país mítico — Cuba.

A viagem de táxi entre o aeroporto e o centro de Havana custa normalmente de 20 a 25 CUC (cada CUC vale cerca de um euro), os novos pesos cubanos. É possível trocar dólares ou euros pela moeda cubana, mas pode ser um pouco demorado, pelo que o melhor é fazer levantamentos nos poucos ATM da  cidade, mas atenção porque nem todos os cartões se aceitam aqui. Os preços do alojamento em Havana são muito variáveis, desde os 25 CUC de uma casa particular aos 180, 200, ou mesmo mais, de alguns hotéis históricos. As comidas e as bebidas são relativamente baratas, embora nos locais mais turísticos se inflacionem os preços.

DSC07621
Na Bodeguita del Medio.

Vale a pena visitar demoradamente o Centro da cidade: os edifícios históricos; os cafés simbólicos, como Floridita ou Bodeguita del Medio; os restaurantes variados, onde a comida vem quase sempre acompanhada por uma canción, um bolero ou um cha cha chá; as lojas onde se vendem os puros cubanos (não se devem comprar na rua porque são invariavelmente falsos); as ruas, onde se podem admirar as belas e coloridas carroçarias dos carros antigos; e, entre outros motivos interessantes, os diversos museus de Havana.

Uma visita imperdível é a que é possível fazer à galeria Ojo del Ciclón, situada em Esq. Villegas, 501, no Centro Histórico. Aqui trabalha o artista plástico Leo D’ Lazaro, filho de um dos escultores responsáveis pela construção do mausoléu a Che, na cidade de Santa Clara. São inúmeros e fantásticos os trabalhos de Leo — pinturas, esculturas e fotografias — as quais se podem admirar e comprar. (Há também algumas obras à venda do seu falecido pai). A própria galeria é uma obra de arte — uma casa de habitação, com as respetivas divisões, incluindo cozinha e casa de banho, decorada com as obras de Leo e materiais que denotam o bom gosto de um artista excecional. Por vezes, há agrupamentos musicais atuando e outros encontros de artistas locais. Leo D’ Lázaro quase sempre está trabalhando por lá, mas, esteja ou não, uma visita ao Ojo del Ciclón é algo que não se pode deixar de fazer em Havana.

DSC08444
El Ojo del Ciclón.

Como seria de esperar, o turismo constitui uma importante fonte de receita, num país onde falta quase tudo (vimos, por exemplo, camiões-tanque no centro da cidade a fornecer água à população), mas a vida do turista não é muito facilitada. Quase todos procuram tirar alguma vantagem dos visitantes, e até os pequenos mapas da cidade são pagos. A obsessão com a segurança chega a ser incómoda: uma simples travessia de uma margem à outra da baía de Havana (que custa apenas dez centavos) implica a revista de sacos e mochilas de todos os passageiros, por parte dos agentes estatais. A presença do omnipotente Estado é, aliás, visível por todo o lado: nos símbolos revolucionários; na propaganda e palavras de ordem; nas instalações militares.

A apologia da luta armada e da revolução está espalhada, em cartazes e murais, pela cidade e pelas cabeças dos mais velhos, que quase sempre se referem com nostalgia aos heróis revolucionários, Che e Fidel. Tudo muda, porém, quando falamos com os jovens.

DSC07785
A propaganda revolucionária está espalhada por toda a cidade.

“Gosto muito de Havana mas quero conhecer outros lugares, aqui não tenho futuro”, confidenciou-nos González Pinilla, um pintor dos seus 18 anos, a quem comprámos dois quadros belíssimos, no Empedrado, junto à Catedral, logo no nosso primeiro dia na cidade. Os lápis, pincéis e tintas com que Pinilla criou estas obras não foram produzidos em Cuba; ele consegue os materiais de trabalho através de amigos ou turistas que os trazem clandestinamente do exterior.

Pouco depois, numa rua próxima dali, um distinto senhor aproximou-se e perguntou-nos se tínhamos um lápis que lhe pudéssemos oferecer. Afortunadamente havia na nossa mochila um lápis, gasto de fazer anotações e sublinhados, e, obviamente, demos-lho, pedindo desculpa por nem sequer podermos oferecer-lhe um lápis em condições. Ele agradeceu por aquele pedacinho de madeira com um fio de grafite por dentro, disse que era para o filho pequeno que andava na escola… Ficámos estupefactos.

No dia seguinte, encontrámos Olmedo, um jovem aparentemente um pouco mais velho que Pinilla, mas seguramente sem ter chegado ainda aos trinta, que pescava no Malecón, na margem oposta àquela onde se situa o Castelo dos Três Reis do Morro, uma edificação construída no tempo de Filipe II, quando Portugal se encontrava sob domínio espanhol. Após uma breve troca de impressões sobre espécimes aquáticos daquela zona, a conversa alargou-se e Olmedo afirmou estar cansado da propaganda do Governo: “A guerra já passou, não adianta continuar a falar em guerra e revolução; nós, os mais jovens, queremos desenvolvimento. Precisamos urgentemente de políticos novos, com uma nova mentalidade”.

DSC08395
Casablanca. Aqui nasceu Havana e neste bairro casou e morou Che Guevara. Supostamente, estes ares minimizavam os seus problemas asmáticos.

Outro jovem, cujo nome não lográmos conhecer (e mesmo que lográssemos não o divulgaríamos aqui, pois todos os nomes das pessoas que se declararam contra o regime vigente em Cuba citados neste artigo são fictícios, por razões óbvias), garantiu-nos que ele e todos os seus amigos sonham com a abertura política e o fim do velho regime. Conversámos um pouco com ele numa paragem de autocarro, aquando do nosso terceiro dia na cidade.

Já León, um cubano de 45 anos, casado e pai de três crianças, trabalha num navio de cruzeiro, onde o encontrámos e onde com ele convivemos durante oito dias. Vive em Havana com a família, mas o curso que tirou na Escola Naval permitiu-lhe embarcar, sair de Cuba, conhecer outras realidades. Durante o circuito que o navio fez nas Caraíbas ficámos a saber o que León pensa do seu próprio país: “Os cubanos já sofreram muito e já perdemos demasiado tempo; pode ainda demorar um pouco mais, mas o movimento em direção à liberdade já começou e é como uma espiral, não volta para trás”.

DSC07477
Jovem cubana vai ganhando uns trocos tocando para os turistas.

Estes e outros testemunhos que recolhemos em Cuba foram muito importantes para nós. Uma coisa é o que nos contam os amigos que ali estiveram de férias, outra coisa é o que vemos e ouvimos, diretamente, no terreno. Depois desta experiência ficámos convencidos de que Cuba será livre num futuro mais ou menos próximo. A ânsia por liberdade é quase respirável e, como diz León, uma “espiral”.

Foi com essa sensação que regressámos. A caminho do aeroporto, num táxi desconjuntado que tresandava a gasolina, o motorista, de 43 anos, confidenciou-nos, sem que lhe perguntássemos nada, que, há cinco anos, sua mãe entregara o cartão de militante ao Partido Comunista e fugira de Cuba. Ele próprio não fez o mesmo porque tem duas filhas de 13 e 14 anos, mas pensa tentá-lo em breve: “A ilha é uma prisão”.

DSC07716
A Praça da Revolução.

Estes relatos chocam violentamente com o que está inscrito junto ao retrato gigantesco de Marx, sobre a fachada de um enorme edifício, na igualmente gigantesca Praça da Revolução: Vas bien Fidel. Talvez Fidel vá bem — ele a quem a revista Forbes atribuiu uma das dez maiores fortunas do mundo. Mas Cuba, sobretudo para os jovens cubanos, vai muitíssimo mal.

Já no aeroporto, enquanto esperávamos pelo nosso voo, decidimos comprar um livro, escrito por Julio Cúbria Vichot, editado em 2014 e traduzido em várias línguas, intitulado Breve História de Cuba – de Colombo ao século XXI. Pensáramos ter comprado um livro de História, como aliás o título indica. Puro engano. Trata-se de mais um instrumento de propaganda do Regime, exaltando a Revolução e deplorando os “contrarrevolucionários” e “imperialistas”, numa abordagem enviesada, maniqueísta, ideológica, absolutamente contrária aos padrões de rigor e verdade que devem guiar qualquer historiador. O regime cubano vive uma mentira, que é, afinal, a sua incontestável verdade.

Deixámos a ilha com um pensamento. Haverá sempre quem lute pela liberdade, como acontece em Cuba e noutras ditaduras, mas também haverá sempre quem queira privar-nos dela, como acontece em todos os países livres. É por isso que a liberdade — o valor social mais alto para quem a ama — nunca estará garantida, precisa que cuidemos dela, que nos mantenhamos atentos a todos os perigos que corre.

DSC07898
Entrada (ou saída) da baía de Havana.

ADENDA

1- Três dias depois de deixarmos Cuba, já na Cidade do Panamá, aconteceu-nos uma daquelas coincidências que por vezes ocorrem na vida de todos nós. Comprámos um jornal local, como sempre fazemos quando visitamos um país (mas que não pudemos fazer em Cuba) — La Prensa — o qual continha um artigo de opinião da autoria de Jorge Ramos (diretor de notícias da Univisión), intitulado Cuba Libre? Nesse artigo, o autor critica fortemente Obama e, sobretudo, o papa Francisco, pela condescendência relativamente ao regime cubano, manifestando mesmo indignação pelo facto de Francisco se ter recusado a reunir com dissidentes e com jornalistas independentes cubanos, como é o caso de Yoani Sánchez, e por não ter feito nada quando os seguranças do Governo, à frente dos seus olhos, agrediram e prenderam um dissidente que pretendia falar com ele. Jorge Ramos, que está proibido de entrar em Cuba desde 1998, quando acompanhou a visita de João Paulo II, por ter entrevistado dissidentes e jornalistas independentes, não deposita muita esperança nos esforços de Obama e do papa.

DSC07630
O senhor Domingos disse que o Mojito que nos serviu foi feito com mais amor que aquele que serviu ao Lula. A Bodeguita del Medio já foi visitada por uma legião de famosos.

Afirma, no seu artigo, que a viagem de Obama a Cuba, prevista para março, será um “momento tipo Nixon”, referindo-se à visita deste presidente americano à China, em 1972. Esse momento marca o início da atual abertura económica chinesa, mas não o início da abertura política. Assim, segundo Ramos, também a próxima visita de Obama não implicará a realização de eleições livres, a restauração da liberdade de imprensa ou a libertação dos presos políticos, em Cuba. Ramos termina o artigo com as seguintes palavras: “Cuba Libre? Em qualquer bar do mundo se sabe que isso é uma mentira”. O artigo de Jorge Ramos pode ser lido na íntegra aqui. Tal como Ramos, também nós não acreditamos numa abertura do regime. A liberdade em Cuba, infelizmente, terá de ser conquistada pela pressão dos jovens cubanos, nas ruas.

2- E, já em casa casa, ficámos a saber que os Rolling Stones vão atuar gratuitamente em Cuba, alguns dias depois de Obama chegar ao país. Aposto que Pinilla, Olmedo, León e todos os jovens cubanos estão felizes com esta notícia. Talvez não seja ainda a “espiral” mas, definitivamente, algo se passa na ilha dos Castro.

******************************

Nota:

1 Juan Reinaldo Sánchez, A Face Oculta de Fidel Castro, Planeta, Lisboa, 2015, p. 180.

******************************

Como conheci Popper

myazdatabaseimages.org

Estávamos no início da década de noventa e eu abandonara há dois ou três anos o curso de Filosofia da Faculdade de Letras de Lisboa. Não que não gostasse de filosofia, pelo contrário, frequentei o curso por gosto, influenciado por um excelente professor dessa disciplina, no 12º ano, um tipo ainda muito novo, na casa dos vinte, que dava aulas livres aos sábados sobre música clássica, e que, quando havia ópera no São Carlos, aparecia na escola dentro de um elegante smoking.


Mas as disciplinas na faculdade não me diziam grande coisa. Tínhamos um sacerdote em Filosofia da Religião, José Trindade Santos em Filosofia Antiga, e José Barata-Moura, ainda hoje um conhecido e inflexível marxista, em Filosofia do Conhecimento. Resumindo: absorvi doses absurdas de Platão, Aristóteles, Hegel e Marx, autores com os quais não me identificava, aborreci-me e vim embora.


Entretanto, o “bichinho” da filosofia continuava cá e continuei lendo. Gostava sobretudo de Kant e foi nessa época que li A Crítica da Razão Pura, mas também alguns diálogos platónicos (aprendi a separar os primeiros, onde aparecia o verdadeiro espírito socrático, dos posteriores, em que Platão usou Sócrates para divulgar as suas ideias reacionárias) e várias obras de outros autores.

Até que conheci Popper1.


Lembro-me perfeitamente: entrei na Livraria Portugal (hoje um café junto ao elevador de Santa Justa) e comprei o livro Em Busca de Um Mundo Melhor. Aquilo foi uma revelação para mim. Desde então, li (e reli) mais de vinte obras de Popper, edições portuguesas e estrangeiras, tudo o que foi possível adquirir.


Com o advento da internet, encomendei pela Amazon a sua autobiografia, Unended Quest (que não fora ainda editada em Portugal), e encontrei outras coisas interessantes – entrevistas, documentários, artigos – como é o caso do seguinte (e excelente) ensaio, onde se mostra como a epistemologia de Popper assenta em profundas raízes éticas (é minha intenção traduzi-lo em breve para português). http://www3.nd.edu/Departments/Maritain/ti/artigas.htm.

Com Popper aprendi a importância da crítica, mas sobretudo da autocrítica. Aprendi que uma teoria só é científica se for refutável. Aquilo que é certo, indiscutível e irrefutável não é ciência (isto Popper descobriu ainda muito cedo através de experiências com pseudociências, como a Psicanálise e o Marxismo, experiências que moldaram para sempre o seu pensamento). Então, o papel dos cientistas é o de criticarem as teorias vigentes (que não passam, afinal, de hipóteses não-contraditadas), para ver se encontram falhas, e as melhorarem – ou criarem teorias novas. É assim que progride a Ciência. Esse método (o velhinho método de tentativa e erro) é válido para qualquer ciência, incluindo ciências humanas, como a Sociologia – e é por isso que Popper prefere as reformas (aquilo que ele chamou de “engenharia social parcelar”) às visões utópicas, holísticas e historicistas da sociedade. Precisamente porque estas visões radicais, conceptualmente, não são criticáveis: os dogmas são crenças, acreditamos neles ou não, mas não podemos melhorá-los.


A partir de certo ponto, comecei a aplicar o método popperiano ao próprio Popper. Comecei a criticá-lo e a procurar falhas no seu sistema. Houve vários momentos em que pensei tê-las encontrado. Mas quando escavava um pouco mais, acabava por reconhecer que me enganara.
É por isso que mantenho a minha busca, não apenas sobre as propostas dele mas também de outros, sobretudo dos que mais admiro, pois é a estes que a nossa crítica deve ser dirigida, mais do que aos de quem discordamos.
Evidentemente, Popper não tinha a sabedoria no bolso. É ele quem nos diz: “aquilo que nos diferencia uns dos outros – os nossos conhecimentos individuais – é ínfimo em relação ao que nos une a todos – a nossa suprema ignorância”.

Esta afirmação é, para mim, uma norma. Procuro tê-la sempre presente na minha vida.


É pena que Popper seja tão mal conhecido. De facto, para a maioria esmagadora das pessoas, trata-se de um ilustre desconhecido, às vezes um nome que não é totalmente estranho (e há quem lembre uma frase perdida, um chavão – e quem faça muita, muita confusão, por exemplo, considerando-o um “ultraliberal”)2, mas pouco mais do que isso.

Alguns falam da sua obra, mas quase ninguém a lê3.


Por outro lado, não admira que a Academia portuguesa (e a brasileira) o ignorasse e ainda ignore. Um autor tão heterodoxo – que desmascara “monstros” como Heráclito, Platão, Aristóteles, Rousseau, Fichte, Hegel (o maior charlatão de todos4) Marx e Heidegger, só para citar os mais conhecidos, numa linha (crono)lógica que resume o pior do pensamento ocidental, não pode ser amado por instituições dirigidas por gente com mente formatada. Os amores de Trindade dos Santos por Platão e de Barata-Moura por Marx são para toda a vida5. Como o próprio Popper referiu: As escolas (em particular as Universidades) mantiveram, desde sempre, certas caraterísticas do tribalismo. Contudo, não devemos pensar somente nos seus emblemas ou na velha fita da escola com todas as suas implicações sociais de casta, etc., mas igualmente no caráter patriarcal e autoritário de tantas delas. Não foi por acaso que Platão, ao fracassar na reinstauração do tribalismo, fundou uma escola; assim como não é por acaso que as escolas são frequentemente bastiões de reação e os professores ditadores em edição de bolso6.


Como é óbvio, Karl Popper está condenado a ser, durante ainda bastante tempo, talvez para sempre, uma personalidade incómoda. Foi um lutador incansável pela paz no mundo e pelo fim da violência entre os homens – para ele, os grandes objetivos da Filosofia Política. A sua Epistemologia é profundamente inovadora e, tal como demonstra Mariano Artigas7, baseia-se em profundas raízes éticas. Com a sua teimosia em virar as coisas de pernas para o ar fê-lo também na Biologia, considerando, ao contrário de Darwin, que a busca por novos nichos ecológicos (uma força de dentro para fora) se sobrepõe à pressão do ambiente (uma força de fora para dentro). Todos os seres vivos buscam ativamente um mundo melhor e nós temos a sorte de vivermos no único estádio evolutivo em que podemos deixar morrer as ideias que criamos em vez de nós próprios.

Além de tudo isto e muitíssimo mais, Popper foi também o maior humanista da História da Filosofia, o mais original, o mais fascinante.

******************************

Notas:

1 Como se poderá constatar através do texto, não conheci Popper pessoalmente, mas apenas através dos seus livros. Infelizmente, só tive conhecimento da sua existência pouco tempo depois da sua vinda (em 1987) a Portugal.

2Para evitar mal entendidos, quero deixar bem claro que emprego sempre os termos “liberal”, “liberalismo”, etc., no sentido em que ainda são geralmente usados em Inglaterra (embora, talvez, não nos Estados Unidos). Com “liberal” não me refiro a um simpatizante de um qualquer partido político, mas simplesmente a um homem que valoriza a liberdade individual e está desperto para os perigos inerentes a todas as formas de poder e autoridade”. (Karl Popper, Conjecturas e Refutações, Almedina, Lisboa, 2003, p. 10).

3 Diz-nos Popper: “Nunca encontrei ninguém que houvesse reparado nessas duas linhas [“Posso estar enganado e tu certo, mas, pelo esforço, podemos aproximar-nos da verdade”], as quais, segundo eu pretendia, constituíam o meu credo moral – linhas que, em meu ver, excluiriam a possibilidade de uma interpretação dogmática do “racionalismo crítico””. (in O Mito do Contexto, Edições 70, Lisboa, 1999, p.16).

4 O termo “charlatão”, para caracterizar Hegel, foi pela primeira vez usado por Schopenhauer. A charlatanice ou desonestidade intelectual revela-se também pela linguagem deliberadamente obscura, dúbia, incompreensível. Veja-se este exemplo, retirado do parágrafo 302, da Filosofia da Natureza, de Hegel: ” O som é a mudança verificada na condição específica de segregação das partes materiais e na negação dessa condição; é meramente uma idealidade abstrata ou ideal, por assim dizer, dessa especificação. Mas esta mudança é, por consequência, em si mesma imediatamente a negação da subsistência material específica; o que é, portanto, a idealidade real da gravidade específica e da coesão, isto é, o calor. O aquecimento de corpos sonoros, assim como dos corpos percutidos ou friccionados, é a aparência de calor que surge concetualmente juntamente com o som”. Por esta pequena amostra, se pode ver que não é exagero classificar como uma “autêntica tortura” o estudo da filosofia hegeliana, nas faculdades.

5 As pessoas têm muita dificuldade em libertar-se daquilo que estudaram e daquilo em que acreditaram uma vida inteira, e não querem saber do que possa de alguma forma contrariar a visão que construíram ao longo desse processo. Os psicólogos explicarão muito melhor do que eu por que a mente humana tem enorme facilidade em acreditar naquilo que quer. Crer ou não crer, eis a questão.

6 nota 38, alínea 2, ao capítulo 10 da Sociedade Aberta e Seus Inimigos.

7 Um interessante trabalho de Mariano Artigas sobre este assunto, traduzido por mim, pode ler-se aqui.

******************************

Foto retirada de: https://it.wikipedia.org/wiki/Karl_Popper

******************************

Arquipélago Fernando de Noronha

A praia do Leão vista do ar.
A praia do Leão vista do ar.

O arquipélago Fernando de Noronha – Património da Humanidade – faz parte do estado brasileiro de Pernambuco e dista cerca de 540 quilómetros da capital, Recife, embora a distância mais curta até o continente seja bastante menor, cerca de 300 quilómetros até o Rio Grande do Norte, estado que fica na mesma latitude. São, portanto, menos de 60 minutos de avião, quer do Recife quer de Natal, até se atingir o arquipélago.

As ilhas têm origem vulcânica e, no seu conjunto, uma área de 26 km2, sendo 9 da plataforma marinha e 17 da superfície emersa. O arquipélago é a parte emersa de um enorme edifício vulcânico, cuja base se encontra no fundo do mar, a quatro mil metros de profundidade, com cerca de 70 quilómetros de diâmetro. Faz parte de uma estrutura alinhada de diversos montes vulcânicos submarinos, que se estendem desde a Dorsal Atlântica até a plataforma continental brasileira, próximo do litoral do Ceará.

Praia da Baía do Sancho.
Praia da Baía do Sancho.

As sucessivas erupções vulcânicas, que decorreram ao longo de milhões de anos, proporcionaram o aparecimento de montes acima do nível do mar, como são os casos de Fernando de Noronha e do Atol das Rocas. As ilhas não foram, portanto, criadas de uma só vez. No caso de Fernando de Noronha, há pelo menos três formações diferentes: Remédios, Quixaba e Caracas.

Posteriormente, quando o vulcanismo cessou, processos erosivos e a variação do nível do mar atuaram sobre a ilha, conferindo-lhe o aspeto atual.  Ao chegar ao arquipélago, quem conseguir viajar do lado esquerdo do avião terá uma vista melhor, dado que o avião tem de descrever uma curva larga para esse lado e enfrentar o vento predominante de sul na aterragem. Já à saída terá uma vista melhor quem viajar do lado direito da aeronave. Vale a pena viajar à janela.

Baía dos Porcos e Dois Irmãos.
Baía dos Porcos e Dois Irmãos.

A ilha principal de Fernando de Noronha, a única habitada, é relativamente pequena, com uns 14 quilómetros de ponta a ponta. Além disso, tudo se concentra na metade oriental da ilha, onde fica a Vila dos Remédios, o porto e todos os outros pequenos povoados. É natural que, à chegada, o visitante apanhe um táxi (seja para onde for não deverá pagar mais de 30 reais), dado que não conhece os locais, mas, depois disso, não vale a pena gastar dinheiro em táxi ou aluguer de carro. Muitos dos trajetos podem fazer-se a pé e os mais longos podem fazer-se através de um meio de transporte excelente, disponível na ilha: a bicicleta. Há uma loja na Vila dos Remédios – a Ricaom – onde se podem alugar bicicletas por 60 reais/dia.

Foi o que fizemos no segundo dia na ilha. Percorremos todos os locais mais conhecidos de bicicleta e ainda tivemos tempo de dar uns belos mergulhos na praia do Sancho – a melhor do mundo, dizem. As praias mais próximas da Vila dos Remédios – Cachorro, Meio e Conceição – já tínhamos visitado no dia da chegada, aproveitando a tarde para fazer um primeiro reconhecimento, incluindo a subida do morro onde se encontra o forte dos Remédios, ponto privilegiado de observação para o chamado Mar de Dentro.

Melhor forma de conhecer a ilha: pedalando.
Melhor forma de conhecer a ilha: pedalando.

É aqui que se encontram as melhores praias, normalmente calmas, mas que podem ter mar agitado entre outubro e março, período em que é mais frequente o “swell”, um tipo de ondulação que pode ser moderado ou severo. É o período preferido dos surfistas, mas menos bom para os banhistas comuns e para quem quer mergulhar – uma das atividades mais apreciadas e indispensáveis de Fernando de Noronha.

Já as praias do Mar de Fora, expostas ao vento sul, são em geral impróprias para banhos e perigosas (sobretudo nas marés altas), devido às fortes correntes que se formam em todas elas, excetuando a abrigada Baía do Sueste. É o caso da bonita praia do Leão, onde as tartarugas desovam entre dezembro e junho.

Praia do Leão.
Praia do Leão.

Além de percorrer a terra firme de Fernando de Noronha, é indispensável fazer um passeio pelo mar. O arquipélago é constituído por dezanove ilhas e dezenas de rochedos isolados. Mas a parte mais bonita de qualquer passeio de barco é, sem dúvida, o trajeto pelo Mar de Dentro, percorrendo as onze praias de areia, com mar verde-esmeralda, e parando na Baía do Sancho para banhos e snorkeling, observando belos peixes coloridos. O snorkeling também pode realizar-se na praia da Atalaia, no mar de Fora, quando ali se forma uma piscina natural, na maré baixa, sendo possível observar lagostas, polvos, inúmeras espécies de peixes e até mesmo pequenos tubarões. Durante os passeios de barco que se realizam de manhã há maior probabilidade de observar os golfinhos rotadores, dentro da Baía dos Golfinhos.

Por sua vez, o mergulho é feito em outros pontos do arquipélago (de acordo com o estado do tempo), e é praticamente obrigatório, uma vez que Fernando de Noronha está entre os melhores lugares do mundo para essa prática. É possível fazer o batismo de mergulho por cerca de 400 reais. A profundidade pode atingir os nove metros – e convém não esquecer que durante as 24 horas que se seguem ao mergulho, não se deve viajar de avião.

Mar de Fora. O azul profundo em vez do verde-esmeralda do Mar de Dentro.
Mar de Fora. O azul profundo contrasta com o verde-esmeralda do Mar de Dentro.

Cinco dias são suficientes para se fazer tudo isto e algo mais. A comida não é o mais caro em Noronha, e há excelentes pratos de peixe, sobretudo a barracuda. Come-se muito bem no Museu dos Tubarões, nos restaurantes Cacimba e Mergulhão, e em vários outros, incluindo o famoso Zé Maria. O que é estupidamente caro é o alojamento. Não dá para entender por que é tão caro. Ficámos numa pousada mais do que básica, com um café da manhã mais do que pobre e pagámos, por noite, 400 reais!

Apesar de tudo, uma visita a Fernando de Noronha é uma excelente opção de viagem. Mas conhecidas essas belas ilhas, não vale a pena repetir. O custo da estadia é absurdo e incompreensível. A alternativa seria morar no arquipélago. Para tal teria de se conseguir trabalho ou casar com um(a) residente. Mas quem quer morar num lugar isolado, caríssimo, sem infraestruturas e, sobretudo, nos dias que correm, sem internet? O “custo-Brasil”, patente em todo o território, atinge, aqui, um nível absurdo.

Dedo de Deus. A referência natural da ilha.
Dedo de Deus. A referência natural da ilha.

******************************