Israel

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Mar Morto ou “Vale do Sidim” (Génesis, 14), o ponto mais baixo da superfície terrestre.

1- O RELATO BÍBLICO

Israel é um país muito diferente de todos os outros. As idiossincrasias são tantas que é praticamente impossível enumerá-las. Israel existe desde os tempos bíblicos de Abraão, Moisés e Josué; das tribos israelitas, dos reis David e Salomão. O cristianismo, a maior religião dos nossos dias1, apareceria milhares de anos depois, com Jesus, como alternativa ao judaísmo. Só uns séculos mais tarde surgiria, em continuidade2 mas também em rutura, a terceira grande religião monoteísta – o islamismo. Estas três confissões convivem lado a lado em Israel, sobretudo nessa cidade verdadeiramente mítica chamada Jerusalém, e as relações entre elas, como se sabe, são historicamente conflituosas. Não é possível, por muito que se queira, compreender o que se passa em Israel sem abordar as questões relativas à religião.

Talvez não seja má ideia iniciarmos essa abordagem pelo princípio, pelas origens do povo de Israel. A única fonte que temos para isso é a Bíblia3, particularmente, os seus primeiros cinco livros, o Pentateuco4, que para os judeus constituem a Tora, ou seja, a “Lei”. De acordo com o relato bíblico, o patriarca deste povo foi Abraão, um pastor nómada da Caldeia, no Sul da Mesopotâmia, que, rejeitando as crenças pagãs, recebeu a revelação da existência de um único Deus criador do Universo. Outras culturas, antes de Abraão, haviam concebido a existência de um só Deus, atribuindo-lhe uma essência física, mas Abraão foi o primeiro a receber a revelação de um Criador Uno e Universal, cuja essência é invisível e inconcebível para os seres humanos. Em hebraico, Abraão é designado como Ivri, que provavelmente significa “vindo do outro lado”. É de Ivri que deriva a palavra “hebreus”, primeira designação do povo judaico.

Abraão sentiu necessidade de se afastar da terra de seus pais e seguiu para a terra de Canaã, situada entre o Mar Vermelho e o Mediterrâneo, estabelecendo-se num local que mais tarde viria a chamar-se Deserto do Neguev, região que ocupa a metade sul do Israel atual. Foi aí que Abraão teve os seus dois filhos, Ismael e Isaac. O primeiro era filho de Agar, uma escrava que Sarah, a mulher de Abraão, ofereceu ao marido para procriar, já que, segundo pensava, era infecunda. Tal, porém, não era verdade e Sarah acabou por dar à luz o segundo filho de Abraão, Isaac. Ismael é considerado o primeiro antepassado do povo árabe (por isso, também conhecido como ismaelita) e Isaac o segundo patriarca dos israelitas5. Isaac, por sua vez, teve dois filhos, Esaú e Jacob, a quem atribuíram posteriormente o nome de Israel. Jacob, além de algumas filhas, teve 12 filhos. Estes ficariam conhecidos até hoje como os “filhos de Israel” ou israelitas.

No Mar Morto ninguém vai ao fundo. Cerca de 35% desta água é sal.

Os israelitas tiveram de enfrentar um período largo de seca extrema e a única hipótese de sobrevivência que tinham era abandonarem a terra de Canaã. Foi assim que deixaram a sua terra e se dirigiram ao Egito. Aqui não havia fome porque um ministro previdente tinha armazenado comida suficiente para alimentar todos. De acordo com o relato biblico, esse ministro, de nome José, era afinal um dos israelitas e naturalmente recebeu-os de braços abertos, tendo permitido que estes se fixassem e multiplicassem no fértil vale do Nilo. Passaram-se muitos anos, as primeiras gerações morreram, e novos faraós tomaram o poder no Egito. Para estes, os israelitas não passavam de um povo estrangeiro e, como era natural naquela época, foram feitos escravos. Este período de escravidão durou 430 anos, até que surgiu Moisés, um líder carismático, que convenceu o seu povo a fugir da escravidão e regressar à terra de Canaã.

No entanto, algo inesperado aconteceu durante a viagem. Em condições normais o percurso duraria cerca de uma semana, que é o tempo necessário para percorrer a pé a distância entre o delta do Nilo e Gaza, a cidade costeira que se situava no Sul de Canaã. Mas não foi por aí que Moisés conduziu o seu povo. Alegando que existiriam perigos se seguissem por aquele itinerário, Moisés convenceu os israelitas a fazer um desvio através do deserto, o qual levaria uns impressionantes quarenta anos a percorrer, o tempo suficiente para que a geração que tinha vivido a escravidão perecesse, e uma nova viesse substituí-la. Foi durante esse desvio que Moisés recebeu de Deus, no Monte Sinai6, as duas tábuas de pedra com os Dez Mandamentos, pelos quais se regem também os cristãos, mas que, para os judeus, são apenas uma súmula da muito mais alargada Lei de Moisés, a Tora, pela qual têm de se reger.

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O Deserto da Judeia.

É muito importante realçar que, de acordo com as Escrituras, os israelitas foram o povo escolhido por Deus para cumprirem essa Lei e não, como muitas vezes se ouve, o povo “eleito”. Eles foram escolhidos para se submeterem a uma série de obrigações. (O rigor da Tora apenas obriga este povo e nenhum outro, e é por isso que não existe proselitismo na religião judaica). A tribo de Moisés tinha ainda mais obrigações que as outras. Quando a terra de Canaã foi distribuída pelas tribos, Moisés não atribuiu nenhum quinhão à sua, a tribo de Levi. Esta teria apenas uma função sacerdotal, estando os seus membros, os levitas, sujeitos a maiores obrigações que os membros das restantes tribos. Quando Moisés chegou, com 120 anos de idade, à vista da Terra Prometida, esta, naturalmente, estava ocupada e não foi ele quem ali reinstalou o povo de Israel. Isso incumbiria ao seu sucessor, Josué7, a quem Moisés atribuiu o comando, pouco antes de morrer, no cimo do monte Nebo, avistando em baixo a Terra de Canaã.

Alguns habitantes daquela terra abandonaram-na à chegada dos israelitas, mas aqueles que escolheram ficar foram bem tratados, pois assim o exige a Tora. As tribos israelitas instalaram-se finalmente em Canaã. Os primeiros governantes do território foram juízes, mas os israelitas queriam ter um rei como os outros povos, e conseguiram-no. O primeiro rei foi eleito em 1079 a.C, e o seu nome era Saul. Seguiram-se-lhe David e, depois, Salomão, o construtor do primeiro Templo em Jerusalém. Após a morte de Salomão, devido a questiúnculas relacionadas com a sucessão, deu-se a cisão entre as doze tribos. Dez delas separaram-se e formaram um novo reino de Israel, sob o cetro de Joroboão, com capital em Samaria. Ficaram as tribos de Judá, Benjamim e a sacerdotal de Levi, sob o reinado de Roboão, que no seu conjunto constituíam o reino de Judá. Naturalmente, os cidadãos deste reino eram os judeus. A sua capital era Jerusalém, onde estava o Templo de Salomão.

Jaffa, o bairro mais antigo de Telavive.

Da divisão e disputas entre as tribos israelitas resultou uma maior vulnerabilidade a ataques do exterior. O rei da Assíria, Senaqueribe (705-681 a.C) subjugou os dois reinos, tendo destruído Samaria e obrigando o rei de Judá a ficar seu tributário. Levou os israelitas para o exílio, à exceção de uns quantos que se refugiaram no reino de Judá. Os restantes israelitas foram absorvidos por outras nações e constituem o que ainda hoje se chama “as dez tribos perdidas”8. Em 587 a.C., chegou também ao fim o reino de Judá. O rei da Babilónia, Nabucodonosor II, derrotou os judeus e destruiu Jerusalém e o Templo, levando os seus habitantes para o exílio na Babilónia. Esse exílio, porém, durou pouco mais de cinquenta anos, uma vez que a Babilónia foi conquistada em 539 pelos persas, comandados por Ciro. Este governante era generoso para os seus súbditos e incentivou os judeus a regressarem à sua terra e a  reconstruírem o Templo. Foi assim que, sob o reinado de Zerobabel, e orientação do escriba Esdras, os judeus voltaram a erguer um templo, exatamente no local onde se situava o primeiro. No entanto, se o primeiro Templo fora construído por um reino soberano, o segundo não. Desde então o povo israelita não teria um território independente até 1948, quando se formou o moderno estado de Israel.

Em 63 a.C. o general romano Pompeu conquistou a Judeia. Houve muitas revoltas até que, no ano 70 da nossa era, Tito Vespasiano subjugou os resistentes, acabando por destruir o Templo, do qual escapou apenas o seu Muro Ocidental, onde ainda hoje os judeus rezam, em memória do Templo perdido. A original Terra de Israel era agora uma pequena província do vasto Império Romano. Os judeus pagariam caro o desrespeito à Tora. Deus tinha-os avisado, através de Moisés, sobre as consequências do desrespeito da Lei. A divisão das tribos fora um grave erro que o povo haveria de pagar com um novo exílio, após os do Egito e da Babilónia. Este novo exílio haveria de durar cerca de 2.000 anos. É preciso notar que os judeus o aceitaram, pois fora previsto por Moisés. Aceitaram o Galut como uma forma de expiar as suas culpas, até que Deus lhes outorgasse, através do Messias prometido, o direito de regressarem de novo à sua terra.

Tito Vespasiano mudou o nome a Jerusalém, que temporariamente passou a chamar-se Aélia Capitolina, e mudou o nome da Terra de Israel para Syria Palestina. “A palavra “Palestina” deriva do grego Philistia, nome dado a uma parte do território da Terra de Israel, onde se haviam fixado, no século XII a.C., os filisteus, povo não-semita, proveniente da ilha de Creta9. É daí que resulta o nome de Palestina — ao qual hoje corresponde um estado reconhecido por cerca de 2/3 dos países mundiais, mas que os restantes (ainda) não reconhecem — um estado que mantém um conflito permanente com Israel. Mas isto é matéria que abordaremos um pouco mais à frente.

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A Cruz de Jerusalém numa das portas da igreja de Santa Maria Madalena, em Jerusalém.

2- A DIÁSPORA

Uma das questões com que os judeus se preocuparam desde o início da Diáspora foi com as diferentes interpretações e adaptações das normas da Tora, uma vez que a sua dispersão geográfica poderia fazer com que essas interpretações evoluíssem em diferentes sentidos, perdendo a unidade que se considerava fundamental. Houve algumas reuniões que os judeus realizaram para discutirem esta matéria e delas resultaram textos que constituíram a base para a compilação do Talmude (que quer dizer “ensino”). Os sábios do Talmude principiaram logo por formular uma estrutura legal e religiosa que não se afastasse dos princípios da Tora10. Um importante centro de estudo foi a cidade de Sura, na Babilónia, onde, no século III, o rabino Rav Abba Arika fundou uma importante academia. Outras foram abertas nas cidades vizinhas de  Nehardea e Pumbedita. Os trabalhos desenvolvidos nestas academias estão na origem do importante Talmude Babilónico11.

Assim, os israelitas manteriam as suas referências, costumes e religião, estivessem onde estivessem, por quase dois mil anos. São conhecidas tradicionalmente as duas grandes comunidades judaicas na Europa, uma no Centro e Leste, os ashkenazi, e outra a Oeste, na Península Ibérica, os sefarditas, para onde os judeus emigraram, embora uma grande parte deles tenha ficado mesmo pelo Norte de África. A partir destas regiões os judeus expandiram-se por todo o mundo. Como é sabido, os judeus da Península Ibérica tiveram de fugir da Inquisição, no século XV12, e a maior parte deles foi para a Holanda, os Balcãs e até para territórios otomanos do Médio Oriente. Mais tarde, levados pela colonização europeia, os judeus chegaram ao continente americano. Há também os judeus etíopes, que são conhecidos por Beta Israel e os judeus do Yémen, entre outras comunidades.

Como se sabe, a perseguição aos judeus não se limitou ao período da Inquisição. O antissemitismo é um movimento que existe em todo o mundo ainda hoje, e que recrudesceu enormemente nos séculos XIX e XX, no Centro e Leste da Europa, sobretudo em países como a Rússia e a Alemanha. Hannah Arendt reconhece dois ramos distintos do antissemitismo – um inspirado no antagonismo de duas crenças em conflito e outro, por assim, dizer, leigo13. O primeiro é muito mais notório no período inquisitório e o segundo (não completamente imune à influência do primeiro) nos séculos XIX e XX14. Curiosamente, o antissemitismo religioso volta a recrudescer no século XXI. O ódio aos judeus é, pois, ancestral. Considerados por muitos como usurários, os judeus viram o seu sucesso nos negócios, no comércio e na banca ser alvo da inveja e da incompreensão, inclusive, de alguns famosos intelectuais. É o caso, por exemplo do expatriado poeta americano, Ezra Pound, um apoiante de Hitler e Mussolini, que apelidou os judeus de parasitas que tomavam o dinheiro da sociedade. Além disso apelidou-os ainda de oleosos, selvagens, indolentes, imundos, vermes, piolhos, tumores, pestes, pragas, serpentes, verrugas e sífilis15.

Este ódio insensato e absolutamente irracional está bem patente nesta frase assassina de Heinrich Himmler: O antissemitismo é exatamente a mesma coisa que catar piolhos, não é uma questão de ideologia, é uma questão de limpeza16. Porquê? Qual a razão de tamanho ódio? Hannah Arendt tenta compreender as causas da aversão aos judeus na sua obra Origens do Totalitarismo, particularmente no primeiro capítulo, dedicado, precisamente, ao antissemitismo, talvez o trabalho mais exaustivo ou, pelo menos, um dos mais conhecidos sobre o tema, mas nós, não esquecendo essa contribuição, resumiríamos as causas do antissemitismo a três razões quiçá redutoras e, com certeza, primárias: as desavenças entre as religiões do livro, a inveja e a necessidade, sempre latente, por outro, de se ter à mão um “bode expiatório”, quando se necessita justificar um fracasso ou uma guerra. Estas três razões deram lugar a teorias conspiratórias, que visavam mostrar como os judeus tinham um plano secreto para dominar o mundo. Talvez o exemplo maior destas conspirações sejam os textos forjados que alegadamente comprovam o envolvimento judaico e maçom numa conspiração para destruir o mundo ocidental e governar o planeta, que ficaram conhecidos como os Protocolos dos Sábios do Sião17. Inventados ainda na Rússia czarista, viriam a ser usados por Hitler na sua louca campanha antijudaica18.

Em Eilat, pequena cidade no extremo Sul de Israel, nas margens do Golfo de Aqaba.

Todo esse longo período que vai do fim do século XVIII até o fim da Segunda Guerra Mundial foi, assim, mais um período extremamente difícil para a comunidade hebraica, sobretudo a partir do que aconteceu, no ano de 1894, com o oficial judeu do Estado-Maior francês, Alfred Dreyfus, acusado injustamente de espionagem a favor da Alemanha, e condenado a deportação perpétua para a Ilha do Diabo. Seguiu-se uma guerra jurídica, com vários julgamentos, os quais, apesar das provas sobre a sua inocência de Dreyfus, nunca o ilibariam completamente. O caso contou com o envolvimento de Émile Zola — que escreveu uma célebre carta aberta ao Presidente francês, em defesa de Dreyfus, intitulada J’accuse! — e durante muitos anos dividiu a opinião pública em França.

Mas, como é conhecido, os principais massacres de judeus nos séculos XIX e XX foram, primeiro os pogroms19, no Império Russo, e, posteriormente, o Holocausto. Morreram tantos judeus que os números não passam de estimativas, são impossíveis de precisar. Os pogroms começaram ainda na primeira metade do século XIX mas intensificaram-se muitíssimo entre 1881-84, sobretudo em Varsóvia, Kiev e Odessa, após o assassinato do Czar Alexandre II, acontecimento que, mais uma vez, foi considerado parte de uma conspiração judaica. Um outro período crítico decorreu entre 1903-06, com tumultos em mais de 60 cidades. Finalmente, surgiu o terror do Holocausto e o consequente número impressionante de judeus mortos — cerca de seis milhões — sendo que mais de um milhão foram crianças. Cerca de 2/3 dos judeus europeus desapareceram e muitos dos que não morreram passaram a ser considerados apátridas — eram como párias, sem identidade ou cidadania. Isto parece ter despertado algumas consciências para a urgência de ser-lhes atribuído um lar, embora tal já tivesse sido decidido pelos britânicos durante a Grande Guerra e a ideia constituísse o principal motivo da criação do movimento sionista, em finais do século XIX.

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Mar da Galileia, o maior reservatório de água doce de Israel. Não é possível desligar o nascimento do estado de Israel da água. Esse nascimento só foi possível porque, antes, os israelitas já tinham um plano para fazer chegar a água, inclusive, ao deserto do Neguev. O mentor desse plano foi o visionário Simcha Blass. A rede de água israelita é hoje a melhor do mundo. Apesar de ser um território extremamente árido, Israel não só não tem falta de água, como ainda a exporta para territórios vizinhos. Surpreendentemente, Israel tem uma abundância de frutos e legumes (podemos verificar isso quando almoçámos num kibbutz) cujas culturas requerem muita água, exportando muitos deles e obtendo com isso receitas anuais que chegam aos milhares de milhões de dólares. Aqui existe uma verdadeira cultura da água e o respeito pelo precioso líquido da vida é ensinado nas escolas e observado por cada cidadão israelita.

3- REGRESSO A CASA (O SIONISMO)

O movimento sionista surgiu como resposta aos primeiros pogroms, na Rússia, que, como vimos, se intensificaram a partir de 1881, ano do assassinato do czar Alexandre II, em São Petersburgo. O seu sucessor, Alexandre III, considerava os judeus “um cancro social”, tendo promulgado leis antissemitas e fomentado a repressão aos judeus. Fervoroso adepto da Igreja Ortodoxa, nomeou o seu irmão, o grão-duque Sergei Alexandrovich, presidente da Sociedade Imperial Ortodoxa da Palestina, com o objetivo de reforçar a presença ortodoxa na Terra Santa. Sergei dirigiu-se a Jerusalém e mandou construir no sopé do Monte das Oliveiras a Igreja de Santa Maria Madalena, que fica mesmo em frente da Porta Dourada. Naquela época, era habitual saírem do porto de Odessa, no Mar Negro, muitos navios carregados com peregrinos russos, rumo à Palestina. Em 1891, Sergei foi nomeado Governador-Geral de Moscovo e imediatamente expulsou 20.000 judeus da cidade. Estes pogroms fizeram com que muitos judeus se tornassem socialistas e muitos mais abandonassem a Rússia, na primeira grande Aliyah (palavra que significa “fuga para local mais elevado”)20, em direção a Sião, a Montanha Sagrada de Jerusalém. Embora a maioria dos judeus fugisse para a América (mais de milhão e meio), centenas de milhar fugiram para a Palestina. Em 1890, dos  cerca de 40.000 habitantes de Jerusalém, 25 000 eram judeus.

Estes acontecimentos abalaram profundamente um crítico literário de Viena, chamado Theodor Herzl, que até então não se tinha preocupado com o sionismo. Ele não seguia a religião judaica — montava árvores de Natal em casa e não tinha mandado circuncidar o filho — estava completamente integrado na sociedade vienense. Mas quando, em 1895, foi eleito para presidente da câmara de Viena um tresloucado antissemita, Karl Lueger, Herzl concluiu que os judeus só alcançariam a paz se um dia tivessem um lar. A partir daí não parou. Foi a França cobrir o caso Dreyfus; presidiu ao primeiro Congresso Sionista, em 1987, na cidade suíça de Basileia; intercedeu, sem sucesso, junto de Guilherme II, o soberano alemão que detestava judeus21, para que este, por sua vez, intercedesse junto do sultão turco. Porém, após se ter convencido de que não podia contar com o kaiser nem com o sultão para o seu intuito de criar um lar para os judeus na Palestina, Herzl conjeturou sobre outros locais que lhes servissem de pátria, nomeadamente, Chipre e El Arish, no Sinai, ambos sob domínio britânico. Não conseguiu. No VI Congresso Sionista, Theodor Herzl procurou que fosse aceite a hipótese-Uganda mas isso apenas dividiu os congressistas e tudo ficou na mesma22. Herzl morreu com 44 anos, mas o seu esforço não foi em vão. Nessa altura, o sionismo era já um movimento imparável e um jovem judeu russo, chamado David Grün, estava profundamente envolvido nele. Anos depois, já após mudar o nome para David Ben-Gurion, também ele seria um herói para muitos israelitas — como, aliás, o é ainda hoje.

A luta sionista prosseguiu depois da morte de Herzl, sobretudo através de outro jovem russo que, face às ligações que tinha com membros do governo britânico, acabaria por conquistá-los para a sua causa. O seu nome era Chaim Weizmann e tinha fugido da Rússia para estudar na Alemanha e na Suíça, radicando-se depois em Manchester, aonde chegou com trinta anos para dar aulas de química na universidade. Weizmann foi chamado por Churchill para ajudar os ingleses na Primeira Guerra Mundial (1914-18),23 colocando ao serviço da Grã-Bretanha os seus conhecimentos de química. Foi nesse período (1915) que conheceu outro importante político inglês — Lloyd George, Ministro da Guerra, e a partir de dezembro de 1916, Primeiro-Ministro. Weizmann era também amigo de Arthur Balfour, autor da célebre carta que em 1917, enquanto secretário britânico dos Negócios Estrangeiros, dirigiu ao Barão Rothschild, líder da comunidade judaica no Reino Unido, afirmando: o governo de Sua Majestade encara favoravelmente o estabelecimento, na Palestina de um Lar Nacional para o Povo Judaico, e empregará todos os seus esforços no sentido de facilitar a realização desse objetivo24. França e Itália ratificaram de imediato a Declaração de Balfour e os Estados Unidos fizeram-no em agosto de 1918. Mais tarde, o documento seria também incluído no Tratado de Sèvres, que selou a paz com o Império Otomano. Entretanto, já França e Inglaterra tinham feito, em 1916, um acordo secreto (Sykes-Picot), o qual foi remodelado com um novo acordo (St. Jean de Maurienne), no ano seguinte, que envolveu também os italianos, para dividirem entre si os ainda territórios otomanos a Sul da Anatólia.

Haifa.

Mas para isso era preciso ganhar a guerra e os britânicos tiveram um primeiro desaire contra os otomanos em Gallipoli. Tentaram então o apoio dos árabes e negociaram com o xerife e emir de Meca, Hussein, as condições de uma revolta árabe contra os turcos. Evidentemente, foram prometidas compensações territoriais aos árabes, embora os ingleses procurassem ser o mais ambíguos que podiam, pois não queriam comprometer-se. T. E. Lawrence, um intrépido oficial inglês, acabaria por conduzir os árabes na revolta, acompanhado por um dos quatro filhos de Hussein, o príncipe Faisal. Praticaram vários atentados, fazendo explodir pontes e caminhos de ferro. Lawrence, após conhecer o Acordo Sykes-Picot, sentiu-se envergonhado e chegou a afirmar: estamos a pedir-lhes que combatam por nós com base numa mentira, e eu não suporto isto25. Ele, que admirava a pureza dos árabes do deserto, acabou por contar a verdade sobre aquele acordo a Faisal — e sugeriu um plano para o corrigir. Se fosse o exército árabe a conquistar a Síria, os franceses (que esperavam ficar com esse território) não conseguiriam depois expulsá-los… Assim, Lawrence da Arábia26 conduziu as forças de Faisal pelo deserto da Jordânia, forçando-as a uma viagem de 450 quilómetros, até conquistarem o porto de Aqaba. A 28 de junho de 1917, sir Edmund Allenby chegou ao Cairo para assumir o comando do exército britânico e uma semana depois chegava Lawrence, que, vestido de beduíno, e após uma viagem de quatro dias — de camelo, de comboio e de barco — o vinha informar da tomada de Aqaba. Allenby nomeou-o e ao seu Corpo de Xerifianos a Camelo como ala direita do exército britânico. Estes dois ingleses, talvez os principais responsáveis, cada um em sua frente e com sua estratégia militar, pela derrota dos otomanos no Médio Oriente, chegariam juntos à cidade de Jerusalém, quando esta foi reconquistada, em dezembro de 1917.

Em 8 de março de 1820, Faisal foi proclamado rei da Síria, mas rapidamente os franceses derrotaram o seu reduzido exército, impondo-se como donos da região. A vontade de Lawrence, porém — de que os britânicos mostrassem algum respeito pelo xerife Hussein e seus filhos, depois das promessas que lhes tinham feito — também haveria de ser minimamente satisfeita. Na primavera de 1921, Lawrence da Arábia e o ministro britânico das Colónias, Winston Churchill, deslocaram-se a Jerusalém. Lawrence foi encarregado de convencer o velho Hussein a aceitar a hegemonia inglesa e francesa na região, pois de outra maneira o financiamento britânico esgotar-se-ia. Hussein protestou, mas a posição da sua dinastia ficou ainda mais fragilizada quando foi derrotado pelo saudita Ibn Saud, o mesmo acontecendo, posteriormente, aos seus filhos Ali (que lhe sucedeu) e Abdullah, tendo este escapado milagrosamente de um ataque pelas traseiras da sua tenda. Ibn Saud autoproclamou-se rei do Hejaz e da Arábia Saudita (reino que a sua família ainda governa). Como resultado destes acontecimentos, Faisal conseguiria apenas o reino do Iraque e Abdullah ficava sem nada. Só que mais uma vez Lawrence entrou em ação e compareceu com Addullah a uma reunião com Churchill. O ministro das Colónias, que admirava Lawrence da Arábia, ofereceu a Transjordânia a Abdullah, que, embora relutante (pois sonhara com um grande império hachemita onde vivessem pacificamente árabes e judeus), aceitou27. Lawrence tinha cumprido a missão de conduzir Faisal e Adullah, cada um a seu trono, não defraudando a confiança que ambos haviam depositado nele. E assim se dividiu a Palestina (que ficara sob mandato britânico28 em duas partes: uma a oriente do rio Jordão, denominada Transjordânia, que se tornaria independente em 1928 (após um tratado anglo-jordano), e outra parte, do rio Jordão até o Mediterrâneo, que os britânicos administraram diretamente até 1948, cuja área correspondia aos atuais territórios de Israel, da Faixa de Gaza e a da Cisjordânia29.

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O processo de amadurecimento em Israel — das plantas, das pessoas, de tudo — é acelerado.

A vida não foi fácil para os britânicos durante o mandato. Os árabes palestinianos estavam descontentes com a Declaração de Balfour e os conflitos eram frequentes, sobretudo em Jerusalém. Os judeus continuavam a chegar à Palestina e começaram a organizar-se política e militarmente. O chefe político máximo era Ben-Gurion, o líder flexível mas determinado da Agência Judaica, um socialista laico, que desde o início sonhara com uma Palestina unida, que integrasse os povos judeu e árabe no seu seio, até reconhecer bastante mais tarde, com pragmatismo, que tal não era possível. Tendo em conta os ataques dos árabes palestinianos, os judeus organizaram-se também militarmente. Em 1920 criaram a Haganah (palavra que quer dizer “defesa”), uma milícia que tinha por missão principal proteger os colonos rurais. Mais tarde, uma facção da Haganah separou-se desta e os seus nacionalistas militantes fundaram a Organização Militar Nacional. Entre 1936 e 1945 deu-se a chamada Revolta Árabe, comandada pelo mufti (líder espiritual dos muçulmanos) Amin al-Husseini, em Jerusalém, que os britânicos tiveram muita dificuldade em controlar. Perante os ataques aos judeus, estes responderam com vários atentados contra os árabes. Com a deflagração iminente da Segunda Guerra Mundial, os britânicos tiveram de recrutar militares destacados na Palestina, pelo que recorreram aos judeus para conterem as ofensivas dos árabes palestinianos. Um capitão inglês colocado em Jerusalém no ano de 1936 convenceu o Alto-Comissário, Arthur Wauchope, a deixá-lo treinar os judeus, e estes passaram a responder aos árabes na mesma moeda. O seu nome era Charles Orde Wingate, criador dos Esquadrões da Noite, compostos por judeus, que lançaram o terror junto das hostes árabes. Os britânicos continuaram a treinar os judeus durante mais algum tempo, incluindo o período da Segunda Guerra Mundial. Os 25.000 judeus treinados foram muito importantes como base do futuro exército de Israel.

No entanto, subitamente, a política britânica para a Palestina mudou. No início de 1939, o Primeiro-Ministro inglês, Neville Chamberlain, promoveu vários encontros entre judeus e palestinianos, tendo em vista a obtenção de um acordo, que parecia impossível. Assim, no dia 17 de março desse ano, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Malcolm MacDonald, apresentou uma proposta por escrito que invertia completamente a Declaração de Balfour, proibindo a criação de um estado judeu — o famoso Livro Branco sobre a Palestina. Incrivelmente, por manifesta incompetência política mas também por arrogância megalómana, o mufti rejeitou-a. Por seu turno, Ben-Gurion preparou a milícia Haganah para o combate contra os britânicos. Em setembro rebentou a Segunda Guerra Mundial. No decorrer da mesma, mais concretamente no segundo semestre de 1941, o mufti deslocou-se à Europa e encontrou-se com Mussolini, em setembro, e com Hitler, em novembro. Foi a oportunidade dos três demonstrarem como os unia o ódio aos judeus. Num discurso proferido em 1943, em Berlim, Husseini afirmou que os judeus vivem como parasitas entre os povos, sugando-lhes o sangue, pervertendo-lhes a moral (…) A Alemanha decidiu muito claramente encontrar uma solução definitiva para o perigo judaico, uma solução que eliminará a calamidade que os judeus representam para o mundo. No entanto, já com Winston Churchill como primeiro-ministro, britânicos e judeus voltaram a cooperar, face à necessidade que tinham de se libertar da tenaz inimiga que ameaçava a Palestina: as forças do eixo no Norte de África e a França de Vichy na Síria. Os ingleses criaram a Palmach, uma pequena força de comandos judeus, dispostos a lutar contra os nazis. Foi numa missão da Palmach no Sul do Líbano que Moshe Dayan (que viria a ser o grande comandante da ofensiva israelita de 1967), enquanto observava a movimentação do inimigo com uns binóculos, foi atingido por um projétil e perdeu o olho esquerdo.

Igreja do Santo Sepúlcro, Jerusalém.

Apesar dessa colaboração, alguns dissidentes da Irgun, desiludidos com a política britânica, nomeadamente com as restrições impostas em 1939, começaram a levar a cabo atentados contra os ingleses. Eram comandados por Menachem Begin, que se viu obrigado a passar à clandestinidade, e por quem os britânicos ofereciam uma recompensa de 10 000 libras, morto ou vivo. A Agência Judaica, pela voz do sempre moderado Ben-Gurion, condenou os ataques terroristas e colaborou com as autoridades inglesas na perseguição às milícias dissidentes, conseguindo prender cerca de 300 dos seus elementos. Os britânicos, no entanto, estavam decididos a impedir a migração de judeus para a Palestina, mesmo quando estes fugiam dos campos de extermínio nazis. Tal atitude indignou o próprio David Ben-Gurion, que se juntou aos radicais, tendo todas as organizações combatentes acordado na constituição do Comando Unido da Resistência, que visava conseguir a entrada clandestina de judeus na Palestina e o combate aos ingleses. Estes passaram um mau bocado, sendo atacados impiedosamente em todo o território. O novo primeiro-ministro inglês, Clement Attlee, procurou então o apoio político do presidente americano, mas Truman, pelo contrário, apoiou publicamente a recomendação da Comissão Anglo-Americana para que os britânicos autorizassem imediatamente a entrada na Palestina de 100 000 refugiados judeus. Os americanos eram então, como hoje, os maiores aliados da causa judaica. Os ataques aos britânicos continuaram, ainda com mais violência, acabando por levar a uma nova cisão, pois Ben-Gurion, líder da Agência Judaica, condenava atentados terroristas, como aquele em que a Irgun fez explodir a embaixada britânica em Roma, no outono de 1946.

Churchill, agora na oposição, acusava Attlee de manter uma guerra esquálida e sem sentido contra os judeus, para entregar a Palestina aos árabes, ou sabe Deus a quem. De facto, a maioria dos governantes britânicos desta época odiava os judeus — fazendo jus à História dos últimos milénios. A 14 de fevereiro de 1947, durante uma reunião do governo, um Attlee completamente desgastado pela guerra acedeu em deixar a Palestina. Em 2 de abril, pediu às Nações Unidas que criassem uma Comissão Especial para a Palestina (a UNSCOP). Quatro meses depois, a UNSCOP propunha a divisão do território em dois estados30, ficando Jerusalém sob administração internacional, com um governador nomeado pelas Nações Unidas (ver figura abaixo).

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O crescimento de Israel desde 1947.

4- O CONFLITO ISRAELO-PALESTINIANO

Embora as escaramuças entre muçulmanos e judeus tivessem começado muito antes, a guerra aberta, com a participação de exércitos nacionais, ocorreria após 1948. O Plano de Partilha da ONU para a Palestina foi aprovado em 29 de novembro de 1947, com 33 votos a favor, 13 contra e 10 votos nulos. A Alta Comissão Árabe, bem como os países da Liga Árabe (Egito, Líbano, Síria e Jordânia) rejeitaram o plano, alegando que os judeus ficariam com uma área maior sendo uma população menor, bem como ficariam também com a melhor parte da mesma, nomeadamente o Mar da Galileia, o maior reservatório de água doce do território. Por seu lado, apesar de algum descontentamento por não ficar com Jerusalém, a Agência Judaica acabaria por aceitar o plano. Em 14 de maio de 1948, poucas horas antes de terminar o mandato britânico, já em ambiente de guerra civil, foi declarada a independência do Estado de Israel, por David Ben-Gurion. A reação dos estados árabes foi imediata e os combates iniciaram-se31. A Guerra de 1948 ficaria conhecida, em Israel, como Guerra da Independência. No fim da guerra, em 1949, os israelitas tinham ampliado significativamente o seu território, ocupando agora 75% do total. O restante era a Cisjordânia, ocupada pela Jordânia e a pequena Faixa de Gaza, ocupada pelos egípcios. A guerra provocou o deslocamento de 900 000 palestinianos para campos de refugiados, os quais constituem a chamada Questão Palestiniana, sem solução até hoje.

Em 1964 foi criada a Organização de Libertação da Palestina (OLP) e, no dia 5 de junho de 1967, em resposta ao bloqueio aos navios israelitas no Canal do Suez, imposto pelo Egito, e face a movimentações junto das fronteiras com Israel dos exércitos sírio e jordano, o exército israelita, comandado pelo general Moshe Dayan, lançou uma grande ofensiva “preventiva”. Atacou as bases aéreas egípcias no Sinai, enquanto forças terrestres avançavam  na mesma zona e também pela Faixa de Gaza. Os exércitos jordano (este apesar da relutância de Hussein em aceitar o comando egípcio) e sírio intervieram, mas o resultado foi a tomada por Israel da Cisjordânia e dos Montes Golã. Ao terceiro dia do conflito todo o Sinai estava controlado. A Guerra dos Seis Dias, como ficou conhecida, foi rápida e veio confirmar a superioridade militar incontestável dos israelitas. O setor oriental de Jerusalém, até aí ocupado pelos jordanos, foi igualmente conquistado. Como resultado da guerra, o número de refugiados palestinianos aumentou significativamente na Jordânia e no Egito.

Em outubro de 1973 ocorreu uma nova guerra, que ficou para a História como Guerra de Outubro ou Guerra do Yom Kippur (o principal feriado religioso judaico), entre outras designações. Desta vez, uma coligação sírio-egípcia tentou inverter o efeito de surpresa que Israel tinha provocado na Guerra dos Seis Dias. Nas primeiras horas isso aconteceu, os israelitas pareciam surpreendidos, mas logo recuperaram. Paulatinamente, foram conquistando terreno até penetrarem nos territórios egípcio e sírio, ficando a 100 quilómetros do Cairo e a 40 de Damasco, que foi intensamente bombardeada. A guerra terminou ao fim de 20 dias com a intervenção das Nações Unidas que propôs um cessar-fogo, o qual entrou em vigor no dia 25 de outubro de 1973.

A cidade de Belém, na Palestina.

(Façamos aqui uma pequena pausa, que nos parece importante. Desde a formação de Israel, em 1948, este estado teve um governo moderado, liderado pelo Partido Trabalhista, até 1977. Foram trinta anos muito importantes, com políticos prestigiados e conciliadores, como Teddy Kollek, respeitado por todos, incluindo os árabes, eleito cinco vezes pelo Partido Trabalhista para a Câmara de Jerusalém32. Em 1977, o governo israelita endureceu a sua política em relação aos palestinianos com a chegada ao poder do Likud (que significa “união”), partido que ainda hoje congrega as mentes israelitas mais conservadoras, naquela época liderado por Menachem Begin. Este era um político que sabia muito pouco acerca do mundo árabe, e nunca deixara de ser o filho de um shtetl polaco, o vigoroso nacionalista que tinha uma visão maniqueísta do combate judaico, uma ligação emocional ao judaísmo e uma visão bíblica de Israel33. A visão que provavelmente perdura na mente do atual líder do Likud, Benjamin Netanyahu. Há pois uma diferença muito significativa na política israelita consoante estão no poder moderados ou radicais.)

Em 1978 e 1982 Israel fez incursões no Líbano de onde só se retiraria completamente no ano 2000. Em 1987 começou a Primeira Intifada que durou cerca de seis anos e provocou mais de mil mortos. Em 1993, no seguimento dos Acordos de Paz de Oslo, — que constituíram, talvez, a última grande esperança mas que, infelizmente, nunca chegaram a ser integralmente cumpridos — foi criada a Autoridade Palestiniana. Após a tentativa de mais um acordo, rejeitado por Yasser Arafat em Camp David, em 2000, começou a Segunda Intifada34. Esta Intifada foi mais violenta que a primeira e alastrou a Jerusalém e outras cidades israelitas e da Cisjordânia. Morreram cerca de 3.500 palestinianos e 1.000 israelitas. A partir de 2001, Ariel Sharon começou a construir muros na Cisjordânia, como resposta aos ataques terroristas. Em 2004 morreu Yasser Arafat e a Autoridade Palestiniana elegeu para o substituir Mahmud Abbas. Em 2005 os palestinianos dividem-se em dois partidos, um moderado (Fatah) e outro radical. Este último, o Hamas, que não reconhece Israel, passa a dominar a Faixa de Gaza, de onde lança mísseis para o território israelita. Em 2009, tropas israelitas entram em Gaza. Em 2012 e 2014, Israel lançou novas ofensivas sobre este território. Não é expectável que se fique por aqui.

Posto isto, é justo dizer que os árabes rejeitaram a maioria das propostas de paz e de constituição dos dois estados, não tendo muitas vezes aproveitado a abertura de Israel:

  • Em 1937, os árabes rejeitaram uma proposta de criação dos dois estados que lhes era altamente vantajosa, avançada pela Comissão Peel.
  • Em 1939, o Mufti de Jerusalém, Amin al-Husseini, impôs a sua vontade aos restantes 14 membros do Comité Superior Árabe, reunido em Beirute, e rejeitou as propostas do Livro Branco sobre a Palestina, elaborado na sequência da Conferência de St James, em Londres, de novo extremamente favorável aos árabes.
  • Em 1947 os árabes opuseram-se desde o início ao plano da ONU, decidindo lutar contra os judeus.
  • Logo após a Guerra dos Seis Dias, em 1967, Israel ofereceu-se para devolver os territórios conquistados em troca da paz. A resposta árabe à oferta de terras ficou conhecida como os “três nãos”: não à paz com Israel; não ao reconhecimento de Israel; não à negociação com Israel.
  • Em 2000, no seguimento da cimeira em Camp David (Camp David 2), o primeiro-ministro de Israel, Ehud Barak, concordou com o plano de Clinton e admitiu retirar de 97% do território da Cisjordânia e de 100% da Faixa de Gaza, concordando em desmantelar 63 colonatos isolados; além disso, em troca de 3% da Cisjordânia, Israel aumentaria o território da Faixa de Gaza em cerca de um terço; foi proposto ainda (algo até então impensável) que os bairros árabes de Jerusalém Oriental fossem a capital do novo estado palestiniano; que os palestinianos manteriam o controlo sobre os seus lugares sagrados incluindo parte do Monte do Templo; e que os refugiados palestinianos regressariam ao novo estado e seria constituído um fundo internacional de onde se retirariam 30 mil milhões de dólares para os compensar. Yasser Arafat, mesmo com estas propostas extremamente vantajosas, não quis chegar a acordo.

Outras tentativas ocorreram, como o Plano Roger de 1972, os Acordos de Oslo de 1993, os acordos de 1996 e o Mapa da Paz de George W. Bush, que levou à retirada unilateral de Israel da Faixa de Gaza, em 2005, por decisão do então primeiro-ministro, Ariel Sharon.

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O muro construído por Israel. Em Belém, na Cisjordânia.

5- ISRAEL, HOJE

O que escrevemos acima, já era de uma forma geral do nosso conhecimento. Restava-nos ver com nossos olhos. Queríamos falar com as pessoas, saber como viviam e o que pensavam, por isso chegámos a Israel com uma enorme expectativa. E os israelitas são de facto diferentes. Algo que nos impressionou logo à chegada foi a presença de jovens em todo o tipo de tarefas de controlo. Os nossos passaportes ficaram retidos durante dois dias no navio, ainda no mar, após um controlo presencial a que todos os passageiros tiveram de se submeter. Fomos controlados por jovens funcionários à saída do navio, as nossas bolsas e mochilas passadas pelo raio-x e novamente, à saída do porto, todos os veículos foram controlados. Os jovens (rapazes e raparigas) levam a cabo estas tarefas com uma enorme naturalidade. Aos 18 anos demonstram uma maturidade invulgar, como se fizessem isto há séculos. Sam, um taxista com quem viajámos e conversámos, explicou-nos que os jovens em Israel crescem mais depressa. Quando completam 18 anos, os rapazes têm pela frente três anos de serviço militar e as raparigas dois. Muitos, ao fim dos primeiros seis meses de recruta, estão aptos para cumprirem estas tarefas de controlo. Depois de cumprirem o serviço militar obrigatório, os homens passam à reserva até aos 50 anos, podendo ser chamados a qualquer momento em caso de necessidade.

Há quem considere esta preocupação com a segurança uma verdadeira obsessão, mesmo dentro de Israel. A unanimidade não existe, apesar da segurança dos cidadãos ser uma preocupação generalizada, por razões óbvias. A pluralidade de opiniões e posicionamentos políticos existe de facto em Israel — uma verdadeira democracia — e as visões sobre a forma de lidar com os vizinhos são diversificadas. Porém, a maioria reconhece, por experiência própria, que o país tem de estar preparado para se defender. Este sentimento de sobrevivência é um forte fator de união entre os israelitas. Todas as famílias viveram já momentos de sobressalto e muitas contam mortos e feridos no seu seio, vítimas da guerra ou do terrorismo. Os israelitas penaram muito para aqui chegar. É compreensível que queiram viver em paz e é impressionante que, em condições extremamente adversas, o tenham quase conseguido. É certamente mais seguro viver aqui do que em muitos países que não têm inimigos junto às suas fronteiras, como tem Israel.

Apesar de se saber que a paz, no que se refere ao Médio Oriente, é sempre instável, Israel mantém, agora, relações com o seu vizinho mais a Norte, o Líbano; as relações com a Jordânia são estáveis, após um acordo de paz que vigora desde 1994, e existe também um acordo com o Egito. A Síria parece ser o país fronteiriço com o qual Israel mantém, hoje, relações mais instáveis, embora a Síria esteja envolvida num grave conflito interno35. Face a esta situação, não admira que a indústria militar seja a segunda maior em Israel, depois da agricultura36. A terceira maior indústria é a dos diamantes. Os israelitas são os maiores talhadores mundiais e os diamantes em Israel são melhores e cerca de 25% mais baratos do que os que se podem encontrar em qualquer outra parte do mundo. Israel é também muito forte nas indústrias de ponta: satélites, chips para computadores e telemóveis, e instrumentos médicos de alta tecnologia37. Isto é perfeitamente natural, se considerarmos que mais de quarenta israelitas já conquistaram o Prémio Nobel nas áreas cientificas.

Um banho de argila do Mar Morto.

O nível de vida em Israel é alto. Face ao esforço de defesa38, os cidadãos pagam entre 50 a 60% do seu rendimento em impostos. Mas têm direito a educação gratuita de qualidade e o serviço público de saúde é igualmente gratuito e de qualidade superior. Muitos dos cirurgiões israelitas são os melhores do mundo nas respetivas áreas. Por todo o território nos deparamos com o crescimento de cidades, erguidas com meleke39, um tipo de pedra calcária, branca, que se encontra sobretudo nas colinas da Judeia e na Cisjordânia. Estas novas cidades, bem como as antigas, são ligadas por uma excelente rede de transportes, apesar dos engarrafamentos frequentes nas entradas e saídas das principais cidades, face ao número elevadíssimo de veículos. Telavive é uma dessas cidades. O seu dinamismo é visível mesmo numa abordagem superficial. Trata-se certamente de uma das mais desenvolvidas metrópoles mundiais e a sua movida noturna é algo que nunca tínhamos visto em qualquer outro lado. Bares e esplanadas cheios, milhares e milhares de jovens confraternizando ao longo dos largos passeios, a perder de vista. De realçar que a temperatura do ar das noites de Telavive, mesmo no fim de outubro, é igualmente elevada. Esta é a cidade mais ocidentalizada de todo o território israelita — aberta, cosmopolita, laica — conhecida como a Bolha, muito diferente da conservadora Jerusalém.

A questão religiosa é, na verdade, o problema mais complicado de resolver. A paz é mais difícil cada vez que os ultra-ortodoxos conseguem representar-se no Executivo israelita. Há várias tendências dentro daquele grupo, algumas que os crentes seguem cegamente, com práticas bastante estranhas para nós. Por exemplo, é absolutamente interdito o sexo antes ou fora do casamento e não é permitido fazer seja o que for durante o sabbath40; as mulheres são consideradas impuras pelo simples facto de menstruarem, e os homens cobrem-nas com um pano, deixando apenas um orifício na zona do sexo, quando fazem amor com elas. Felizmente, nem todos são ultra-ortodoxos, havendo também crentes não praticantes e ateus, embora cerca de 55% dos israelitas se considerem judeus. Deste equilíbrio de forças no seio de Israel dependerá, em muito, a convivência, mais ou menos pacífica, com os palestinianos. O avanço israelita na Cisjordânia41 é muito difícil de justificar (e igualmente muito difícil de parar). A paz, nestas condições, afigura-se extremamente difícil. O problema de Jerusalém constitui também uma tarefa árdua de resolver. Os crentes judaicos mais radicais não aceitam que uma mesquita tenha sido erguida sobre as ruínas dos Templos de Salomão e de Esdras. A cidade é um autêntico barril de pólvora42, sobretudo pelas tensões que provoca entre judeus e muçulmanos. Talvez o tempo seja o melhor amigo de uma convivência pacífica. Entretanto, a única possível parece ser a paz imposta e não uma paz acordada, mas, ainda assim, talvez esta situação seja preferível à guerra permanente. É justo, porém, dizer que essa paz imposta tem sido demasiado dura para os palestinianos, sobretudo nos últimos vinte anos — o período do pior Israel de sempre, fechado ao diálogo, apostado numa opressão quase irracional aos árabes palestinianos, vistos como eternos inimigos.

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A gente desta terra demonstra um amor inequívoco à Eretz Yisrael. (Foto tirada no bairro mais antigo de Telavive, Jaffa).

Cientes de que muitos dos que aqui vivem, judeus, cristãos ou árabes (sobretudo estes últimos), passam grande parte do seu tempo de vida entre a esperança e o desespero, deixámos Israel. Depois desta viagem podemos afirmar que a nossa perspectiva sobre os israelitas mudou, e que é preciso ir a Israel para (pelo menos tentar) compreendê-los. Uma grande parte da aversão aos judeus deriva de um preconceito cultural, mesmo que essa aversão não seja consciente e se baseie em mitos, propaganda e ignorância histórica. Quase em todo o lado nos apresentam os israelitas como opressores e os palestinianos como um povo subjugado. Mas esta história não tem 30 anos, tem mais de 3000. Quando falamos em judeus e palestinianos há algo que, desde logo, induz a maioria de nós em erro.  A palavra  “palestinianos” leva-nos a concluir que aqueles a que chamamos hoje palestinianos são os habitantes desde sempre da Palestina, e os judeus os intrusos que lhes roubaram a terra. Mas isto não é verdade. Sempre houve israelitas na Palestina, e até antes de existir a Palestina já existiam judeus naquela terra. Os israelitas da primeira metade do século XX eram chamados de “palestinianos” ou judeus palestinianos, assim como os (únicos) que agora são apelidados de “palestinianos” eram chamados de árabes palestinianos. Havia um jornal sionista cujo título era Palestina e um jornal árabe chamado Filistina.

A situação mais difícil de resolver em Israel é a de Jerusalém, sobretudo na Cidade Velha, onde os conflitos não ocorrem apenas entre crentes das três religiões principais, mas também entre radicais e moderados, entre seitas, ramos e igrejas dentro de cada religião. Por exemplo, a Igreja do Santo Sepulcro tem que ser dividida entre ortodoxos, católicos, coptas, etíopes e arménios, o que obriga a uma convivência que nem sempre é pacífica. Por outro lado, as três grandes religiões do Livro têm lugares sagrados na Cidade Velha — e é preciso lá ir para ver como o espaço é comprimido, sobreposto, rendilhado. Como dizia Shimon Peres, mais do que uma cidade, Jerusalém é uma chama, e uma chama não pode ser dividida43. Amos Oz, o grande escritor hierosolimita, perante este intrincado problema propôs uma solução criativa: devíamos pegar em cada uma das pedras dos Lugares Santos e transferi-las para a Escandinávia durante cem anos; e só as traríamos outra vez para cá quando tivéssemos aprendido a viver juntos em Jerusalém44. Enquanto isso não acontece, necessitar-se-ia de bom senso; era preciso que a fé andasse lado-a-lado com a racionalidade e não se sobrepusesse a ela; era preciso que a moderação e a abertura vencessem o radicalismo. Era preciso, só para começar, um novo Teddy Kollek. Até porque as exigências de autonomia dos árabes de Jerusalém terão de ser tomadas em conta mais tarde ou mais cedo45.

Sabemos que os israelitas cometeram e cometem atrocidades, da mesma forma que os palestinianos as cometeram e cometem. Não há inocentes neste conflito. Ainda assim, a verdade é que a palavra extermínio continua a ser atirada aos judeus; continua a haver quem ache que eles deveriam desaparecer. Estes estão conscientes disto, algo que se sente e quase se torna palpável em Israel. Talvez a ameaça externa constitua, afinal, o maior fator de união deste povo. Daqui levámos e aqui deixámos saudades. No regresso a casa, lendo Jerusalém, Ida e Volta – Um Relato Pessoal, um livro escrito, em 1976, por Saul Bellow, observamos que, por um ponto de vista, talvez por muitos mais, também nós somos judeus: Os israelitas são grandes viajantes. Precisam do mundo46.

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Notas:

1 Como se sabe, o cristianismo divide-se em inúmeros ramos, sendo os mais importantes os ortodoxo, católico e protestante, entre muitos outros.

2 Os muçulmanos aceitam a Bíblia (tanto o Antigo como o Novo Testamento) e consideram judeus e cristãos como seus parceiros, como “Povos do Livro”, Ahl al- Litâb.

3 A palavra Bíblia quer dizer, simplesmente, “O Livro”. Vem do grego Byblos, que era o nome pela qual era conhecida pelos antigos a cidade fenícia de Gebal, de onde os gregos importavam o papiro do Egito para escreverem os seus livros.

4 Os cinco livros (é isso que quer dizer, precisamente, a palavra de origem grega Pentateuco: “cinco livros”) são o Génesis, o Êxodo, o Levítico, os Números e o Deuteronómio.

5 Isto é muito interessante na medida em que nos mostra a origem comum de árabes e judeus.

6 Existe uma significativa controvérsia sobre a localização do Monte Sinai, não existindo consenso entre os historiadores, embora a maioria aceite a Península do Sinai, no Egito, como a localização mais provável. 

7 Josué (Joshua) viveu no século XIII a.C.

8 De vez em quando surge algum tipo de informação, algures no mundo, sobre o hipotético aparecimento de um ou mais membros dessas dez tribos perdidas.

9 Inácio Steinhardt, Raízes dos Judeus em Portugal, entre Godos e Sarracenos, Nova Vega, Lisboa, 2012, p. 29. Toda a primeira parte do presente artigo é também baseado neste obra.

10 Ob. cit., p. 34.

11 O Talmude é composto por duas partes. Mishná (texto base) e Guemará (comentários dos rabinos).

12 Apesar da fuga maciça dos judeus da Península Ibérica durante a Inquisição, ali deixaram raízes profundas. Por exemplo, em Portugal, cerca de um terço da população tem origem sefardita. Sobre este assunto ver artigo deste blogue aqui.

13 Hannah Arendt, Origens do Totalitarismo, Editora Schwarcz, São Paulo, 2013, p. 17.

14 Neste segundo período o antissemitismo católico foi sobretudo protagonizado pelos jesuítas. Não devemos esquecer-nos  de que os estatutos dos jesuítas exigiam a cada noviço a prova de que não tinham qualquer rasto de sangue judeu até a quarta geração.

15 Diogo Mainardi, A Queda, Editora Record, São Paulo, 2012, p. 125.

16 Himmler, num discurso aos seus líderes da S.S., em 1943, em Kharkov.

17 Mais detalhes sobre o assunto aqui.

18 Da mesma forma, houve quem visse no primeiro Congresso Sionista, realizado em 1897, mais uma conspiração sionista para governar o mundo, que ficou conhecida como “Judá Secreta”.

19 O termo “pogrom” deriva da palavra russa “gromit”, que significa “destruir”.

20 Além da primeira aliyah, houve mais cinco até 1948 (sobretudo como fuga ao nazismo), quando viviam já 695 000 judeus dentro do Mandato Britânico da Palestina.

21 Guilherme II considerava os judeus “os parasitas do império”, e chegou a afirmar que os judeus deveriam ser exterminados nas câmaras de gás.

22 Chegaram a ser sugeridos mais de trinta locais para a criação de um estado judaico. Localizações tão diversas como o Alasca, a Argentina, Angola, Líbia, etc. Hitler equacionou a hipótese de um campo de extermínio em Madagáscar e Estaline acreditou ser possível a criação de um estado judaico na Crimeia.

23 Artigo deste blogue sobre a Grande Guerra pode ser visto aqui.

24 Carta completa:O governo de Sua Majestade encara favoravelmente o estabelecimento, na Palestina, de um Lar Nacional para o Povo Judeu, e empregará todos os seus esforços no sentido de facilitar a realização desse objetivo, entendendo-se claramente que nada será feito que possa atentar contra os direitos civis e religiosos das coletividades não-judaicas existentes na Palestina, nem contra os direitos e o estatuto político de que gozam os judeus em qualquer outro país. Desde já, declaro-me extremamente grato a V. Sa. pela gentileza de encaminhar esta declaração ao conhecimento da Federação Sionista.” No entanto, parece que a verdadeira razão da adesão da Grã-Bretanha ao sionismo não se prendeu com os bons ofícios de Weizmann. Os ingleses estavam convencidos de que seriam capazes de influenciar favoravelmente a opinião pública americana se fizessem saber que um dos objetivos da sua política era o regresso dos judeus à Palestina.

25 Jerusalém – a Biografia, Simon Sebag Montefiore, Aletheia Editores, Lisboa, 2015, p. 449.

26 Recomenda-se o excelente filme de David Lean, Lawrence of Arabia, de 1962, que, além de ser uma obra sublime do ponto de vista artístico, é igualmente um documento interessante, do ponto de vista histórico.

27 Abdullah, o Apressado, filho do xerife de Meca, Hussein bin Ali, da dinastia dos hashemitas (ao que parece, descendentes diretos do profeta Maomé), haveria de ser rei da Transjordânia e de parte de Jerusalém, pois a cidade ficou dividida por decisão das Nações Unidas, em 1947. O sucessor de Abdullah seria Talal, mas este desiludia o velho rei, que treinou o neto, Hussein, desde pequeno, para reinar. No dia 20 de julho de 1951, uma sexta-feira, Abdullah ordenou ao neto que envergasse o uniforme militar, com as respetivas medalhas. Ao entrarem ambos na mesquita al-Aqsa de Jerusalém, um jovem sacou de uma pistola e, encostando-a ao ouvido de Abdullah, disparou matando o rei instantaneamente. Todos se atiraram ao chão menos Hussein, que se atirou ao assassino enquanto este disparava uma segunda vez, agora sobre ele, antes de ser abatido pelos guarda-costas do rei. Milagrosamente a bala bateu numa das medalhas e Hussein nada sofreu. O avô tinha-lhe salvado a vida sem saber. Logo em 1952, depois do pai ser forçado a abdicar do trono por causa de problemas de esquizofrenia, Hussein tornou-se rei da Jordânia até morrer, em 1999. O seu maior desaire político foi ter perdido Jerusalém e a Cisjordânia para Israel na Guerra dos Seis Dias. Moderado, era amigo do Ocidente e inclusive de Yitzhak Rabin, com quem assinou em 1994 um tratado de paz entre a Jordânia e Israel, que ainda hoje vigora. Sucedeu-lhe o seu filho mais velho, Abdullah II, atual rei da Jordânia.

28 O chamado Mandato Britânico da Palestina, que durou de 1920 até 1948.

29  O documento que regulava o Mandato Britânico da Palestina dizia expressamente no seu preâmbulo: “Considerando que as principais potências Aliadas também concordaram que o Mandatário deve ser responsável por colocar em prática a declaração, feita originalmente em 2 de novembro de 1917 pelo Governo de Sua Majestade Britânica e adotada pelas ditas potências, em favor do estabelecimento na Palestina de um lar nacional para o povo judeu, sendo claramente entendido que nada deve ser feito que possa prejudicar os direitos civis e religiosos das atuais comunidades não judaicas na Palestina, ou os direitos e status político gozados pelos judeus em qualquer outro país”…

30 53% do território seriam atribuídos aos 700 mil judeus, e 47% aos 1 milhão e 400 mil árabes que ali se haviam fixado. Esta repartição foi considerada adequada uma vez que alguns milhares de judeus viviam historicamente naquele território e haviam comprado 65% daquelas terras, ainda antes da Grande Guerra, no tempo dos otomanos. 

31 Na verdade já tinham ocorrido vários e graves conflitos entre árabes e judeus na Palestina, durante as décadas de 1920, 30 e 40.

32 Kollek foi eleito cinco vezes como Presidente da Câmara de Jerusalém – 1969, 1973, 1978, 1983 e 1989. Nascido na Hungria, morreu em Jerusalém, em 2007, com 95 anos.

33 Simon Sebag Montefiore, ob. cit., p. 553.

34 Os palestinianos, em particular, e os árabes, em geral, não costumam resolver os seus problemas através de acordos. Por isso, muitas vezes recorrem à força. Isso ficou bem patente durante estes últimos anos, com os israelitas a aceitarem (veja-se a flexibilidade negocial de Ben-Kurion e da Agência Judaica) e a proporem acordos e os palestinianos a rejeitarem-nos. No ano 2000, em Camp David, quando Yasser Arafat reuniu com Ehud Barak (mais um primeiro-ministro israelita do Partido Trabalhista que, como sempre, estava disposto a negociar) sob os auspícios de Bill Clinton, foram-lhe oferecidas condições únicas, que provavelmente nunca mais se repetirão. Noventa e um por cento da Cisjordânia e uma capital palestiniana em Abu Dis; os subúrbios árabes de Jerusalém Oriental; 3/4 da Cidade Velha, em Jerusalém; finalmente, perante a intransigência de Arafat, a soberania sobre o Monte do Templo, apenas sendo permitido aos israelitas uma ligação simbólica aos Lugares Santos. Arafat chocou americanos e israelitas quando afirmou que não existira nunca um templo judaico em Jerusalém, que isso era uma invenção moderna dos israelitas. Yasser Arafat recusou a proposta. A consequência disso foi a segunda intifada e a ascensão de Sharon, que reprimiu duramente os palestinianos e os isolou mais ainda através da construção de muros de segurança. 

35 Um facto de que poucos têm conhecimento é que muitas centenas de estropiados, que conseguiram fugir do atual conflito interno na Síria, foram tratados em hospitais de Israel.

36 As técnicas de irrigação em Israel são as mais avançadas do planeta.

37 A mais antiga indústria desta terra é a do azeite.

38 Cerca de um milhão de indivíduos estão a todo o momento disponíveis para combaterem. Seiscentos mil no ativo e quatrocentos mil na reserva.

39 O termo meleke é de origem árabe e quer dizer “pedra real” ou “pedras dos reis”, talvez porque os túmulos mais importantes de Jerusalém foram construídos com ela. A palavra entrou no jargão técnico, adotada do léxico usado pelos pedreiros, ancestralmente, no terreno.

40 Dia semanal de descanso, rigorosamente respeitado pelos judeus, entre o anoitecer das sextas-feiras e o anoitecer dos sábados.

41 Há três tipos de zonas na Cisjordânia – “A”, “B” e “C”, criadas após o Acordo de Oslo de 1993. A zona “A” é completamente controlada pelos palestinianos; a zona “B” é controlada por patrulhas mistas, de israelitas e palestinianos, sendo que quem detém o comando são os israelitas; e a zona “C”, a maior, com mais de 60% do território, é controlada pelos israelitas. Estes continuam a construir colonatos nesta zona (a que tens mais recursos naturais, incluindo a preciosa água) e a empurrar os palestinianos para as zonas “A” e “B”. Isto torna a vida dos palestinianos muito difícil. A água é controlada e fornecida pelos israelitas. Os palestinianos não podem construir as suas casas na zona “C” sem autorização dos israelitas e estes pura e simplesmente recusam-se a emitir as respetivas licenças. Os controlos militares atrasam, encarecem e tornam muitas vezes inviável o comércio com o exterior. O desemprego é alto e muita gente vive na pobreza. A situação em Gaza é ainda pior. Não fora a ajuda internacional – nomeadamente da União Europeia – e os palestinianos não resistiriam.

42 A expressão foi usada, entre muitos outros, pelo rei Abdullah II da Jordânia (bisneto de Abdullah, o Apressado), em 2010: “Jerusalém é um barril de pólvora que pode explodir a qualquer momento. Todos os caminhos desta zona do mundo, todos os conflitos, vão dar a Jerusalém”.

43  Jerusalém – a Biografia, Simon Sebag Montefiore, Aletheia Editores, Lisboa, 2015, p. 565.

44 Ob. cit., p. 566.

45 Saul Bellow, Jerusalém, Ida e Volta – Um Relato Pessoal, Edições Tinta-da-China, Lisboa, 2016, p. 151.

46 Saul Bellow, ob. cit., p. 147.

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Chipre

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Limassol vista do mar.

Chipre é a maior ilha do Mediterrâneo Oriental e o terceiro país mais pequeno da União Europeia, depois de Malta e do Luxemburgo. A superfície total da ilha corresponde a uma área de 9.251 km2, sobre a qual vivem 847.008 habitantes[1]. A capital é Nicósia e a língua oficial o grego. Chipre aderiu à UE em 1 de maio de 2004, quando já estava dividido, embora toda a ilha seja considerada território da União. Os cipriotas turcos são cidadãos da UE, já que são cidadãos de um país que é parte integrante da mesma – a República de Chipre – ainda que vivam numa parte da ilha que o governo cipriota não controla. Este é um dado bastante curioso sobre Chipre, um dos 19 países da chamada zona euro, que aderiu à moeda europeia em 1 de janeiro de 2008{2], mas a sua história é muito mais antiga, como veremos de seguida.

Sendo uma ilha, Chipre foi tradicionalmente um território ocupado. Normalmente, as potências mediterrânicas dominantes em cada época, foram igualmente as dominantes de Chipre. A ilha foi ocupada em primeiro lugar pelos egípcios e, depois, pelos assírios, para voltar, mais tarde a fazer parte do Egito. Em 525 a.C., Chipre passou a fazer parte do imenso império persa, comandado por Dario I, e viu-se, durante vários anos, envolvido nas guerras entre gregos e persas até aparecer Alexandre, o Grande, que acabou de vez com as antigas civilizações do Egito e da Mesopotâmia e impôs a todo o mundo civilizado, incluindo Chipre, a cultura helénica.

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O mosteiro de Stavrovouni.

Após a morte de Alexandre, foram ainda seus generais e descendentes destes que governaram durante vários anos o Chipre, até aparecerem os romanos como grandes dominadores do Mediterrâneo, e mais além. A mãe do imperador Constantino, Helena, após visita à Terra Santa, mandou construir, no século IV, um mosteiro em Stavrovouni (que quer dizer Montanha da Cruz), na atual região de Larnaka, no leste da ilha, para guardar as relíquias sagradas que trouxera, incluindo partes da cruz onde Cristo fora crucificado. A autenticidade destas peças, porém, nunca pôde ser comprovada. Helena incentivou o cristianismo em Chipre, dando vantagens aos cristãos, incluindo isenções de impostos e distribuição de terras.

Em 364, o Império Romano dividiu-se em dois e Chipre passou a fazer parte do Império Bizantino, cujo centro era Constantinopla. Em 632 a ilha foi invadida pelos árabes. Durante mais de 200 anos Chipre caiu numa grande instabilidade e muitos dos tesouros cristãos foram roubados, até o imperador Nicephoros Phocas recuperar a ilha, em 964. Viveu-se uma paz relativa por mais umas centenas de anos. Em 1184, Isaac Komnenos, um membro da família do imperador, tomou inesperadamente a ilha, apresentando documentos falsos que o apontavam como novo governador. Mal tomou posse do cargo, declarou a independência da ilha, libertando-a da alçada de Constantinopla, e intitulou-se Imperador de Chipre.

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Uma prensa de azeite do período bizantino, usada entre os séculos VII e IX, na cidade de Limassol.

Um episódio ocorrido apenas sete anos depois acabaria por determinar que Isaac tivesse um reinado demasiado curto. No inverno de 1190-91, Ricardo Coração de Leão estava na Sicília em escala para Jerusalém, que queria resgatar das mãos de Saladino, o supremo comandante do Islão, que a havia recapturado em 1187. Depois de levantarem ferro da Sicília, os navios de Ricardo enfrentaram uma enorme tempestade tendo três deles naufragado perto de Chipre e outro, onde seguiam a irmã de Ricardo, rainha Dowager, e a sua noiva, a princesa Berengaria de Navarra, chegado em segurança ao porto de Limassol. Os tripulantes dos três navios naufragados foram feitos prisioneiros e tanto a rainha como a princesa tratadas desrespeitosamente. Quando Ricardo desembarcou à frente dos seus homens tinha em mente, sobretudo, resgatar a irmã e a noiva mas, face aos acontecimentos, acabou por tomar a ilha e aprisionar Isaac, que viria a falecer no exílio.

Ricardo casou com Berengaria no dia 11 de maio de 1191, em Limassol, e foi nesta cidade que a princesa foi coroada rainha de Inglaterra. Os cipriotas, porém, não viram com bons olhos a chagada dos católicos à ilha, uma vez que eram ortodoxos. Revoltaram-se, e obrigaram Ricardo a repensar sobre a utilização de Chipre como base de incursão até Jerusalém. Ricardo Coração de Leão decidiu então vender a ilha aos Templários[3], os quais, face às constantes revoltas, pediram a Ricardo para a comprar de novo. Este acedeu e não se sabe ao certo se a doou ou revendeu a Guido de Lusignan[4]. Assim começaria o chamado “período latino” de Chipre, que durou cerca de 300 anos. Os ocupantes foram sobretudo francos, com as ordens religiosas dos Templários e Hospitalários a deterem vastos territórios na região de Limassol.

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São muitos os registos das ordens religiosas deixados em Chipre.

Embora nesta época o poder papal fosse incontestável, o conflito entre católicos e ortodoxos esteve sempre latente, com uma patente fricção entre as duas igrejas. A população mantinha-se maioritariamente ortodoxa, mas em 1260 surgiu a Bulla Cypria, a qual subjugou toda a população cristã da ilha aos ditames de Roma. Durante o período em que a dinastia Lusignan subsistiu em Chipre, o de maior prosperidade sob o reinado de Hugo IV (1324-59), as potências que dominavam o Mediterrâneo eram Génova e Veneza, as quais contrabandeavam com o Egito e contrariavam, assim, as restrições ao comércio com os islamistas impostas pelo Papa.

Aconteceram algumas invasões dos genoveses, que foram combatidas primeiro pelo rei João I e depois por seu filho Janus, embora este, no início do século XV, tenha cooperado com os genoveses e atacado a costa do Egito. Isto irritou os mamelucos, que responderam atacando Limassol e Larnaka. No ano seguinte voltaram com um exército maior, tomaram Limassol, saqueram e incendiaram Nicosia e, levando Janus com eles como prisioneiro, retornaram ao Egito com um vasto tesouro, além de mulheres e escravos. Quando Janus regressou a Chipre, depois do pagamento de um elevado resgate, foi sob a condição de reconhecer o sultão com seu soberano. Com a morte de Janus, em 1432, terminava a grandeza dos Lusignans em Chipre. Seguiu-se um período em que a ilha foi governada pelos venezianos.

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Uma das várias mesquitas de Limassol.

Entretanto, em 1453 os turcos conquistaram Constantinopla, pondo fim ao Império Romano do Oriente, que sobrevivera aos seu congénere ocidental cerca de mil anos. A partir de Constantinopla, os otomanos expandiram-se em várias direções. A ilha de Rodes foi subjugada em 1522 e, pouco tempo depois, chegou a hora do Egito e da Síria. Veneza entrava em declínio, face à descoberta da rota marítima do Cabo, pelos portugueses. Além disso, tinha de pagar um tributo a Constantinopla pela posse de Chipre, reconhecendo tacitamente a soberania do Islão. Os venezianos tentaram, enfim, revoltar-se contra os otomanos e construíram apressadamente muralhas defensivas, mas Chipre acabaria por ser invadido no Verão de 1570 pelo comandante turco Mustafá, à frente do seu poderoso exército. A população, cansada dos venezianos, não só não se defendeu dos turcos como até os apoiou com o fornecimento de provisões.

Em 1702, o sultão ofereceu Chipre ao seu Grande Vizir e em 1769 começou a primeira de muitas batalhas que ocorreriam por mais de cem anos entre a Rússia e a Turquia. Uma esquadra russa ultrapassou o Dardanelos e os russos chegaram a estar algum tempo em Chipre. Em 1821, a população grega de Korca[5] revoltou-se e massacrou os habitantes turcos. Foi a oportunidade que os otomanos esperavam. Os bispos cristãos foram chamados ao palácio, dizimados e os seus corpos espalhados pelas ruas. Os habitantes cristãos foram perseguidos durante seis meses de terror. Os gregos revoltaram-se então abertamente contra os ocupantes turcos. O sultão teve de pedir ajuda ao governador do Egito, Mohammed Ali, para suster a revolta em Atenas, mas os gregos pediram também ajuda. Ingleses, franceses e russos responderam afirmativamente. Lord Byron, o conhecido poeta inglês[6], foi um dos que morreu na Grécia durante a campanha de libertação.

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Na cidade de Limassol, as praias estendem-se por mais de dez quilómetros.

Em 1829 a Turquia foi derrotada e em 1832 a Grécia era um reino independente. Muitos cipriotas viajaram para Atenas e obtiveram a nacionalidade grega. Entretanto, aproveitando a fraqueza dos turcos, Mohammed Ali revoltou-se e obteve a vitória sobre os otomanos, fundando uma dinastia independente no Egito e pretendendo que Creta e Chipre se integrassem no território egípcio. As potências europeias intervieram de novo e impediram que Chipre fosse integrado no Egito, ao contrário de Creta. Chipre mantinha-se parte do Império Otomano. A partir daqui, sob a liderança do sultão Mahmoud II e, depois, de seu filho, Mejid I, a Turquia encetou um vasto programa de reformas no sentido da sua modernização. Todo o império, fosse qual fossem nacionalidade ou religião, passou a ser tratado de igual modo, sob leis iguais para todos. Os cipriotas beneficiariam destas reformas.

Entretanto, Inglaterra e França, não querendo que a Rússia aumentasse o seu poder no Mediterrâneo, aliaram-se aos turcos, tradicionais inimigos dos russos. Quando a guerra estalou, as frotas britânica e francesa navegaram até o Mar Negro e atacaram a base naval russa de Sevastopol, situada na Crimeia[7]. Depois da guerra, a Rússia, vencida, viu-se obrigada a aceitar as condições do Tratado de Paris de 1856. Uma parte do tratado previa grandes melhorias nas condições de vida dos residentes dos territórios sob domínio otomano. Cristãos e muçulmanos, falantes gregos e falantes turcos, todos passaram a viver em considerável harmonia em Chipre.

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O Mediterrâneo junto à costa cipriota.

Em 1866, encorajada pela Rússia, a Bulgária revoltou-se contra o Império Otomano. A revolução não vingou de imediato mas em 1875 recrudesceu em força, tendo sido reprimida com uma ferocidade tal pelo exército turco que o incidente ficou conhecido como as “Atrocidades Búlgaras”. A Rússia, aproveitando o isolamento turco, declarou guerra à Turquia em nome da independência das Bulgária, Roménia e Sérvia. Venceu de forma tão conclusiva que uma grande parte da Anatólia foi cedida aos russos. Os britânicos não gostaram desta conquista dos russos, pois ela punha em perigo o Canal do Suez, a ligação que permitia à Inglaterra uma comunicação rápida com a Índia. A abertura do canal devolvera a Chipre a importância estratégica perdida nos finais do século XV, quando os portugueses descobriram a Rota do Cabo.

Assim, os britânicos acabaram por fazer uma aliança com os turcos para defesa da zona do canal. Parte dos termos do acordo atribuía o território de Chipre aos britânicos, ficando estes responsáveis pela garantia dos direitos dos muçulmanos da ilha. Por outro lado, os russos deveriam devolver aos turcos o território que haviam conquistado dentro da Anatólia. Chipre viu-se assim livre dos turcos e foi ocupado pelos britânicos, que aí estabeleceram a base das suas forças no Leste do Mediterrâneo. Em 1882 houve uma revolução no Egito, e os ingleses, temendo que a ligação, via Canal do Suez, à Índia, à Austrália e à Nova Zelândia, estivesse em perigo de novo, em vez de continuarem a controlar a zona desde a sua base em Chipre, decidiram ocupar toda a zona do canal. Depois da batalha de Tel-el-Kebir, em Ismailia, os ingleses assumiram o controlo militar do Egito.

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Georgios Grivas, um dos grandes heróis de Chipre.

Quando rebentou a Grande Guerra, os britânicos anexaram formal e completamente a ilha de Chipre. Não tinham agora que fazer concessões aos turcos, uma vez que estes, aliados da Alemanha e da Áustria, eram inimigos. Os ingleses propuseram então a entrega de Chipre aos gregos (a população da ilha era, como ainda é, tradicional e maioritariamente helénica) em troca do envolvimento destes na guerra contra os seus tradicionais inimigos na zona – os turcos. Surpreendentemente para os cipriotas, os gregos recusaram a proposta e a ideia de Enosis (união entre Grécia e Chipre) morreu ali. Os britânicos não renovariam esta oferta. Chipre ganhou o estatuto de colónia britânica em 1925 e um governador substituiu o Alto Comissário britânico.

Durante a II Guerra Mundial os cipriotas gregos lutaram bravamente ao lado dos aliados, tendo alguns sido condecorados como heróis de guerra. Isto renovou a esperança na Enosis e na independência de Chipre. Porém, todas as tentativas de autodeterminação falharam, bem como os apelos de 1954 e 1955 dirigidos às Nações Unidas. Por essa altura, um cipriota grego, Georgios Grivas[8], oficial do exército grego, desembarcou clandestinamente na ilha. Ele organizou o EOKA (Organização Nacional dos Lutadores pela Liberdade) e ficou conhecido como Digenis, o Líder, tendo sido o responsável pelos primeiros atentados contra as forças britânicas. Os ingleses reagiram em força e enviaram para o exílio nas Seychelles o arcebispo Makarios III, aliado de Grivas na luta pela Enosis. Makarios foi libertado no ano seguinte e, após uma breve passagem por Atenas, recebido como um herói em Chipre.

Em 16 de agosto de 1960, Chipre tornou-se uma república independente. A grande aspiração dos cipriotas à independência obrigara os britânicos a conceder-lha. Porém, após três anos de relativa tranquilidade, a tensão entre cipriotas gregos e turcos acentuou-se. Makarios tentou fazer alterações à Constituição que, embora benéficas, a própria Constituição não permitia, e estas foram rejeitadas pelos cipriotas turcos. Começaram os confrontos. Grivas retornou à ilha em 1971 para organizar um novo grupo combatente, o EOKA-B, enquanto na Grécia uma junta militar conhecida como “Os Coronéis” tomava conta do poder.

Em 1974, um grupo de oficiais do exército grego planeou um golpe para eliminar Makarios e substituí-lo por Nicos Samson, um ex-membro do EOKA, e anexar uma parte de Chipre à Grécia. Esta Enosis limitada  fazia parte de um plano conhecido por Ankara, que toleraria as consequências em troca de parte do território cipriota, que seria cedida aos turcos. No dia 15 de julho o palácio presidencial foi atacado, mas o presidente Makarios escapou ileso e o golpe falhou. Os turcos, porém, não desperdiçaram a oportunidade há tanto esperada. Em 20 de julho invadiram Chipre e rapidamente ocuparam a parte Norte da ilha, cerca de 37% do seu território. Foram muitos, os mortos e deslocados. Os britânicos, que ainda permaneciam na ilha nas suas bases, as forças de manutenção de paz da ONU, os Estados Unidos – ninguém interveio para impedir a invasão turca. Em 1983 surgia um “estado” no Norte de Chipre, até hoje apenas reconhecido pela Turquia e rejeitado pelo resto do mundo. Chipre continua dividido e não se sabe se alguma vez vai deixar de estar. É difícil prever se um dia as religiões deixarão de dividir os homens, de dividir o mundo[9].

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Notas:

[1] Dados de 2015.

[2] Retirados de https://europa.eu/european-union/about-eu/countries/member-countries/cyprus_pt.

[3] Sociedade dos Cavaleiros do Templo.

[4] Os Lusignans governaram o Reino de Chipre até 1474. O corpo de Guido foi sepultado numa igreja dos Templários, em Nicósia.

[5] Atual Albânia.

[6] Conhecido sedutor e autor do célebre poema “Don Juan”.

[7] A Rússia haveria de perder a Guerra da Crimeia, que decorreu entre 1954-55.

[8] Georgios Grivas era cipriota e morreu no dia 27 de janeiro de 1974, com 75 anos de idade. Os britânicos ofereciam 10.000 libras a qualquer pessoa que, em qualquer parte do mundo, fornecesse alguma pista que conduzisse à sua prisão. No entanto, Grivas estava escondido numa casa em Limassol, quando foi acometido por um ataque cardíaco.

[9] Baseado na obra Brief History of Cyprus in Ten Chapters, Dr. Dick Richards, KyriakouBooks, Limassol, 1992.

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Foto do convento de Stavrovouni retirada de http://www.4viptour.com

Foto de Georgios Grivas retirada de beretandboina.blogspot.pt

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O Capital – Livros I e II

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Os dois primeiros livros de O Capital, publicados pela editora brasileira Boitempo.

Não se pode compreender a fundo “O Capital” de Marx, especialmente o primeiro capítulo, sem o paciente estudo e assimilação de toda a “Lógica” de Hegel. Consequência disto é que, depois de meio século, não se conhece um só marxista capaz de compreender Marx1.

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1- A PROBLEMÁTICA DAS EDIÇÕES D’O CAPITAL

O Capital (cujo título completo é O Capital: Crítica da Economia Política 2 é uma obra monumental, dividida em quatro volumes. Marx trabalhou cerca de vinte anos na sua construção, e apenas o Livro I – O Processo de Formação do Capital 3 – foi, em 1867, na Alemanha, editado por ele4. Só depois de Marx ter morrido (em 1883), é que Engels editou os livros II e III, respetivamente, em 1885 e 1894. O último volume (Livro IV) só foi publicado após a morte de Engels (1820-1895), em 1905, numa edição de Kautsky.

Para lá da extensão, O Capital é igualmente uma obra complexa. A sua organização constituiu um grande problema. Os manuscritos que Marx deixou tiveram que ser interpretados, ordenados e estruturados para, com base neles, Engels editar os livros II e III5. No entanto, Engels não se limitou a esse papel escrutinador. “Em seu árduo trabalho editorial, ele também entendeu ser necessário preencher diversas lacunas no corpo do texto marxiano, estabelecendo conexões e desenvolvendo pontos que julgava não estarem suficientemente explicitados”6, de tal forma que alguns estudiosos da obra, sustentados em investigações recentes, chegam a admitir que a autoria dos livros II e III deveria ser atribuída a Friedrich Engels e não a Karl Marx 7.

Porém, Engels jamais aceitaria essa autoria. A sua fidelidade a Marx foi total. Engels dedicou-se, após a morte de Marx, à obra essencial do amigo, deixando para segundo plano, ou mesmo abandonando, os seus projetos pessoais (apesar de ainda ter publicado um livro de sua autoria)8. Este grande trabalho de Engels foi muito importante e continua, hoje, praticamente desconhecido do grande público. E foi também um trabalho ingrato: os manuscritos deixados por Marx sobreviveram até à atualidade9 e têm sido alvo de um minucioso escrutínio por parte de especialistas, muitos dos quais apontam erros substanciais ao trabalho do pobre Engels. Isto seria sempre inevitável, e só o facto de Engels se ter sujeitado a críticas que (ele sabia) iriam durar muito para lá da sua vida, já prova a extraordinária amizade que o ligava a Marx.

2- ENQUADRAMENTO HISTÓRICO-SOCIAL D´O CAPITAL

O Capital é uma obra de Economia que deve ser encarada sob um ponto de vista mais amplo. É esta, aliás, a perspetiva do próprio Marx, que reclama um enquadramento histórico do capitalismo, sem o qual este dificilmente será compreendido. Aliás, segundo ele, o indivíduo não é mais do que uma peça na engrenagem do imparável processo histórico10, sendo inútil qualquer tentativa para contrariar esse processo. Este aspeto de O Capital é muito importante, pois revela que a obra essencial do marxismo não pode ser desligada do contexto histórico nem, sobretudo, de uma visão político-social, defendida por Marx e Engels, que podemos apelidar de historicista11. Por outras palavras, o processo histórico da luta de classes, tal como Marx o desvendou, teve um início, um meio (a época de capitalismo selvagem em que Marx viveu) e teria um fim com o advento da sociedade socialista, e a tomada do poder pelo proletariado.

A teoria histórica de Marx desenvolve-se em três fases: a) análise das forças económicas do capitalismo e a sua influência sobre as relações entre as classes (O Capital trata apenas deste ponto); b) a inevitabilidade da revolução; c) a emergência da sociedade sem classes12. É a partir da análise realizada em O Capital (alínea a) que Marx retira as conclusões (erradas) das alíneas b) e c). De uma análise sobre o presente e o passado, Marx retira conclusões ousadas para o futuro; a partir de um conhecimento empírico, factual, histórico, Marx deduz o futuro, o qual nunca pode ser empírico, factual nem, obviamente, histórico. É por isso, que a teoria marxiana falha.

A previsão de Marx, e dos teóricos marxistas, era que o colapso do capitalismo e a tomada do poder pela classe operária ocorreria primeiro nos países onde o capitalismo estivesse mais desenvolvido. Ora, isso não aconteceu nem se vislumbra onde tal possa acontecer. Pelo contrário, as revoluções operárias (ou em nome dos operários e camponeses) realizaram-se em países pouco desenvolvidos do ponto de vista capitalista e foram impostas de forma violenta às populações. Mais: económica e socialmente, foram um desastre. Os marxistas usam normalmente dois tipos de “argumentos” para justificarem o fiasco que resultou dos governos comunistas: não estavam reunidas as “condições objetivas” ou, por outro lado, não existiram “condições políticas” (em geral, por inépcia dos governantes) para implementar a verdadeira doutrina comunista. Em suma: tudo o que possa correr mal não pode decorrer da teoria marxista, porque esta está correta, mas de algum fator externo.

Nós, porém, temos duas justificações diferentes, uma decorrente da doutrina de Marx, outra derivada dos marxismos. Pelo lado do próprio Marx, este quis que a sua doutrina fosse científica e materialista, procurou limpá-la da especulação filosófica (como ele próprio disse: “não basta interpretar o mundo, é preciso mudá-lo”). Marx pensou erradamente que o comportamento humano seria linearmente determinado pelo processo histórico, pelo condicionamento económico e social. Tinha uma visão determinista, possuía sólidos conhecimentos de Economia e de História, mas fraco entendimento de Psicologia; conhecia mal o género humano: as suas aspirações, a sua capacidade de transformação e, sobretudo, o seu apego à liberdade. Isso conduziu-o ao historicismo. Por seu turno, os marxistas confundiram intenções com realidade. Se a intenção é boa, o resultado deverá ser igualmente bom, pensaram eles. Se algo falha, a culpa não é, naturalmente, de quem é bem-intencionado… Ora, esta confusão revelar-se-ia um erro fatal; um erro associado a morte e a sofrimento; um erro que – embora residual nas sociedades mais avançadas de hoje – ainda persiste.

3- CONTEÚDO D’ O CAPITAL

Já nos referimos à extensão e ao detalhe desta obra de referência, uma das mais famosas de sempre. O Capital não é, de forma alguma, uma obra fácil. Louis Althusser13, um marxista francês, avisa, em “Advertência aos leitores do Livro I d’O Capital“, que, “para ser compreendido, o Livro I precisa ser relido quatro ou cinco vezes consecutivas”14. Não seguimos o aviso de Althusser: lemos o Livro I, e também o Livro II, apenas uma vez. Isso não nos impediu – nem deve impedir ninguém – de emitir opinião sobre uma obra em que, apesar dos detalhe e minúcia, transparece de forma bem clara a intenção de seu autor: denegrir o sistema capitalista, denunciando aquilo que ele considera ser o seu caráter iníquo.

Marx viveu numa época em que o capitalismo selvagem, sem regras, proliferava na Europa, sobretudo em Inglaterra, fruto da Revolução Industrial. Foi uma época chocante, com horários de trabalho desumanos, condições degradantes, trabalho infantil, abuso do trabalho feminino, salários miseráveis, direitos sociais praticamente inexistentes. Marx indignou-se, justamente, com esta situação. Procurou as causas, o modus operandi do sistema capitalista. Tal como os economistas burgueses, que não fizeram mais do que “traduzir, sistematizar e fazer a apologia doutrinária das ideias dos agentes dessa produção (capitalista), presos às relações burguesas de produção”15, também Marx não fez mais do que tomar em mãos a apologia dos interesses dos trabalhadores, mostrando como estes são explorados e precisam revoltar-se para derrotarem os capitalistas.

No Livro I, Marx mostra-nos como se dá essa exploração. Ele mostra que cada época tem, do ponto de vista económico, o seu modo de produção – é este que caracteriza e define cada época histórica. Quando as sociedades humanas viviam ainda fechadas, toda a produção era consumida no seio da tribo, não havia troca, nem comércio16, nem dinheiro, tudo isso apareceu mais tarde, com o desenvolvimento técnico, particularmente dos transportes. No modelo económico que antecedeu o capitalismo – o feudalismo – o senhor feudal detinha os meios de produção, nos quais se incluía a força de trabalho do servo. E foi apenas com o surgimento da sociedade burguesa, quando o servo conquistou a liberdade e passou a poder vender a sua força de trabalho, tornando-se um assalariado, que surgiu, verdadeiramente, o capitalismo. O capitalista passou a ser o detentor dos meios de produção: a) o capital constante (matérias-primas terrenos, maquinaria, etc) e b) o capital variável (a força de trabalho).

É neste momento que surge o ponto crucial da “lei” de Marx – a teoria da mais-valia. Só existe capitalismo porque no ciclo de produção e circulação se estabelece uma mais-valia; e só existe mais-valia porque existe o trabalhador livre, portador da força de trabalho. É usando a força de trabalho em seu benefício (explorando-a) que o capitalista cria a mais-valia, aquilo que os ricardianos apelidavam de lucro. Isto acontece porque a força de trabalho – que, como qualquer outra mercadoria, deveria ser comprada pelo seu valor17 (o tempo de trabalho necessário), no caso, o tempo necessário à produção dos meios de subsistência do próprio trabalhador  – é usada pelo capitalista muito para lá do necessário. Se, por exemplo, o tempo de trabalho que cobre as necessidades de subsistência do trabalhador for de 6 horas e a jornada de trabalho imposta ao assalariado for de 12 horas (como foi durante bastante tempo), as restantes 6 horas constituem uma mais-valia, capital que pode metamorfosear-se em vários tipos, como o capital-monetário18, o capital-mercadoria ou o capital produtivo. Esta é a questão fulcral de O Capital.

A nova teoria económica de Marx, baseada na mais-valia, corta com a chamada corrente da Economia Política, cujos representantes maiores são Adam Smith e David Ricardo, sobretudo em dois aspetos. Em primeiro lugar, ao introduzir o próprio conceito de mais-valia. Enquanto aqueles economistas se referem a “lucro”, ou seja, a uma dedução ao salário que é adiantado pelo capitalista ao trabalhador, considerada equivalente à parcela de trabalho que este adiciona à matéria-prima, Marx vem dizer  que essa dedução corresponde a trabalho excedente, a uma parte não remunerada do trabalho, ou seja, a uma mais-valia, que deve constituir, segundo Marx, uma categoria própria – e muito importante – de qualquer teoria económica. Em segundo lugar, Marx introduz o importantíssimo conceito de “força de trabalho”. Esta força de trabalho é portadora de um valor específico – como “a gravidade pode ter um peso especial, o calor uma temperatura especial, ou a eletricidade uma voltagem especial”19 – e não um valor que não é rigoroso, tal como o que está incluído no conceito simples, e anterior a Marx, de “trabalho”. É o conceito específico de força de trabalho que nos permite avaliar o valor do trabalho incorporado numa mercadoria (o trabalho socialmente necessário para a sua produção e reprodução) e, simultaneamente, nos permite avaliar com rigor o valor apropriado pelo capitalista como mais-valia (ou mais -valor).

Evidentemente, isto passa-se na época da Revolução Industrial, pelo que o capital dessa época se designa por “capital industrial”, e é este que Marx analisa nas suas fases de produção e circulação, as quais estão intimamente ligadas e formam uma unidade20. Esta unidade também pode ser chamada de “capital total”. Neste ciclo maior, o capital transforma-se sucessivamente em capital-mercadoria, capital-monetário e capital-produtivo (cada um deles com seu ciclo especifico e todos interligados) num processo contínuo que se reproduz indefinidamente. O mais óbvio destes ciclos menores é, aparentemente, o capital-monetário porque, de acordo com Marx, a sua “finalidade e motivo propulsor – a valorização do valor, o ato de fazer dinheiro e a acumulação – apresentam-se aqui numa forma evidente (comprar para vender mais caro)”21.

Não vamos entrar em detalhes sobre o que se passa em cada ciclo, nem decompor outros conceitos importantes da teoria económica de Marx. Limitamo-nos, modestamente, ao essencial, tendo o cuidado de relembrar que este artigo se refere “apenas” aos livros I e II de O Capital. Há que reconhecer muito mérito a Marx. Para lá da nova perspetiva que introduziu sob o ponto de vista económico, Marx produziu igualmente uma obra erudita, sob os pontos de vista histórico, social e, pelo menos no Livro I, até literário.

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Notas:

1 Lenine citado em “Os Pêssegos Verdes”, de Augusto Meyer, Edição da Academia Brasileira de Letras, 2002.

2 No desenvolvimento do presente trabalho adotaremos sempre o título abreviado, aquele, aliás, pelo qual a principal obra de Marx (e Engels) foi popularizada : O Capital.

3 Livro II- O Processo de Circulação do Capital; Livro III- O Processo Total da Produção Capitalista; Livro IV- Teorias do Mais-Valor.

4 Marx nasceu em Trier, no sudoeste da Alemanha (Renânia), a 5 de maio de 1818, e faleceu em Londres, a 14 de março de 1883.

4 O Livro I é composto de textos escritos por Marx entre 1866 e 1875; o Livro II, de textos surgidos entre 1868 e 1881; o Livro III, de um manuscrito redigido em 1864-1865.

5 O Capital- Crítica da Economia Politica, Livro II- O Processo de Circulação do Capital, Karl Marx, Editorial Boitempo, São Paulo, 2014, Nota da Tradução (Rubens Enderle), p. 14.

6 Isso mesmo nos diz David Harvey em Para entender O Capital: Livros II e III, Editorial Boitempo, São Paulo, 2014, p. 15.

8 A Origem da Família da Propriedade Privada e do Estado. Temos  Uma edição brasileira desta obra. Lafonte, São Paulo, onde Engels não esconde o seu fascínio pelos tempos tribais, quando não existiam ainda as instituições que figuram no título do seu último livro.

9 Manuscritos que foram classificados em grandes grupos, denominados Manuscrito I, II, III… até VIII.

10Meu ponto de vista, que apreende o desenvolvimento da formação econômica da sociedade como um processo histórico-natural, pode menos do que qualquer outro responsabilizar o indivíduo por relações das quais ele continua a ser socialmente uma criatura, por mais que, subjetivamente, ele possa se colocar acima delas” (Prefácio da 1ª edição de O Capital, escrito por Karl Marx, ob. cit., Livro I, p. 80).

11 Empregamos aqui o termo “historicismo” no sentido popperiano. Neste sentido, uma teoria historicista caracteriza-se por prever (ou determinar) o futuro da sociedade. Para Marx, essa sociedade futura seria dominada pela classe operária. Ainda no jargão popperiano, trata-se de uma teoria (social) “fechada”. Para Popper, o futuro é aberto, indeterminável. Daí o título da sua obra, de 1945, A Sociedade Aberta e Seus Inimigos, tratada em artigo deste blogue, que pode ser lido aqui.

12 Estas fases foram (bem) definidas por Karl Popper (A Sociedade Aberta e Seus Inimigos, Vol. II, Editorial Fragmentos, Lisboa, 1993, p. 136). 

13 Louis Althusser (1918-1990), filósofo marxista, foi professor da École Normale Supérieure de Paris. Em 1980, imagine-se, matou a mulher por estrangulamento.

14O Capital- Crítica da Economia Politica, Livro I – O Processo de Produção de Capital, Karl Marx, Editorial Boitempo, São Paulo, 2013, p. 44.

15 O Capital- Crítica da Economia Política, Livro II – O Processo de Circulação do Capital, Karl Marx, Editorial Boitempo, São Paulo, 2014, p. 99.

16 “A circulação de mercadorias é o ponto de partida do capital”. (Livro I, p. 223).

17 É muito importante perceber que qualquer mercadoria só tem valor porque tem trabalho associado. A força de trabalho tornou-se, com o capitalismo, ela própria, uma mercadoria.

18 O dinheiro que não é investido não pode ser considerado capital.

19 Livro II, p. 99 (Prefácio da primeira edição, escrito por Engels).

20 “processo inteiro apresenta-se como unidade do processo de produção e do processo de circulação; o processo de produção torna-se mediador do processo de circulação, e vice-versa” (Livro II, p.179). 

21 Livro II, p. 138.

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As nossas edições:

  • Karl Marx, O Capital – Crítica da Economia Politica, Livro I – O Processo de Produção de Capital, Editorial Boitempo, São Paulo, 2013.
  • Karl Marx, O Capital – Crítica da Economia Politica, Livro II – O Processo de Circulação do Capital, Karl Marx, Editorial Boitempo, São Paulo, 2014.

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Portugal e o Turismo

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Os Caretos na Rua Augusta, em Lisboa.

Ao deslocarmo-nos há dias pelo Norte de Portugal — em Amarante, no Alto Douro Vinhateiro e no Porto (sétima cidade europeia onde o turismo mais cresceu) — verificámos o mesmo fenómeno a que já assistíramos recentemente em outras partes do país, sobretudo nos arquipélagos dos Açores e da Madeira, em Lisboa, no Alentejo e no Algarve: um fluxo turístico que varre Portugal de Norte a Sul, de Este a Oeste, algo nunca visto até hoje.

Se virmos bem, era apenas uma questão de tempo. Portugal tem condições ímpares para a prática turística: clima excelente, boa gastronomia, gente acolhedora, riquezas naturais e culturais, diversidade, custo de vida baixo, tranquilidade e segurança. A oferta tem vindo a adaptar-se à crescente procura, sobretudo no que toca ao alojamento, com a proliferação de hotéis, albergues, casas de campo, apartamentos particulares, etc. Muita gente ganha a vida trabalhando na área do turismo, cada vez mais.

O turismo representa já uma percentagem muito importante do PIB nacional, e isto quer dizer que, se não fossem as receitas deste setor, estaríamos numa posição muito pior do que aquela em que infelizmente nos encontramos. José Hermano Saraiva referia-se muitas vezes, em seus programas televisivos, à importância do turismo e à vocação de Portugal para essa atividade económica. E tinha toda a razão: Portugal é um país turístico por excelência; poderia e deveria aproveitar muito melhor esse potencial.

O turismo deveria ser, de facto, um setor económico estratégico, visto não termos dimensão, nem reservas naturais, nem localização, para sermos uma grande potência em muitas outras áreas. Claro que deveríamos ser competitivos em outros setores, sobretudo nos produtos transacionáveis, mas se os outros países o forem tanto quanto nós (e geralmente são-o mais), perderemos sempre, pois estamos na periferia da Europa e não temos massa crítica (mercado interno) para crescermos (já para não falarmos da inépcia dos nossos políticos, da corrupção, da nossa tradicional dependência do Estado, etc., etc.). Deveríamos apostar fortemente na Educação e no investimento em Ciência e Tecnologia, mas não o temos feito de forma consistente.

O turismo é, pois, estratégico porque é aquilo em que somos naturalmente bons. Isto é tão óbvio que chega a ser patético assistir ao coro de críticas que ultimamente se tem erguido contra o fluxo turístico. É algo verdadeiramente incompreensível: reclamamos porque não há dinheiro e reclamamos contra quem vem cá deixar o seu dinheiro. Esquecemos, ou ignoramos, que só nos desenvolvemos quando nos abrimos ao mundo. Fecharmo-nos só nos tornará ainda mais estúpidos. E mais pobres também.

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A Educadora Varela

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Varela não se coíbe de apelidar de “cobarde” o povo que viveu sob a ditadura, apesar de ela sempre ter vivido em liberdade.

Triste o país que atribui a relevância que hoje tem, na nossa sociedade, alguém como Raquel Varela. Comentadora política, professora universitária e autora, coautora ou coordenadora de estudos e livros sobre o que denomina “o povo” e a participação deste em greves, levantamentos e revoluções, Raquel Varela é uma revolucionária. Porém, como se sabe, cada revolucionário vê a revolução de forma própria. A história da esquerda revolucionária, em todo o mundo, é uma história de facções, discussões, querelas, disputas, traições e, entre outras coisas mais, purgas, muitas purgas. A extrema-esquerda nunca se entendeu nem nunca se vai entender. A pureza da esquerda é como a do OMO — todos querem lavar mais branco.

É, portanto, difícil situarmo-nos quando ouvimos (ou lemos) essa grande educadora do povo, chamada Varela (uma educadora que deveria, em nossa modesta opinião, primeiro que tudo, aprender a escrever: é, simultaneamente, penoso e surpreendente ler os artigos que Varela publica no seu blogue, sem o auxílio de revisores que lhe corrijam os erros básicos de português). Como poderemos enquadrar o pensamento de Varela (se é que é enquadrável)? Que “rótulo” podemos colocar-lhe? Socialista, comunista, anarquista ? Certamente que o seu posicionamento se situa mais à esquerda que os do Partido Comunista e do Bloco de Esquerda, pois estes partidos parlamentares são abundantemente criticados por ela.

Temos para nós que Varela se situa politicamente algures entre marxismo e anarquismo. Pensamos mesmo que ela teria orgulho em que alguém a enquadrasse numa moldura marxista/anarquista, precisamente no ponto mais extremo da extrema-esquerda nacional. Este orgulho também não é novo, pelo contrário: é uma atitude típica dos teóricos revolucionários. Marx, por exemplo, radicalizou-se porque não queria ficar atrás de Bakunin. Uma vez que este pretendia atacar o sistema político-legal para destruir o Estado, Marx acabou por considerar o Estado irreformável e, tal como Bakunin, como um alvo a abater.

Varela não admite um revolucionário maior do que ela. E o que significa, para ela, Varela, ser revolucionária, hoje, em Portugal? A resposta é muito simples — ser contra: governo, oposição, Europa, capitalismo, patrões, Estado, bancos, burguesia e, claro, o povo não-revolucionário (que Varela apelida de “cobarde”) e todos os não-revolucionários, em geral. O importante é destruir, e para isso Varela conta com o povo e os trabalhadores, organizados em comités populares, sindicatos e similares.

Nada disto é novo, também. Há mais de 150 anos que os revolucionários têm este tipo de discurso — uma ladainha que, durante todo este tempo,  não conduziu a lado nenhum ou, pior, apenas conduziu povos inteiros à desgraça (entenda-se “desgraça” como miséria, sofrimento e morte). É por isso que já ninguém releva este tipo de lengalenga nos estados desenvolvidos, onde os partidos de extrema-esquerda não têm praticamente representatividade. Só num país atrasado como o nosso é possível que uma pessoa portadora de ideias comprovadamente desastrosas continue a fazer comentários regulares na televisão pública (paga por todos nós), com o convencimento típico dos presunçosos e ignorantes.

Tendo em conta que esta grande educadora do povo (que sempre viveu em democracia) faz parte de uma extrema-esquerda que nem sequer está representada no parlamento, por que não convidar também para os debates um elemento da extrema-direita, alguém do lado oposto do espetro político, no fundo, alguém do mesmo nível que Varela? Mas muito melhor do que isto seria não fazer eco de extremismos, sobretudo quando não representam nenhum segmento significativo da população e apenas servem para espalhar, pelos espíritos mais sensíveis, demagogia, ódio, fanatismo e intolerância. Tudo isto frequentemente camuflado por uma palavra que, de tão batida e maltratada, corre sério risco de perder rapidamente o seu nobre significado: amor.

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foto retirada de http://www.jornaldeleiria.com

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Os Tribalistas

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Havana, Cuba. A revolução é uma religião cujo Deus é Fidel. 

Abandonámos a vida tribal há cerca de oito mil anos. Daí resultou um rápido avanço científico e tecnológico e uma enorme diversidade de sociedades e culturas. O tempo que passou desde então – os tais oito mil anos – é um piscar de olhos em termos evolutivos e o cérebro humano não estava preparado para uma mudança tão rápida e radical. A tentativa mais abrangente de adaptação aos novos tempos ocorreu com o surgimento das religiões monoteístas, as quais constituem a ponte entre a mentalidade mágica tribal e o mundo futuro, onde as religiões, tal como as conhecemos, provavelmente desaparecerão. (Algumas sociedades, sobretudo as dos países nórdicos, mostram que esta hipótese é bastante credível).

Mas a religiosidade não se revela apenas pelos credos tradicionais; há deuses terrenos que caminham lado-a-lado com seus colegas celestes. A crença em políticos-profetas e em ideologias-religiões é a prova da persistência da nossa mentalidade tribalista; e motivo pelo qual alguns povos se mantêm na cauda da nossa civilização.

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O Imposto Sucessório

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Costa e Centeno. Dar com uma mão e tirar com a outra. A fatura não demorará a chegar.

Temos muitas dúvidas sobre o atual Governo português. Desde o início que o dissemos: não nos agrada um Executivo refém de dois partidos de inspiração marxista que, em qualquer momento, poderão retirar-lhe o tapete. As engenharias (talvez fosse mais correto chamar-lhes “tropelias”) tributárias já começaram, com a intervenção sobre os preços dos combustíveis, atitude que deu maus resultados no passado, e irá dar, de novo, no futuro. E, para compensar as medidas (ou a falta delas) que agravam o défice, já se fala num recurso ao Imposto Sucessório, abolido em quase todos os países civilizados.

Como “não há fumo sem fogo”, não nos admiraria que tal viesse, de facto, a ocorrer, até porque parece óbvio que, mais uma vez, face à incapacidade de controlar a despesa, o Governo terá de aumentar a receita à custa dos impostos. Se o Imposto Sucessório renascer por mão deste Governo, o remanescente de credibilidade, que ainda possa ter, cairá por terra (pelo menos para nós), uma vez que o Imposto Sucessório é o imposto mais injusto que existe, por duas ordens de razões.

1- É uma dupla tributação. As pessoas já pagaram os seus impostos em vida sobre esses bens – e não tão pouco quanto isso. E embora o património passe para outras mãos (no caso, de herdeiros legítimos e diretos), não há razão para tributar duas vezes o mesmo bem.

2- Nem todo o património adquirido é fruto da especulação. Há muita gente que levou uma vida inteira de trabalho e sacrifício para amealhar algum dinheiro, ou adquirir qualquer outro bem, móvel ou imóvel. Não somos contra a tributação pesada sobre o dinheiro lucrado com a especulação, nem contra a que incide sobre as mais valias conseguidas através da alienação de património – que aliás já é bastante pesada. Mas insurgimo-nos contra um imposto que apenas visa conseguir, a qualquer custo, financiar um Governo inepto, seja ele qual for. Tal não passa de um roubo, ainda que seja um roubo legal.

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Foto retirada de http://www.dn.pt.

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Um país em guerra – Brasil

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A “presidenta”.

Não bastava a guerra efetiva nas ruas, bairros e cidades do Brasil, onde todos os anos se assassinam mais de 40.000 pessoas, chegou agora também ao país uma verdadeira guerra política. Talvez alguns considerem exagero, mas os ingredientes de uma guerra estão, de fato, presentes: a diabolização do inimigo; a propaganda; a deturpação de alguns factos e a invenção de outros; a radicalização de posições; a rejeição aos cidadãos independentes e a adoção da máxima “se não és por mim, és meu inimigo”.

Talvez este seja o aspeto mais pernicioso desta guerra efetiva. A tentativa — quase sempre coroada de êxito, face ao reduzido número de pessoas verdadeiramente livres e esclarecidas — de empurrar os independentes para o lado inimigo. Enquanto numa democracia amadurecida os independentes, sem fidelização partidária ou ideológica, vão contribuindo para uma saudável alternância de governos, nas democracias frágeis, onde a tolerância é ainda incipiente, os independentes, sempre que não consigamos convertê-los ao nosso credo, são empurrados para o extremo oposto e vistos como inimigos.

Assim, quem não é vermelho é fascista e defende a ditadura militar, e quem não é verde e amarelo é um perigoso comunista que defende a ditadura do proletariado. E vale tudo, precisamente como numa guerra, para mostrar estas supostas evidências: o recurso a notícias falsas, deturpadas, manipuladas, e à mais elementar propaganda, é recorrente e preenche um espaço assustador dos modernos meios de comunicação social, como são os casos do Twitter e do Facebook.

E o mais espantoso é ver intelectuais, professores universitários e artistas consagrados, divulgarem acriticamente todo o tipo de falsidades, cegos pela crença partidário/ideológica. Pouco importa as questões constitucionais, legais, legítimas, políticas, que sustentam ou não o impeachment da presidente. Para quem apoia o PT é um golpe, para os outros apenas interessa derrubá-la, pouco importa a forma como isso seja feito.

É verdade que a linha constituída pelos possíveis substitutos de Dilma na presidência — Temer, Cunha, Calheiros e companhia — é uma linha podre. Mas é igualmente verdade que o recurso ao impeachment só foi possível pela extraordinária incapacidade política da presidente, quer na condução da economia do país, quer no diálogo, que foi incapaz de manter, com senadores e deputados. E há que ter em conta o seguinte: o facto de Dilma ter sido uma lutadora antifascista não faz dela, por si só, uma boa governante. A política económica de Dilma foi (e é ainda) um desastre — e a ela se deve a grave crise política atual.

Mas nada disto interessa aos fundamentalistas. A única coisa que aceitam de bom grado é discutir, como fizeram nas eleições de 2014, quem é mais ou menos corrupto, quem é mais ou menos ladrão, a mesmíssima discussão que têm agora relativamente ao “golpe”. Com isto, os não-alinhados e independentes, não conseguem fazer-se ouvir, nem colocar em agenda aquilo que verdadeiramente importa — melhorar a vida dos muitos milhões de brasileiros em dificuldades e resgatar o Brasil do seu profundo atraso económico e social.

Como ponto de partida, haveria que colocar em cima da mesa uma reforma do sistema político, a qual, com os atuais intervenientes na Câmara e no Senado (grande parte deles indiciados por corrupção), se afigura bastante difícil, para não dizer impossível. Só com novas eleições – se estas trouxerem novos protagonistas – é lícito ter alguma esperança. O Brasil em guerra é um país num impasse.

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foto retirada de www.telesurtv.net.

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Tulum, México

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Tulum

Os maias chegaram à península do Yucatã vindos da Ásia. Provavelmente seriam mongóis que migraram pela Sibéria e daqui para o atual Alasca, no final da última glaciação, há cerca de 12.000 anos. Da América do Norte desceram à América Central, onde se instalaram até os dias de hoje. Além da península do Yucatã[1], onde 80% da população é de origem maia, ocupam também os territórios atuais correspondentes às terras baixas e altas da Guatemala, ao Belize, à porção ocidental de Honduras e El Salvador, reunindo territórios que pertencem à região denominada Mesoamérica[2], numa área de 325.000 quilómetros quadrados. Fisicamente os maias caracterizam-se pela estatura baixa, a tez trigueira, a face redonda, a pele com poucos pêlos, e uma mancha característica no fundo das costas — a marca mongol.

Está comprovado que os maias percorreram esta região há milhares de anos, comerciando por terra e, sobretudo, por mar. Os navios que construíam não tinham mastros, dado que não usavam velas mas sim a energia humana para navegarem: utilizavam embarcações a remos, que manobravam junto à costa, ao longo da segunda maior barreira de coral do mundo.

Não eram, pois, um povo unificado; estavam divididos em tribos e reinos, com uma rígida estratificação social. Eram violentos e extremamente religiosos, praticando o sacrifício humano, sobretudo de crianças entre os quatro e os oito anos, para contentarem os deuses e receberem em troca a chuva necessária para que a atividade agrícola se desenvolvesse. Os deuses eram em número de vinte e três, distribuídos em três níveis: o inframundo, a terra e o céu.

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Pormenor num dos templos de Tulum

Além de extremamente religiosos, os maias desenvolveram uma cultura muito interessante do ponto de vista científico. Tiveram quatro calendários: um ritual (Tzolkín) de 260 dias, um civil (Haab) de 360 dias – formando os dois a famosa “Roda Calendárica” – e outros dois para uso exclusivamente científico . O ciclo da vida durava 52 anos, findos os quais, tudo era renovado: novos templos eram construídos sobre os antigos e tudo que pertencia ao ciclo que findava era queimado. Grandes observadores do céus e dos movimentos dos astros, começaram uma contagem do tempo a partir do alinhamento de seis planetas, iniciando, assim, em 3114 aC, um ciclo maior que terminaria 5125 anos depois, em 21 de dezembro de 2012, quando os mesmos seis planetas se alinharam de novo no céu. Nesta altura foi referido por várias pessoas que os maias previram que o fim do mundo ocorresse nessa data, mas tal não corresponde à verdade. Os maias jamais falaram em “fim do mundo”, apenas em fim de um ciclo.

Há, pois, muita ignorância sobre a cultura dos maias. Em 1562, o bispo espanhol Diego de Landa[3] mandou destruir todos os livros maias, considerando-os bruxaria. Três livros, porém, foram roubados e escaparam à destruição. Um deles pertence a um cidadão privado e encontra-se na Alemanha; os outros dois encontram-se em museus, em França e Espanha; há quem fale num quarto livro, mas não se sabe ao certo se existe. Estes livros estão escritos na língua maia, língua que ainda hoje se fala, e que foi decifrada na década de 1950 pelo soviético Yuri Knorozov.

A cidade sagrada de Tulum[4] situa-se na costa nordeste da Península do Yucatã. Como o navio em que viajávamos aportou em Cozumel – uma ilha mexicana em pleno Mar das Caraíbas – tivemos de tomar outra embarcação para fazer a travessia, em cerca de 25 minutos, até Playa del Carmen, no continente, e daqui um autocarro até Tulum – mais uma hora de viagem, aproximadamente. O nome original desta cidade sagrada era Zamá, que significa “manhã” ou “amanhecer”. Terá sido construída por volta do ano 1000[5] e abandonada em 1527, após a chegada dos espanhóis, que ocorrera em 1518, sob o comando de Juan de Grijalva, vindo de Cuba, em abril desse ano, na segunda expedição ao continente. Completamente coberta pela vegetação, foi redescoberta 320 anos depois por John Stephens, diplomata e advogado norte-americano, e pelo arquiteto inglês Frederick Catherwood.

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Árvore sagrada dos maias – Yaxche.

Tulum era uma cidade muralhada, o que prova a existência de conflitos armados, e situa-se estrategicamente no topo de um penhasco, sobre o mar, possuindo, nos restantes três quadrantes, muralhas, ainda hoje bem preservadas. Dentro delas moravam cerca de quinhentas pessoas – sacerdotes e políticos – e fora delas cerca de dez mil. Ossadas mostram claramente que havia um diferença entre os que moravam no interior e os que viviam do lado de fora: os primeiros eram mais altos, o que demonstra terem tido uma alimentação melhor. Verificou-se, também, que os maias protegiam as crianças nascidas com algum tipo de deficiência, acreditando que as mesmas eram predestinadas. Talvez por isso provocassem a deformação do crânio em alguns bebés, fixando talas de madeira em torno de suas cabeças, durante dois anos, prática ainda hoje observável entre os incas. Descobriu-se também que um certo tipo de pedras – as quais não eram infectáveis por nenhum tipo de bactérias – foram incrustadas nos dentes de alguns indivíduos, não se sabendo ao certo com que finalidade, talvez para preservar a própria dentição.

Na cidade sagrada de Tulum podemos encontrar vários templos, alguns dos quais serviam para sacrifícios, e outros como sepulturas, sendo que estas se encontravam também no exterior das edificações. Ao contrário do que se diz por vezes, não foram os espanhóis que introduziram as cisternas nesta região, os maias já as usavam há muitos anos. Um sistema de canais, ainda visível em Tulum, conduzia a água da chuva para os reservatórios, os quais eram tampados por forma a preservar a água e utilizá-la em tempos de seca.

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Playa del Carmen

A Península de Yucatã, onde o turismo se desenvolveu exponencialmente nos últimos anos, é uma vastíssima planície, com uma ligeira elevação, precisamente onde floresceu Tulum, na costa nordeste. O solo é constituído em cerca de 90% por rochas e pedras, não existindo aqui grandes lagos ou rios, pelo que a vida dos agricultores maias não devia ser fácil. A edificação da cidade junto à costa é assim compreensível, bem como o papel da mesma enquanto entreposto marítimo. Os maias não cunhavam moeda, o “dinheiro” que usavam era o cacau, usado nas trocas comerciais e não davam o valor que depois os espanhóis atribuíram ao ouro e à prata.

Por tudo isto, vale a pena conhecer Tulum e, mais ainda, toda esta vasta região onde os maias, desde tempos remotos, se instalaram.

É de suma importância referir que as informações aqui disponibilizadas não são científicas, basearam-se no discurso de um guia local (Julian, um excelente guia maia) e em algumas consultas posteriores. O tema “civilização maia” requereria um estudo muitíssimo mais aprofundado para ter algum valor. A nossa intenção é apenas a de documentar uma visita de um único dia, e seria ridículo pretender mais do que isso. Por outro lado, os trabalhos e as investigações continuam por esse mundo fora, sendo que muita coisa há ainda a descobrir e aclarar sobre esta brilhante – e ainda muito controversa – civilização.

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Notas:

[1] Numa área correspondente aos estados de Campeche, Tabasco, Chiapas, Iucatã e Quintana Roo.

[2] Termo proposto pela primeira vez em 1943 pelo antropólogo Paul Kirchhoff.

[3] https://pt.wikipedia.org/wiki/Diego_de_Landa.

[4] Tulum não é seguramente o local mais importante para visitarmos, em termos da civilização maia. Teothihucán e Monte Alban, Palenque, Copán e Yaxchillán, na área central, Uxmal e Chichén Itza, no Yucatã, Tikal, a cidade dos Deuses, onde se encontra a maior pirâmide de toda a América, são as metrópoles mais importantes e conhecidas.

[5] Pertence, portanto, ao período pós-clássico. “Tradicionalmente, os arqueólogos dividiram a História maia em três períodos principais: Pré-Clássico (800 a.C. a 300 d.C.), Clássico (300 d.C. a 900 d.C.), Pós-Clássico (900 d.C. a 1520 d.C.). Cada um destes períodos possui estilos distintos de cerâmica e arquitetura. O período Clássico tem sido tradicionalmente visto como o auge da civilização maia, devido à imponência de seus palácios e templos, às estelas – monumentos verticais onde foram registradas inscrições hieroglíficas –, além de sua elaborada cerâmica policrômica. O período Pré-Clássico teria sido formado por vilas rurais modestas e desprovido de realizações arquitetônicas tão expressivas quanto às do Clássico. Já o Pós-Clássico foi um período de decadência cultural e artística. Este modelo, que ainda é muito difundido, apresenta muitas discrepâncias. No intuito de reformular, e não refutar, os dados apresentados pelos estudiosos ao longo da primeira metade do século XX, o esforço dos arqueólogos hoje é a reinterpretação destas informações a fim de se buscar uma periodização mais adequada”. in http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-90742008000100015

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Bibliografia:

“Calendário Maia, 2012 e a Nova Era”, Thiago José Bezerra Cavalcanti, ISBN, 2012, Rio de Janeiro.

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Havana, Cuba

Fidel transformou e aumentou a fazenda do seu pai

para fazer de Cuba uma só fazenda de 11 milhões de pessoas.

Juan Reinaldo Sánchez1

Normalmente, a parte mais difícil de uma viagem a Cuba passa-se no aeroporto. Vencida a burocracia paranoica, o trajeto que liga o aeroporto a Havana — através de vias bordadas por edifícios descoloridos e gastos, quase arruinados — faz-se com relativa facilidade. Duas horas após o avião tocar a pista, é-se recompensado. Chegamos à capital de um país mítico — Cuba.

A viagem de táxi entre o aeroporto e o centro de Havana custa normalmente de 20 a 25 CUC (cada CUC vale cerca de um euro), os novos pesos cubanos. É possível trocar dólares ou euros pela moeda cubana, mas pode ser um pouco demorado, pelo que o melhor é fazer levantamentos nos poucos ATM da  cidade, mas atenção porque nem todos os cartões se aceitam aqui. Os preços do alojamento em Havana são muito variáveis, desde os 25 CUC de uma casa particular aos 180, 200, ou mesmo mais, de alguns hotéis históricos. As comidas e as bebidas são relativamente baratas, embora nos locais mais turísticos se inflacionem os preços.

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Na Bodeguita del Medio.

Vale a pena visitar demoradamente o Centro da cidade: os edifícios históricos; os cafés simbólicos, como Floridita ou Bodeguita del Medio; os restaurantes variados, onde a comida vem quase sempre acompanhada por uma canción, um bolero ou um cha cha chá; as lojas onde se vendem os puros cubanos (não se devem comprar na rua porque são invariavelmente falsos); as ruas, onde se podem admirar as belas e coloridas carroçarias dos carros antigos; e, entre outros motivos interessantes, os diversos museus de Havana.

Uma visita imperdível é a que é possível fazer à galeria Ojo del Ciclón, situada em Esq. Villegas, 501, no Centro Histórico. Aqui trabalha o artista plástico Leo D’ Lazaro, filho de um dos escultores responsáveis pela construção do mausoléu a Che, na cidade de Santa Clara. São inúmeros e fantásticos os trabalhos de Leo — pinturas, esculturas e fotografias — as quais se podem admirar e comprar. (Há também algumas obras à venda do seu falecido pai). A própria galeria é uma obra de arte — uma casa de habitação, com as respetivas divisões, incluindo cozinha e casa de banho, decorada com as obras de Leo e materiais que denotam o bom gosto de um artista excecional. Por vezes, há agrupamentos musicais atuando e outros encontros de artistas locais. Leo D’ Lázaro quase sempre está trabalhando por lá, mas, esteja ou não, uma visita ao Ojo del Ciclón é algo que não se pode deixar de fazer em Havana.

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El Ojo del Ciclón.

Como seria de esperar, o turismo constitui uma importante fonte de receita, num país onde falta quase tudo (vimos, por exemplo, camiões-tanque no centro da cidade a fornecer água à população), mas a vida do turista não é muito facilitada. Quase todos procuram tirar alguma vantagem dos visitantes, e até os pequenos mapas da cidade são pagos. A obsessão com a segurança chega a ser incómoda: uma simples travessia de uma margem à outra da baía de Havana (que custa apenas dez centavos) implica a revista de sacos e mochilas de todos os passageiros, por parte dos agentes estatais. A presença do omnipotente Estado é, aliás, visível por todo o lado: nos símbolos revolucionários; na propaganda e palavras de ordem; nas instalações militares.

A apologia da luta armada e da revolução está espalhada, em cartazes e murais, pela cidade e pelas cabeças dos mais velhos, que quase sempre se referem com nostalgia aos heróis revolucionários, Che e Fidel. Tudo muda, porém, quando falamos com os jovens.

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A propaganda revolucionária está espalhada por toda a cidade.

“Gosto muito de Havana mas quero conhecer outros lugares, aqui não tenho futuro”, confidenciou-nos González Pinilla, um pintor dos seus 18 anos, a quem comprámos dois quadros belíssimos, no Empedrado, junto à Catedral, logo no nosso primeiro dia na cidade. Os lápis, pincéis e tintas com que Pinilla criou estas obras não foram produzidos em Cuba; ele consegue os materiais de trabalho através de amigos ou turistas que os trazem clandestinamente do exterior.

Pouco depois, numa rua próxima dali, um distinto senhor aproximou-se e perguntou-nos se tínhamos um lápis que lhe pudéssemos oferecer. Afortunadamente havia na nossa mochila um lápis, gasto de fazer anotações e sublinhados, e, obviamente, demos-lho, pedindo desculpa por nem sequer podermos oferecer-lhe um lápis em condições. Ele agradeceu por aquele pedacinho de madeira com um fio de grafite por dentro, disse que era para o filho pequeno que andava na escola… Ficámos estupefactos.

No dia seguinte, encontrámos Olmedo, um jovem aparentemente um pouco mais velho que Pinilla, mas seguramente sem ter chegado ainda aos trinta, que pescava no Malecón, na margem oposta àquela onde se situa o Castelo dos Três Reis do Morro, uma edificação construída no tempo de Filipe II, quando Portugal se encontrava sob domínio espanhol. Após uma breve troca de impressões sobre espécimes aquáticos daquela zona, a conversa alargou-se e Olmedo afirmou estar cansado da propaganda do Governo: “A guerra já passou, não adianta continuar a falar em guerra e revolução; nós, os mais jovens, queremos desenvolvimento. Precisamos urgentemente de políticos novos, com uma nova mentalidade”.

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Casablanca. Aqui nasceu Havana e neste bairro casou e morou Che Guevara. Supostamente, estes ares minimizavam os seus problemas asmáticos.

Outro jovem, cujo nome não lográmos conhecer (e mesmo que lográssemos não o divulgaríamos aqui, pois todos os nomes das pessoas que se declararam contra o regime vigente em Cuba citados neste artigo são fictícios, por razões óbvias), garantiu-nos que ele e todos os seus amigos sonham com a abertura política e o fim do velho regime. Conversámos um pouco com ele numa paragem de autocarro, aquando do nosso terceiro dia na cidade.

Já León, um cubano de 45 anos, casado e pai de três crianças, trabalha num navio de cruzeiro, onde o encontrámos e onde com ele convivemos durante oito dias. Vive em Havana com a família, mas o curso que tirou na Escola Naval permitiu-lhe embarcar, sair de Cuba, conhecer outras realidades. Durante o circuito que o navio fez nas Caraíbas ficámos a saber o que León pensa do seu próprio país: “Os cubanos já sofreram muito e já perdemos demasiado tempo; pode ainda demorar um pouco mais, mas o movimento em direção à liberdade já começou e é como uma espiral, não volta para trás”.

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Jovem cubana vai ganhando uns trocos tocando para os turistas.

Estes e outros testemunhos que recolhemos em Cuba foram muito importantes para nós. Uma coisa é o que nos contam os amigos que ali estiveram de férias, outra coisa é o que vemos e ouvimos, diretamente, no terreno. Depois desta experiência ficámos convencidos de que Cuba será livre num futuro mais ou menos próximo. A ânsia por liberdade é quase respirável e, como diz León, uma “espiral”.

Foi com essa sensação que regressámos. A caminho do aeroporto, num táxi desconjuntado que tresandava a gasolina, o motorista, de 43 anos, confidenciou-nos, sem que lhe perguntássemos nada, que, há cinco anos, sua mãe entregara o cartão de militante ao Partido Comunista e fugira de Cuba. Ele próprio não fez o mesmo porque tem duas filhas de 13 e 14 anos, mas pensa tentá-lo em breve: “A ilha é uma prisão”.

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A Praça da Revolução.

Estes relatos chocam violentamente com o que está inscrito junto ao retrato gigantesco de Marx, sobre a fachada de um enorme edifício, na igualmente gigantesca Praça da Revolução: Vas bien Fidel. Talvez Fidel vá bem — ele a quem a revista Forbes atribuiu uma das dez maiores fortunas do mundo. Mas Cuba, sobretudo para os jovens cubanos, vai muitíssimo mal.

Já no aeroporto, enquanto esperávamos pelo nosso voo, decidimos comprar um livro, escrito por Julio Cúbria Vichot, editado em 2014 e traduzido em várias línguas, intitulado Breve História de Cuba – de Colombo ao século XXI. Pensáramos ter comprado um livro de História, como aliás o título indica. Puro engano. Trata-se de mais um instrumento de propaganda do Regime, exaltando a Revolução e deplorando os “contrarrevolucionários” e “imperialistas”, numa abordagem enviesada, maniqueísta, ideológica, absolutamente contrária aos padrões de rigor e verdade que devem guiar qualquer historiador. O regime cubano vive uma mentira, que é, afinal, a sua incontestável verdade.

Deixámos a ilha com um pensamento. Haverá sempre quem lute pela liberdade, como acontece em Cuba e noutras ditaduras, mas também haverá sempre quem queira privar-nos dela, como acontece em todos os países livres. É por isso que a liberdade — o valor social mais alto para quem a ama — nunca estará garantida, precisa que cuidemos dela, que nos mantenhamos atentos a todos os perigos que corre.

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Entrada (ou saída) da baía de Havana.

ADENDA

1- Três dias depois de deixarmos Cuba, já na Cidade do Panamá, aconteceu-nos uma daquelas coincidências que por vezes ocorrem na vida de todos nós. Comprámos um jornal local, como sempre fazemos quando visitamos um país (mas que não pudemos fazer em Cuba) — La Prensa — o qual continha um artigo de opinião da autoria de Jorge Ramos (diretor de notícias da Univisión), intitulado Cuba Libre? Nesse artigo, o autor critica fortemente Obama e, sobretudo, o papa Francisco, pela condescendência relativamente ao regime cubano, manifestando mesmo indignação pelo facto de Francisco se ter recusado a reunir com dissidentes e com jornalistas independentes cubanos, como é o caso de Yoani Sánchez, e por não ter feito nada quando os seguranças do Governo, à frente dos seus olhos, agrediram e prenderam um dissidente que pretendia falar com ele. Jorge Ramos, que está proibido de entrar em Cuba desde 1998, quando acompanhou a visita de João Paulo II, por ter entrevistado dissidentes e jornalistas independentes, não deposita muita esperança nos esforços de Obama e do papa.

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O senhor Domingos disse que o Mojito que nos serviu foi feito com mais amor que aquele que serviu ao Lula. A Bodeguita del Medio já foi visitada por uma legião de famosos.

Afirma, no seu artigo, que a viagem de Obama a Cuba, prevista para março, será um “momento tipo Nixon”, referindo-se à visita deste presidente americano à China, em 1972. Esse momento marca o início da atual abertura económica chinesa, mas não o início da abertura política. Assim, segundo Ramos, também a próxima visita de Obama não implicará a realização de eleições livres, a restauração da liberdade de imprensa ou a libertação dos presos políticos, em Cuba. Ramos termina o artigo com as seguintes palavras: “Cuba Libre? Em qualquer bar do mundo se sabe que isso é uma mentira”. O artigo de Jorge Ramos pode ser lido na íntegra aqui. Tal como Ramos, também nós não acreditamos numa abertura do regime. A liberdade em Cuba, infelizmente, terá de ser conquistada pela pressão dos jovens cubanos, nas ruas.

2- E, já em casa casa, ficámos a saber que os Rolling Stones vão atuar gratuitamente em Cuba, alguns dias depois de Obama chegar ao país. Aposto que Pinilla, Olmedo, León e todos os jovens cubanos estão felizes com esta notícia. Talvez não seja ainda a “espiral” mas, definitivamente, algo se passa na ilha dos Castro.

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Nota:

1 Juan Reinaldo Sánchez, A Face Oculta de Fidel Castro, Planeta, Lisboa, 2015, p. 180.

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