
A Islândia é uma terra moldada por água, gelo e fogo. Caracterizada por uma intensa atividade vulcânica, há no seu território centenas de vulcões, alguns ativos, outros adormecidos há milhares de anos. O magma fratura as rochas da crosta e forma uma cadeia de vulcões, que se estende ao longo da ilha, de norte a sul. De formas e tamanhos variáveis, os vulcões conferem à ilha uma paisagem lunar; uma paisagem muito diferente de outrora, quando esteve coberta por um extenso glaciar, e só os picos das suas atuais montanhas eram visíveis. Foi nos grandes campos de lava do norte deste país que os astronautas americanos da missão Apolo 11 tiveram uma breve preparação antes da sua viagem à Lua.
A natureza instável e porosa do solo vulcânico da Islândia não permite reter a água nem proporciona condições adequadas à fixação das plantas. A água do degelo forma grandes cascatas, esculpe montanhas, percorre muitos quilómetros no solo poroso, forma cavernas e acaba por emergir em forma de lagos. No fundo desses lagos há fontes termais vulcânicas que aquecem a água e proporcionam a profusão de vida. Algumas espécies refugiam-se aqui, no fundo dos lagos, durante o inverno. Há mais vida na Islândia do que à primeira vista parece.

Um milhão de aves marinhas nidificam em Grimsey, uma pequena ilha a norte da ilha-mãe, em cima do Círculo Polar Ártico. Entre essas aves destacam-se as grandes colónias de papagaios do mar e de tordas mergulheiras, que aqui vêm nidificar. Ambos nadam debaixo de água em busca de alimento, conseguindo ficar cerca de dois minutos submersos. Além destes, há que considerar as andorinhas do mar, as gaivotas com garras, os moleiros parasíticos e as escrevedeiras das neves, entre tantos outros. Também os mares da Islândia são ricos em vida e propícios para a pesca. As águas contêm plâncton devido à provisão contínua de cinzas vulcânicas. Das muitas espécies, destacam-se o bacalhau (que aqui prospera, ao contrário do que acontece noutros lugares), a solha e a raia, mas também camarões, focas, morsas, baleias e golfinhos. Em terra, onde a biodiversidade é mais pobre, sobressaem o cavalo islandês, uma raça típica (é proibida a importação de qualquer outra); a raposa-do-ártico, as renas e os visons. Na Islândia, apenas 1/4 do território está coberto por vegetação. Não existem répteis nem anfíbios.

A nossa visita à Islândia iniciou-se pela capital, Reykjavik (“baía das fumarolas”), uma cidade pequena, muito tranquila, onde nada parece ser capaz de perturbar os seus cerca de 200 mil habitantes. Os islandeses, no total, não ultrapassam os 365 mil, cerca de metade dos habitantes de uma cidade pacata, como Lisboa. Não há muito que ver em Reykjavik para lá da igreja Hallgrímur (Hallgrímskirkja), o restaurante panorâmico com cúpula de vidro e vistas soberbas sobre a cidade e as montanhas circundantes (Perlan), o centro de conferências e auditório (Harpa), e alguns museus, como o Museu Nacional da Islândia, o Museu de Fotografia de Reykjavik e o Museu da Cidade, entre vários outros. O melhor da Islândia não são as cidades, apesar da sua tranquilidade e beleza, até porque este país tem uma densidade populacional extremamente baixa, logo, sem os equipamentos de toda a espécie que estamos habituados a ver nas grandes metrópoles. O melhor deste país tão especial, onde todos parecem felizes e de onde ninguém quer sair, são mesmo as paisagens naturais.
Assim, no dia seguinte à nossa chegada à ilha, a bordo de um carro alugado, saímos da capital para percorrermos os cerca de 300 quilómetros do denominado “Círculo Dourado”, constituído pelo Parque Nacional de Thingvellir, as cataratas de Gullfoss e o vale de Haukadalur.

O Parque Nacional de Thingvellir (que quer dizer “Campos da Assembleia”), Património Mundial da Unesco desde 2004, fica situado num vale e é no seu seio que se encontra o local onde os islandeses se reuniam em assembleia e onde funcionou o primeiro parlamento islandês. Foi aqui que começou, enquanto nação, a Islândia. Este é portanto, um lugar com grande importância histórica. E este talvez seja o ponto do nosso artigo em que devamos fazer uma breve introdução à história da Islândia.
Dizem os historiadores que o período viking começou no início do século IX e durou até meados do século XI. Durante esse tempo, os povos nórdicos estabeleceram-se por toda a parte, das margens do Volga às costas orientais da América do Norte, do Oceano Ártico ao Mediterrâneo. E chegaram também à Islândia, que até então era desabitada. A falta de terras e as disputas internas na Noruega levaram muitos a navegar até aqui. O padre católico e historiador islandês do século XII, Ari Porgilsson (o catolicismo foi violentamente banido da Islândia no século XVI), escreveu, na sua obra Íslendingabók (“História da Islândia”), que Ingólfur Arnarson desembarcou em Reykjavik por volta do ano 870. Muitos se lhe seguiram, entre os quais Erik Thorvaldsson (Erik, o “Vermelho”), pai do grande Leif Erikson, descobridor da América, que terá nascido na Islândia por volta do ano 970.
A população aumentou de forma constante e daí surgiu a necessidade de se encontrar um local para as pessoas se reunirem, resolverem disputas e acordarem sobre regras a respeitar. Após se realizarem algumas assembleias distritais, a primeira assembleia de toda a nação islandesa teve lugar num promontório bem localizado, com boas pastagens, lenha, água e, além disso, perto dos principais centros populacionais e das principais vias terrestres; esse promontório localiza-se aqui, em Thingvellir. Estávamos no ano de 930, e o parlamento islandês é, por isso, o mais antigo do mundo.

As assembleias em Thingvellir resistiram ao período de cerca de 43 anos de lutas internas (início do século XIII), depois, a partir de 1262, ao período em que a Islândia fez parte do reino norueguês, e mais tarde, a partir de 1397, quando fez parte do reino da Dinamarca e Noruega; duraram até 1798, ano em que foram suspensas. O vale passou então por décadas de esquecimento. Mas quando o movimento independentista europeu chegou à Islândia, no início do século XIX, Thingvellir desempenhou novamente um papel relevante na sociedade, como símbolo de independência. Nesta altura a Islândia fazia parte do reino da Dinamarca, que entretanto se separara da Noruega; e foi o rei dinamarquês Kristian VIII quem, em 1843, autorizou que os islandeses se voltassem a reunir em assembleia, ainda que sem poderes legislativos. Esta veio a realizar-se em Reykjavik, no ano de 1845. Mas, três anos depois, em 1848, realizar-se-ia de novo uma assembleia no velhinho promontório de Thingvellir, com 19 delegados, os quais redigiram uma petição ao rei, solicitando que este proporcionasse aos islandeses uma assembleia com os mesmos direitos dos súbditos dinamarqueses.

Em 1874 foi realizado em Thingvellir um festival para comemorar os mil anos de assentamento na Islândia. Nesta ocasião, o rei Kristian IX concedeu aos islandeses a sua primeira constituição, garantindo ao parlamento poderes legislativos e financeiros, ainda que limitados. Finalmente, a sucessão de grandes acontecimentos em Thingvellir culminou, em 17 de junho de 1944, com a fundação da república islandesa, precisamente no dia de um dos seus heróis nacionais, Jón Sigurosson. Apesar da chuva e do vento, ninguém entre o grande número de islandeses presentes abandonou o local, pois este foi o dia mais importante da história da Islândia.
Thingvellir, porém, não é interessante apenas pela sua rica história. Este vale é também extraordinário do ponto de vista natural. A paisagem submersa do parque é cheia de vales, falhas e fontes de lava, formados pelo afastamento gradual de duas placas, que se distanciam em média dois centímetros uma da outra a cada ano que passa. E que placas são essas? Simplesmente, as placas tectónicas da América e da Eurásia, que aqui quase se tocam, pois a Islândia fica localizada na dorsal média atlântica do Atlântico norte, cujo rift cruza toda a Islândia e é particularmente visível em Thingvellir.

O afastamento das placas provoca uma tensão que é aliviada por fortes terramotos periódicos, com um intervalo de cerca de dez anos. Estes terramotos provocam grandes fendas, sendo uma das mais famosas a chamada Silfra, uma fenda subaquática, que muitos curiosos e aventureiros visitam, praticando snorkelling ou mergulho. Por tudo isto, é quase impensável visitar a Islândia sem passar por Thingvellir, até porque o parque dista do centro de Reykjavik uns meros 47 quilómetros.
E se retomarmos a viagem no mesmo sentido, chegaremos, 70 quilómetros depois, a Gullfoss, a dupla cascata mais famosa da ilha. Em 1875, Sigrídur Tómasdóttir e suas irmãs, filhas do proprietário daquelas terras, abriu o primeiro caminho de acesso à cascata, e foi assim que esta foi ficando cada vez mais conhecida. Na década de 1920, um grupo de investidores estrangeiros queria ali construir uma barragem, tendo obtido a respetiva autorização do governo islandês. No entanto, o pai de Sigrídur opôs-se e esta decidiu caminhar descalça até Reykjavik (mais de 100 quilómetros) para protestar junto do Governo, e ameaçando cometer suicídio na própria cascata, caso o projeto fosse em frente. Acabou por ver os seus intentos satisfeitos, e Gullfoss permaneceu intacta até hoje, ganhando o estatuto de Reserva Natural em 1979. Desde essa data encontra-se em Gullfoss uma escultura de Sigrídur Tómasdóttir.

Muito perto de Gullfoss fica o último ponto do Círculo Dourado – Haukadalur – uma vale geotérmico onde podemos ver vários geysers, um deles chamado propriamente Geysir, do qual resultou a palavra “geyser” que atribuímos a este tipo de fenómeno geotérmico. Além dos geysers encontramos em Haukadalur fontes termais, lagos de lama fervente e fumarolas. A área envolvente é muito bonita devido à coloração das montanhas, a qual resulta dos elementos que, das profundezas da terra, são trazidos à superfície pela atividade geotérmica. É recomendável visitar Haukadalur no Inverno, quando a escassa luz do dia confere extraordinários tons de laranja e rosa ao vapor lançado no ar pelos geysers, que não se conseguem ver no Verão.
Da mesma forma, se se quiser observar plenamente as espetaculares auroras boreais, não se deve visitar a Islândia (ou outro país qualquer com território próximo do polo) durante o Verão. A melhor altura para vê-las é entre Setembro e Março. Aliás, todo o esplendor da natureza na Islândia fica mais patente durante o Inverno, quando a noite cobre mais de vinte horas do dia e a corrente quente do golfo ameniza os invernos islandeses. A única vantagem de visitar a Islândia durante o Verão, como foi o nosso caso, é a maior mobilidade que o tempo nesta estação permite, pois há muito mais estradas transitáveis, sem neve e sem gelo.

Tivemos oportunidade de visitar ainda, agora na parte sudoeste da ilha, abaixo de Reykjavik, a reserva natural de Reykjanesfolkvangur, o lago de Kleifarvatn, alimentado por água que vem diretamente do subsolo, e o campo geotérmico de Krysuvik. Não muito longe fica a Lagoa Azul, uma zona termal muito famosa, assim chamada por causa da forma como a sílica (dióxido de silício), o elemento mais presente na lagoa, reflete a luz visível. Este composto mineral (silício e oxigénio) fica suspenso na água e reflete apenas os comprimentos de onda azuis da luz; as restantes cores são absorvidas, e é por isso que a lagoa é azul. É bastante curioso que esta lagoa se formou a partir das águas de escoamento de uma das cinco fábricas geotérmicas do país. Os engenheiros pensavam que a água vazaria pela lava e voltaria aos aquíferos vulcânicos da terra; porém, devido à alta concentração de sílica, a drenagem esperada não ocorreu e antes um belo volume de água tomou forma.

A partir dos anos oitenta do século passado, os habitantes locais começaram a banhar-se nas águas da lagoa, cuja temperatura era mais que agradável (37º-39º). Pouco depois foram descobertas propriedades terapêuticas na lagoa e esta transformou-se num foco de intensa pesquisa científica, dando origem, em 1992, à Blue Lagoon Limited, uma empresa dedicada à pesquisa dos elementos primários da sua água: sílica, algas e minerais. Em 1995 comprovaram-se os benefícios para a saúde das águas da lagoa, o que impulsionou a inauguração, em 1999, de um moderno spa e, em 2005, de um hotel-clínica para o tratamento da psoríase. Finalmente, em 2018, a BLL inaugurou um luxuoso resort geotérmico, que integra um hotel de luxo, um spa subterrâneo e um restaurante temático, onde se reinventa a tradição culinária da Islândia.
A energia geotérmica começou a ser utilizada em larga escala a partir dos anos setenta do século XX e é muito importante para os islandeses, pois 95% das suas casas são alimentadas por este tipo de energia. O vapor e a água dos vulcões são canalizados para as fábricas e estas produzem a eletricidade e a água quente que a comunidade necessita.
Tivemos ainda tempo, durante a nossa estadia nesta bela ilha, de visitar duas pequenas e simpáticas cidades do norte – Isafjordur e Akureyri. Esta, com menos de 20 mil habitantes, é a sede do quarto município mais populoso da Islândia e é considerada a “capital do norte”. São cidades setentrionais, ambas rodeadas de montanhas nevadas, onde a vida é muito diversa daquela que observamos nas típicas cidades europeias.

Isafjordur percorre-se a pé de uma ponta à outra em menos de meia-hora. Aqui as principais atrações são a Casa de Cultura, o pequeno porto de pesca, as simpáticas casas de madeira (no parapeito de janela de uma delas vimos um pequeno galo de Barcelos!) e o Museu Marítimo, assim designado nos livros de viagens, mas cujo nome verdadeiro (em inglês) é Westjjords Heritage Museum. Este museu oferece uma visão única da rica história marítima e da cultura desta região.
Já em Akureyri, há mais para ver, uma vez que esta cidade, apesar de pequena, é muito maior que Isafjordur; é mesmo a maior cidade fora do sudoeste finlandês. Aqui podemos visitar, entre outros, o Museu de História Natural, o belo e singular jardim botânico, a igreja luterana que, situada no topo de uma colina, domina todo o burgo, o bairro antigo, a casa do escritor de literatura infantil Jón Sveinsson e o centro da cidade, com o seu comércio, onde sempre se pode comprar algum souvenir. Nós comprámos um livro (traduzido para inglês) do grande escritor islandês Halldór Laxness – World Light.

“Luz do Mundo”, um título que poderia ser o da nossa viagem. Enquanto aqui estivemos não vimos noite verdadeira. E, ao contrário do que geralmente se pensa, no Inverno não ocorre o oposto. Em dezembro ou janeiro, há realmente poucas horas de luz natural e o sol, tal como no Verão, demora imenso tempo a desaparecer no horizonte. Mas o grau de escuridão durante o Inverno depende muito da neve que cobre as superfícies. A neve reflete a luz e amplifica-a. E neve é algo que não falta por aqui.
Regressámos da Islândia com a cabeça cheia de recordações futuras. Sim, estas ilhas são mesmo inesquecíveis.
**************************************************
Contactos importantes para quem viaja na Islândia:
- http://www.safetravel.is
- http://www.road.is
- http://www.vedur.is
- telefone (+354) 1777 (ou 1778), para informações sobre o estado das estradas.
- telefone (+354) 9020600, para informações sobre o tempo.
**************************************************
Fontes:
- “Travelling Safely in Iceland”, Vigfús Ingvar Ingvarsson, Ed. Vestfirska forlagio, Reykjavik, 2016.
- guidetoiceland.is.
- bluelagoon.com
- http://www.resourcepark.is
- https://www.thingvellir.is/en/
- https://www.westfjords.is/en/what-to-see-and-do/services/westfjords-heritage-museum.
**************************************************