De Timon a Belém — e volta

Antes da partida e da esquerda para a direita: Fernanda foi de ônibus para Belém e Luan ficou em Timon. Os cinco restantes fizeram a viagem, a que se refere este artigo, de ida e volta, de carro, entre Timon e Belém.

Esta viagem enquadra-se numa mais ampla que fizemos (eu e Fla) ao Brasil, entre 22 de setembro e 24 de outubro de 2023. Estivemos em seis estados (Piauí, Maranhão, Pernambuco, Paraíba, Pará e Ceará) e cinco capitais (Teresina, Recife, João Pessoa, Belém e Fortaleza). O centro desta viagem foi a casa onde vive a mãe da Fla, em Timon, no Maranhão, aonde regressámos sempre, após visitarmos outros estados e cidades, até voltarmos a Portugal. Dado que Teresina fica do outro lado do rio Parnaíba, fomos também muitas vezes à capital do Piauí enquanto estivemos em Timon. A nossa viagem de carro a Belém — e volta — aconteceu entre os dias 15 e 22 de outubro.

Desde logo, uma informação aos automobilistas que queiram fazer este trajeto: excetuando uns 50 quilómetros na zona de Zé Doca e uns 30 antes de chegar (ou depois de sair) de Belém, devido a reformas, a estrada está boa e perfeitamente transitável. O nosso pequeno Hyundai i20 (na verdade, não era nosso mas sim emprestado por Fernanda, irmã de Fla) foi e voltou cheio, com três adultos e duas crianças: os nossos sobrinhos Benjamim e Frederico, a avó deles, a filha da avó que é a minha mulher, Flávia, e eu. O objetivo da nossa ida a Belém, para lá de conhecermos a cidade, era o de nos encontrarmos com Fernanda, que vive na capital do Pará, após ter iniciado funções como auditora no Tribunal de Contas dos Municípios do Estado do Pará. Saímos de Timon às 10:30 da manhã e só parámos para almoçar na Churrascaria do Genival, em Alto Alegre do Maranhão, seguindo de imediato para Zé Doca, aonde chegámos por volta das cinco da tarde, para pernoitarmos. No dia seguinte, após dormirmos e tomarmos o café da manhã em casa de amigos da Fernanda, regressámos à estrada. Algumas horas depois atravessámos o rio Gurupi, que separa os estados do Maranhão e do Pará, almoçámos em Santa Maria do Pará (no restaurante Bom Gosto) e chegámos a Belém às três e meia da tarde.

Porto do Ver-o-Peso.

Em Belém ficámos instalados num excelente apartamento, na Avenida Nossa Senhora da Nazaré, a uma quadra da basílica homónima. O alojamento é suficientemente espaçoso, com dois quartos, cada qual com seu banheiro, totalmente equipado, estacionamento no subsolo e, além disso, muitíssimo bem localizado. O preço por cinco dias foi de €357,85. O primeiro dia serviu para nos instalarmos, encontrar-nos com Fernanda, irmos ao supermercado, darmos uma pequena volta de carro pela cidade, e pouco mais. No dia seguinte, de manhã, cirandámos pelo bairro de Campina: visitámos demoradamente o mercado Ver-o-Peso, fomos ao mercado Francisco Bolonha, andámos pela Praça do Relógio e terminámos o nosso passeio na Praça da República, antes do regresso ao apartamento. Depois do almoço, já com Fernanda, visitámos a Basílica de Nossa Senhora da Nazaré, passeámos um pouco e fomos lanchar ao Point do Açaí, no Blvd. Castilhos França, em Campina.

Já comêramos inúmeras vezes açaí noutras partes do Brasil, e até em Portugal, ou assim o pensáramos até então, mas só em Belém comemos pela primeira vez açaí verdadeiro — puro. Tem um sabor muito forte e amargo, difícil para quem não está habituado, o que não é o caso dos paraenses que acompanham praticamente tudo com açaí, desde pratos de peixe ou carne até sobremesas.

No Point do Açaí, em Belém.

No terceiro dia em Belém, logo de manhã, antes do calor apertar, fomos com os meninos ao Parque Urbano Belém Porto Futuro. Trata-se de um parque desportivo bem equipado, onde se pode estar em lazer ou praticando exercício físico. Benjamim (9anos) e Frederico (7 anos) divertiram-se bastante percorrendo os diversos aparelhos, correndo, escalando, pulando e baloiçando. Ainda da parte da manhã, depois de deixarmos os meninos e a avó Joana em casa, eu e Fla fomos a uma visita guiada ao Teatro da Paz. (Por pura sorte era quarta-feira e a visita foi gratuita). Construído à imagem do La Scala, em Milão, este teatro situado na Praça da República é seguramente um dos mais belos do Brasil, se não o mais belo mesmo.

Fundado em 1878, o Teatro da Paz tem uma acústica perfeita, lustres em cristal, piso de madeiras nobres, frescos nas paredes e teto, além de obras de arte de indiscutível valor, pintadas ou esculpidas, entre outros elementos decorativos. A sua escadaria de entrada é de mármore italiano e a imponente fachada foi reformada em 1905 para reproduzir fielmente o estilo neoclássico, importado de Itália. Já estivemos no Teatro alla Scala e podemos assegurar que o Teatro da Paz é, de facto, muito parecido com a mítica sala milanesa, sem deixar de ser original.

Teatro da Paz, na Praça da República, em Belém.

Felizes por termos visitado o Da Paz fomos almoçar ao restaurante Avenida, que fica muito perto do apartamento onde estávamos hospedados, na mesma avenida, quase em frente à Basílica da Nazaré, pelo que podemos deixar o carro no estacionamento do “nosso” prédio. Tinham-nos dito que no Avenida — inaugurado por um português já falecido (Fernando José de Oliveira) e continuado pelos seus filhos — se comia o melhor pato no tucupi de Belém, e fomos experimentar. Não podemos dizer que adorámos, mas comemos sem reclamar. Como já ficou dito, a cozinha paraense é forte e é preciso tempo para absorvê-la. O tucupi é um molho amarelo fermentado, extraído da raiz da mandioca brava, que acompanha vários pratos tradicionais do Pará, assim como o jambu, uma erva que lembra o agrião, mas muito mais amarga, que, claro, também entra no pato no tucupi. Sinceramente, não tivemos tempo suficiente para assimilar todo o esplendor da gastronomia paraense, mas podemos dizer que topámos-lhe o potencial.

Após o almoço fomos todos (os 6) ao bosque Rodrigues Alves, no bairro do Marco, já bem afastado do centro da cidade. Trata-se de um espaço verde zoobotânico (assim referido no local), exuberante, com espécies típicas da Amazónia, onde o ar verde nos envolve em ondas de frescura. A meio da nossa visita caiu uma carga de água diluviana e tivemos de esperar que abrandasse para podermos fugir para o carro. Apesar disto, valeu muito a pena a visita interrompida a este parque.

Benjamim no Museu das Ilusões, Belém.

No quarto dia, de manhã, decidimos regressar ao mercado Ver-o-Peso para comprarmos um peixe para o almoço. Escolhemos um tambaqui, peixe de água doce que, para nossa surpresa, não tinha o sabor a terra que muitos dos que comêramos antes apresentavam. Dona Joana temperou-o a preceito e cozinhou-o na panela, em leite de coco. Comemo-lo acompanhado por arroz branco, e estava, de facto, delicioso. Depois do almoço fomos todos ao Museu das Ilusões, um espaço inserido num centro comercial, bem perto do aeroporto internacional de Belém. As crianças divertiram-se bastante com as inúmeras ilusões — e a alegria delas fez também a nossa.

Mais para o fim da tarde ainda tivemos tempo para irmos à Estação das Docas comer um sorvete na famosa Cairu, enquanto o sol pousava no horizonte. Aqui é possível encontrar sabores pouco comuns, mas deliciosos, como bacuri, murucí, cupuaçu, araçá, além, claro, do próprio açaí. A Estação das Docas é um espaço bem recuperado, onde para lá da traça original dos antigos armazéns portuários se mantêm também os vistosos guindastes amarelos, desativados no cais. Restaurantes, lojas, esplanadas, um teatro, uma fábrica de cerveja, entre outros equipamentos, são motivos de atração para habitantes e turistas, que ali se reúnem a partir do final do dia.

Fla e Pinduca, o rei do Carimbó.

Mas esta jornada bem preenchida ainda não estava completa. À noite, eu e Fla, agora acompanhados com Fernanda, voltámos ao Teatro da Paz, desta feita para assistirmos ao primeiro dia do 30º FIDA — Festival Internacional de Dança da Amazônia. Quando chegámos pudemos constatar que a iluminação externa do teatro destaca-o da envolvente e realça ainda mais a sua beleza quando é noite. O espetáculo foi interessante, com muitos intervenientes e, no final, tivemos a sorte de encontrar Pinduca, o rei do Carimbó, com quem tivemos a oportunidade de conversar um pouco.

O quinto dia em Belém, sexta-feira, 20 de outubro, foi muito importante para mim e Fla, pois foi o dia em que conhecemos Lúcio Flávio Pinto. Combinámos encontrar-nos com ele na Banca do Alvino, em plena Praça da República, às 8:30 da manhã. Assim, logo após o café da manhã seguimos para lá. Após uma agradável troca de impressões, Lúcio concedeu-nos uma entrevista, que pode ser lida em https://ilovealfama.com/2023/10/31/lucio-flavio-pinto/.

O grande Lúcio Flávio Pinto com Fla, na Praça da República, em Belém.

Depois deste inesquecível encontro, fomos ao apartamento para levarmos connosco D. Joana e os meninos a uma visita ao Parque Zoobotânico e Museu Emílio Goeldi, não muito longe do local em que estávamos alojados, no bairro de Nazaré. Infelizmente, devido às fortes chuvadas que tinham caído, o museu estava encerrado, pelo que só tivemos oportunidade de percorrer o parque. Mais uma vez, pudemos observar espécimes representativos da Amazónia, mas não só. Uma linda onça pintada — que fora confundida com um gato e adotada por um habitante que posteriormente a entregou ao IBAMA — encantou Benja e Derico. Neste dia, o último completo em Belém, decidimos ainda provar mais alguns pratos locais, tipicamente paraenses. Em frente ao Avenida — o restaurante onde provámos o pato no tucupi — há um quiosque muito frequentado que nos disseram servir as melhores comidas típicas de Belém. Fomos lá almoçar. Provámos o Tacacá, o Cururu e o Vatapá. Os sabores destes pratos são tão diferentes em relação ao que estamos habituados que não nos surpreende o título conquistado por Belém de Cidade Criativa da Gastronomia, pela UNESCO.

À tarde Fernanda veio connosco (ela só podia juntar-se-nos depois do trabalho) a outro parque, este mesmo ao lado da Cidade Velha — Mangal das Garças. Menos densificado e mais aberto do que os anteriores, este parque tem mais relvados e lagos, bem como árvores de menor porte. Destacam-se também as aves aquáticas e diversos tipos de papagaios.

No Mangal das Garças.

No centro do parque fica o Farol de Belém, uma estrutura em ferro que podemos subir de elevador (por 5 reais) e desfrutar das melhores vistas sobre a cidade. Quando saímos do Mangal das Garças continuámos o nosso passeio pela Cidade Velha, visitando a Igreja do Carmo, a Praça D. Pedro II, a Catedral Metropolitana e o Espaço Cultural Casa das Onze Janelas. A nossa visita a Belém estava chegando ao seu termo. À noite percorremos, de carro, uma vez mais algumas das ruas de Belém, já em jeito de despedida. No dia seguinte, o sexto em Belém, saímos cedo para percorrermos de novo a BR 316, agora no sentido inverso, em direção a Timon. Ao fim e ao cabo, limitámos a nossa visita à cidade propriamente dita, não saímos de Belém, não visitámos nenhuma ilha, não fomos a Marajó nem a nenhuma praia, mas, dentro do tempo limitado, conhecemos locais e pessoas bastante interessantes da cidade. No entanto, queremos fazer nova visita para visitarmos os locais referidos e, eventualmente, outros, até porque, sem dúvida, há algo que podemos desde já dizer: O Pará é um estado fantástico, por isso, sim, voltaremos.

Uma das vistas do topo do Farol de Belém.

A saída de Belém por estrada está muito condicionada devido a obras. Os primeiros 30, 40 quilómetros são extremamente lentos, pelo que se recomenda sair o mais cedo possível. Não foi o nosso caso, e por isso apanhámos muito trânsito. Almoçámos em Santa Luzia do Pará num restaurante familiar, pequeno, mas com comida boa. Fica do lado esquerdo da estrada. Mais uma vez, pernoitamos em Zé Doca, na Pousada do Farol, aonde chegámos por volta das 4 da tarde. Este alojamento tem quartos razoavelmente confortáveis, com ar condicionado, serve café da manhã aceitável e não cobra caro: 260 reais para os cinco (um quarto de casal e um quarto para 3 pessoas). No domingo, 22 de outubro, completámos a nossa viagem a Belém, e volta, chegando a Timon por volta das 14 horas, depois do almoço em Peritoró, no Espetinho do Paraibano. Tínhamos percorrido, no total, cerca de 2.000 quilómetros de carro. Valeu!

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Um país em guerra – Brasil

www.telesurtv.net
A “presidenta”.

Não bastava a guerra efetiva nas ruas, bairros e cidades do Brasil, onde todos os anos se assassinam mais de 40.000 pessoas, chegou agora também ao país uma verdadeira guerra política. Talvez alguns considerem exagero, mas os ingredientes de uma guerra estão, de fato, presentes: a diabolização do inimigo; a propaganda; a deturpação de alguns factos e a invenção de outros; a radicalização de posições; a rejeição aos cidadãos independentes e a adoção da máxima “se não és por mim, és meu inimigo”.

Talvez este seja o aspeto mais pernicioso desta guerra efetiva. A tentativa — quase sempre coroada de êxito, face ao reduzido número de pessoas verdadeiramente livres e esclarecidas — de empurrar os independentes para o lado inimigo. Enquanto numa democracia amadurecida os independentes, sem fidelização partidária ou ideológica, vão contribuindo para uma saudável alternância de governos, nas democracias frágeis, onde a tolerância é ainda incipiente, os independentes, sempre que não consigamos convertê-los ao nosso credo, são empurrados para o extremo oposto e vistos como inimigos.

Assim, quem não é vermelho é fascista e defende a ditadura militar, e quem não é verde e amarelo é um perigoso comunista que defende a ditadura do proletariado. E vale tudo, precisamente como numa guerra, para mostrar estas supostas evidências: o recurso a notícias falsas, deturpadas, manipuladas, e à mais elementar propaganda, é recorrente e preenche um espaço assustador dos modernos meios de comunicação social, como são os casos do Twitter e do Facebook.

E o mais espantoso é ver intelectuais, professores universitários e artistas consagrados, divulgarem acriticamente todo o tipo de falsidades, cegos pela crença partidário/ideológica. Pouco importa as questões constitucionais, legais, legítimas, políticas, que sustentam ou não o impeachment da presidente. Para quem apoia o PT é um golpe, para os outros apenas interessa derrubá-la, pouco importa a forma como isso seja feito.

É verdade que a linha constituída pelos possíveis substitutos de Dilma na presidência — Temer, Cunha, Calheiros e companhia — é uma linha podre. Mas é igualmente verdade que o recurso ao impeachment só foi possível pela extraordinária incapacidade política da presidente, quer na condução da economia do país, quer no diálogo, que foi incapaz de manter, com senadores e deputados. E há que ter em conta o seguinte: o facto de Dilma ter sido uma lutadora antifascista não faz dela, por si só, uma boa governante. A política económica de Dilma foi (e é ainda) um desastre — e a ela se deve a grave crise política atual.

Mas nada disto interessa aos fundamentalistas. A única coisa que aceitam de bom grado é discutir, como fizeram nas eleições de 2014, quem é mais ou menos corrupto, quem é mais ou menos ladrão, a mesmíssima discussão que têm agora relativamente ao “golpe”. Com isto, os não-alinhados e independentes, não conseguem fazer-se ouvir, nem colocar em agenda aquilo que verdadeiramente importa — melhorar a vida dos muitos milhões de brasileiros em dificuldades e resgatar o Brasil do seu profundo atraso económico e social.

Como ponto de partida, haveria que colocar em cima da mesa uma reforma do sistema político, a qual, com os atuais intervenientes na Câmara e no Senado (grande parte deles indiciados por corrupção), se afigura bastante difícil, para não dizer impossível. Só com novas eleições – se estas trouxerem novos protagonistas – é lícito ter alguma esperança. O Brasil em guerra é um país num impasse.

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foto retirada de www.telesurtv.net.

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O salário mínimo no Brasil

inflaçao

Foi anunciado ontem o aumento de 11,7% do salário mínimo, que passará dos atuais 788,00 para 880,00 reais em 2016. Como é hábito no Brasil, trata-se de mais uma medida para agradar a gregos e troianos (leia-se população em geral – sobretudo, potenciais eleitores do PT – e governo). Os primeiros ficam satisfeitos porque acham que o seu poder de compra vai crescer e o segundo porque vê a sua imagem sair um pouco melhor desta conjuntura de final de ano.

Mas o que é mais impressionante não é a imprudência do povo e a medida populista do governo. O que impressiona mesmo é a falta de conhecimento de comentadores e economistas, pessoas (supostamente) instruídas e especializadas em assuntos económicos. É que, realmente, um aumento demasiado substancial do salário mínimo pode não ser vantajoso para ninguém. Parece um contrassenso, mas é fácil de esclarecer. O Brasil é um país com inflação elevada e crónica. Ora, esta medida irá contribuir para o aumento da inflação no país pelos seguintes motivos.

1- Os empresários, para fazerem face ao aumento dos custos vão aumentar os preços dos bens e serviços, repassando o ónus desta medida do Governo para o consumidor. Isto quer dizer que o aumento do salário vai ser “comido” pelo aumento dos preços.

2- Sendo o salário mínimo um valor de referência, outros salários vão aumentar proporcionalmente, ou, o mais provável, mais que proporcionalmente, criando o efeito de “corrida aos armamentos”, através de mais aumentos dos preços, e novos aumentos dos salários, e assim sucessivamente, continuando e reforçando o processo inflacionário.

3- Os reajustes salariais vão contribuir para o aumento dos gastos do Governo, que já está endividado, aumentando igualmente a pressão para que se mantenham os impostos altíssimos e/ou se crie mais moeda. Mais moeda implica duas coisas: desvalorização e inflação.

Estas são as três consequências básicas e previsíveis. Para que este impacte inflacionário não seja desastroso o que podem fazer o Governo e o Banco Central? Por um lado, cortar nas prestações sociais para diminuir a despesa pública e, por outro, manter altíssimas as taxas de juro, prejudicando a economia, mantendo o Brasil com taxas de investimento medíocres. Estas medidas piorarão as condições de vida dos brasileiros em geral, sobretudo dos mais pobres. Como se sabe, a inflação é sobretudo um flagelo para a população mais desfavorecida, pelo que a propaganda do Governo e medidas como o reajuste do salário mínimo são opções de “fim de linha”, agravando um problema que deveria ser evitado a montante. Com a inflação alta, os únicos beneficiários são os ricos, pelo que o dever principal de um Governo dos trabalhadores deveria ser o de controlar a inflação. Isso deveria fazer-se com aumentos progressivamente menores, que dessem um sinal de combate à inflação, e não com aumentos populistas de sinal contrário, os quais mostram que o Governo se preocupa sobretudo com ele próprio e não com as pessoas. Como pano de fundo deste cenário está o protecionismo, ou seja, o fechamento da economia brasileira ao mundo, a tentativa de proteger a sua economia que resulta, por falta de concorrência, numa ineficiência crónica. (Podem ler mais sobre o assunto aqui e aqui).

Infelizmente, o que prevalece no Brasil continua a ser a propaganda generalizada. As regras da economia são negligenciadas e o povo, desconhecendo-as, não tem como se defender, pelo contrário, luta pelo que só agrava a sua própria condição.

Mais um paradoxo num país paradoxal.

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Imagem retirada de forum.antinovaordemmundial.com

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A importância da bandeira

bandeira do Brasil

Foi quase há um ano que deixei aqui o meu artigo “Base de um Programa Eleitoral para Mudar o Brasil, em 10 Pontos Prioritários”. Entretanto, ocorreu a campanha eleitoral e o que se debateu? Tudo, menos aquilo que realmente importava discutir: os problemas gravíssimos que o país enfrenta. Um mês depois do fim da campanha para a presidência, a luta política continua nos mesmos moldes: quem é mais corrupto; se se rouba mais hoje que ontem; se este governo é mais ou menos ladrão que o anterior…

As cidades brasileiras continuam sem saneamento; as estradas e ruas e passeios do Brasil continuam esburacados; continuam a ser assassinados mais brasileiros todos os anos do que soldados em muitas guerras; nem 10% dos crimes de morte são investigados; os brasileiros continuam sem educação de qualidade e isso reflete-se em todos os setores da vida comunitária; a produtividade é confrangedoramente baixa; a inflação ameaça o rendimento dos mais desfavorecidos; a corrupção do Estado é gigantesca; o investimento é anémico; a dívida externa não pára de crescer; a burocracia tolhe o desenvolvimento económico e a paciência dos cidadãos; a Saúde Pública é deficiente; a Justiça não é independente; etc, etc, etc.

E o que se discute é quem é o maior ladrão – se o partido A ou o partido B…

Talvez fosse preferível o Brasil seguir a frase escrita em sua bandeira. “Ordem e Progresso”. Primeiro “ordem” e depois “progresso”, e não o contrário.

Se isto parecer pouco importante, talvez um economista do desenvolvimento, o britânico Paul Collier, seja mais elucidativo[1]. Diz ele que o estabelecimento do Estado de Direito num país acontece em quatro etapas:

1ª – Reduzir a violência.

2ª – Proteger os direitos de propriedade.

3ª- Impor controlos institucionais sobre o governo.

4ª- Combater a corrupção no setor público.

Parece que, sob o conjunto destes critérios, o Brasil não é, de facto, um Estado de Direito. Mas pode vir a sê-lo se os brasileiros se convencerem que têm de seguir, sem inversões e sem cedências à demagogia, o que está escrito na sua bandeira.

Ontem, já era tarde…

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[1] http://en.wikipedia.org/wiki/Paul_Collier

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O primeiro império marítimo mundial

Império português1

Parece haver apenas duas formas de nos posicionarmos face aos Descobrimentos Portugueses. Uma é considerada conservadora, atrasada, imperialista, de Direita. Outra, anti-patriótica, ignorante, leviana, de Esquerda. Estes sentimentos antagónicos acirram-se ainda mais em tempos de crise, como o que vivemos atualmente.

No entanto, factos são factos, e os Descobrimentos foram efetivamente um feito extraordinário, não apenas da História de Portugal, mas também da História Universal[1]. Portugal alargou o mundo para lá do Mediterrâneo que – como o nome indica – era até então o centro da Terra. África, América, Ásia e, ao que parece, a própria Austrália[2] foram alcançadas pelos navios portugueses. Tal feito é ainda mais extraordinário se considerarmos a pequena dimensão de Portugal e o seu reduzido número de habitantes. A solução para o problema populacional foi encontrada através da miscigenação, por um lado, e pelo comércio de escravos (sobretudo para o Brasil), por outro.

Portugal foi no século XVI talvez o país mais rico do mundo. Não apenas o mais rico, mas também bastante avançado nos campos científico e tecnológico. O conhecimento era “de experiência feito”, como escreveu Camões, e essa experiência entrava pelo Tejo num número impressionante de navios, oriundos de todas as partes do mundo.

As embarcações lusas eram as melhores e as maiores que existiam e ainda hoje algumas delas são procuradas, como é o caso do galeão Flor de la Mar, afundado em 1511 nas águas costeiras de Sumatra, antes de concluir meio-dia de viagem. Em 1992, a casa de leilões de arte Sotheby’s avaliou o tesouro afundado com o Flor de la Mar, a preços desse ano, em 2,5 mil milhões de dólares[3]. Outro navio, o Madre de Deus, capturado nos Açores pelos ingleses[4], em 1592, foi conduzido a Inglaterra. Este navio era três vezes maior que qualquer navio britânico e vinha da Índia carregado de tesouros. A carga foi avaliada em meio milhão de libras esterlinas, uma soma astronómica, equivalente a quase metade de todo o tesouro inglês[5].

O império português foi um império marítimo, tal como o inglês, mas no caso português essa denominação é ainda mais verdadeira pois, como vimos, os portugueses não tinham homens em número suficiente para ocupar as terras. Estabeleceram-se várias praças nas zonas costeiras, através das quais os portugueses controlavam e faziam o comércio. Ainda assim, em todos os lugares por onde passaram, deixaram legados culturais, seja no património edificado, seja na língua[6], nas artes, na religião ou em outras manifestações, como a gastronomia.

Portugal é um país voltado para o mar. Espanha, o único país com quem tem fronteiras terrestres, constituiu sempre uma espécie de barreira que obrigou Portugal a enfrentar o desafio marítimo. Nunca se procurou a expansão continental, nem isso seria possível. Portugal abriu caminho para que outros impérios marítimos surgissem, sobretudo o holandês e, com uma implantação posterior mas também mais forte, o inglês. Portugal e Inglaterra foram velhos aliados contra espanhóis, holandeses e franceses. Claro que a Inglaterra, como país muito maior, se aproveitou muitas vezes das nossas fraquezas[7]. Mas é também verdade que mantivemos algumas colónias (sobretudo, o gigante Brasil) graças à proteção dos ingleses.

Outros países europeus, mais virados para o continente do que para o oceano, procuraram construir impérios pela via terrestre – sobretudo os casos russo e alemão[8] – e estes impérios terrestres haveriam de ser bem mais destrutivos que os marítimos, custando muito caro à Eurásia, dizimada pelos regimes nazi e estalinista. Quando no final do século XIX os europeus decidiram repartir entre si o continente africano, Portugal já ali se implantara há 500 anos. A colonização africana foi brutal, sobretudo a belga e a alemã[9] – e isso conduz por vezes à discussão sobre colonizações “suaves” (se é que existem) e “brutais”.

A colonização portuguesa, apesar das idiossincrasias locais, foi, em alguns períodos, brutal. Há relatos de atrocidades cometidas pelos portugueses, praticamente em todos os lugares onde se estabeleceram. Mas nunca praticaram o extermínio. Até porque precisavam dos habitantes locais para se multiplicarem e para conseguirem a mão-de-obra necessária à manutenção dos territórios. A escassez de mão-de-obra foi, aliás, sobretudo no Brasil, uma das razões principais da prática da escravatura – o que pode ser considerado a maior pecha da colonização portuguesa. Apesar da escravatura sempre ter existido e continuar a existir, talvez sob formas piores, tal não constitui desculpa para uma prática, sem dúvida, infame.

Hoje esse grande país chamado Brasil é o resultado da miscigenação de índios, negros e portugueses, pontuada por habitantes de outros povos – um exemplo para o mundo de uma sociedade verdadeiramente inter e intra-racial. É por isso que faz todo sentido uma expressão popularizada, não apenas em Portugal: “Deus criou o branco e o preto. Os portugueses criaram o mulato”.

O espírito português está bem retratado no livro A Peregrinação de Fernão Mendes Pinto[10], um aventureiro que percorreu todo o sudeste asiático e viveu as mais incríveis peripécias até regressar a Portugal, passados 21 anos. Durante algum tempo pensou-se que esse relato fosse no mínimo exagerado e até fantasioso, mas os japoneses sempre confirmaram os episódios narrados que lhes diziam respeito e muitos historiadores – como é o caso da americana, Rebecca Catz, professora da Universidade da Califórnia, em Los Angeles – chegaram à conclusão de que o relato é verdadeiro[11]. Aliás, só poderia ser verdadeiro, dado que o que se conta na Peregrinação apenas chegou ao conhecimento dos europeus vários anos depois da morte de Fernão Mendes Pinto. Ora, este não podia ter conhecimento daqueles factos se não os tivesse presenciado[12].

Hoje o império marítimo português não passa de uma memória. Mas o fascínio pelo mar continua intacto. Nas artes, na gastronomia, no lazer, no imaginário, na memória e no horizonte de Portugal.

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Notas:

[1] Adam Smith, o célebre economista liberal escocês, considerou os Descobrimentos Portugueses como um dos maiores feitos da humanidade.

[2] Também a América do Norte tem sido reclamada como uma descoberta dos portugueses. Ver artigo deste blog sobre a Pedra de Dighton.

[3] Martin Page, “Portugal e a Revolução Global”, Nova Fronteira, Brasil, 2011. 

[4] Apesar de os ingleses terem sido quase sempre nossos aliados, isso não aconteceu durante os 60 anos em que fomos governados pela Espanha, após a crise dinástica provocada pela morte de D. Sebastião, dado que a Espanha era inimiga da Inglaterra.

[5] Nigel Cliff, “Guerra Santa”, Globo Livros, Brasil, 2013.

[6] “Obrigado”, por exemplo, deu origem, no Japão, a “arigato” e “pão” a “pan”.

[7] Ver artigo deste blog.

[8] Também o francês (com Napoleão) e outros, embora não tão devastadores.

[9] Os belgas mataram milhões de seres humanos, no Congo, e os alemães quase exterminaram o povo herero, na atual Namíbia, além de terem dizimado cerca de 300.000 maji-maji, na África Oriental Alemã. Os alemães, embora tardiamente, também quiseram ter o seu império marítimo mundial e, de certa forma, conseguiram-no, embora por um curto período que terminou na Primeira Guerra Mundial.

[10] Fernão Mendes Pinto, “A Peregrinação”, Relógio d’Água Editores, Lisboa, 2001.

[11] Martin Page, ob. cit.

[12] Não devemos ser ingénuos e considerar que tudo o que é relatado na “Peregrinação” é verdadeiro (no sentido de “exato”). Seria impossível Mendes Pinto recordar (a obra foi escrita vários anos após os acontecimentos narrados) tantos pormenores. A “Peregrinação” continua a ser um desafio, sobretudo no que toca às fontes a que Mendes Pinto recorreu, sendo certo que recorreu a várias, mais ou menos identificáveis, e a algumas (muitas) de impossível identificação. Sobre este assunto, ver o excelente artigo de Rui Manuel Loureiro, “Missão Impossível: em Busca das Fontes da Peregrinaçam de Fernão Mendes Pinto”, inserido no livro, organizado por Virgínia Soares Pereira, “Fernão Mendes Pinto e a Projeção de Portugal no Mundo”, editado pela Universidade do Minho (2013). No entanto, tal como referimos no texto, parece que Pinto “mente cada vez menos” (“Fernão Mentes? Minto”) tal como refere, ainda na obra aqui citada, o investigador holandês, Arie Pos, através do seu artigo “Imagens da China na Peregrinação de Fernão Mendes Pinto”. Ver também a obra de António Rosa Mendes, “A Peregrinação e a Peregrinação de Fernão Mendes Pinto”, Gente Singular Editora, Olhão, 2011, onde o autor discorda de Rebecca Catz, desmontando e negando a tese de que a Peregrinação seria essencialmente uma sátira.

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Mapa: http://www.ruralea.com

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Base de um programa eleitoral para mudar o Brasil, em 10 pontos prioritários

bandeira do Brasil

Tal como para construir uma casa, a edificação de um país requer alicerces sólidos. São esses alicerces, fortes, sustentáveis, duradouros, que necessitam ser erguidos para transformar o Brasil, num lugar onde valha a pena viver. Eles consolidar-se-ão ao mesmo tempo que removerem do espaço que lhes é devido os problemas estruturais do Brasil, aqueles que identificamos na base programática que a seguir se apresenta, e que pode ser aproveitada por qualquer partido ou até por vários, ainda a tempo, pois estamos a cerca de seis meses das eleições.

É gratuita e cedida de boa vontade.

1- INFRAESTRUTURAS BÁSICAS

a) Água e Eletricidade

Um dos motivos da fraca qualidade de vida patente em vastas regiões de vários estados brasileiros são as constantes falhas no abastecimento de água e de luz. Se excetuarmos a região da caatinga, no Nordeste, a falta de água nas outras regiões brasileiras constitui, em si mesma, um absurdo. Na verdade, em todas essas zonas, em determinadas épocas do ano, chove copiosamente. Trata-se, portanto, de encontrar formas mais eficazes de armazenamento da água, para além das tradicionais barragens, por um lado, e, por outro, da reconstrução e/ou manutenção das redes de captação e distribuição (onde existe rede geral com canalização interna). Nos grandes centros urbanos, a falta de água ocorre muitas vezes por corte da energia elétrica, as máquinas que bombeiam a água deixam de funcionar. Há que, portanto, encontrar formas alternativas (redundantes) de bombear a água e distribuí-la. Para obviar a esta situação que tanto aflige largas camadas da população, assumimos o compromisso de trabalhar com nossos parceiros nos governos estaduais e municipais no sentido de 1) construir e/ou reformar as redes de captação e distribuição de água onde tal seja necessário, substituindo progressivamente os materiais caducos por outros mais modernos, que acarretem menos custos de manutenção e, sobretudo, reparação; 2) incentivar, através de benefícios fiscais e de visitas de técnicos credenciados às populações afetadas, a construção de depósitos de água da chuva, quer sejam cisternas, tanques, barragens subterrâneas, poços comunitários ou outros, particularmente na região do semiárido, mas extensível a outras regiões brasileiras, sobretudo onde não exista rede de abastecimento; 3) dotar as centrais de distribuição de geradores alternativos para que, em caso de quebra de energia, possa haver uma outra forma de bombear a água e distribuí-la. Para tal, o Estado deixará de fixar o preço da energia elétrica, assumindo-se exclusivamente como regulador do setor, não intervindo nos preços, exigindo dos operadores a eficácia do sistema, permitindo que estes giram a atividade de forma a garantirem a manutenção e melhoramento da rede (quer da luz, quer da água), fiscalizando e garantindo os procedimentos que assegurem o regular abastecimento à população. O papel da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEI) será, neste contexto, fundamental. O nosso compromisso é que, no espaço de uma legislatura, as falhas nos abastecimentos, quer da água, quer da luz, constituam precalços verdadeiramente esporádicos e não um acontecimento regular e generalizado como vem acontecendo até agora. O programa Luz para Todos deverá ser concluído com o estender da rede elétrica a todo o Brasil, sobretudo às zonas rurais do Norte e do Nordeste, as mais carenciadas.

b) Saneamento

A situação do país relativamente ao saneamento básico é catastrófica. Mais de metade da população vive em locais onde não existe rede de esgotos e, onde existe, apenas 38% é alvo de tratamento. A situação é particularmente grave na região Norte, onde menos de 10% da população vive em locais com coleta de esgotos, mas também no Nordeste. Em consequência da proliferação das fossas “negras”, sobretudo nestas áreas, a esquistossomose (vulgarmente conhecida como barriga de água) afetou em 2011, de acordo com dados do Ministério de Saúde, 63 mil brasileiros. Por outro lado, sete milhões de cidadãos não têm banheiro em casa, o que coloca o Brasil entre os dez países do mundo com maior carência deste tipo de equipamento. Membros do Comitê Olímpico em deslocação ao local das futuras olimpíadas do Rio de Janeiro, detetaram níveis de poluição por esgotos 195 vezes acima do aceitável. Vários países demonstraram já a sua preocupação, o que se reflete numa péssima imagem do Brasil, precisamente o contrário do que seria expectável com os Jogos Olímpicos.

É absolutamente prioritário reverter esta situação. O Plano Nacional de Saneamento Básico (PLANSAB), aprovado no final de 2013, é um documento onde se faz o diagnóstico correto e possível da situação brasileira, fruto do contributo de várias entidades. O problema, como é sabido, não se prende com o diagnóstico, com a elaboração de estudos e documentos bem intencionados e formalmente consensuais, nem tampouco estamos perante um custo incomportável para o Estado: entre 2013 e 2011, o gasto total com saneamento representou 0,13% do PIB. É necessário multiplicar o investimento e, sobretudo, é urgente passar à ação. A proliferação de fontes de financiamento, entidades envolvidas e programas (a decorrer ou previstos), exige, além de uma simplificação, a criação de uma única entidade supervisora, dedicada exclusivamente ao setor do saneamento, perante a qual as diversas entidades oficiais terão de responder. Assim, o grupo de trabalho, previsto no PLANSAB, e que deverá ser criado para avaliar os progressos realizados, dependerá diretamente do Ministro das Cidades, dando-se, com este passo, uma indicação clara a sobre a prioridade desta questão. O nosso compromisso eleitoral é o de, no prazo de uma legislatura, diminuir em 20% o território sem saneamento e, numa segunda legislatura, em 25%. Neste segmento, desenvolveremos também políticas prioritárias de tratamento de resíduos sólidos, bem como de reciclagem e transformação dos mesmos. Mas a prioridade vai para o saneamento e para a distribuição de água e luz. É preciso limpar o terreno e criar as condições de habitabilidade da nossa casa-comum.

2- ECONOMIA E SOCIEDADE

Como se sabe, a economia é o motor de um país. Convém mantê-lo em bom funcionamento. Nossa proposta eleitoral não se baseia em qualquer ideologia econômica, seja ela liberal, estatizante, mista ou qualquer outra. Acreditamos que todas as teorias têm vantagens e desvantagens, e a sua eficácia depende em larga medida do estádio de desenvolvimento em que um país se encontra, bem como dos problemas específicos de um determinado período histórico. Normalmente, nas sociedades mais avançadas, é onde resulta melhor um maior intervencionismo do estado, uma vez que o povo está preparado para cumprir regras. O mesmo não se pode dizer da sociedade brasileira, onde a corrupção, a carência educacional das populações  e a pobreza limitam a eficácia do intervencionismo. O nosso programa econômico não se baseia por isso em qualquer ideologia. O nosso ponto de partida são os problemas concretos do Brasil, são eles que urge resolver.

Ora, um dos principais problemas económicos no Brasil é o da produtividade, problemática relacionada com a da educação, que será tratada em capítulo próprio. De facto, é fulcral a aposta na educação e na formação profissional, se se quiser aumentar a produtividade de cada trabalhador brasileiro, que é 1/5 da de um trabalhador norte-americano, por exemplo. Só assim será possível aumentar a competitividade das empresas e a eficiência do Estado. Os resultados na educação, porém, só se atingem a médio-longo prazo – e é preciso atuar já. O Brasil possui um grande mercado interno e isso tem permitido que o governo aplique medidas protecionistas. Mas essa política, a prazo, é perniciosa para a economia, pois torna as empresas obsoletas e os produtos e serviços de baixa qualidade, além de elevar os custos, com grave prejuízo para os consumidores, sobretudo os mais carenciados.

Assim, serão tomadas medidas para que a economia brasileira se abra ao mundo, não de uma forma abrupta, mas paulatinamente, acompanhando essa abertura com medidas de desburocratização e simplificação de procedimentos (vide o capítulo sobre “Justiça e Burocracia”), e com reformas no ensino médio e superior, por um lado, e na investigação científica, por outro. O resultado traduzir-se-á  em ganhos de competitividade e produtividade, bem como num aumento do peso relativo dos produtos de maior valor acrescentado, face ao setor primário (commodities), sobretudo nas exportações.

Desta aposta tripartida – abertura econômica, produtividade e competitividade – resultará um aumento das importações, das exportações e do consumo, e um crescimento do Produto Interno Bruto (PIB). Acompanhando este crescimento, o governo deverá diminuir gradualmente a carga fiscal e os gastos públicos com o seu próprio funcionamento, contribuindo, também por esta via, para o controlo efetivo da inflação, um dos fantasmas da economia brasileira. A contrapartida desta estratégia poderá ser, numa primeira fase, um pequeno aumento do desemprego, dado que a competitividade  e a produtividade resultarão numa diminuição do número de funcionários das empresas. Espera-se um aumento pequeno, pois outros fatores, como, por exemplo, a diminuição dos impostos, bem como a desburocratização de procedimentos e a simplificação legislativa, implicarão um crescimento do investimento privado, interno e externo. Por outro lado, a criação de novas empresas e negócios contribuirá também, a prazo, para uma diminuição do desemprego. A questão da inflação é bastante importante e para controlá-la o governo diminuirá os seus gastos, sobretudo pela contenção salarial dos funcionários públicos, mas também por uma reestruturação da administração pública, tornando-a mais eficiente, abrindo uma guerra sem tréguas contra o desperdício de recursos. Uma outra forma de conter a inflação é não permitir a proliferação de preços arbitrários, fiscalizando os mercados no sentido de assegurar uma verdadeira concorrência. Não é possível aceitar que o aeroporto de São Paulo seja o mais caro do mundo, que os preços em Copacabana sejam mais caros que em Miami Beach ou que as telecomunicações no Brasil sejam das mais caras – e das mais ineficientes – do mundo. Autoridades reguladoras fixarão preços máximos e será combatida e penalizada duramente a cartelização dos mercados. Os pontos comerciais serão obrigados a publicitar em seus estabelecimentos um “quadro de preços”, e todos os produtos, nomeadamente na restauração, terão um preço máximo que não poderá ser ultrapassado.

Espera-se, por fim, com estas medidas (e outras que constam do presente programa), um abrandamento do crescimento da dívida pública (interna e externa) nos próximos anos. Dívida que quase duplicou nos últimos nove anos, atingindo em 2013 uns astronômicos 2,12 trilhões de reais. Uma vez que a dívida é contraída pelo Tesouro Nacional para financiar o déficit do orçamento do governo federal, a redução do déficit revela-se também crucial. É isso que faremos progressivamente, e não de forma abrupta, dado que assumimos o compromisso de diminuir a carga fiscal. A taxa de câmbio é algo que requer monitorização constante, mas espera-se que o incremento das exportações e do investimento externo permitam, por um lado, uma estabilização do valor do real e, por outro, uma contração no crescimento da dívida pública, que deverá diminuir numa segunda legislatura. Com a inflação controlada, está aberto o caminho para uma efetiva redução das taxas de juro.

Quanto aos objetivos sociais, manter-se-á o combate à pobreza extrema, através do programa Bolsa Família, e incentivar-se-á o combate à desigualdade social. O acompanhamento do Bolsa Família deverá, porém, ser mais efetivo, sendo os membros dos agregados, em idade ativa, obrigados a procurar emprego e, em alternativa, a prestarem serviços úteis à comunidade, nomeadamente nas prefeituras. O objetivo, a prazo, porém, é o de reduzir significativamente o número de beneficiários, erguer uma sociedade onde cada pessoa possua as ferramentas necessárias para ter uma vida digna por si própria, sem ajuda do Estado.

A desigualdade social, para além das medidas de inclusão referidas, será também combatida através de uma mais justa distribuição da carga fiscal. Por outro lado, o Estado dará o exemplo, fazendo uma revisão salarial da tabela dos funcionários públicos, diminuindo o enorme fosso existente entre remunerações. Carreiras cruciais para o desenvolvimento do país, como é o caso da carreira docente, serão valorizadas.

Finalmente, será efetuada uma reforma da segurança social, tendo em vista a sustentabilidade do sistema, a qual, a prazo, está em causa. Para garantir que todos terão direito às suas pensões no futuro será necessário fazer alterações à idade de aposentação e às formas contributivas dos cidadãos no ativo. Estas reformas já foram feitas em todo o mundo civilizado, face, sobretudo, ao aumento médio da esperança de vida, e o Brasil não pode mais chutar para a frente este problema.

3- COMBATE À VIOLÊNCIA

O Brasil é um dos países mais violentos do mundo. Em 2012, 10% dos assassinatos mundiais ocorreram no Brasil. Dezasseis cidades brasileiras estão incluídas entre as cinquenta mais violentas do planeta. A violência é perniciosa e corrompe toda a sociedade, contribuindo para que os pobres vivam numa espécie de selva e os ricos se acantonem em muralhas de betão. Também aqui não entraremos em debates ideológicos. Só com pragmatismo se pode resolver esta questão concreta, não com uma ideologia qualquer, necessariamente limitada no espaço e no tempo. Existem três componentes essenciais neste domínio. As forças da ordem, os criminosos e o enquadramento legal. É necessário atuar sobre cada uma delas. As polícias terão elas próprias de ser policiadas. Não pode haver o sentimento geral de que a impunidade impera dentro das instituições policiais. Para que isso não continue a acontecer, vamos envidar todos os esforços para colocar nos lugares de chefia de todas as policias, desde o topo até a base, pessoas íntegras, acima de qualquer suspeita. Será feita uma avaliação rigorosa sobre todos os responsáveis, mantendo os que tiverem perfil adequado às funções e afastando os corruptos e aqueles que não cumprem a Lei. Além disto, é indispensável dotar as forças policiais dos meios humanos e técnicos necessários à sua atividade. Não é possível compactuar mais tempo com a situação de impunidade generalizada, em que os crimes não são investigados por falta de meios. Isto é intolerável. E é igualmente indispensável levar a Justiça a todo o território e terminar com a “lei da bala” (como acontece, por exemplo, na “grilagem” de terras), estendendo o braço da Lei a todo o Brasil. Quanto aos criminosos, é preciso, é urgente transmitir-lhes um sinal de que o sistema funciona, de que serão tratados com humanidade, mas com firmeza; que o implacável braço da Lei os alcançará e efetivamente os condenará; que os crimes serão investigados, independentemente dos alvos, dos autores e dos mandantes; que ninguém ficará impune, nem aqueles que têm muito dinheiro e poder. Já quanto ao terceiro elemento, o enquadramento legal, aqui como noutras áreas, o problema não é a falha legislativa, mas a sua aplicação. Não pugnamos pela diminuição da idade penal, mas sim pela criação de condições que permitam uma integração harmoniosa dos jovens na sociedade. Não basta criar legislação formalmente adequada – como a que instituiu o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo – se depois a mesma não é aplicada. Há que fazer cumprir a Lei.

Cumprir a Lei, sim, e implacavelmente. Mas não ir além ou ficar aquém dela. Só com justiça se poderá ganhar a simpatia dos jovens, não com perseguições e arbitrariedade. E conquistar a juventude para a causa da Justiça constitui o passo certo para começarmos a diminuir significativamente a violência no país. Trabalharemos, sem demagogia, para que isso seja uma realidade. Tomaremos medidas inovadoras, como, por exemplo, convocar algumas das bandas musicais mais emblemáticas entre os jovens, bandas de hip-hop, de reggae e outras, para conversarem com o Governo – e convencê-las a alinharem em campanhas focalizadas nos jovens, campanhas na televisão, nas escolas, nas favelas, envolvendo as comunidades locais, destinadas a conquistar os adolescentes para a causa da não-violência.

Dedicaremos uma atenção especial a um tipo específico de violência – aquela cometida contra jornalistas. Não é admissível que o Brasil continue a ter índices de crimes contra jornalistas como os atuais, ao nível dos piores países do mundo. É vergonhoso que esta situação continue. Torna-se necessário e urgente perseguir e punir os responsáveis por esses crimes, cometidos a maior parte das vezes contra jornalistas de pequenos periódicos, mais vulneráveis mas não menos necessários ao desenvolvimento das pequenas comunidades espalhadas por todo o país. Os mandantes desses crimes não podem ficar impunes. É urgente resgatar a liberdade de imprensa e essa é para nós uma absoluta prioridade.

Por fim, não é possível continuar a ter prisões que são depósitos de pessoas, escolas de crime e não o que deveriam ser, espaços de reabilitação. Temos de mostrar ao mundo que somos um país que respeita os direitos humanos. Este governo disponibilizará verbas para que sejam reformadas as prisões degradadas e para que outras sejam construídas, tendo em vista restituir a dignidade aos espaços que acolhem os cidadãos que cometem crimes.

As cidades brasileiras terão mais policiamento, sobretudo à noite. A segurança será reforçada. As comunicações entre polícias e a coordenação operacional serão melhoradas. Queremos que se circule nas ruas das capitais brasileiras como se circula nas ruas das principais capitais do mundo. Queremos devolver dignidade à vida quotidiana das nossas cidades.

A sociedade reclama resultados e não intenções. O nosso compromisso é o de, numa primeira legislatura, reduzir em 25% o número de assassinatos no país. E continuar, numa segunda legislatura, num ritmo ainda mais acelerado de redução.

4- COMBATE À CORRUPÇÃO

Só há um alvo para se iniciar um verdadeiro combate à corrupção – nós próprios. O Presidente da República terá de dar o exemplo nomeando ministros incorruptos e demitindo imediatamente o primeiro que, por ação ou omissão, compactuar com a corrupção. O mesmo se passará relativamente aos ministros e seus nomeados e por aí fora, até a base da hierarquia. Todos os nomeados terão de assinar um compromisso de honra em como não pactuarão com nenhuma forma de corrupção, seja ela ativa ou passiva, ou tráfico de influências. Os nomeados que se venham a revelar corruptos e que poderem ser demitidos, sê-lo-ão imediatamente. Os restantes serão enviados à Justiça. Todos as chefias do funcionalismo público serão responsabilizadas pelos eventuais casos de corrupção que ocorram no seu setor. Inquéritos rigorosos serão instaurados.

O combate à corrupção será uma prioridade. Será estudado o enquadramento legal, por forma a agilizar os procedimentos judiciais que permitam a rápida punição dos corruptores, particularmente no que diz respeito aos crimes de “colarinho branco”. Legislação será proposta, no sentido de dotar as forças policiais dos mecanismos necessários a uma investigação célere e imparcial, nomeadamente os que permitem o acesso aos bens, declarados ou não, bem como às contas bancárias dos agentes corruptos, especialmente daqueles que sejam servidores públicos.

As obras públicas serão alvo de rigoroso controlo, quer ao nível dos concursos, quer ao nível da execução. Exemplos como o que acontece com a copa 2014 envergonham o Brasil e não podem repetir-se no futuro.

Também neste campo será importantíssimo o papel da Educação. Só com significativas melhorias na Educação será possível uma cultura desfavorável à corrupção. Disciplina de Educação Cívica será introduzida nas escolas. Campanhas informativas, pedagógicas e de sensibilização serão exaustivamente levadas a cabo.

5- ENSINO BÁSICO E MÉDIO, E FORMAÇÃO PROFISSIONAL

Os resultados de um deficiente sistema de educação estão na base de todos os problemas do Brasil e ligados a todos os setores. É, por isso, a prioridade das prioridades. Embora o investimento seja fundamental, não basta atirar dinheiro para o sistema para que este melhore significativamente. Em primeiro lugar, importa que as famílias tenham consciência da importância da escola. Há que educar também os pais. Nesse sentido, o governo criará um programa nacional de voluntariado, destinado a adultos que queiram obter formação equivalente ao ensino fundamental, o qual será extensível a todas as comunidades, reformando o programa Brasil Alfabetizado, multiplicando os cerca de um milhão de inscritos. Os pais continuarão a ser responsabilizados pela ausência dos filhos na escola. O Programa de Erradicação ao Trabalho Infantil (Peti) será mantido e monitorado. Em segundo lugar, há que cuidar da formação de professores e há que prestigiar a carreira docente. Se queremos que a educação seja importante, teremos de relevar a importância do professor. Daremos mais autonomia a professores e escolas, criando as condições para que as estas possam celebrar contratos com o Ministério da Educação, tendo em vista a sua autonomia  administrativo-financeira, dando-lhes a possibilidade de contratarem professores, elaborarem horários e até, em certa medida, de adotarem novos currículos, desde que mantenham as disciplinas nucleares e obrigatórias. Será também necessário remunerar adequadamente a carreira docente e valorizá-la. A contrapartida é que tanto professores quanto escolas terão de ser avaliados. Em terceiro lugar, há que estabelecer objetivos. Um deles será o aumento da oferta de cursos do ensino técnico-profissional, um nível de ensino entre o médio e o superior, de interesse crucial para o desenvolvimentos da nossa indústria. Será criado um gabinete dedicado exclusivamente ao ensino técnico-profissional. Outro será o de assegurar a segurança nas escolas, responsabilizando as direções escolares pelos casos de violência e bullying. Assumiremos também o objetivo de tirar o Brasil dos últimos lugares do ranking da assiduidade escolar, aumentando, no tempo de uma legislatura, essa assiduidade dos atuais 50% para, pelo menos, 65%. Por fim, teremos de ultrapassar outra estatística desfavorável, esta bem mais qualitativa – subir alguns lugares no apuramento realizado pelo Programa de Avaliação Internacional de Estudantes (Pisa), onde o Brasil ocupa o 58º lugar entre 65 países.

Campanhas pedagógicas contínuas e inovadoras serão realizadas através da comunicação social, tendo em vista sensibilizar a Comunidade para o papel crucial da Educação na construção de um Brasil melhor para todos.

6- ENSINO SUPERIOR

É necessário criar um ambiente universitário de excelência, começando pelas cidades onde as universidades se inserem. Os campos universitários serão reequipados quando necessário, dentro das possibilidades do Estado. Serão dadas as melhores condições possíveis a professores e alunos. Será necessário recrutar os melhores professores, se for o caso, indo buscá-los ao estrangeiro, dando-lhes condições de excelência para trabalharem no Brasil. Daremos todo o apoio possível à investigação científica. Serão concedidas mais bolsas para quem queira estudar no estrangeiro e serão abertas todas as portas para os estrangeiros que queiram estudar aqui. Serão criadas nas universidades pequenas unidades de negócio através de programa de incentivo à criação de empresas de alto padrão tecnológico. As universidades terão de integrar-se no estado e na região deste onde se situem, por um lado, e, por outro, deverão especializar-se em determinadas áreas, sobretudo as científicas e tecnológicas, servindo um hinterland específico. A excelência será o objetivo número um. Um amplo estudo sobre as vocações das universidades consideradas estratégicas será levado a cabo. A monotorização será constante e este será um assunto acompanhado permanentemente, dada a sua relevância, pela mais alta hierarquia do Governo, diretamente pelo ministro da Educação.

7- SAÚDE

Talvez seja no acesso aos serviços de saúde que a desigualdade social mais se manifesta no Brasil. As opções são claras. Deixar tudo como está, com os planos de saúde privados para quem tem dinheiro e um serviço público ineficiente para os pobres, ou reformar o SUS, transformando-o  num serviço de qualidade. Esta é uma tarefa gigantesca, não isenta de riscos, mas a única opção que poderíamos tomar. Para reformar o SUS é necessário por um lado repensar na melhor forma de financiá-lo e, por outro, na melhor forma de geri-lo. Em primeiro lugar é preciso saber que “não há almoços grátis”, o que quer dizer que os utentes que possam pagar deverão pagar alguma coisa pelos serviços. Se estes forem de qualidade, os utentes não se importarão de pagar alguma coisa, ainda que bastante menos que nos hospitais privados, devendo as camadas mais pobres da população ficar isentas de qualquer pagamento. A tarefa será, pois, a de fornecer um serviço de qualidade, por forma a que os utentes que podem pagar tenham confiança no sistema público. Por outras palavras, o sistema público concorrerá com os sistemas privados. Claro que os brasileiros já pagam, e muito, através dos impostos, pelo que o Estado será o maior financiador do serviço, como até agora, mas será necessária na fase difícil em que está o país, relativamente às suas contas públicas, um contributo solidário dos cidadãos para o esforço de reconstrução. Uma grande aposta na eficiência e um combate sem tréguas ao desperdício terão de ser atitudes permanentes de uma gestão que, em certos casos, pode ser privada, num serviço que se manterá público.

Por outro lado, e uma vez mais, a questão da educação, transversal a todos os setores, é aqui muitíssimo importante, pois, na área da saúde, a prevenção é fundamental – e a base de uma boa prevenção é a educação. Comportamentos saudáveis podem prevenir um número considerável de doenças, como é o caso da diabetes, por exemplo, doenças que acarretam custos elevadíssimos. Campanhas visando a prevenção serão levadas a cabo, tendo como alvos quer o público em geral, quer, especificamente, as escolas.

8- JUSTIÇA E DESBUROCRATIZAÇÃO

Um dos principais constrangimentos ao desenvolvimento de um país é a lentidão da Justiça. Uma vertente fundamental para que o sistema funcione com mais celeridade é a sua informatização. Redes informáticas e sistemas de informação eficientes devem ser criados nos tribunais estatais e federais. A simplificação de procedimentos, a partilha da informação e a eliminação se serviços redundantes, isto é, uma verdadeira reforma que tenha em vista agilizar os processos, será posta em prática não apenas na Justiça mas em toda a administração pública, estadual ou federal. Será dada especial atenção aos processos que visem a criação de empresas e a tudo o que tenha a ver com as questões econômicas.

O suporte-papel deverá ser substituído pelo suporte digital, sempre que possível. É urgente terminar com as montanhas de processos amontoados nas repartições públicas. Serviços homólogos serão ligados em rede e a informação necessária deverá ser disponibilizada em qualquer ponto. Por exemplo, não faz sentido que os veículos particulares tenham de ser registados e vistoriados cada vez que seus proprietários mudem a sua residência para outra cidade, dentro do mesmo estado, como acontece até agora. Nosso compromisso é o de propor que das chapas de matrícula dos carros conste apenas o nome do estado, sem ser necessário o do município, evitando com isso gastos desnecessários e imenso tempo perdido pelos utentes.

Muitos outros procedimentos desnecessários serão eliminados. O combate à burocracia será, inequivocamente, uma das nossas prioridades. A legislação que tem a ver com a abertura de empresas deverá ser uniformizada e os procedimentos agilizados, tendo em vista passar dos atuais 129 dias, em média, para se abrir uma empresa para menos de um mês.

9- TURISMO E ORDENAMENTO DO TERRITÓRIO

O Brasil tem condições excecionais para o desenvolvimento do turismo, particularmente no Nordeste, mas também em muitas outras zonas do litoral e do interior. O turismo pode e deve ser uma importante vertente da economia brasileira, muito mais do que é já. As receitas do turismo externo permitem a entrada de divisas estrangeiras, a dinamização de vastas zonas do território nacional, com impacto positivo nas infraestruturas, no emprego, na criação de riqueza, em geral.  No setor do turismo deve ser dada total liberdade à iniciativa privada, como é natural, mas o Estado deve ter um importante papel regulador, em várias linhas: a) identificando, delimitando e caracterizando as zonas de potencial turístico; b) promovendo essas zonas, em parceria com agentes econômicos locais, em feiras e certames ligados ao setor, bem como através de campanhas publicitárias em suportes comunicacionais áudio-visuais, seja em televisões estrangeiras, seja na internet; c) identificando, sempre em parceria com agentes econômicos locais, os mercados a quem devem ser dirigidas essas campanhas; d) garantindo as infraestruturas básicas, sejam aquelas sob tutela federal, ou trabalhando  em parceria com estados e municípios através de programas específicos, nomeadamente no que concerne ao saneamento às infraestruturas viárias, entre outras; e) concedendo incentivos (fiscais e outros) aos projetos de qualidade que venham a surgir; f) fiscalizando rigorosamente a execução desses projetos e criando normas que os definam nos seus diversos níveis – urbanístico, ambiental, econômico, social e cultural; g) reduzindo ao máximo possível o impacto ambiental, zelando, assim, pela sustentabilidade dos projetos, garantindo a sua qualidade e a sua viabilidade econômica; h) promovendo a segurança efetiva nessas zonas.

O turismo, face à sua importância econômica e à sua dimensão estratégica, será uma prioridade do Governo.

10- INFRAESTRUTURAS DE DESENVOLVIMENTO

Neste capítulo atuaremos em duas vertentes. Uma imediata e outra em termos de planejamento. A primeira prende-se com a internet. A segunda com os transportes (terrestres, marítimos, aéreos e fluviais) e respetivas plataformas logísticas de interligação e distribuição.

As implicações de uma internet lenta são incalculáveis, mas são, sem dúvida, muito importantes. Bem como, naturalmente, as de uma internet rápida. Implicações para o Estado, para as empresas e para os cidadãos, enfim, implicações para a Economia e para o país como um todo. Atualmente, O Brasil possui uma das redes mais lentas do mundo e, simultaneamente, uma das mais caras, também. Há que inverter esta situação, criando uma entidade reguladora das telecomunicações, que assegure uma efetiva concorrência entre os operadores no mercado, e exigindo o Governo as condições técnicas mínimas para que a internet, nas suas várias vertentes de distribuição, se aproxime, em termos de velocidade, da dos países mais desenvolvidos. Economicamente, as vantagens serão enormes para o Brasil.

Relativamente aos transportes, e tendo em conta a dimensão do país, o impacte ambiental, a segurança e a racionalidade de um futuro sistema, o Brasil precisaria de implementar uma rede nacional de trens, tanto para o transporte de pessoas quanto para o de mercadorias, sendo que, para o transporte de mercadorias, seria necessária também a criação de plataformas logísticas estrategicamente localizadas. Isto é muito importante, dado o enorme impacto que os camiões produzem sobre o ambiente e sobre as estradas, já para não falar nas questões da segurança. Porém, face às restrições econômicas e financeiras, e embora a longo prazo o investimento seja economicamente viável, este não é o momento de investir na ferrovia, dado as enormes somas envolvidas. Comprometemo-nos, no entanto, a fazer um estudo sobre o assunto e a apresentar as respetivas conclusões no prazo de uma primeira legislatura.

Porém, no que concerne a questões de eficiência podemos melhorar muita coisa, já, sobretudo nos portos, melhorando alguns indicadores, como sejam os tempos de espera, de movimentação, etc. Procuraremos trabalhar com as entidades privadas, criando grupos de trabalho para os portos, para os aeroportos, no sentido de melhorar o sistema de transportes, tornando-o mais eficiente e, se possível, mais barato. O Brasil tem condições ideais para ter portos que sejam hubports, ou seja, aqueles onde os grandes navios (vindos da América do Norte, da Europa ou mesmo de África) descarregam os contentores e onde navios mais pequenos, de cabotagem, os carregam para portos do Uruguai, da Argentina e mesmo da costa do Pacífico. Para isso é necessário eficiência e custos competitivos.  O mesmo se passa com o transporte aéreo – há que melhorar a eficiência e reduzir custos.

Quanto ao transporte rodoviário, é sabido que é necessário melhorar, e muito, as estradas brasileiras. Um programa nesse sentido será levado a cabo, identificando prioridades, atuando, faseada e gradualmente, na segurança das estradas. Finalmente, será preciso melhorar, o que, neste caso, significa alterar radicalmente, a sinalética (sinais e informações de trânsito) nas estradas brasileiras, federais e estaduais. Com isso se poupará imenso tempo e também muitas vidas.

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As ruas mais belas do mundo

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Rua Augusta, Lisboa.

A revista de viagens espanhola Condé Naste Traveler publicou esta semana um artigo sobre “As 31 ruas a percorrer antes de morrer”[1].

Duas delas ficam em Portugal e outras tantas no Brasil. Em Portugal foi eleita a Rua Augusta, em Lisboa, e o Cais da Ribeira, no Porto.

Escreve-se, na revista, sobre a Rua Augusta: “Ampla, brilhante, obrigatória para captar toda a essência da cidade… uma delícia lisboeta”.

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Rua Gonçalo de Carvalho, Porto Alegre.

Já no Brasil, as ruas contempladas foram a Rua Gonçalo de Carvalho, em Porto Alegre, e a Rua Manoel Carneiro, uma escadaria colorida no bairro da Lapa, Rio de Janeiro.

Sobre a Rua Gonçalo de Carvalho, escreve-se o seguinte:”Está repleta até o topo de ramos e folhas da árvore Tipuana Tipu. A própria cidade iniciou uma campanha na internet considerando, com orgulho, que esta rua era a mais bonita do mundo e pedindo a sua classificação como património ambiental. A verdade é que o merece”.

O artigo contemplou ruas de dezanove países, mas apenas a Espanha (4), os EUA (4) e a Inglaterra (3) têm um número maior de ruas (incluídas nas 31 mais bonitas) que Brasil e Portugal.

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[1] Artigo completo em:

http://www.traveler.es/viajes/rankings/galerias/las-calles-mas-bonitas-del-mundo/704/mosaico/1

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Quiosque do Dodô, Tramandaí, RS, Brasil

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Aqui deixo uma dica para os porto-alegrenses que vão passar o fim de semana a Tramandaí: o Quiosque do Dodô.

Entrando em Tramandaí [1], seguem como se fossem para Imbé e, na última rua antes da ponte que cruza o rio, viram à direita. Uns 300 metros depois, verão o restaurante. Recomendo-o por três razões fundamentais.

Primeiro, a tainha grelhada, deliciosa. Depois, o ambiente – a brisa que (quase) sempre corre, o rio Tramandaí, os abius mergulhando em busca de alimento, os pescadores. Um lugar natural, sem sofisticação mas muito encanto. Por fim, a música de Jorge Pereira, o entertainer de serviço: bossa nova, bolero, pop – tudo com a suavidade que o ambiente requer, sem perturbar as aves do rio, os pescadores ou a tainha.

Recomendo vivamente. Podem dizer ao Joalmir que vão da minha parte.

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[1] A cidade do litoral mais perto de Porto Alegre.

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São Miguel das Missões

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O que resta da igreja de São Miguel.

São Miguel das Missões, antigo povoado de São Miguel Arcanjo, integra-se no chamado território missionário, uma vasta zona que inclui parte dos atuais Paraguai, Argentina, Uruguai e Brasil. As aldeias, fundadas pelos jesuítas espanhóis,  chamavam-se Reduções[1] e, das trinta que foram criadas, podemos encontrar sete no Brasil: São Miguel, Santo Ângelo, São Nicolau, São João Batista, São Lourenço, São Luís Gonzaga e São Francisco de Borja – os Sete Povos das Missões, situados na margem oriental do rio Uruguai.

O que ainda resta da Igreja de São Miguel, cuja construção se iniciou em 1735, bem como o Museu das Missões, erguido na área da antiga Redução, em 1940, estão classificados como Património Mundial, pela UNESCO, desde 1983. San Ignacio Miní, na Argentina, e Trinidad, no Paraguai, são outras Missões classificadas como Património Mundial. Todas elas se situavam, no início das construções, na província jesuítica do Paraguay, território pertencente à coroa espanhola. [2]

Apesar do abandono a que foi votada durante muitos anos e aos saques de que foram alvo as Missões no decorrer da Campanha Cisplatina, a Igreja de São Miguel é a única, das três classificadas como património mundial, que mantém a fachada completamente preservada. O projeto da igreja, em estilo barroco tardio, é atribuído ao arquiteto jesuíta Gian Battista Primoli e foi, provavelmente, inspirado na igreja central da Ordem dos Jesuítas, a Igreja de Gesú, em Roma.

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Onça pintada e coruja. Os índios ganham algum dinheiro vendendo artesanato aos poucos turistas que visitam São Miguel das Missões.

No museu podemos encontrar esculturas, a maioria em madeira, reunidas pelo seu primeiro zelador, Hugo Machado, que muitas vezes se apresentou como beato, para as conseguir recolher das mãos de particulares, constituindo, este conjunto, a maior coleção pública missioneira. Há obras de escultores europeus, mas a maior parte foi executada pelos índios guarani, como se pode comprovar pelos traços dos rostos, pelos detalhes dos cabelos, pelas vestes, etc. [3]

Ainda hoje os guarani continuam esculpindo a madeira, como tivemos oportunidade de comprovar, em toda a região. A uma linda menina guarani compramos, em São Miguel da Missões, duas miniaturas – uma de onça pintada e outra de coruja.

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[1] Reduções, precisamente, por reduzirem o espaço de circulação dos índios ao território da Missão.

[2] Só em 1801 os sete Povos das Missões foram conquistados pelos luso-brasileiros e, desde então, fazem parte do Rio Grande do Sul. Os territórios da América do Sul foram sempre muito disputados pelas coroas portuguesa e espanhola e, em 1750, através do Tratado de Madrid, ficaram quase completamente definidas as fronteiras atuais do Brasil, com grande vantagem para os luso-brasileiros, que perdiam Colónia del Sacramento, no atual Uruguai, cidade fundada pelos portugueses, em1680, na margem esquerda do Rio da Prata, mas ganhavam os sete Povos das Missões e, no fundo, todo o Rio Grande do Sul, todo o atual estado se Santa Catarina e ainda a Amazónia e mais alguns territórios que estavam na parte espanhola definida pelo Tratado de Tordesilhas, revogado pelo Tratado de Madrid. O rio Uruguai seria a fronteira entre Brasil e Argentina.Tratado tão desvantajoso não foi bem aceite pelos espanhóis e novos tratados foram firmados. Em 1761, o Tratado de El Pardo, que estipulava o regresso à situação anterior a 1750, e, em 1777, o Tratado de Santo Ildefonso onde foram criados os “campos neutrais”, faixa de terra onde nenhum dos impérios teria jurisdição. Era esta a situação dos sete Povos das Missões, território neutro, em 1801, quando os luso-brasileiros, a pretexto da guerra que a Espanha declarou a Portugal, por pressão dos franceses (invasões napoleónicas da Península Ibérica), decidiram conquistá-los.  José Borges do Canto, filho de pai açoriano e mãe de Colónia del Sacramento, e Gabriel Ribeiro de Almeida, filho de português e índia, que viviam na zona, falavam o idioma guarani e conheciam bem os índios, foram os homens a quem geralmente é atribuída a conquista das Missões, para o que contaram com a colaboração de um pouco número de homens e dos próprios índios guarani. Tratou-se, portanto, de uma conquista local. Sobre estes episódios pode ler-se o excelente texto de Elisa Frühauf Garcia, aqui:

[3] Fonte: Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Brasil).

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Cataratas do Iguaçu/Iguazú (Brasil/Argentina)

O volume de água que cai a cada segundo é assombroso. Chega a atingir 11,3 mil metros cúbicos.

O primeiro europeu a chegar às Cataratas do Iguaçu foi o espanhol Álvar Núñez Cabeza de Vaca, no século XVI. Situadas na zona onde os jesuítas fundaram as missões, um território vasto, onde viviam índios dos atuais Paraguai, Brasil e Argentina, as Cataratas do Iguaçu são constituídas por mais de 250 quedas de água, o que lhes confere o título de “maiores do mundo”.

É possível subir o rio de barco e tomar um banho debaixo de uma das quedas de água.

Foi precisamente aqui que foi rodado grande parte do filme, “A Missão” (1986), com realização do britânico Roland Joffé, interpretações de Jeremy Irons, Liam Neeson e Robert de Niro, e música do grande Ennio Morricone [1].

As cataratas de Iguaçu são o maior conjunto de quedas de água do planeta.

As Cataratas de Iguaçú estão classificadas como Património da Humanidade e são uma das sete maravilhas da natureza. O som da água tombando ouve-se a grande distância e, quando chegamos suficientemente perto,  ficamos encharcados pela água que vem com o vento. Para além dos passeios a pé, vale a pena fazer uma viagem de barco pelo rio Iguaçu e tomar um duche gigante debaixo de uma das quedas de água. Isso é possível fazer, tanto do lado brasileiro quanto do argentino. Os passeios pelo rio são muito idênticos e bastante divertidos. Na moeda europeia, ao câmbio atual, o preço a pagar por pessoa rondará os 25 euros.

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Natureza em estado puro.

Os parques naturais (argentino e brasileiro) estão muito bem organizados e estruturados, proporcionando bons serviços ao visitante. Ali bem perto podemos também visitar uma das maiores barragens do mundo, Itaipu, no rio Paraná, entre o Brasil e o Paraguai, e também o local da união entre aquele rio e o Iguaçu, onde se observam, em cada um dos lados do “T”, os três países: Brasil, Paraguai e Argentina.

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Deste lado a Argentina, em frente o Brasil, à esquerda o Paraguai.

As cidades de Puerto Iguazú (Argentina), Ciudad del Este (Paraguai) e Foz do Iguaçu (Brasil) distam entre si apenas alguns minutos de carro e valem também uma visita, a primeira pela boa carne argentina, a segunda pela possibilidade de fazer compras baratas, e a terceira por ser um polo de acesso a toda a região, com boas pousadas, como seja a Pousada do Alemão, onde nos hospedamos nesta segunda visita às Cataratas.

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[1] Aqui fica o registo de uma interpretação do tema principal da banda sonora de “A Missão”, dirigida pelo próprio Morricone. Belíssima.

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