Abril e liberdade

A opressão não melhora por trazer um rótulo.

NATÁLIA CORREIA

A Estónia obteve a independência em 24 de Fevereiro de 1918, mas foi invadida de novo durante a II Guerra Mundial (na sequência de um célebre acordo entre Hitler e Estaline), e apenas reconquistaria a independência em 1991, após o colapso da União Soviética.

Durante esses 52 anos, mais de 130 mil estonianos (a população atual é cerca de um milhão e 200 mil) foram mandados para a Sibéria, onde muitos morreram, e o KGB manteve um regime de terror, interrogando, prendendo e torturando a população dentro da própria Estónia.

É natural que, tal como nós, justamente, detestamos fascistas, os estonianos — mas também letões, lituanos, georgianos, entre vários outros povos com experiências semelhantes — justamente, detestem comunistas.

Tanto os povos subjugados pelos fascistas quanto os povos subjugados pelos comunistas viveram experiências traumáticas, e cada qual elegeu um demónio político de acordo com a realidade que viveu. Em contrapartida, cada qual elegeu também os seus heróis.

Esta atitude paroquial era já conhecida há 2500 anos, quando Xenófanes cantava:

Dizem os Etíopes que os seus deuses são pretos e de nariz chato, enquanto os Trácios dizem que os seus têm olhos azuis e cabelo ruivo. Mas se os bois, ou os cavalos, ou os leões, tivessem mãos e soubessem desenhar, e pudessem esculpir como os homens, os cavalos desenhariam os seus deuses como cavalos, e os bois como bois; e cada qual daria forma ao corpo dos deuses à sua própria semelhança.1

Quase meio século depois do 25 de abril não há qualquer razão válida para nos comportarmos como os bois e os cavalos de Xenófanes. Alarguemos, pois, nossos horizontes e sejamos verdadeiramente livres, porque a opressão é sempre opressão, venha de onde vier.

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1 Citado por Karl Popper em A Sociedade Aberta e Seus Inimigos, Vol. II, Editorial Fragmentos, Lisboa, 1993, p. 372.

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