Como conheci Popper

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Estávamos no início da década de noventa e eu abandonara há dois ou três anos o curso de Filosofia da Faculdade de Letras de Lisboa. Não que não gostasse de filosofia, pelo contrário, frequentei o curso por gosto, influenciado por um excelente professor dessa disciplina, no 12º ano, um tipo ainda muito novo, na casa dos vinte, que dava aulas livres aos sábados sobre música clássica, e que, quando havia ópera no São Carlos, aparecia na escola dentro de um elegante smoking.


Mas as disciplinas na faculdade não me diziam grande coisa. Tínhamos um sacerdote em Filosofia da Religião, José Trindade Santos em Filosofia Antiga, e José Barata-Moura, ainda hoje um conhecido e inflexível marxista, em Filosofia do Conhecimento. Resumindo: absorvi doses absurdas de Platão, Aristóteles, Hegel e Marx, autores com os quais não me identificava, aborreci-me e vim embora.


Entretanto, o “bichinho” da filosofia continuava cá e continuei lendo. Gostava sobretudo de Kant e foi nessa época que li A Crítica da Razão Pura, mas também alguns diálogos platónicos (aprendi a separar os primeiros, onde aparecia o verdadeiro espírito socrático, dos posteriores, em que Platão usou Sócrates para divulgar as suas ideias reacionárias) e várias obras de outros autores.

Até que conheci Popper1.


Lembro-me perfeitamente: entrei na Livraria Portugal (hoje um café junto ao elevador de Santa Justa) e comprei o livro Em Busca de Um Mundo Melhor. Aquilo foi uma revelação para mim. Desde então, li (e reli) mais de vinte obras de Popper, edições portuguesas e estrangeiras, tudo o que foi possível adquirir.


Com o advento da internet, encomendei pela Amazon a sua autobiografia, Unended Quest (que não fora ainda editada em Portugal), e encontrei outras coisas interessantes – entrevistas, documentários, artigos – como é o caso do seguinte (e excelente) ensaio, onde se mostra como a epistemologia de Popper assenta em profundas raízes éticas (é minha intenção traduzi-lo em breve para português). http://www3.nd.edu/Departments/Maritain/ti/artigas.htm.

Com Popper aprendi a importância da crítica, mas sobretudo da autocrítica. Aprendi que uma teoria só é científica se for refutável. Aquilo que é certo, indiscutível e irrefutável não é ciência (isto Popper descobriu ainda muito cedo através de experiências com pseudociências, como a Psicanálise e o Marxismo, experiências que moldaram para sempre o seu pensamento). Então, o papel dos cientistas é o de criticarem as teorias vigentes (que não passam, afinal, de hipóteses não-contraditadas), para ver se encontram falhas, e as melhorarem – ou criarem teorias novas. É assim que progride a Ciência. Esse método (o velhinho método de tentativa e erro) é válido para qualquer ciência, incluindo ciências humanas, como a Sociologia – e é por isso que Popper prefere as reformas (aquilo que ele chamou de “engenharia social parcelar”) às visões utópicas, holísticas e historicistas da sociedade. Precisamente porque estas visões radicais, conceptualmente, não são criticáveis: os dogmas são crenças, acreditamos neles ou não, mas não podemos melhorá-los.


A partir de certo ponto, comecei a aplicar o método popperiano ao próprio Popper. Comecei a criticá-lo e a procurar falhas no seu sistema. Houve vários momentos em que pensei tê-las encontrado. Mas quando escavava um pouco mais, acabava por reconhecer que me enganara.
É por isso que mantenho a minha busca, não apenas sobre as propostas dele mas também de outros, sobretudo dos que mais admiro, pois é a estes que a nossa crítica deve ser dirigida, mais do que aos de quem discordamos.
Evidentemente, Popper não tinha a sabedoria no bolso. É ele quem nos diz: “aquilo que nos diferencia uns dos outros – os nossos conhecimentos individuais – é ínfimo em relação ao que nos une a todos – a nossa suprema ignorância”.

Esta afirmação é, para mim, uma norma. Procuro tê-la sempre presente na minha vida.


É pena que Popper seja tão mal conhecido. De facto, para a maioria esmagadora das pessoas, trata-se de um ilustre desconhecido, às vezes um nome que não é totalmente estranho (e há quem lembre uma frase perdida, um chavão – e quem faça muita, muita confusão, por exemplo, considerando-o um “ultraliberal”)2, mas pouco mais do que isso.

Alguns falam da sua obra, mas quase ninguém a lê3.


Por outro lado, não admira que a Academia portuguesa (e a brasileira) o ignorasse e ainda ignore. Um autor tão heterodoxo – que desmascara “monstros” como Heráclito, Platão, Aristóteles, Rousseau, Fichte, Hegel (o maior charlatão de todos4) Marx e Heidegger, só para citar os mais conhecidos, numa linha (crono)lógica que resume o pior do pensamento ocidental, não pode ser amado por instituições dirigidas por gente com mente formatada. Os amores de Trindade dos Santos por Platão e de Barata-Moura por Marx são para toda a vida5. Como o próprio Popper referiu: As escolas (em particular as Universidades) mantiveram, desde sempre, certas caraterísticas do tribalismo. Contudo, não devemos pensar somente nos seus emblemas ou na velha fita da escola com todas as suas implicações sociais de casta, etc., mas igualmente no caráter patriarcal e autoritário de tantas delas. Não foi por acaso que Platão, ao fracassar na reinstauração do tribalismo, fundou uma escola; assim como não é por acaso que as escolas são frequentemente bastiões de reação e os professores ditadores em edição de bolso6.


Como é óbvio, Karl Popper está condenado a ser, durante ainda bastante tempo, talvez para sempre, uma personalidade incómoda. Foi um lutador incansável pela paz no mundo e pelo fim da violência entre os homens – para ele, os grandes objetivos da Filosofia Política. A sua Epistemologia é profundamente inovadora e, tal como demonstra Mariano Artigas7, baseia-se em profundas raízes éticas. Com a sua teimosia em virar as coisas de pernas para o ar fê-lo também na Biologia, considerando, ao contrário de Darwin, que a busca por novos nichos ecológicos (uma força de dentro para fora) se sobrepõe à pressão do ambiente (uma força de fora para dentro). Todos os seres vivos buscam ativamente um mundo melhor e nós temos a sorte de vivermos no único estádio evolutivo em que podemos deixar morrer as ideias que criamos em vez de nós próprios.

Além de tudo isto e muitíssimo mais, Popper foi também o maior humanista da História da Filosofia, o mais original, o mais fascinante.

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Notas:

1 Como se poderá constatar através do texto, não conheci Popper pessoalmente, mas apenas através dos seus livros. Infelizmente, só tive conhecimento da sua existência pouco tempo depois da sua vinda (em 1987) a Portugal.

2Para evitar mal entendidos, quero deixar bem claro que emprego sempre os termos “liberal”, “liberalismo”, etc., no sentido em que ainda são geralmente usados em Inglaterra (embora, talvez, não nos Estados Unidos). Com “liberal” não me refiro a um simpatizante de um qualquer partido político, mas simplesmente a um homem que valoriza a liberdade individual e está desperto para os perigos inerentes a todas as formas de poder e autoridade”. (Karl Popper, Conjecturas e Refutações, Almedina, Lisboa, 2003, p. 10).

3 Diz-nos Popper: “Nunca encontrei ninguém que houvesse reparado nessas duas linhas [“Posso estar enganado e tu certo, mas, pelo esforço, podemos aproximar-nos da verdade”], as quais, segundo eu pretendia, constituíam o meu credo moral – linhas que, em meu ver, excluiriam a possibilidade de uma interpretação dogmática do “racionalismo crítico””. (in O Mito do Contexto, Edições 70, Lisboa, 1999, p.16).

4 O termo “charlatão”, para caracterizar Hegel, foi pela primeira vez usado por Schopenhauer. A charlatanice ou desonestidade intelectual revela-se também pela linguagem deliberadamente obscura, dúbia, incompreensível. Veja-se este exemplo, retirado do parágrafo 302, da Filosofia da Natureza, de Hegel: ” O som é a mudança verificada na condição específica de segregação das partes materiais e na negação dessa condição; é meramente uma idealidade abstrata ou ideal, por assim dizer, dessa especificação. Mas esta mudança é, por consequência, em si mesma imediatamente a negação da subsistência material específica; o que é, portanto, a idealidade real da gravidade específica e da coesão, isto é, o calor. O aquecimento de corpos sonoros, assim como dos corpos percutidos ou friccionados, é a aparência de calor que surge concetualmente juntamente com o som”. Por esta pequena amostra, se pode ver que não é exagero classificar como uma “autêntica tortura” o estudo da filosofia hegeliana, nas faculdades.

5 As pessoas têm muita dificuldade em libertar-se daquilo que estudaram e daquilo em que acreditaram uma vida inteira, e não querem saber do que possa de alguma forma contrariar a visão que construíram ao longo desse processo. Os psicólogos explicarão muito melhor do que eu por que a mente humana tem enorme facilidade em acreditar naquilo que quer. Crer ou não crer, eis a questão.

6 nota 38, alínea 2, ao capítulo 10 da Sociedade Aberta e Seus Inimigos.

7 Um interessante trabalho de Mariano Artigas sobre este assunto, traduzido por mim, pode ler-se aqui.

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Foto retirada de: https://it.wikipedia.org/wiki/Karl_Popper

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O Mito do Herói

A função mais básica ao nível interno de um estado é a salvaguarda da segurança entre os seus cidadãos. Apesar disso, a violência continua a ser um dos principais problemas do mundo. Há países em guerra e há países que, apesar de não estarem em guerra, estão entre os países mais violentos do planeta.

Mesmo nos estados mais desenvolvidos, onde a criminalidade violenta é menor (se excetuarmos os EUA), há ainda resquícios dos tempos mais conturbados do passado. Esse vestígio do passado violento está patente, na cultura ocidental, no culto do herói, veiculado pelas mitologia, história, artes, filosofia, pelos meios de comunicação social e, no fundo, por cada um de nós.

Tal generalização moldou o inconsciente coletivo, adormeceu o espírito crítico e fez com que olhássemos (e olhemos) o herói com veneração.

Tal como demos um salto civilizacional ao conseguirmos baixar os índices de violência, daremos igualmente um salto significativo quando abandonarmos o culto do herói.

Não precisamos subir ao Everest, nem saltar de paraquedas, nem meter-nos numa rixa, para despertarmos o herói que transportamos, e desafiarmos o perigo e a morte. A verdadeira luta contra a morte está reservada para a grande maioria de nós (não é preciso ser herói para lhe escapar) e cada um a travará o melhor que puder e souber, pois, ao contrário do que em geral é veiculado, não há quem seja mais digno perante a morte, há apenas formas diferentes de morrer.

(Ninguém se lembraria de considerar um bebé “digno” por nascer mais sereno do que outro que protesta persistentemente por ter sido tirado da barriga da mãe).

Hegel, com o seu lema de vida, sob o qual as palavras “paixão”, “espírito”, “destino”, “fama”, “herói” e “glória” foram amplamente divulgadas, além de ter sido um dos maiores charlatães da história das ideias (se não o maior), contribuiu para que o mundo fosse muitíssimo mais violento que o necessário, se é que há necessidade do mundo ser violento.

Talvez o culto da violência (e do herói) jamais seja erradicado da face da Terra. Mas esperamos que o peso que ainda detém diminua drasticamente. Isso corresponderá, seguramente, a uma sociedade mais pacificada, menos mítica e mais humana.

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Sociobiologia

A visão sobre a vida, de Richard Dawkins.

Uma das questões mais debatidas da ciência e da filosofia é a questão do Homem. Sobre ela se debruçam biólogos, antropólogos, psicólogos, sociólogos, filósofos e, no fundo, todos os seres pensantes. O homem como sujeito e objeto de si próprio. Talvez a problemática mais atual sobre esta questão seja a de saber-se até que ponto o ser humano é realmente um animal diferente. Por outras palavras: tudo o que é especificamente humano – e podemos, talvez, substituir este “tudo” pela termo “cultura” – é suficiente para nos considerarmos uma espécie à parte, radicalmente diferente das outras, ou, pelo contrário, temos muito mais em comum com as outras espécies do que, à primeira vista, poderíamos suspeitar? No nosso comportamento, o que é “animal” e o que é humano? Os 97 % do genoma que partilhamos com os chimpanzés significam que somos muito parecidos ( e na verdade com os outros animais e mesmo plantas, dado que partilhamos grande parte do genoma com eles também) ou os restantes 3% fazem toda a diferença e significam uma especificidade radical?

Quanto à primeira hipótese, a saber, a de que não diferimos assim tanto dos outros seres vivos, não conheço abordagem mais acutilante do que a dos sociobiólogos. Quanto à segunda hipótese, a defendida pelos que afirmam sermos muito diferentes dos outros animais, talvez seja subscrita sobretudo por alguns filósofos e pelos antropólogos culturais mas também pelo senso comum. Dado que esta posição é a mais familiar para a grande maioria de nós, vou debruçar-me sobre a que é mais incomum – a versão sociobiológica.

Tudo começou quando um biólogo alemão, August Weismann, nos anos 80 do século XIX, reparou que, nas criaturas sexuadas, as células sexuais – óvulos e esperma – permaneciam segregadas do resto do corpo desde o nascimento1, o que contrariava as ideias de Lamarck e do próprio Darwin, os quais pensavam que os filhos herdavam as alterações físicas que os pais haviam sofrido durante a vida. O exemplo clássico é o do filho do ferreiro, que herda os braços musculosos do pai. Ora, isto não acontece, e, apesar de Weismann ter sido ridicularizado por suas ideias, elas revelar-se-iam corretas: com a descoberta do gene, do ADN a partir do qual este é feito e do código em que a mensagem do ADN está escrita, verificou-se que a linha germinativa é mantida efetivamente separada do corpo.

As consequências mais radicais seriam retiradas apenas nos anos 70 do século XX por Richard Dawkins2: uma vez que os corpos não se replicam a eles próprios, apenas crescem, enquanto os genes se replicam, a conclusão que se tira é a de que os corpos são meros veículos evolutivos para o gene, e não vice-versa. Esta corrente desembocou, assim, numa visão peculiar, estranha, mas também extremamente sedutora, que revolucionou a teoria da evolução: pouco importa se somos humanos ou não, porque o que conta não é a espécie ou o indivíduo, o que importa são os genes. De facto, são os genes que se perpetuam no tempo, não os indivíduos e, de acordo com esta teoria, os indivíduos, os organismos, os corpos não passam de “máquinas de sobrevivência” que os genes utilizam para passarem de geração em geração.

Assim, Richard Dawkins, na linha de Williams, afirmou que a unidade de seleção natural – que desde Darwin era o indivíduo – deveria de ser o gene. As características de “longevidade, fecundidade e fidelidade da cópia”3, garantiram-lhe esse estatuto. Em consequência disto, os sociobiólogos começaram a falar em “seleção sexual” em vez de seleção natural: o objetivo de um animal não é apenas sobreviver, mas sobretudo reproduzir-se. Dado que os genes utilizam4 os organismos e os indivíduos para passarem de geração em geração e se perpetuarem no tempo, a principal função destes só pode ser a reprodução. Os indivíduos com sucesso reprodutor passarão os seus genes às gerações seguintes, ao contrário dos genes dos indivíduos que não se reproduzem, que se extinguirão5. A reprodução é, pois, a característica fundamental da evolução: os genes constroem organismos para se perpetuarem e os organismos, – humanos, outros animais ou plantas – agem em prol da reprodução, perpetuando os genes.

A seleção sexual é uma consequência da reprodução. Trata da forma como machos e fêmeas se relacionam para partilhar os genes e os passarem à descendência6. Os interesses de machos e fêmeas, homens e mulheres, são comuns mas também diferentes. Existe conflito e cooperação entre ambos. O macho procura distribuir seus genes pelo maior número de fêmeas possível e estas procuram machos capazes de as ajudar a criar os filhos, pois de nada lhes servirá terem filhos se não forem capazes de criá-los. Esta é a razão das mulheres preferirem homens poderosos e dos homens preferirem mulheres saudáveis e bonitas.

Se a função principal dos seres vivos é reproduzirem-se para que os genes se perpetuem, todas as características dos seres vivos, incluindo as especificamente humanas, devem favorecer a reprodução. De facto, a própria inteligência humana tem como principal finalidade servir de uma forma mais adequada a reprodução7. Tudo, aliás, deve favorecer a reprodução – ou não existiria, pois os genes que não favorecem a reprodução (e que não são reproduzidos) acabam por se extinguir.

Assim, os argumentos sociobiológicos são do tipo circular, “pescadinha de rabo na boca”, e levam-me a pensar que talvez estejamos perante uma daquele género de teorias que Karl Popper considerou como pseudo-científicas, por seus defensores utilizarem sempre argumentos no sentido de confirmar a teoria e não de refutá-la. Popper dava os exemplos clássicos da psicanálise e do marxismo, e acredito que fizesse o mesmo com a sociobiologia, caso tivesse tido tempo de ter escrito sobre ela. Uma das características comuns a todas estas teorias é a sua extrema sedução na forma como se apresentam: definitivas, absolutas, irrefutáveis. Porém, esta sedução, que constitui aparentemente a sua força, constitui também o seu principal ponto fraco – a razão, segundo Popper, para não as considerarmos, precisamente, aquilo que seus adeptos afirmam que elas são: científicas8.

Esta é também a razão pela qual eu próprio duvido delas. Embora a teoria da evolução sociobiológica contenha, sem dúvida, um fundo de verdade, não deverá conter, porém, a verdade toda.

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Notas:

1 Weismann (1889).

2 Curiosamente, Dawkins é hoje um dos mais destacados opositores do “pai” da sociobiologia, Edward O. Wilson. Este, hoje com 83 anos, em entrevista publicada por uma revista brasileira, diz o seguinte:  “Richard Dawkins não é um cientista. É um escritor de divulgação científica. Ele só escreve sobre o que os outros descobrem… ao criticar minha teoria ele mostra seu total desconhecimento da teoria evolutiva”, in “Época”, 11 de março 2013.

3Gene Egoísta”, Richard Dawkins, 1976.

4 Claro que inconscientemente: estão para isso “programados” pela natureza.

5 Logicamente, todos nós somos descendentes de indivíduos que tiveram sucesso reprodutor; e herdámos deles os genes que os levaram a esse sucesso.

6 Os sociobiólogos estudam a forma como várias espécies acasalam, inclusive a humana. Neste caso, existem sociedades monogâmicas e poligâmicas, quase em proporções idênticas (existe apenas uma pequena sociedade poliândrica, na região do Tibete, onde as mulheres têm dois homens, mas apenas por questões económicas). Porém, mesmo nas sociedades monogâmicas, a infidelidade é enorme, sobretudo por parte dos homens. Por outro lado, só recentemente (no Ocidente) os homens poderosos  deixaram de ter muitas mulheres; em todas as civilizações antigas o sexo estava relacionado com o poder masculino e todos os poderosos tinham haréns. Os estudos mostram, ainda, que, em geral, o homem tem mentalidade poligâmica e a mulher, monogâmica. Uma evidência deste facto são as indústrias da pornografia (quase exclusivamente dirigida aos homens) e da literatura “cor de rosa” (quase exclusivamente dirigida a mulheres).

7 “A própria inteligência humana é produto da seleção sexual, e não da seleção natural. A maioria dos antropólogos evolutivos acredita agora que os cérebros grandes contribuíram para o sucesso reprodutor, quer porque permitiram que os homens fossem mais espertos ou enganassem outros homens (e que as mulheres fossem mais espertas ou enganassem outras mulheres), quer porque foram originalmente utilizados para cortejar e seduzir membros do sexo oposto”, in “A Rainha de Copas”, Matt Ridley, Gradiva, Lisboa, 2004.

8 Curiosamente a posição de Popper sobre a evolução tem algumas semelhanças com a da sociobiologia. Para ele, “da amiba a Einstein vai apenas um pequeno passo”, in “Um Mundo de Propensões”, Karl Popper, Editorial Fragmentos, 1989.

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Foto retirada de: https://www.telegraph.co.uk/news/religion/11381529/Richard-Dawkins-wants-to-fight-Islamism-with-erotica.-Celebrity-atheism-has-lost-it.html

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A nossa edição:

Richard Dawkins, O Gene Egoísta, Editora Gradiva, 1ª edição, Lisboa. 1989.

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Como sobreviver aos nossos pais

Mony (1)
Mony Elkaïm.

É incrível como transportamos pela vida fora, quantas vezes sem nos apercebermos, a visão do mundo que nos foi incutida na infância por nossos pais. O pequeno livro de Mony Elkaïm, “Como Sobreviver à Própria Família” (Comment survivre à sa propre famille, Seuil, Paris, 2006) mostra, claramente, como isso se manifesta nas relações familiares e, particularmente, nas relações conjugais. A visão que carregamos choca com a visão que o nosso parceiro (ou parceira) transporta também e isso provoca, em situações de conflito, respostas repetidas, segundo o padrão de cada indivíduo. Cada um(a), aprisionado(a) na sua visão, espera que o(a) outro(a) mude e fecha-se mais ainda em seu mundo. E vice-versa. Entra-se num círculo vicioso.

A única solução possível passa por conseguirmos mudar nós próprios. Só assim o outro (ou outra) mudará também. Nas palavras de Elkaïm, “cada um de nós desempenha um papel no palco familiar: se conseguirmos mudar esse papel, talvez possamos transformar a peça inteira”.

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A nossa edição:

Mony Elkaïm, Como Sobreviver à Própria Família, Editora Sinais de Fogo, 1ª edição, Lisboa, 2007.

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