Kant, um dos três desconstrutores de castelos, além de Sócrates (antes) e Popper (depois).
A Crítica da Razão Pura é, no fundo, uma autocrítica. Kant não precisa sair de si próprio para fazer a investigação que pretende. Ele constitui para si mesmo o terreno que procura e o laboratório de que precisa.
Não podemos conhecer os objetos como coisas-em-si, mas podemos pensá-los.
Os outros animais são diferentes de nós porque só têm intuição externa (espaço). Quando passarem a ter intuição interna (tempo) poderão dialogar com os humanos e será possível saber como uns e outros veem o mundo.
A matemática aplica os seus conceitos à intuição.
3 fases da História da Filosofia, segundo Kant: a) dogmática; b) cética; c) crítica (dele próprio).
Objetivo de Kant na Crítica: elevar a Filosofia ao estatuto alcançado pelas Física e Matemática.
Não há intuição intelectual (importante!).
Que papel tem a razão pura relativamente ao Entendimento? Isto é muito importante para perceber o sistema kantiano. É necessário saber se a razão só se ocupa dos objetos transcendentes (se só olha para cima) ou não.
Para chegar à crítica da razão, Kant vai ter que construir todo o edifício do conhecimento, começando de baixo para cima, pela unidade mais próxima da natureza, a Sensibilidade, subindo para o Entendimento, a unidade que impondo à sensibilidade as suas categorias, se liga a esta e forma com ela uma unidade maior, que poderíamos chamar “Perceptiva”.
Todas as ciências teóricas da Razão têm como princípios juízos sintéticos a priori: a) matemáticos; b) da física; c) da metafísica.
Mas embora a matemática e a física tivessem trilhado autonomamente os seus caminhos, o mesmo não aconteceu com a metafísica. É a isso que se propõe Kant: conferir à metafísica o estatuto de ciência.
Porque Kant idealiza (coloca em nós) o espaço e o tempo? 1) Assim justifica a geometria: uma vez que as proposições geométricas (por ex, os ângulos de um triângulo medem 180º) não podem derivar da experiência, têm que preceder os próprios objetos, logo, só podem ter origem em nós, a priori, na nossa intuição externa; 2) Qualquer grandeza de tempo só é possível dentro de um tempo único e ilimitado que lhe serve de fundamento. Esse fundamento imediato não é mais do que a própria intuição; 3) Porque isso concorda com a sua separação do objeto em fenómeno e númeno. Assim Kant resolve também a questão de se saber porque os fenómenos são percecionados de forma diferente por cada um de nós. Porque o que cada um perceciona é precisamente o fenómeno. Se percecionássemos as coisas-em-si, estas seriam iguais para todos; 4) Porque se espaço e tempo fossem reais como os objetos não poderiam constituir, simultaneamente, as condições a priori, da apreensão imediata dos fenómenos pela nossa sensibilidade; 5) As propriedades das coisas-e-si não podem ser dadas pelos sentidos, logo, “o tempo nada é, se abstrairmos das condições subjetivas da intuição sensível… nem a título de substância nem de acidente”; 6) Existe uma realidade objetiva do espaço e do tempo, enquanto considerarmos os objetos como simples fenómenos. O idealismo kantiano, tantas vezes realçado, é aparente e não efetivo; 7) Porque é impossível conhecer o tempo e o espaço fora de nós. Kant provou-o na primeira antinomia. Não se pode dizer que o universo teve um início ou que é infinito porque ambas as proposições são falsas. Se considerarmos um tempo vazio antes do início do universo, temos de considerar um momento de passagem do nada para o existente, uma ligação que só pode ser concebida se existir um momento (temporal, logicamente) anterior ao início do universo, o que é impossível. Se, por outro lado, considerarmos que o tempo sempre existiu e que é, portanto, infinito, temos de concluir que o tempo que decorreu até o momento presente é igualmente infinito, o que é impossível, porque o conceito de infinito não pode ser limitado. Kant prova, desta maneira, que o tempo e o espaço não tem realidade fora de nós — são as condições essenciais para que os objetos sejam captados pela nossa sensibilidade, isto é, são intuições puras, prévias (a priori), da própria sensibilidade.
Kant insiste, inúmeras vezes, na negação dos conceitos da razão especulativa.
Quando Galileu fez rolar no plano inclinado as esferas (…), quando Torricelli fez suportar pelo ar um peso, que antecipadamente sabia idêntico ao peso conhecido de uma coluna de água (…), foi uma iluminação para todos os físicos. Compreenderam que a razão só entende aquilo que produz segundo os seus próprios planos; que ela tem que tomar a dianteira com princípios que determinam os seus juízos segundo leis constantes e deve forçar a natureza a responder às suas interrogações em vez de se deixar guiar por esta; de outro modo, as observações feitas ao acaso, realizadas sem plano prévio, não se ordenam segundo a lei necessária, que a razão procura e de que necessita.
História da Razão Pura: 1- Quanto ao objeto: a) sensualistas (Epicuro); b) intelectualistas (Platão); 2- Quanto à origem: a) empiristas (Aristóteles, Locke); b) neologistas (Platão, Leibniz); 3- Quanto ao método: a) naturalistas; b) científico: b.1) dogmático (Wolff); b.2) cético (Hume). Kant apresenta uma nova abordagem.
Conceitos da Razão (ideias transcendentes): 1. Alma (unidade absoluta do ser pensante — teologia racional); 2. Mundo (unidade absoluta da experiência externa — cosmologia, antinomias); 3. Deus (condição de tudo; unidade absoluta de todos os objetos do pensamento — teologia racional — provas: ontológica, cosmológica, físico-teológica.
Plano de um novo artigo para o blogue (há já um que pode ser visto aqui):
Introdução
Os objetos dados (empíricos): a) fenómeno; b) númeno
Os objetos pensados (juízos sintéticos a priori)
O edifício do conhecimento kantiano: a) sensibilidade-intuição (espaço, tempo); b) entendimento-categorias; c) razão
Conclusão
Crítica à idealidade do espaço e do tempo em Kant — De facto, nem a simultaneidade nem a sucessão derivam da experiência, mas isso não quer dizer que o tempo seja uma intuição apenas nossa. Outros seres que percecionem os fenómenos de outra forma não terão também outra intuição de tempo? Ou seja, há espaço e tempo desde que haja seres vivos que nascem, vivem e morrem. Tem de haver, portanto, um tempo real para lá do tempo ideal de cada ser vivo. Portanto, do nosso ponto de vista, enquanto seres humanos, pode fazer sentido um tempo e um espaço só nossos. Mas do ponto de vista cosmológico, tem de haver um espaço-tempo (como mostra Einstein) real.
Nem sempre é necessário escrever muitos livros para se reunir uma grande obra, e isto é válido para todos os géneros, quer sejam ficção ou ensaio. Richard Wrangham, um primatologista britânico de 77 anos, escreveu até agora três livros, um primeiro (1997) em parceria com Dale Peterson (Demonic Males), e dois a solo, Catching Fire (2010) e Goodness Paradox (2019). Nós lemos os dois últimos e ambos são fabulosos. Catching Fire foi traduzido para português do Brasil por Pegando Fogo, e a nossa análise sobre essa obra pode ser vista aqui; Goodness Paradox, que lemos no original em inglês, passamos a analisar agora.
A grande questão deste livro é a de saber porque os seres humanos são uma espécie simultaneamente pacífica e violenta, dado que comprovadamente nós somos capazes do melhor e do pior: somos os únicos seres vivos que cometem atos de extremo altruísmo, mas também temos a frieza que nos permite matar por meros prazer ou diversão1. Este é o paradoxo do nosso comportamento, quando comparado com o dos outros primatas: somos relativamente pacíficos no tipo de agressão reativa e incrivelmente violentos no tipo de agressão proativa. É fácil perceber a diferença entre os dois tipos de agressão se considerarmos os conceitos, usados em direito penal, de crime não premeditado (reação espontânea, “a quente”, reativa) e de crime premeditado (ação cometida friamente, com tempo, proativa).
Comecemos pelo relativo pacifismo humano no que toca à agressão reativa. Apesar de todos nós termos conhecimento de crimes reativos, eles ocorrem numa percentagem muito pequena, e os chimpanzés, por exemplo, são muito mais violentos neste tipo de agressividade, caracterizada por respostas a um estímulo inesperado2. A baixa agressão reativa acontece em todos os animais domesticados, que são menos agressivos que os seus ancestrais selvagens. Os cães, por exemplo, são mais dóceis que os lobos, e o mesmo acontece com todos os animais domésticos conhecidos e outros domesticados através de experiências científicas.3
A evidência científica mostra que os animais domesticados apresentam determinadas características, para além da docilidade, relativamente aos seus primos selvagens: maior proximidade nas características físicas de machos e fêmeas, crânios mais pequenos, dentição mais fraca, rosto mais arredondado e, nalgumas espécies, orelhas caídas, caudas enroladas e até manchas brancas na pelagem por cima da cabeça. Além disso, os animais domesticados têm uma tendência maior para a homossexualidade — e esta tendência pode, na verdade, ser um subproduto da domesticação — dado que são expostos a uma dose menor de testosterona quando ainda se encontram no útero materno.
Desde há muito, que vários estudiosos repararam que os seres humanos apresentam algumas destas características físicas e comportamentais, pelo que a ideia de que os humanos são seres domesticados é já antiga, e Wrangham corrobora-a. Mas se existe evidência sobre quem domesticou cães, gatos, porcos e muitos outros animais, quem terá domesticado o próprio homem? A resposta é que os seres humanos são animais autodomesticados. E isso aconteceu porque o desenvolvimento da linguagem veio permitir, entre outras coisas, que elementos dos povos humanos primitivos se associassem para controlar os indivíduos mais agressivos, instituindo, para tal, um implacável instrumento: a pena capital4.
A pena de morte é, pois, a causa principal da nossa autodomesticação e estima-se que a liquidação dos membros mais agressivos das sociedades humanas se tenha iniciado há pelo menos 300 mil anos, dando origem a uma espécie (mais graciosa do que o ancestral homo erectus), da qual somos hoje os únicos descendentes, o homo sapiens. Tendo em conta que qualquer processo de domesticação se completa em cerca de 20 gerações,5 o nosso comportamento agressivo terá sido radicalmente desincentivado há já bastante tempo, até porque os comportamentos que poderiam custar a vida a uma pessoa eram vastos, muitos mais do que hoje, ou seja, os indivíduos tinham um forte incentivo para se comportarem dentro de estritos padrões sociais, respeitando as normas igualitárias dos povos primitivos, sob pena de serem eliminados.6 Esta foi a forma dos nossos antepassados controlarem os indivíduos mais violentos. E o homo sapiens tornou-se, assim, um ser autodomesticado.
Mas as coligações, facilitadas pelo aparecimento da linguagem, que primordialmente se formaram para controlar a violência, acabaram por se transformar — com a concentração humana proporcionada pela agricultura, o crescimento populacional, o desenvolvimento técnico e científico, e a constituição de hierarquias de poder — naquilo que Wrangham chama coligações de agressão proativa, ou seja, um conjunto de pessoas orientadas para atingirem algum tipo de objetivo através da ação violenta. Algumas destas coligações tornaram-se extremamente poderosas, acabando nos dias de hoje por se confundirem com Estados — referimo-nos obviamente aos exércitos cegamente doutrinados e controlados por ditadores modernos que concentram em si todo o poder. As coligações de agressão proativa são, assim, a outra face da moeda da autodomesticação humana provocada pela instauração da pena capital.7
O paradoxo fica assim clarificado: a linguagem humana permitiu que se formassem coligações que impuseram a pena de morte e, com isso, reduziu-se a agressividade reativa tornando os humanos seres autodomesticados, mas, simultaneamente, abriu caminho para que essas coligações se tornassem coligações de agressão proativa, a mais letal entre os seres vivos conhecidos.
O poder avassalador das coligações de agressão proativa expressa-se, na sua forma mais devastadora, nos dias de hoje, através de guerras levadas a cabo por forças armadas com grande poder destrutivo, correspondendo ao grande desenvolvimento científico e tecnológico do mundo contemporâneo. Assim, o paradoxo projeta-se no futuro. Seremos capazes de controlar as coligações de agressão proativa e os seus líderes, impedindo que causem demasiado dano? Não sabemos. Apenas sabemos que a única esperança reside nas instituições democráticas, aquelas que impedem a concentração do poder, permitindo ganhar tempo para a formação democrática — através da educação — das novas gerações.
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A nossa edição:
Richard Wrangham, Goodness Paradox – How Evolution Made Us Both More and Less Violent, Pantheon Books, Croydon, 2020.
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Notas:
1 Há poucos dias veio a lume uma investigação, conduzida pelo jornalista italiano Ezio Gavazzeni, que mostra bem o nível de crueldade que as ações humanas podem atingir. Indivíduos ricos — notários, advogados, empresários — provenientes de vários países (italianos, franceses, suíços, americanos, ingleses), pagaram quantias elevadas às milícias sérvias que cercavam Sarajevo para se posicionarem nas colinas em redor e alvejarem os cidadãos da cidade, participando numa matança a que alguns já chamam, adequadamente, de safari humano. Os preços pagos variavam: por alvejarem uma criança pagavam 100 mil euros, mas a morte de um idoso era gratuita. O cerco a Sarajevo — o mais longo da história moderna — durou de 5 de abril de 1992 a 29 de fevereiro de 1996.
2 Todo o tipo de agressões provocadas por discussões “a quente” podem caracterizar-se por agressividade reativa: um homem que numa discussão no trânsito agride outro, por exemplo, pode considerar-se um caso típico de agressividade reativa.
3 As experiências levadas a cabo pelo geneticista soviético Dmitri Belyaev são consideradas as mais relevantes neste campo. A mais importante delas relacionou-se com raposas. Desde há muitas gerações que agricultores soviéticos criavam raposas prateadas nas suas quintas para negociarem a sua pele. A equipa de Belyaev começou por recolher dessas quintas as raposas mais dóceis. Cerca de uma em dez não rosnava quando os membros da equipa chegavam, e era selecionada. Após apenas quatro gerações as pequenas raposas aproximavam-se dos humanos abanando as caudas como se fossem cães. Na sexta geração as pequenas raposas não só abanavam as caudas como choramingavam para chamar a atenção dos humanos, cheirando-os e lambendo-os. Algumas gerações mais tarde, várias raposas apresentavam uma mancha branca no alto da cabeça, tal como acontece em cavalos, vacas, cães e muitos outros animais domésticos. Com o passar do tempo, alguns exemplares apresentavam as orelhas caídas, caudas e pernas mais curtas, e um crânio mais leve e estreito. Tudo isto provou que a seleção para a docilidade conduziu aos traços típicos da síndrome da domesticação referidos acima. A agressividade reativa baixou incrivelmente (ob. cit., pp. 67-72).
4 Isso acontece ainda hoje entre povos afastados da civilização, onde a pena capital é um instrumento supremo de igualitarismo. A pena de morte deve ter acontecido tantas vezes no passado que a nossa espécie herdou o temperamento calmo e menos agressivo que essa punição extrema impunha.
5 O processo de autodomesticação humana terá começado há pelo menos 300.000 anos e isso corresponde a 12.000 gerações. Isso é bastante tempo, se consideramos que a evolução dos lobos para cães se iniciou há aproximadamente 15.000 anos (ob. cit., p. 161).
6 Wrangham dá exemplos de atos considerados banais nos dias que correm mas que há apenas 300 anos podiam levar um indivíduo à pena de morte. Na América do século XVII um indivíduo podia ser condenado à morte por idolatria, blasfémia, rapto, adultério, bestialidade, sodomia e até masturbação (ob. cit., p. 143). Em sociedades primitivas, alguns motivos pelos quais um indivíduo podia ser condenado à morte eram igualmente fúteis aos olhos de hoje. Por exemplo, era banal ser-se executado por feitiçaria. Bruce Knauft, um investigador que estudou os Gebusi, um grupo de horticultores da Nova Guiné, durante 42 anos, registou 394 casos de pessoas executadas, sendo que 1/4 dos homens e 15,4% das mulheres foram condenados por feitiçaria (ob. cit., p. 161).
7 A pena de morte, que serviu em tempos para a nossa autodomesticação, não parece ter hoje em dia grande utilidade, nem é moralmente defensável. Richard Wrangham considera que ela deveria ser abolida nos Estados Unidos, país onde vive atualmente (ob. cit., pp. 283-4).
Não se pode dizer que tenha sido uma notícia inesperada, mas depois de a conhecermos, o impacto não deixa de ser enorme, pois a figura era eminente também. Claro que há papas de todos os estilos, mas o de Francisco era deveras cativante, com o seu apego sincero, notório, visceral mesmo, aos marginalizados e desafortunados deste mundo — vítimas das pobreza, doença, guerra e violência de todos os tipos, incluindo os abusados sexualmente dentro da própria Igreja.
Guerra e violência de que fogem muitos dos migrantes que chegam às praias da Europa e à fronteira entre o México e os Estados Unidos, em busca de uma vida melhor, tantas vezes com risco da própria vida. Francisco, descendente de migrantes italianos que escaparam a um naufrágio, tinha pelos migrantes um carinho muito especial. Foi por isso que se deslocou, logo no início do seu pontificado, à minúscula ilha mediterrânica de Lampedusa, em cujas águas pereceram tantos seres humanos, para “despertar as nossas consciências e apelar às nossas responsabilidades”, tal como escreve na sua autobiografia. Para ele, “emigração e guerra são duas faces da mesma moeda.”
Depois, deslocar-se-ia ainda três vezes à ilha grega de Lesbos, de onde recolheu dezenas de migrantes traumatizados pela violência da guerra, incluindo famílias inteiras que trouxe consigo para Roma.
Francisco foi um defensor intransigente da paz. A sua visão da religião era diversa da de tantos líderes religiosos que ainda hoje advogam a guerra, tal como alguns líderes católicos o fizeram em tempos. Francisco pediu várias vezes perdão pelos pecados da Igreja. Esse reconhecimento foi importante, tal como o foi o seu ecumenismo, pois só com o exemplo da tolerância poderemos aspirar a que outros se tornem também tolerantes.
Alguns filósofos, como Immanuel Kant ou Karl Popper, acreditavam que a razão é a única via possível para alcançar a paz. Eles sabiam que o fervor religioso poderia facilmente transformar o amor universal em ódio aos não crentes. (Uma vez que o nosso deus nos seja revelado, é difícil aceitar que outros não o vejam). Mas Francisco provou, com o seu exemplo, que coração e razão podem coexistir harmoniosamente. A razão leva-nos a pensar, planear e sonhar, mas é o coração que nos impele a agir.
É o pai da geologia em Portugal, uma ciência não muito popular, mas um ramo do saber abrangente, em que os estudiosos mais competentes necessitam de substanciais noções de física, química e biologia entre outras disciplinas. Galopim de Carvalho é um desses geólogos, professor jubilado, que mantém ainda hoje, aos 93 anos, a curiosidade da juventude. E é essa curiosidade e esse gosto pela aprendizagem que procurava transmitir aos seus alunos e agora transmite aos seus leitores — sejam aqueles que leem os seus livros ou os que o seguem no facebook (espaço que usa também para apresentar receitas de pratos típicos do seu Alentejo natal). A curiosidade é o motor do conhecimento, e Galopim é um eterno curioso.
O livro que melhor caracteriza a faceta didática de Galopim de Carvalho talvez seja Como Bola Colorida, cujo título foi adotado de um célebre poema do, igualmente cientista, Rómulo de Carvalho, conhecido pelo pseudónimo de António Gedeão, a quem Galopim dedica o livro. Trata-se de uma obra para um público alargado: para os curiosos, em geral, mas também para os estudantes e professores de biologia, em particular.
Inicialmente publicado em 2007 (houve uma edição posterior, em 2024), o livro contempla resumidamente todas as áreas da geologia, sendo por isso bastante abrangente. O leitor curioso não vai lembrar-se de todos os inúmeros vocábulos que identificam minerais, pedras preciosas e semi-preciosas quando terminar o livro. Mas vai ficar a conhecer quase tudo sobre a Terra: como se formou, de que partes é constituída (como um cereja), porque os continentes se movem e existem montanhas e abismos, como se formam as rochas magmáticas, sedimentares e metamórficas, de que são constituídos os solos, e muito mais.
É tudo uma questão de tempo, muito tempo. Pouco se consegue ver à escala humana, porque o tempo geológico mede-se em milhões, centenas de milhões, milhares de milhões de anos.
António Galopim de Carvalho defende que se deve atribuir uma maior importância à disciplina de Geologia no ensino básico e no secundário. Deveriam ouvi-lo. Ele é um ilustre cidadão do mundo, e o brilho do seu olhar é o mesmo do da criança que brinca dentro dele com uma bola colorida.
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A nossa edição:
A. M. Galopim de Carvalho, Como Bola Colorida, Âncora, Lisboa, 2024.
A Filosofia é a aspiração do homem à racionalidade. Isto pode ser deveras surpreendente, pois muitos poderão perguntar: “Mas, afinal, o homem não é o animal racional por excelência!?”
A resposta simples é: não. Todos somos influenciados pelo menos por alguns dos mais variados fatores, genéticos ou adquiridos pela experiência, que afetam a nossa racionalidade: medos, anseios, traumas, mitos, crenças, sonhos, ambições, invejas, esperanças, ressentimentos, megalomanias e, sobretudo, claro, as visões do mundo que dão pelo nome de ideologias — esses medicamentos fora de prazo, como tantas vezes as apelidei.
Melhor rótulo que o de animal racional, seria o de animal religioso. Pelo menos, por enquanto.
De facto, se fôssemos seres essencialmente racionais, todos seguiríamos o mesmo rumo da razão, da paz e do pragmatismo, ainda que por caminhos diferentes.
Apesar de tudo isto — de ter perfeita consciência da impossibilidade de alcançar a racionalidade absoluta — o verdadeiro filósofo assume o dever de trazer ao mundo o máximo de racionalidade possível, em busca de um mundo melhor.
Foi isso que fizeram os maiores filósofos da história humana (que não são, necessariamente — muito pelo contrário — os que têm mais adeptos), destacando-se, entre eles, Sócrates, Kant e Popper, os três desconstrutores de castelos.
Passam hoje 122 anos sobre o nascimento de Karl Raimund Popper, na Viena do início do século XX, em 1902. Popper viveu, por isso, tempos conturbados, tendo sobrevivido a duas guerras mundiais, que inevitavelmente influenciaram o seu pensamento. Este filósofo vienense foi um “revolucionário” das ideias e pode dizer-se, tomando de empréstimo as palavras de Bryan Magee, que a filosofia de Popper é uma “filosofia de ação” — daí que muitos a tenham aproveitado para as suas atividades profissionais. Magee, na biografia que escreveu sobre Popper, em 1973, cita políticos, artistas e cientistas (incluindo vários prémios Nobel) que afirmaram ter transformado as suas vidas profissionais e pessoais graças ao pensamento de Karl Popper1.
No meio século posterior à publicação do livro de Magee, ou seja, desde 1973 até hoje, multiplicam-se os que, de alguma forma, passaram a ver o mundo de forma diferente, após lerem e estudarem a obra do maior filósofo da ciência do século XX. Popper põe quase tudo aquilo que julgamos conhecer de pernas para o ar e ajuda-nos a ver a realidade por uma perspectiva completamente diferente. Ele aborda criticamente as ideias de Platão, Hegel, Marx, Freud, Wittgenstein, Heidegger, Chomsky (só para citar os mais famosos), que tantos consideram monstros sagrados da cultura ocidental, e desconstrói, quando não desmascara, as respetivas doutrinas. E um campo vastíssimo, que vai desde a epistemologia à política, passando pela teoria da evolução e a ética, foi reconstruído por Popper.
(A grande filosofia começa, de facto, pela demolição de castelos).
Comecemos pela epistemologia. Neste campo, Karl Popper resolveu dois problemas. O primeiro, fruto do seu encontro com o marxismo, foi o de estabelecer um claro critério de demarcação entre ciência e pseudociência: uma teoria que não seja passível de ser testada ou refutada não pode ser considerada científica; o segundo foi o problema da indução: não se pode construir uma teoria a partir de observações, não importa em que número, pois há sempre a possibilidade de uma última observação invalidá-la.
Kant já havia mostrado que o conhecimento não começa nos sentidos, mas sim no nosso intelecto (que Kant chama de entendimento), sendo independente daqueles, ou seja, a priori, mas Popper vai mais longe nas consequências: não é possível ter a certeza de que uma teoria é verdadeira, mas é sempre possível que a mesma seja falsa. Os cientistas devem, portanto, tentar falsificar as teorias em presença (daí o método popperiano ser conhecido por falsificasionismo), incluindo as próprias, para desenvolverem outras que melhor correspondam aos factos e possam, assim, ser consideradas provisoriamente verdadeiras. Desta forma se constrói o edifício científico e nos aproximamos da verdade — com a consciência de que nunca podemos ter a certeza de a encontrarmos. Por outras palavras, todo o conhecimento é conjetural.2 O matemático e cosmólogo Sir Hermann Bondi afirmou: nada mais há para a ciência do que o seu método, e nada mais há para o seu método do que o que foi dito por Popper.3
Já no que toca à teoria da evolução, Karl Popper inverte o papel tradicionalmente atribuído aos organismos, na sua relação com o ambiente. Segundo ele, os seres vivos não têm apenas uma capacidade de adaptação, não são seres passivos, pelo contrário, procuram ativamente novos nichos ecológicos, tentando e errando, sempre em busca de melhorarem a sua situação. A própria vida pode ter nascido após milénios de tentativas e erros, até ao aparecimento das primeiras células. Todos os organismos, “desde a amiba a Einstein”, procuram constantemente melhores condições de vida, explorando e transformando o meio ambiente. Os organismos vivos são seres que criam expectativas, capacitados com conhecimento inato por forma a resolverem problemas ambientais diversos. O pica-pau criou o seu bico forte na busca por uma nova fonte de alimento. E todos os organismos exploram o ambiente na busca de um mundo melhor: as formigas constroem formigueiros, os macacos usam pedras como ferramentas, os castores constroem barragens, os seres humanos saem de África para explorar o mundo. A vida toma decisões ousadas e faz escolhas criativas.
Paul Nurse, geneticista e biólogo celular britânico, vencedor do Nobel da Medicina, corrobora no livro O que é a Vida? a visão de Popper: A vida está constantemente a fazer experiências, a inovar e a adaptar-se à medida que vai mudando o mundo e o mundo muda à sua volta.4 Também Ray Noble, que escreveu, em parceira com seu irmão Denis Noble, Understanding Living Systems, publicado em 2023, considera que este livro, escrito a duas mãos, foi fortemente influenciado por Popper.5
Os organismos mais avançados na busca por um mundo melhor são os seres humanos modernos, e isto deve-se à sua linguagem específica. (Os outros seres vivos também têm linguagem, mas não aos níveis descritivo e argumentativo, exclusivo dos humanos). É a linguagem própria do sapiens que permite a criação de uma cultura particular— a religião, a arte, a filosofia e, sobretudo, a ciência — a que Popper apelidou de mundo 3. Isto conduz-nos diretamente aos três mundos de Popper. O mundo 1 é constituído pela totalidade das coisas físicas, vivas ou inanimadas, tudo o que existe, toda a matéria; o mundo 2 é o das consciências humanas individuais, o mundo da subjetividade, do pensamento, da argumentação — através do qual fazemos a ligação, nos dois sentidos, entre o mundo físico (1) e o mundo da cultura (3); e o mundo 3 é o das produções humanas, da ciência, das obras de arte e de engenharia, das ideias registadas em livros, artigos e textos filosóficos. Através do mundo 3, nós transformamos constantemente o mundo 1. Então, qual a consequência do desenvolvimento da linguagem humana e da criação do mundo 3, o mundo da cultura e da ciência? A principal consequência, em termos evolutivos, é a de que os seres que não desenvolveram a linguagem da ciência precisam arriscar as próprias vidas na sua busca por um mundo melhor; em contrapartida, nós podemos testar o mundo com as nossas teorias científicas, e deixá-las morrer por nós. A teoria da evolução de Popper está, assim, estritamente ligada à sua epistemologia.6
Já no que concerne à filosofia política, Karl Popper é o filósofo da liberdade, considerada o mais importante valor social. Popper enfatiza isso mesmo numa passagem da sua autobiografia:
Continuei a ser socialista durante vários anos, mesmo depois da minha rejeição do marxismo; e se pudesse haver um socialismo combinado com a liberdade individual, ainda seria socialista. Porque nada poderia ser melhor do que viver uma vida modesta, simples e livre numa sociedade igualitária. Levou-me algum tempo a reconhecer isto como não sendo mais do que um lindo sonho, a reconhecer que a tentativa para realizar a igualdade põe em perigo a liberdade e que, se a liberdade se perde, nem sequer entre os não livres haverá igualdade.7
Porém, a liberdade só é possível se formos capazes de impor limites ao poder. Uma sociedade saudável deve ter ao seu alcance meios pacíficos para destituir os governantes que querem abusar do poder. É por isso que Popper considera perigoso e infrutífero concentrarmo-nos sobre quem deve governar — questão central para os filósofos sociais, desde Platão a Marx — e defende que devemos antes interrogar-nos sobre qual o sistema político que devemos construir para garantir que poderemos ver-nos livres dos governantes que querem perpetuar-se no poder. A questão tradicional quem deve governar? deu origem a ideologias radicais e à violência, a questão defendida por Popper, de que forma podemos livrar-nos dos governos indesejáveis sem derramamento de sangue?, está na base da democracia liberal e do estado de direito democrático, com a sua tradicional separação de poderes. De facto, não basta ter um sistema em que governe quem foi votado pela maioria, é sobretudo indispensável que os governantes estejam limitados por regras que evitem uma ditadura.
A este propósito, o físico quântico David Deutsch escreveu em O Iníciodo Infinito:
Popper aplica o seu princípio básico “como podemos detectar e eliminar o erro?” à filosofia política sob a forma de “como podemos livrar-nos dos maus governos sem violência?” Da mesma forma que a ciência busca explicações experimentalmente verificáveis, um sistema político racional facilita o mais possível a detecção de um mau líder ou política, e a persuasão de outros de que é esse o caso, e a sua remoção sem violência. Tal como as instituições científicas estão estruturadas de forma a evitar consolidar teorias, mas antes expô-las à crítica e à verificação, também as instituições políticas não deveriam dificultar a oposição pacífica aos governantes e às medidas políticas, personificando antes uma tradição de discussão pacífica e crítica destes e das próprias instituições, e de tudo o resto. Assim, os sistemas de governo devem ser julgados não pela sua capacidade profética de escolher e instalar bons líderes e políticas, mas pela sua capacidade de remover maus líderes já instalados.8
Assim, só a democracia liberal garante a possibilidade de nos vermos livres dos governantes nefastos. E também só ela nos garante a liberdade, a limitação da violência e a esperança da paz. Se a liberdade não fosse o valor mais alto, os tiranos deste mundo não se uniriam contra ela, como sempre acontece. Independentemente dos posicionamentos ideológicos, os ditadores de todos os continentes, sejam de esquerda ou direita, unem-se em torno do companheiro Putin, pois acima das posições ideológicas relativas, está o ódio absoluto ao mundo livre. Popper considerava que a oposição dos liberais ocidentais aos totalitarismos nazi e estalinista do século XX era a continuação da luta travada pela democracia ateniense contra a tirania espartana, na Grécia Antiga. Pois bem, essa luta continua hoje entre extremistas que apoiam ditadores e os democratas que resistem. A mesma luta milenar: opressão versus liberdade.
Mas, independentemente do ramo da filosofia de Karl Popper que abordemos, há que compreender a raíz do seu pensamento filosófico. Mariano Artigas, que foi professor de filosofia na Universidade de Navarra, em Espanha, expôs o caráter humanitário do sistema popperiano — num excelente artigo (aqui), que intitulou, precisamente, As Raízes Éticas da Epistemologia de Karl Popper — raízes fundadas na luta contra a violência. Popper sublinha a urgência de anularmos ou diminuirmos drasticamente o sofrimento evitável causado pelas ideologias utópicas, os nacionalismos, a cultura romântica, o culto do herói, a pseudociência, as profecias históricas, as religiões intolerantes. Escreve Artigas:
Devemos ler Popper e interpretar os seus argumentos à luz de valores éticos, nomeadamente do seu compromisso com a dignidade humana, a liberdade, a razão e a verdade. Caso contrário, corremos o risco de não o compreendermos.9
Karl Popper não gostava de modas e não surpreende que, no mundo cada vez mais polarizado de hoje, ele esteja fora de moda, como, aliás, sempre esteve. Não sabia prever o futuro, falava e escrevia de forma clara e simples, e detestava definições. Era avesso à arrogância intelectual. O seu lema era: posso estarenganado e tu certo, mas, pelo esforço, podemos aproximar-nos daverdade.10 Considerava, ainda, que vivemos no melhor mundo de sempre — o que, de resto, corresponde aos factos11 — pelo que era considerado um otimista ou, como sinteticamente o descreveu Micchelle-Irène Brudny, um filósofo feliz.12
Convenhamos que isto não é empolgante para a maioria. Como é que um filósofo não tem uma ideia sobre o futuro? Bom, para Popper o futuro é aberto, depende de múltiplos fatores imponderáveis, e os profetas de todos os quadrantes, utópicos ou distópicos, são charlatães. A prioridade da nossa ação deve centrar-se no mundo presente, no sofrimento que nele existe, e não num qualquer futuro utópico: é nosso dever lutar pela diminuição drástica da violência e do sofrimento a ela associado. Não permitais que os vossos sonhos de um mundo maravilhoso vos alheiem das reivindicações dos homens que vivem aqui e agora13— eis o ponto de partida do pensamento político de Karl Popper.
— Popper, Karl, Pós-Escrito à Lógica da Descoberta Científica, vol. I, O Realismo e o Objectivo da Ciência, Dom Quixote, Lisboa, 1987 (ed. orig. 1956).
3 Magee, Brian, ob. cit.
4 Nurse, Paul, O que é a Vida? Editora Vogais, Amadora, 2021 (ed. orig. 2020), p. 46.
5 Noble, Raymond & Noble, Denis, Understanding Living Systems, University Press, Cambrigde, 2023.
6 Popper, Karl, Pós-Escrito à Lógica da Descoberta Científica, vol. II, O Universo Aberto, Dom Quixote, Lisboa, 1988 (ed. orig. 1956).
— Popper, Karl, Um Mundo de Propensões, Editorial Fragmentos, Lisboa, 1991.
— Popper, Karl, A Vida é Aprendizagem, Edições 70, Lisboa, 2001 (ed. orig. 1999).
7 Popper, Karl, Busca Inacabada — Autobiografia Intelectual, Esfera do Caos, Lisboa, 2008, p. 57.
— Popper, Karl, Unended Quest — An Intellectual Autobiography, Open Court, Illinois, 1976, p. 36.
— Popper, Karl, In Search of a Better World — Lectures and Essays From Thirty Years, Routledge, London, 1994.
8 Deutsch, David, O Início do Infinito, Gradiva, Lisboa, 2013 (ed. orig. 2011), pp. 310-11.
A Terra é a nossa única casa comum. Os cientistas dizem-nos que não existem condições, pelo menos nos tempos mais próximos, de emigrarmos para outro planeta e, portanto, é imperioso cuidarmos do que temos. Os líderes dos países mais desenvolvidos, o secretário-geral da ONU, a maioria das associações ambientalistas e dos cientistas concordam em que é urgente descarbonizar, diminuindo as emissões de CO2 que contribuem para o tão falado efeito de estufa, evitando que a temperatura média da Terra suba mais do que 1,5º C até ao final do século (Acordo de Paris, 2015).
Mas como?
A tarefa é praticamente impossível e quem diz o contrário não tem noção de como o mundo realmente funciona. Porquê? Em primeiro lugar porque o CO2 permanece na atmosfera durante décadas e mesmo que diminuíssemos drasticamente as emissões, a concentração de CO2 na atmosfera continuaria a aumentar. É de realçar que 60% do CO2 permanece na atmosfera 20 anos; entre 30% e 55% do CO2 permanece um século; e ente 15% e 30% do CO2 permanecerá na atmosfera durante um milénio (Koonin, 2021).
Em segundo lugar, e este é o aspeto mais importante, porque a nossa dependência dos combustíveis fósseis é gigantesca, significativamente para a produção de quatro produtos indispensáveis ao funcionamento das nossas sociedades desenvolvidas, considerados por Smil os seus quatro pilares — amoníaco; plásticos; aços; cimento.1 — mas também noutras indústrias e nos transportes (com grande destaque para o rodoviário).
a) O amoníaco é indispensável para a produção de alimentos, graças ao azoto que contém: “sem o seu uso (diretamente ou como matéria-prima para a síntese de outros compostos azotados) seria impossível alimentar pelo menos 40%, e podendo chegar aos 50%, dos atuais oito mil milhões de habitantes do mundo” (p. 99)2. A síntese do amoníaco foi inventada em 1909 por Fritz Haber e, quatro anos depois, começou a funcionar a primeira fábrica de síntese de amoníaco em Oppau, na Alemanha. Na segunda metade do século XX a produção de amoníaco aumentou exponencialmente, com este adubo sintético a proporcionar, ainda na década de 60, o início da Revolução Verde. Sintetizam-se, hoje, cerca de 150 megatoneladas de amoníaco por ano, com cerca de 80% a ser usado como adubo (p. 104). As atividades humanas na agricultura, silvicultura e uso da terra provocam 18,4% do total de emissões dos gases com efeito de estufa.3
b) A síntese dos dos plásticos é realizada a partir de matérias-primas de hidrocarbonetos. A maleabilidade dos plásticos, os seus baixo peso e considerável resistência, permitem a sua aplicabilidade numa miríade de estruturas, aparelhos e instrumentos — desde tubagens nas nossas casas à indústria aeronáutica, passando por materiais hospitalares (sobretudo de PVC), computadores e telemóveis — fazendo com que os plásticos estejam omnipresentes no nosso dia-a-dia. A produção de plásticos tem vindo sempre a crescer, e de uma forma exponencial. Apesar do despejo irresponsável de materiais plásticos que atingem os oceanos, estes materiais sintéticos tão diversificados são amiúde indispensáveis à nossa vida. É interessante constatar que um estudo a amostras de água do mar mostrou que as microfibras encontradas são sobretudo naturais (mais de 90%) e não de origem sintética, como muitos erradamente pressupõem (p. 109). 4
c) As mais de 3500 variedades de aço são ligas dominadas pelo ferro. “A gusa, ou ferro fundido, o metal quente produzido pelos altos-fornos, tem, de um modo geral, 95 a 97% de ferro, 1,8 a 4% de carbono e 0,5 a 3% de silicone, com vestígios de outros elementos” (p. 109-10), o que o torna quebradiço, pouco maleável e resistente. Atualmente, os aços são produzidos reduzindo o carbono a níveis que vão dos 0.08 a 2,1%, o que, para além de obviar aos problemas do excesso de carbono, faz também com que o aço seja altamente resistente ao calor, só derretendo aos 1425º. A composição do aço é muito variável e permite a construção de objetos gigantes, como pontes, gruas, arranha-céus, equipamentos e infraestruturas de transportes (cascos de navios, carris para comboios, oleodutos), e pequenos, como bisturis ou talheres, além de maquinaria adequada ao fabrico das próprias máquinas. O aço é reciclável e grandes quantidades de eletricidade são necessárias para alimentar os fornos de arco voltaico (EAF) onde o aço é derretido para reutilização. Para se ter uma ideia, um EAF moderno necessita de tanta eletricidade como uma cidade norte-americana de cerca de 150 mil pessoas. Os altos-fornos são, aliás, responsáveis por cerca de 75% das necessidades totais de energia para a produção do aço. A produção primária de aço emite 900 megatoneladas de carbono por ano, ou seja, 7 a 9% de emissões diretas da combustão mundial de combustíveis fósseis. O ferro, constituinte do núcleo da Terra, é abundante também na crosta terrestre5 e os recursos mundiais desta matéria-prima ultrapassam os 800 mil milhões de toneladas, suficientes para mais de 300 anos, atendendo à relação recurso/produção (R/P).
d) O cimento é um composto produzido através do aquecimento (pelo menos, a 1450º C) de calcário moído e de argila, xisto ou desperdícios (fontes de silicone, alumínio e ferro) em grandes fornos. Esta sinterização produz clínquer (calcário e silicatos de alumínio fundidos) que é triturado para se obter um pó fino — o cimento. Este material, misturado com inertes de dimensão variável (areia ou cascalho) e água dá origem ao betão, profusamente usado na construção civil. O cimento representa apenas 10% a 15% da massa final de betão, os inertes, 65% a 85% e a água, 15% a 20%. O betão atual é bastante mais forte do que o betão antigo e aguenta bastante a compressão, mas é fraco na tensão, sendo por isso frequentemente reforçado com aço, dando origem ao betão armado. Assim, o betão é amplamente usado na construção de arranha-céus, túneis, pistas de aeroporto, estradas, barragens. O betão pré-esforçado (com o aço a ser tensionado e, em seguida, libertado quando o betão se funde com o metal) veio melhorar a resistência à tração do aço reforçado e permitir a sua utilização em pontes, viadutos e edifícios com estruturas arrojadas como a Ópera de Sidney. O betão não é um material muito durável pois pode ser atacado pela humidade, pelo frio, pelo crescimento de bactérias e algas que causam a sua deterioração. A necessidade de renovação é por isso permanente e as necessidades de cimento para a produção de betão são contínuas.
Finalmente, e em terceiro lugar, a descarbonização é extremamente difícil de concretizar porque, se por um lado, os países desenvolvidos poderiam (e deveriam) poupar combustível — através da redução do desperdício alimentar, comendo menos carne, viajando menos, consumindo menos calorias, produzindo menos SUVs, por exemplo — por outro lado, os habitantes dos países subdesenvolvidos (uma parte muito substancial da humanidade) precisam de consumir mais calorias, comer mais carne, aquecer ou refrigerar as suas casas, ser mais ricos (e, logo, viajar mais, ter mais carros, mais infraestruturas e equipamentos), isto é, precisam de aumentar o consumo de combustíveis.
Dir-se-á: há que acelerar a produção de energia “verde” pois essa é a única forma de diminuir drasticamente as emissões. No entanto, continuamos, aqui, a debater-nos com imensas dificuldades. Uma única torre eólica requer para sua construção, transporte, implantação no terreno e manutenção uma quantidade enorme de energia proveniente dos combustíveis fósseis, além de que acumula grandes quantidades de aço, cimento e plásticos; uma bateria de lítio típica, cerca de 450 quilogramas, contém à volta de 11kg de lítio, quase 14 quilogramas de cobalto, 27 quilogramas de níquel, mais de 40 quilogramas de cobre e 50 quilogramas de grafite — mas também 181 quilogramas de aço, alumínio e plásticos (p. 124). Além disso, como instalar baterias nos aviões a jato se a densidade energética das baterias a lítio é 40 vezes menor do que a densidade energética do combustível consumido pelos atuais aviões? O processo de descarbonização dos transportes de longa distância é ainda desconhecido. Devido à enorme dificuldade de armazenamento de energia, a chamada energia verde está vocacionada essencialmente para a produção de eletricidade, e a eletricidade representa apenas 18% do consumo total da energia final usada no mundo (p.53).
A solução óbvia parece ser a energia nuclear. Além de limpa, tem densidade energética e é (ao contrário do que geralmente se pensa) bastante segura. Porém, os únicos países que estão a expandir a sua capacidade nuclear para produção de energia, são a Índia, a China e a Coreia do Sul. Em parte por pressão dos ambientalistas, em parte devido ao acidente nuclear de Fukushima em março de 2011, em parte pelos grandes investimentos necessários e os atrasos na construção, aliados à disponibilidade de gás natural barato nos EUA, e à aposta nas energias eólica e solar na Europa, em parte por puros preconceito e ignorância, a energia nuclear foi surpreendentemente negligenciada. Isto parece-nos um enorme erro (aqui a opinião é mesmo nossa) e a própria União Europeia considera que não será possível a descarbonização total até 2050 sem que 20% de energia total provenha da fusão nuclear.
A situação é, portanto, difícil, e a recusa de vários países em utilizarem a energia nuclear, só a agrava. A transição energética parece não ser suficiente — será necessária uma mudança no nosso estilo de vida. Mas quem está disposto a viajar menos (a indústria do turismo — as viagens de avião e em navios de cruzeiro — não para de crescer), a comer menos (com tanta gente a passar fome no mundo), a comprar menos automóveis (com tantos países a ansiarem pelo crescimento económico e níveis de consumo do primeiro mundo)? A assimetria entre países ricos e pobres provoca graves problemas, como desigualdade, crises migratórias e também crise climática. Os países ricos têm bastante margem para diminuírem o desperdício, reduzirem o consumo, comprarem carros menos potentes, construírem edifícios mais eficientes e até, eventualmente, fazerem menos viagens de longa distância. Mas isso não é possível nos países em vias de desenvolvimento e nos países mais pobres, e assim a descarbonização e a transição energética serão inevitavelmente mais lentas do que a velocidade reclamada por ambientalistas radicais e esperada por políticos ingénuos e otimistas.
Vaclav Smil não é otimista nem pessimista, é realista. Acredita na Ciência e não em hipóteses extremistas, como o apocalipse climático ou o triunfo avassalador da tecnologia. As previsões historicamente falham e o futuro é aberto — depende de muitas coisas, e também de nós. Uma posição realista implica colocar em cima da mesa dois conceitos muito pouco falados, mas que provavelmente impulsionarão a humanidade para um novo patamar de desenvolvimento científico e tecnológico: mitigação e resiliência.
1 “A produção global destes quatro materiais indispensáveis consome cerca de 17% do fornecimento de energia primária do mundo, e é responsável por 25% de todas as emissões de CO2 com origem na combustão de combustíveis fósseis” (p.98).
O silicone, transformado em lâminas finas, é o material indispensável para a produção de microchips — e sabe-se como, num mundo ligado pela internet, os microchips são importantes. No entanto, as pessoas poderiam ter vidas prósperas e boas sem internet e eletrónica. Por isso, o silicone (Si), que é bastante abundante na Natureza — o segundo elemento mais comum na crosta terrestre (28%) depois do oxigénio (49%) — não é um material vital para a civilização contemporânea, e não é considerado por Smil como um dos pilares da mesma (p. 96).
2 “O amoníaco é um composto inorgânico simples, com um azoto e três hidrogénios (NH3), o que significa que o azoto compõe até 82% da sua massa”. (p. 101). “Pode ser aplicado diretamente nos campos, caso se tomem as devidas precauções e se usem equipamentos especiais; mas o composto é usado, sobretudo, como matéria-prima indispensável para a produção de fertilizantes azotados líquidos.” (p. 104).
As possibilidades que pairam no futuro são infinitas.
Quando digo “É nosso dever mantermo-nos otimistas”,
isto abrange não só a abertura ao futuro, mas também que todos contribuamos
para ela em tudo o que fazemos: somos responsáveis pelo que o futuro nos reserva.
Por isso é nosso dever não profetizar o mal, mas antes lutar por um mundo melhor.
Karl Popper
O Mito do Contexto (1994)
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A questão “Como podemos ter esperança de detectar e eliminar o erro?” ecoa na afirmação de Feynman de que “a ciência é tudo o que aprendemos sobre o modo de não nos iludirmos”. E a resposta é basicamente a mesma para o processo de tomada de decisão e para a ciência: é necessária uma tradição crítica, em que se busquem boas explicações — por exemplo, explicações sobre o que correu mal, o que poderia correr melhor, que efeitos tiveram diferentes políticas no passado e que efeitos teriam no futuro.
Mas que utilidade têm as explicações se não permitem fazer previsões, e por conseguinte não podem ser experimentalmente testadas, como acontece na ciência? É esta a verdadeira questão: como é possível o progresso na filosofia? Como digo no capítulo 5, este é obtido através da busca de boas explicações. A concepção errada de que as provas não podem desempenhar um papel legítimo na filosofia é uma relíquia do empirismo. O progresso objetivo é possível, de facto, na política, como é na moral em geral e na ciência.
Tradicionalmente, a filosofia política tem-se centrado num conjunto de assuntos a que Popper chamou a questão de “quem deveria governar”. Quem deveria exercer o poder? Um monarca, os aristocratas, padres, um ditador, um pequeno grupo, “o povo” ou os seus representantes? E isto leva-nos a outras questões relacionadas, por exemplo, “como deveria ser educado um rei”, “quem deveria ter direito ao voto numa democracia”, “como garantir um eleitorado informado e responsável”.
Popper realçou que esse tipo de questões tem raízes na mesma concepção errada da pergunta — “de que forma as teorias científicas derivam dos dados sensoriais?”, que define o empirismo. A resposta reside na busca de um sistema que “deriva” ou justifica a escolha certa de um líder ou governo partindo dos dados disponíveis — como direitos adquiridos, a opinião da maioria, a forma como alguém foi educado, entre outros. A mesma concepção errada subjaz igualmente ao optimismo e ao pessimismo cegos: ambos esperam que haja progresso aplicando uma simples regra ao conhecimento existente, a fim de determinar as possibilidades a ignorar, por um lado, e a ter em conta, por outro. A indução, o instrumentalismo e mesmo o lamarquismo cometem todos o mesmo erro: esperam o “progresso sem explicações”. Esperam que o conhecimento seja criado por decreto com apenas alguns erros e não por um processo de variação e selecção que produza uma torrente contínua de erros e simultaneamente os corrija.
Os defensores da monarquia duvidavam que qualquer método de escolha de um líder através do pensamento racional e do debate pudesse ser aperfeiçoado com um critério mecânico previamente estabelecido. Era o princípio da precaução posto em prática, e que deu origem às habituais ironias. Por exemplo, sempre que os pretendentes ao trono afirmavam possuir mais direitos hereditários que o titular, estavam com efeito a citar o princípio da precaução como justificação de uma mudança súbita, violenta e imprevisível — por outras palavras, do optimismo cego. O mesmo se aplicava quando os próprios monarcas favoreciam mudanças radicais. Consideremos ainda os utópicos revolucionários, que normalmente conseguem apenas destruição e estagnação. Embora se trate de optimistas cegos, o que os define como utópicos é o seu pessimismo quanto à definitiva impossibilidade de aperfeiçoamento da sua suposta utopia, ou das suas propostas violentas para a alcançar e consolidar. Adicionalmente, são à partida revolucionários porque, pessimistas, não acreditam que muitos outros sejam persuadidos da verdade final que pensam conhecer.
As ideias têm consequências e a abordagem do “quem deveria governar?” na filosofia política não é apenas um erro de análise académica: tem sido parte integrante de quase todas as más doutrinas políticas da história. Se o processo político é visto como um motor que põe os governantes certos no poder, então justifica a violência, pois enquanto o sistema adequado não estiver estabelecido nenhum governante é legítimo e, uma vez estabelecido com os governantes designados no poder, a oposição torna-se oposição ao que está certo. O problema passa então a ser como travar os opositores dos governantes e suas políticas. Pela mesma lógica, todos os que pensam que os actuais governantes ou políticas são maus devem inferir que a questão “quem deveria governar?” tem sido respondida erradamente, e portanto que o poder dos governantes não é legítimo, ao contrário da oposição, inclusivamente pela força. Assim, a própria questão “quem deveria governar?” implora por respostas violentas e autoritárias e tem-nas obtido, frequentemente. Conduz os que estão no poder à tirania e à consolidação de maus governantes e más políticas; conduz os seus opositores ao tumulto e à revolução.
Os apologistas da violência têm em geral consciência de que nada disso teria de acontecer se todos concordassem quanto aos líderes certos, mas isso significa concordar quanto ao que está certo e, existindo esse acordo, os governantes não teriam então nada que fazer. De qualquer modo, um tal acordo não é possível nem desejável: as pessoas são diferentes e têm ideias próprias, os problemas são inevitáveis e o progresso consiste em resolvê-los
Assim, Popper aplica o seu princípio básico “como podemos detectar e eliminar o erro?” à filosofia política sob a forma de “como podemos livrar-nos dos maus governos sem violência?”. Da mesma forma que a ciência busca explicações experimentalmente verificáveis, um sistema político racional facilita o mais possível a detecção de um mau líder ou política, e a persuasão de outros de que é esse o caso, e a sua remoção sem violência. Tal como as instituições científicas estão estruturadas de forma a evitar consolidar teorias, mas antes a expô-las à crítica e à verificação, também as instituições políticas não deveriam dificultar a oposição pacífica aos governantes e às medidas políticas, personificando antes uma tradição de discussão pacífica e crítica destes e das próprias instituições e de tudo o resto. Assim, os sistemas de governo devem ser julgados não pela sua capacidade profética de escolher e instalar bons líderes e políticas, mas pela sua capacidade de remover mais líderes já instalados.
Toda essa posição é o falibilismo em acção. “Supõe” que os governantes e as políticas serão sempre imperfeitas — que os problemas são inevitáveis. Mas supõe também que o seu aperfeiçoamento é possível: os problemas têm soluções. O ideal segundo o qual isto funciona não é que nada inesperado aconteça. mas sim que, quando acontecer, será uma oportunidade de mais progresso.
Por que motivo desejaria alguém tornar os líderes e políticas que eles próprios favorecem mais vulneráveis a uma saída? Na verdade, prefiro perguntar primeiro: “por que razão desejaria alguém sequer substituir maus líderes e más políticas?” Essa questão poderá parecer absurda, mas talvez o seja apenas na perspectiva de uma civilização que vê o progresso como dado adquirido.. Se não esperássemos o progresso, por que motivo esperaríamos que o novo líder ou as novas políticas, escolhidos por qualquer método, fossem de alguma forma melhores que os anteriores? Pelo contrário, deveríamos esperar então que quaisquer mudanças fossem, em média, tanto benéficas como nocivas, E então o princípio da precaução avisa: mais vale um mal conhecido que um bem por conhecer. Há aqui um nó apertado de ideias: se supusermos que o conhecimento não aumentará, então o princípio da precaução será verdadeiro, e, supondo que o princípio da precaução é verdadeiro, não podemos dar-nos ao luxo de deixar que o crescimento cresça. A menos que as expectativas de uma sociedade sejam que as suas futuras escolhas serão melhores que as actuais, lutará no sentido de manter as suas instituições e política imutáveis. Assim, o critério de Popper apenas pode ser obedecido por sociedades com expectativas de crescimento do conhecimento — e um crescimento imprevisível. Mais ainda, que esperam que “este crescimento ajude”.
Esta expectativa é aquilo a que chamo optimismo e posso descrevê-lo, na sua acepção mais geral, como se segue:
Princípio do optimismo
“Todos os males são causados por conhecimento insuficiente”
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A nossa edição:
David Deutsch, O Início do Infinito, Gradiva, Lisboa, 2013, pp. 307- 12.
A ciência é algo maravilhoso e verdadeiramente importante: não apenas porque é a base da tecnologia moderna, e portanto de toda a economia moderna. Mas ainda por uma razão mais vital: ajuda-nos a purgar as nossas mentes de preconceitos, e assim permite-nos ver o mundo cada vez mais como ele é. Entre todas as grandes aventuras do homem na Terra, a ciência é a maior delas. É uma aventura maior do que escalar o Monte Everest ou circundar a Terra numa nave espacial; não tanto porque, sem a ciência moderna, a moderna tecnologia não seria possível (nem nenhuma das outras aventuras mencionadas), mas antes porque o desenvolvimento de novas ideias, de novas formas de pensar, é uma conquista revolucionária e histórica, a maior conquista humana.
Mas como podemos nós distinguir a ciência da não-ciência — por exemplo, das ideologias especulativas ou das especulações metafísicas ou da astrologia ou de certos sistemas religiosos?
Esta questão é de grande importância; de facto, é uma questão cuja solução afeta o destino da espécie humana. Porque os homens sempre estiveram prontos para lutar até à morte por aquilo que acreditam ser a verdade; e infelizmente estiveram frequentemente dispostos a perseguir, banir, torturar, e matar aqueles que consideraram os inimigos da verdade. E todos sabemos como frequentemente ambas as partes nestes conflitos religiosos ou ideológicos estavam enganadas.
Há muitas guerras religiosas e perseguições, desde as conquistas muçulmanas e as Cruzadas até aos nossos dias. Admite-se que tenham havido causas ou razões económicas por trás das razões religiosas: alguns cruzados tinham a intenção de regressar carregados com riquezas do Oriente. E possivelmente haverão outras razões económicas. Similarmente, alguns dos combatentes na Guerra Civil Americana para a libertação dos escravos negros devem ter tido motivos económicos. Mas ninguém pode negar que ideias como a ideia de liberdade e ideias religiosas tiveram também um papel importante na Guerra Civil. E isto quer dizer que os credos, ou convicções, religiosos ou ideológicos, foram importantes e também causas efetivas; esses acontecimentos foram influenciados pelo que esses homens julgavam saber, pelo que acreditavam ser a verdade.
A importância das ideias, credos ou convicções foi, claro, completamente reconhecida por Marx e pelos seus seguidores. De facto, todos os que escrevem um livro ou um artigo na esperança de poder influenciar algumas pessoas estão tacitamente, ou talvez inconscientemente, a reconhecer o poder das ideias e ideologias.
Assim, quaisquer que sejam as nossas visões sobre a relação entre ideias e condições económicas, não há qualquer razão para duvidarmos da força e da importância das ideias e ideologias — a força das crenças das pessoas ou, por outras palavras, daquilo que elas acreditam ser a verdade.
Mas o que as pessoas acreditam ser verdade é frequentemente falso: na maioria das disputas religiosas ou ideológicas ambas as partes estão erradas. Consequentemente, é importante para nós a distinção entre duas coisas: uma é aquilo que as pessoas acreditam ser verdade; e a outra é o que, de facto, é verdade. Esta distinção é obviamente muito importante, embora não seja fácil fazê-la. Se fosse fácil não haveria tanta gente que acredita conhecer a verdade, mas que está, de facto, errada.
É aqui que entra a ciência. Não porque a ciência seja sempre infalível — claro que não é — mas porque a ciência toma a busca da verdade como a sua principal tarefa, mesmo que a verdade choque com as nossas crenças, as nossas convicções pessoais, as nossas tradições, os nossos preconceitos.
Acabei de dizer que a ciência não é infalível. Se fosse infalível, não haveria revoluções científicas. No entanto, as revoluções científicas acontecem. Houve a revolução coperniciana — a revolução em que Copérnico substituiu o sistema geocêntrico do mundo pelo sistema heliocêntrico. Esta foi uma revolução científica, porque o antigo sistema geocêntrico de Ptolomeu estava consolidado cientificamente: era uma teoria complicada mas bem pensada do movimento das estrelas fixas e dos planetas em torno da Terra, e era capaz de produzir predições destes movimentos que eram tão boas quanto as de Copérnico.
Claro, o sistema de Ptolomeu estava errado: a Terra não é o centro do universo nem está em repouso. Mas depois, o sistema revolucionário de Copérnico estava também errado, embora não tanto quanto o de Ptolomeu. Porque apesar de Copérnico ter razão ao asseverar que a Terra tem um movimento de rotação, e que este planeta é um dos que roda em torno do sol, ele estava claramente errado ao dizer que o Sol estava em repouso e que o Sol era o centro do universo; sabemos hoje que o Sol também tem movimento de rotação, e acreditamos que o universo não tem nenhum centro. Além disso, Copérnico estava errado ao aderir à teoria enganosa de Ptolomeu que considerava que as órbitas dos planetas consistiam em círculos e epiciclos; porque sabemos, desde Kepler e Newton, que consistem, aproximadamente, em elipses e não em círculos.
Assim, não apenas Ptolomeu estava errado como também Copérnico. E Galileu, que foi um dos grandes cientistas,, estava também errado, dado que ele acreditava nos círculos e epiciclos de Copérnico. E o grande Kepler, que substitui os círculos e epiciclos por elipses, estava também errado; porque embora as órbitas dos planetas sejam aproximadamente elípticas, não são rigorosamente elípticas, como Newton mostrou; tal como a órbita de um satélite é aproximadamente, mas não precisamente, elíptica. Mais especificamente, um satélite que se mova para um lugar suficientemente longe da Terra e seja atraído por outro corpo, como a Lua ou, talvez, o Sol, ou Vénus, mover-se-á numa trajetória muito diferente da de uma elipse, de acordo com a teoria de Newton.
A teoria de Newton é maravilhosamente exata; no entanto, até esta teoria não é totalmente verdadeira. O planeta Mercúrio apresenta desvios da órbita newtoniana, que os astrónomos não foram capazes de explicar em termos da teoria de Newton. Foi preciso uma nova revolução científica para explicar isto; e a revolução einsteiniana foi simplesmente tão radical e excitante quanto foram as de Copérnico, Kepler e Newton.
Então a ciência não é certamente infalível. Comete frequentemente erros. Mas progride, e aproxima-se mais e mais da verdade: Copérnico e Galileu estavam certos em se oporem a Ptolomeu, porque o sistema de Copérnico estava mais próximo da verdade do que o sistema de Ptolomeu. Kepler estava certo em substituir os círculos de Copérnico por elipses, e Newton estava certo ao desenvolver uma teoria que foi mais longe que a de Kepler ao permitir a interação mútua entre planetas, e de facto, entre todos os corpos físicos. E Einstein estava certo na sua tentativa de melhorar o sistema newtoniano que tanto admirava, e em criticar o próprio Newton, que era, para Einstein, o maior de todos os cientistas.
Assim, todos os cientistas são falíveis, mesmo o maior de todos eles. Não há, portanto, uma autoridade real em ciência, embora, sem dúvida, haja grandes cientistas e outros menos grandes. O método principal que faz progredir a ciência é o método de criticar teorias científicas. E o progresso será tanto maior quanto mais importante e influente for a teoria criticada com sucesso — a teoria que precisa ser melhorada.
Consequentemente, os maiores cientistas — os responsáveis pelas mais importantes revoluções em ciência — são ao mesmo tempo os que criticaram com sucesso os seus grandes predecessores. Isto mostra que qualquer tipo de autoritarismo em ciência é não apenas absurdo, mas também altamente reacionário, pois impede o progresso científico.
A grande diferença entre as teorias científicas e as ideologias — por exemplo, ideologias religiosas — radica precisamente nisto: as teorias científicas estão sujeitas à crítica revolucionária, a qual conduz a um progresso igualmente revolucionário. As outras ideologias, por seu turno, são dogmáticas: consequentemente, qualquer tentativa de reformar uma religião ou uma ideologia conduz sempre a uma cisão — a um cisma entre fações opostas, e a uma luta pelo poder. E vice-versa: sempre que uma crítica revolucionária, ou uma ideia revolucionária, conduziu a cisões e a uma luta pelo poder, o espírito cientifico passou a estar ausente: o seu lugar foi ocupado por uma ideologia religiosa, dogmática ou metafísica.
Assim, podemos dizer que o espírito da ciência revela-se na atitude crítica e no anti-autoritarismo. Isto, e só isto, marca a diferença entre ciência e pseudociência, ou entre atitude científica e atitude pseudocientífica.
Mas não é o método da ciência principalmente um método de coletar observações e dados experimentais?
Não pode haver dúvidas sobre a importância das observações e das experiências para a ciência. Mas as observações e as experiências são sobretudo importantes porque podem ser usadas como argumentos críticos importantes e, por vezes, mesmo decisivos. A sua função é a de ajudar-nos na crítica e na eliminação das teorias erradas. Kepler, por exemplo, descreve com grande detalhe como rejeitava e inventava constantemente novas teorias, apenas para rejeitar de novo a mais recente, quando percebia que esta era incompatível com as observações de Tycho Brahe. Assim, podemos ver que ele usava estas observações apenas como testes: usava-as para confrontar, criticar, eliminar as suas teorias, mas nunca as usou como ponto de partida de uma teoria nova.
A situação nas ciências sociais é muito semelhante à das ciências naturais: inventam-se teorias, e tenta-se melhorá-las através de um criticismo severo. As observações voltam a desempenhar um papel importante, mas apenas como argumentos críticos: não podem ser usadas para descobrir novas teorias nem para estabelecê-las.
Quase não precisa ser dito que os grandes cientistas sociais são tão falíveis quanto os grandes cientistas naturais. E quase também não precisa ser dito que se nos abstivermos de uma atitude crítica nas ciências sociais e nos agarrarmos dogmaticamente às nossas teorias, então não apenas nos tornaremos reacionários no que diz respeito ao desenvolvimento da ciência, impedindo o progresso das ciências sociais, como as nossas teorias se tornarão não-científicas ou pseudocientíficas. Porque a principal diferença entre ciência e pseudociência radica na abordagem crítica — na prontidão com que abrimos mão de qualquer crença, por mais cara que nos seja, a partir do momento em que ela não resiste à crítica.
Um dos mais importantes e mais perigosos dogmas da ciência social é a ideia de que podemos prever o curso futuro da história. Claro que algum tipo de predições vagas são possíveis: podemos dizer que irão acontecer ciclos económicos em todos os países; que irão acontecer boas colheitas assim como más colheitas, tempos de progresso e tempos de estagnação. Mas isto são afirmações genéricas e, por isso, vazias: dificilmente precisamos de uma ciência social para nos dizer coisas deste tipo.
Mas há dogmas bem mais precisos e perigosos. Um dos mais perigosos é o dogma de que a guerra é inevitável entre países capitalistas e socialistas.
Este dogma é muito perigoso; porque se os líderes políticos de um país poderoso acreditarem que a guerra é inevitável, então esta sua crença pode facilmente ser um fator relevante que conduza à guerra.
Que uma crença, uma expectativa, uma predição, o simples medo podem trazer à luz do dia o que é acreditado, esperado, predito ou temido, é um fenómeno bem conhecido da vida social. Se um número suficiente de pessoas crer, expectar, predizer ou temer, que haverá uma escassez — digamos, de sapatos ou de batatas — então essas pessoas comprarão mais sapatos ou batatas do que fariam normalmente, fazendo assim com que a predita escassez aconteça, ou pelo menos contribuindo para isso. Da mesma forma, se um número suficiente de pessoas, ou de pessoas influentes, acreditar que uma guerra é inevitável, então essas pessoas não farão tudo o que é possível para evitá-la (dado que isto seria uma política fútil e irracional, de acordo com as suas crenças), antes vão preparar-se para ela, armar-se para ela. E ao não fazerem tudo o que é possível para evitá-la, e preparando-se para ela, podem realmente contribuir para que a guerra aconteça.
É portanto da maior importância para todos nós compreendermos que o dogma de que a guerra é inevitável não faz parte das descobertas de nenhuma ciência social crítica, embora possa fazer parte de uma ideologia metafísica com pretensões a ser ciência. Alguns cientistas sociais tentaram apresentar este dogma há anos; mas desde esses dias as condições sociais mudaram num sentido que nenhum cientista social poderia, possivelmente, prever. Nunca é de mais enfatizar que o mundo social muda constantemente como resultado de novas descobertas físicas e técnicas, e que algumas dessas descobertas não podem ser previstas: não podemos antever todas as grandes e revolucionárias descobertas da ciência física, e por isso não podemos antever o rumo que o crescimento do nosso conhecimento científico irá tomar.
Segue-se que nós não podemos antever o curso da história. É certo que podemos ver algumas das forças históricas em ação. No entanto, quem poderia antever, há cem anos, o desenvolvimento dos aviões supersónicos? Foi apenas em 1875 que um dos líderes científicos da Europa, Julius Robert Mayer, um dos descobridores do princípio da conservação de energia, declarou que o problema da construção de um dirigível era tão insolúvel como o da construção de uma máquina de movimento perpétuo. Ninguém pôde naquele tempo antever a rádio ou a televisão ou, mais importante, os grandes avanços na medicina; a conquista sobre a poliomielite, por exemplo, ou o desenvolvimento de novos métodos para o controlo da natalidade. E quem pode negar que estes desenvolvimentos técnicos e médicos imprevistos tiveram, e vão continuar a ter, grandes e inesperadas consequências sociais, políticas e históricas?
Mas se assim é, então é puro dogmatismo pseudocientífico afirmar que algo é inevitável — por exemplo, a guerra; ou a vitória política de um qualquer sistema social. E, claramente, é muito importante realçar o caráter pseudocientífico deste tipo de dogma, estabelecendo uma linha de demarcação entre a ciência crítica e a pseudociência dogmática; pois se as pessoas continuarem a acreditar que a previsão da guerra é científica, a sua crença pode levar-nos a uma catástrofe que poderia, de facto, ser evitada.
Torna-se então óbvio quão importante é reconhecer que a principal característica da ciência é, essencialmente, a atividade crítica, bem como reconhecer a falibilidade de toda a ciência e de todos os cientistas, incluindo os maiores.
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A nossa edição:
Karl Popper, After the Open Society, Routledge, London and New York, 2008, pp. 256-261.
Muitos dos que culpam os Estados Unidos, a NATO e a União Europeia pela atual guerra na Ucrânia apoiam-se em autores antiamericanos. Um destes, particularmente famoso, é Noam Chomsky — um suposto filósofo da linguagem e da política.
Do ponto de vista académico, as teses de Chomsky sobre a linguagem passam por algumas banalidades (tais como a afirmação de que a estrutura mental humana está adaptada ao desenvolvimento da linguagem) ou hipóteses amplamente contraditadas (como por exemplo, a pretensão de que todas as línguas têm uma estrutura comum e que existe uma gramática universal), sustentadas por um ego inflado, suscetível de impressionar os mais incautos.
Esta confiança é contrariada por inúmeros trabalhos, dos quais destacamos o artigo publicado na Frontiers in Psychology1 pela polaca Ewa Dabrowska, uma investigadora a quem foi atribuído em 2018 o mais prestigiado prémio de investigação da Alemanha (Alexander Von Humboldt), no valor de 3,5 milhões de euros, para dar continuidade à sua investigação empírica sobre a forma como a linguagem é adquirida em crianças e adultos (em contextos linguísticos e culturais específicos), e como os indivíduos diferem nas suas capacidades de linguagem.2 Tal como afirma Dabrowska: “Os argumentos a favor do inatismo de categorias ou princípios linguísticos específicos são irrelevantes (são argumentos para o inatismo geral e não para o inatismo linguístico), baseados em premissas falsas ou circulares”. Os investigadores Andrew Nevins, David Pesetsky e Cilene Rodrigues corroboram a afirmação de Dabrowska: “não existe um modelo geral de gramática universal (…), apenas uma panóplia de hipóteses diversas sobre GU [Gramática Universal] e o seu conteúdo”3.
Apesar das posições destes e tantos outros autores, que demonstram a vacuidade científica das propostas de Chomsky, muitos se indignarão com a nossa ousadia de colocar em causa um intelectual de alto gabarito, que escreveu dezenas de livros, supostamente científicos. Mas nada disto é inédito. Já foram escritas milhares de páginas, e mesmo milhares de livros que em nada contribuíram para o progresso da humanidade, embora os seus autores sejam quase todos, precisamente, da área das humanidades. Popper — que considera a gramática “escondida” de Chomsky algo que pura e simplesmente não existe, e afirma que este não poderia estar certo quanto à sua alegação de que todas as línguas têm uma estrutura comum4 — exemplifica, ao citar Hegel, como se podem juntar palavras, numa algaraviada que ninguém entende e que muitos, talvez por isso, considerem interessante.5 Mas o que Chomsky e Hegel têm sobretudo em comum — juntamente com Heidegger, Sartre, Foucault, Zizek6 e tantos, tantos outros — é que são contrários ao espírito do Iluminismo, aos ideais da razão, da ciência, do humanismo e do progresso7, e é por isso que Chomsky condena o chamado “Ocidente”, o bloco mundial que defende os ideais e valores iluministas.
Isto conduz-nos diretamente ao comportamento político de Chomsky, que usa e abusa da liberdade de expressão de que desfruta para acusar o país em que nasceu e vive de ser o pior do mundo8, apoiando outros, como a Rússia de Putin, onde a liberdade de expressão é um mito. Se vivesse nas ditaduras que apoia e falasse recorrentemente contra o regime, como faz nos Estados Unidos, Chomsky seria preso ou morto — e é por isso que, apesar de tudo, ele continua a viver na América. Chomsky — que curiosamente é filho de um ucraniano — era lido pelo terrorista mais famoso do mundo9 e continua a inspirar tantos outros antiamericanos, ilustres ou anónimos, um pouco por todo o lado, incluindo, é claro, Portugal.
Chomsky é um extremista encapotado que começou por defender a violência da anarquia, acabando a defender a violência da tirania. Tudo isto na paz e segurança do sistema democrático que o protege. Chomsky declara-se um libertário e um anarquista, mas defende os regimes mais autoritários e assassinos da história humana. A sua hipocrisia é incomensurável.10, 11, 12
5 “O som é a mudança verificada na condição específica de segregação das partes materiais e da negação dessa condição; é meramente uma idealidade abstracta ou ideal, por assim dizer, dessa especificação. Mas esta mudança é, por consequência, em si mesma imediatamente a negação da substância material específica; o que é, portanto, a idealidade real da gravidade específica e da coesão, isto é, o calor. O aquecimento de corpos sonoros, assim como dos corpos percutidos ou friccionados, é a aparência de calor que surge conceptualmente juntamente com o som” (Popper citando Hegel em“A Sociedade Aberta e Seus Inimigos”, Vol. II, Editora Fragmentos, Lisboa, 1993, p. 34).
Pode parecer estranho, mas há de facto uma tendência nefasta para admirarmos aquilo que é escrito (ou dito) de forma obscura, densa, rebuscada, muitas vezes incompreensível, pois confundimos frequentemente um estilo indigerível com erudição. É por isso que Popper realça a importância de escrever de forma simples, clara e compreensível, e considera a clareza de discurso uma obrigação que qualquer intelectual que se preze deve impor a si próprio.
7Valores ou ideais inscritos no subtítulo do livro de Steven Pinker “O Iluminismo Agora — Em Defesa da Razão, Ciência, Humanismo e Progresso” (Editorial Presença, Lisboa, 2018).
11 Vaclav Smil, em livro recente, (“Como o Mundo Realmente Funciona”, Crítica, Lisboa, 2022, p. 235), escreve o seguinte: “Não faltam por aí celebridades, autores best-seller e meios de comunicação social a repetir, apoiar e amplificar estas afirmações, desde a Rolling Stone ao New Yorker, de Noam Chomsky (que adiciona a energia como o mais recente campo de especialização) a Jeremy Rifkin, que acredita que, sem este tipo de intervenção, a civilização à base dos combustíveis fósseis colapsará em 2028” .
12Azar Gat escreve em “Ideological Fixation” (Oxford University Press, 2022, pp. 183-4): “Chomsky lançou dúvidas e procurou ativamente desacreditar e bloquear as notícias sobre os assassinatos em massa perpretados pelo regime Khmer Vermelho comunista, no Camboja (1975-1979). Estima-se que entre 1,6 e 1,9 milhões de pessoas, cerca de um quarto da população à data, tenham sido assassinadas.” (Tradução nossa).