O Mito do Herói

A função mais básica ao nível interno de um estado é a salvaguarda da segurança entre os seus cidadãos. Apesar disso, a violência continua a ser um dos principais problemas do mundo. Há países em guerra e há países que, apesar de não estarem em guerra, estão entre os países mais violentos do planeta.

Mesmo nos estados mais desenvolvidos, onde a criminalidade violenta é menor (se excetuarmos os EUA), há ainda resquícios dos tempos mais conturbados do passado. Esse vestígio do passado violento está patente, na cultura ocidental, no culto do herói, veiculado pelas mitologia, história, artes, filosofia, pelos meios de comunicação social e, no fundo, por cada um de nós.

Tal generalização moldou o inconsciente coletivo, adormeceu o espírito crítico e fez com que olhássemos (e olhemos) o herói com veneração.

Tal como demos um salto civilizacional ao conseguirmos baixar os índices de violência, daremos igualmente um salto significativo quando abandonarmos o culto do herói.

Não precisamos subir ao Everest, nem saltar de paraquedas, nem meter-nos numa rixa, para despertarmos o herói que transportamos, e desafiarmos o perigo e a morte. A verdadeira luta contra a morte está reservada para a grande maioria de nós (não é preciso ser herói para lhe escapar) e cada um a travará o melhor que puder e souber, pois, ao contrário do que em geral é veiculado, não há quem seja mais digno perante a morte, há apenas formas diferentes de morrer.

(Ninguém se lembraria de considerar um bebé “digno” por nascer mais sereno do que outro que protesta persistentemente por ter sido tirado da barriga da mãe).

Hegel, com o seu lema de vida, sob o qual as palavras “paixão”, “espírito”, “destino”, “fama”, “herói” e “glória” foram amplamente divulgadas, além de ter sido um dos maiores charlatães da história das ideias (se não o maior), contribuiu para que o mundo fosse muitíssimo mais violento que o necessário, se é que há necessidade do mundo ser violento.

Talvez o culto da violência (e do herói) jamais seja erradicado da face da Terra. Mas esperamos que o peso que ainda detém diminua drasticamente. Isso corresponderá, seguramente, a uma sociedade mais pacificada, menos mítica e mais humana.

******************************

Desconhecida's avatar

Autor: Jorge Costa

Fez percursos académicos nas áreas das Filosofia, Comunicação Social, Economia, Gestão dos Transportes Marítimos e Gestão Portuária, e estuda outras disciplinas científicas. Interessa-se igualmente por Arte, nas suas diversas manifestações, e também por viagens. Gosta de jogar xadrez. O seu autor preferido, desde que se lembra, é Karl Popper. Viveu em locais diversos, sobretudo em Portugal e no Brasil, pelo que se considera um cidadão do mundo. Atualmente vive em Cabanas, no Sotavento algarvio. Gosta de revisitar, sempre que pode, a bela cidade de Lisboa e, nela, o bairro onde nasceu, Alfama, o mais popular da capital, de traça árabe, debruçado sobre o Tejo — esse rio mítico, imortalizado por Camões e Pessoa, poetas maiores da Língua Portuguesa. Não é, porém, um bairrista, característica que deplora, a par dos clubismo, partidarismo e nacionalismo. Ama a Liberdade.