Frank Zappa

Aguarda-se com muita expectativa o documentário Zappa, de Alex Winter.

Todos nós somos influenciados pela música que ouvimos com nossos amigos na adolescência. É muito comum esse ser o tipo de música que acaba por se tornar o nosso preferido pela vida fora. O mesmo se passou comigo, claro, mas não por muito tempo. Cedo percebi que, como outra qualquer expressão artística, a música, quando de qualidade, é intemporal. Hoje ouço alguma música do tempo da minha adolescência, de vez em quando, mas está longe de ser o tipo de música que ouço mais e, sobretudo, o tipo de música de que gosto mais. Na verdade, gosto de tanta coisa, que acaba por ser bastante difícil dizer do que gosto mais — depende muito do humor de cada momento. Há, porém, um músico cujos trabalhos ouvi muitas e muitas vezes durante a minha adolescência e por quem, mais do que gostar, sinto uma espécie de veneração, Francis Vincent Zappa.

A carreira musical de Zappa estende-se por pouco mais de trinta anos. Infelizmente ele morreu ainda bastante novo, aos 52 anos de idade, em dezembro de 1993. Apesar disso, o seu legado é enorme e está registado em mais de noventa álbuns gravados ao vivo ou em estúdio! Não conheço a totalidade da sua obra. A partir de 1976/77, Zappa enveredou paulatinamente por um estilo heterodoxo, explorando novas sonoridades, alargando o leque instrumental, produzindo música para orquestra, formando outro tipo de bandas, já sem o contributo dos músicos carismáticos que o ajudaram a construir os seus maiores êxitos como, por exemplo, George Duke, Napoleon Murphy Brock, Ruth Underwood ou Jean Luc-Ponty. O período de ouro de Frank — aquele em que, como costumo dizer, Zappa esteve em comunicação com os deuses — vai do fim dos anos 60 até 1975. Um período de pouco mais de cinco anos em que ele produziu músicas para uma dúzia de LPs, todos eles geniais1. Assim, é-me difícil ouvir os trabalhos dos anos oitenta, por exemplo, quando Zappa enveredou por um caminho mais experimental ou orquestral, porque sempre os comparo com aquele período de ouro, ao qual regresso sempre.

Penso, por isso, que é preciso dar alguma orientação a quem, pela primeira vez, contacta com a música de Frank Zappa. Muitas vezes as pessoas começam por ouvir as obras dos anos oitenta e não gostam, não estão preparadas, desistem. É preciso encaminhá-las para o “período de ouro”, para a produção clássica de Zappa, que é, sem dúvida, uma melhor introdução. Um trabalho altamente recomendado para o efeito é Overnite Sensation, álbum que contém, provavelmente, o leque de canções mais conhecido e mais comercializado de Frank que, como se sabe, não era um músico comercial, embora, na minha opinião tenha tudo para (ainda) vir a sê-lo, infelizmente, apenas após a sua morte. (Nada que não tenha acontecido com outros génios da música). Um outro trabalho, este gravado ao vivo, que pode ombrear com o atrás referido, idealmente, complementá-lo, embora talvez mais difícil de ouvir numa primeira vez, seria Roxy & Elsewhere — ambos verdadeiras obras-primas.

Obviamente, muito foi dito já sobre a música de Frank e será difícil acrescentar alguma coisa. Ficam apenas quatro pequenas pontos.

  • A música de Zappa, para além de genial, é originalíssima, incatalogável, não é rock, nem jazz, nem blues, nem música clássica e, simultaneamente, é tudo isso e muito mais. Tudo o que se pode dizer, para não errar, e parafraseando Ruth Underwood, é que é Zappa.
  • Frank Zappa tocou com inúmeros músicos desconhecidos até então (as suas bandas mudaram frequentemente ao longo do tempo); sob sua orientação, todos se revelariam instrumentistas extraordinários, o que demonstra a grande capacidade de liderança de Frank. Ele conseguia extrair dos músicos aquilo que estes pensavam ser impossível.
  • Talvez por influência de Edgard Varèse, a percussão tem grande destaque na música de Zappa, que muitas vezes alinha com vários percussionistas, incluindo dois bateristas; uma das características da sua música é que os percussionistas estão sempre em grande atividade.
  • Para além de criador de génio, Frank era também um exímio guitarrista, um excelente vocalista e um grande maestro, bem como um entertainer muito especial. Sem dúvida, o músico mais extraordinário da segunda metade do século XX e, quiçá, o mais inovador de todo o século.

Por vezes, comparo Frank Zappa a Fernando Pessoa: Pessoa deixou uma arca cheia de poemas, que ainda hoje estão a ser selecionados, e Zappa deixou uma cave cheia de músicas, que ainda hoje estão a ser interpretadas. Ambos eram geniais e prolíficos e, por isso mesmo, os seus trabalhos e biografias são universalmente estudados, apreciados, venerados, discutidos e reinterpretados. Por outras palavras: ganharam o direito a figurar na restrita galeria dos imortais.

No que toca a Zappa, para além dos inúmeros documentários já realizados e a realizar — como o de Alex Winter, que foi autorizado pela família de Frank a vasculhar a célebre cave —, as biografias em livro, os artigos, efemérides e celebrações, destacaríamos as bandas que se dedicam à música de Zappa, desde logo a liderada pelo seu filho Dweezil, a Berklee Frank Zappa Tribute, os Treacherous Cretins, entre muitas outras, incluindo as que, desde 1990, comparecem no Zappanale, um festival exclusivamente dedicado à música de Frank Zappa, que se realiza em Bad Doberan, na Alemanha, onde se reúnem, todos os anos, muitos dos seus inúmeros fãs.

Criada em 2002 por Gail Zappa, A Zappa Family Trust detém os direitos autorais e de imagem de Frank. Em 2015, pouco antes da morte de Gail, o fundo foi doado ao seu filho Ahmet.

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1 Álbuns “clássicos” de Zappa:

  1. Uncle Meat (1969)
  2. Hot Rats (1969)
  3. Weasels Ripped My Flesh (1970)
  4. Chunga’s Revenge (1970)
  5. Filmore East (1971)
  6. 200 Motels (1971)
  7. Just Another Band from L.A. (1972)
  8. Waka/Jawaka (1972)
  9. The Grand Wazoo (1972)
  10. Over-Nite Sensation (1973)
  11. Apostrophe (1974)
  12. Roxy and Elsewhere (1974)
Montana, uma canção do álbum Overnite Sensation, aqui interpretada ao vivo no Roxy de Hollywood, Califórnia.

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Foto retirada de: terra.com.br.

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