Malásia

Aurora em Langkawi.

A Malásia é um país original, com algumas características muito particulares. Desde logo, a descontinuidade do território: uma parte na península da Malásia e outra parte na ilha de Bornéu (que divide com a Indonésia e o pequeno Brunei) separadas pelo Mar da China meridional. Depois, a população, constituída por três etnias distintas – malaios (62%), chineses (20,6%) e indianos (6,2%). É bastante curioso que os próprios partidos políticos representem essas etnias, e não classes ou ideologias, como é tradicional. Finalmente, a localização estratégica da Malásia, junto ao estreito de Malaca, que os navios que passam do Mar da China para o Mar de Andamão, e vice-versa, têm de percorrer. Esta zona do globo é, desde há muito, um ponto de encontro entre mercadores chineses, indianos, árabes e persas, um ponto nevrálgico, que aguçou a cobiça dos europeus: primeiro dos portugueses, depois de holandeses e britânicos. Para lá de tudo isto, a Malásia é um paraíso tropical: as florestas húmidas ocupam cerca de 60% do seu território e mantêm-se inalteradas desde há 100 milhões de anos; albergam espécimes incríveis dos reinos vegetal e animal.

A Sky Bridge.

Durante os séculos XVIII e XIX, a Grã-Bretanha estabeleceu colónias e protetorados na área da atual Malásia, os quais seriam ocupados pelo Japão durante a II Guerra Mundial, entre 1942-1945. Em 1948, os territórios governados pelos britânicos na península malaia, excetuando Singapura, formaram a Federação da Malásia, que se tornaria independente em 1957. Em 1963 juntaram-se à Federação as antigas colónias britânicas de Singapura, Sabah e Sarawak, estas duas na costa norte da ilha de Bornéu. Os primeiros anos da independência foram conturbados, com a retirada da Federação de Singapura (logo em 1965), reivindicações das Filipinas sobre Sabah, e confrontos com a Indonésia. Com o mandato do primeiro-ministro Mahathir Mohamad (1981-2003), a Malásia conseguiu diversificar a sua economia, passando da dependência quase exclusiva da exportação de matérias-primas para o desenvolvimento de manufacturas, serviços e turismo. Nos últimos anos, a Malásia vem tentando atrair investimentos em alta tecnologia, indústrias e serviços baseados no conhecimento.

Um percurso considerável até atingir o topo de Mat Cincang, o segundo monte mais alto de Langkawi (610 metros). Lá em cima, nos dias claros, avista-se, ao norte, a Tailândia e, a sudoeste, a ilha de Sumatra, na Indonésia.

A aposta na tecnologia permitiu um desenvolvimento enorme no campo das telecomunicações, pelo que a Malásia é, hoje, um dos países mais avançados nas tecnologias 4G e 5G, com cobertura de quase todo o território nacional. O segredo do relativo sucesso do país parece ser o de criar oportunidades para o conjunto da população, independentemente da etnia ou credo religioso[1], criando as condições de base, através de instituições democráticas, para a consolidação de uma sociedade liberal. De facto, pudemos constatar que a Malásia é uma sociedade tolerante, observando, nas ruas, tal como já acontecera na nossa visita à Tailândia, a harmonia entre as diferentes comunidades, muito diferente da que (não) ocorre, por exemplo, em alguns países do Médio Oriente.

Primeiro exemplo da arquitetura mogol[5] na Malásia: edifício Sultão Abdul Samad (1894-1897). Simétrico, possui uma torre-relógio com 41 metros de altura. Ocuparam este espaço a Federação de Estados Malaios (em 1897) e o Supremo Tribunal da Malásia (em 1972). Atualmente, está aqui instalado o Ministério do Turismo e Cultura da Malásia.

Assim, pudemos visitar tranquilamente mesquitas, pagodes, templos, igrejas, mercados tradicionais e apreciar, nos espaços públicos, a diversidade de costumes inerente a uma sociedade multicultural. Após termos estado em George Town[2], a nossa visita pela Malásia prosseguiu com uma paragem em Langkawi[3] e outra em Kuala Lumpur. Lankawi é uma pequena ilha (talvez do tamanho do Faial, nos Açores) situada no Estreito de Malaca, mas bem perto da costa continental, a uns meros 15 kms. Toda virada para o turismo, possui belas praias (sobretudo Tanjung Rhu, no norte, e Pantai Cenang, no sul), parques naturais e zonas de montanha, com profusa vegetação. Além disso, tem alguns equipamentos interessantes, como sejam um teleférico que nos conduz ao topo do monte Mat Cincang, onde encontramos uma ponte pedestre que parece suspensa no vazio. Pudemos visitar também dois museus, um etnográfico e um outro dedicado ao ciclo do arroz (museu Laman Padi); e visitámos ainda um enorme centro de artesanato[4], com vários stands de artesãos locais, alguns vendendo peças bastante interessantes. Como seria de esperar, tudo gira em torno do turismo nesta ilha, “porto livre de impostos”, desde 1987.

Twin Towers, em Kuala Lumpur. 452 metros de altura.

Kuala Lumpur, como grande capital, é mais cosmopolita. Alguns ocidentais instalaram-se aqui para aproveitarem as oportunidades de negócio que a abertura malaia vem oferecendo[6]. A parte antiga da cidade é a mais interessante. Aí encontrámos o mercado central (antiga sede do governo britânico), a Chinatown, o Palácio Nacional[7], a Praça da Independência e alguns edifícios interessantes, como o Tudor, do Royal Selangor Club, e a bonita catedral de Santa Maria a Virgem, dos finais do século XIX. Desde essa zona mais antiga da cidade, junto ao rio Kelang, seguimos a pé até à mesquita nacional da Malásia (Masjid Negara).Não longe ficam os templos Kuil Sri Maha Mariamman (hindu) e Sin Sze Si Ya (taoísta) e o Museu Nacional da Malásia (Muzium Negara). Após tomarmos uma água de coco junto ao mercado central, retemperámos forças para subirmos até à quarta torre de telecomunicações mais alta do mundo (Menara Kuala Lumpur), terminando a nossa visita à capital da Malásia nas emblemáticas Petronas Twin Towers.

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Notas:

[1] A religião oficial é o islamismo (cerca de 61%), mas budistas (20%), cristãos (9%), hindus (6%), bem como outros credos, incluindo alguns tradicionais chineses, são respeitados.

[2] Ver nosso artigo sobre George Town aqui: https://ilovealfama.com/2020/05/29/street-art-george-town-malasia/

[3] Langkawi, em malaio, significa “águia”.

[4] Complexo Cultural e Artesanal Budaya.

[5] Apesar do império Mogol ter tido uma relação direta com o império Mongol (Babur, o fundador da dinastia Mogol, era descendente de Gengis Khan) foram realidades diferentes. O império Mogol durou de 1526 a 1857 e compreendia a maior parte dos territórios atuais da Índia, e dos Paquistão, Afeganistão e Bangladesh. Era, no seu apogeu, provavelmente o mais rico e poderoso do planeta. Profundamente islâmico, entrou em declínio nos finais do século XVIII sendo definitivamente sepultado pela expansão de um outro império, o britânico.

[6] Conversámos sobre a realidade malaia com dois ocidentais: um guia turístico espanhol, que também tem um restaurante na cidade, e um senhor inglês que já vive em Kuala Lumpur há 30 anos.

[7] Conhecido como Istana Negara.

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Street Art, George Town, Malásia

“Brother and Sister”. George Town é uma cidade fotogénica.

Provavelmente será um dos nomes mais comuns de cidades em todo o mundo. Nós próprios já estivéramos noutra Georgetown, a capital das ilhas Caimão, mas esta, em particular, apesar de igualmente situada numa ilha, é a capital da província de Penang, na Malásia, que, “em reconhecimento da preservação histórica e cultural”, passou, juntamente com Malaca, a ser considerada Património Mundial UNESCO em Julho de 2008. Estas cidades situam-se no Estreito de Malaca, uma passagem marítima estratégica, desde há muitos séculos.

“Old Motorcycle”, de Ernest Zacharevic.

Quando, em 1511, Afonso de Albuquerque conquistou Malaca, esta era o ponto mais ocidental até onde navegavam os marinheiros chineses (muitos dos quais aí se instalaram na chamada Colina Chinesa), e para onde navegavam igualmente, mas em sentido contrário, indianos, persas e árabes para comprarem sedas e porcelanas. Hoje, mais de cinco séculos depois, o Estreito de Malaca, com 800 kms de comprimento e, no ponto mais estreito, apenas 3 kms de largura, é vital para a China, pois é por lá que passam os navios oriundos do Golfo Pérsico, carregados do petróleo de que este país tanto necessita. Continua, pois, a ser uma zona nevrálgica do globo, onde muitos interesses se cruzam.

“Brother and Sister on Swing”, de Louis Gan.

Para assinalar a passagem de George Town a Património Mundial, o governo malaio decidiu promover uma competição destinada a encontrar a melhor proposta artística para as ruas da zona histórica da cidade. O vencedor foi o coletivo Sculpture at Work, que apresentou, em 2012, uma série de 52 caricaturas em ferro, intitulada Marking George Town, as quais narram, em imagens, episódios da história do burgo. Os criadores foram Tang Mun Kian, Baba Chuah, Reggie Lee e o consagrado autor de banda desenhada malaio, Julian “Lefty” Kam. Estas peças fazem parte de um roteiro que foi sendo enriquecido com obras de outros artistas, nomeadamente, do lituano Ernest Zacharevic, com o projeto Mirrors George Town.

“Kids on Bicycle”, na Lebuh Armenian, é considerado o melhor trabalho, em George Town, de Ernest Zacharevic.

Os trabalhos de Zacharevic em George Town são uma combinação de objetos com pinturas, permitindo aos visitantes interagir com as obras. Os modelos retratados, normalmente crianças, são pessoas reais da população local. Um mapa com indicação dos pontos onde se podem ver estes trabalhos está disponível em vários pontos turísticos de George Town. Foi com um exemplar na mão que percorremos toda a cidade. Nessa altura não sabíamos que Ernest Zacharevic já estivera em Lisboa, em 2015, na inauguração da sua terceira exposição individual (a primeira na Europa), The Floor is Lava, na Galeria Underdogs.

Uma das 52 caricaturas em ferro das paredes da cidade. “Para consternação dos paroquianos da Igreja Portuguesa, a rua da Igreja também abrigava a sede da sociedade secreta Ghee Hin”. Como se vê, os portugueses não foram esquecidos.

É patente em George Town um contraste harmónico entre as culturas chinesa, indiana e malaia. Existe tolerância religiosa. A população é simpática e pacífica, como simpático é o custo de vida, realmente acessível, nomeadamente no que toca à alimentação e ao alojamento. Vale seguramente a pena visitar os templos Kuan Yin (budista), Sri Mariammam (hindu) e Kapitan Keling (muçulmano), bem como o forte Cornwallis e o templo do clã chinês Khoo Kongsi, entre muitos outros locais de interesse.

“Little Boy with Pet Dinosaur”, na Ah Quee Street, ainda um trabalho de Ernest Zacharevic.

A zona histórica está concentrada junto ao porto e pode ser percorrida a pé, mas, com calor intenso, talvez seja aconselhável fazê-lo no início ou no final do dia. Outra forma interessante de circular é alugando uma bicicleta; pode também apanhar-se o Cat Bus, e fazer uma viagem grátis em torno da cidade. Quem quiser hospedar-se com estilo pode ficar no Eastern & Oriental Hotel, um palácio colonial convertido em hotel de cinco estrelas, onde se pode tomar um magnífico pequeno-almoço debruçado sobre o mar. Por tudo isto, sobretudo para os amantes da street art, vale a pena visitar George Town, uma cidade histórica, colorida e verdadeiramente fotogénica.

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