A democracia caracteriza-se, em termos práticos, pela dispersão e, através desta, pelo controlo do poder. Quanto mais efetiva for essa dispersão, mais efetivo será também o controlo, e melhor será a qualidade da democracia. O poder disperso por muitas mãos é, portanto, a mais importante característica da democracia e todos os itens que medem a qualidade democrática se relacionam, de uma maneira ou outra, com essa característica.
Por exemplo, um sistema onde os membros do Supremo Tribunal sejam nomeados pelo poder político e tenham um mandato vitalício (Estados Unidos) é menos democrático que outro onde os membros do Supremo Tribunal sejam nomeados por uma comissão independente do poder político e cujo mandato tenha prazo de validade (Dinamarca). Esta não é uma questão menor: a independência judicial está em causa nos Estados Unidos (Trump), mas é muito mais estável nos países escandinavos, os mais democráticos do mundo.
A qualidade das instituições democráticas, proporcionada pela dispersão do poder, corporiza, nos países escandinavos, três vantagens evidentes: dignidade de tratamento concedido aos mais desvaforecidos (presos, doentes mentais, idosos em fim de vida), corrupção limitada, e uma atitude pacífica nas relações internacionais. Além disso, há maior igualdade e coesão social: é normal os políticos escandinavos se deslocarem, nas cidades, em transportes públicos ou de bicicleta e não se considerarem acima dos cidadãos comuns. Por isso não se apegam ao poder.
Se isto acontecesse noutras paragens, indivíduos aparentemente afáveis e simpáticos — Hitler era vegetariano, adorava animais e tinha um feitio afável e paternal; Pol Pot era um simpático e cordial professor de História Francesa; Estaline era um indivíduo extremamente calmo e raramente gritava ou se irava — não se teriam transformado em ditadores sanguinários.
Todos eles teriam continuado a ser fofinhos, e milhões de seres humanos teriam sido poupados, se não tivessem tido a possibilidade de concentrar em si todo o poder.
O poder é um mal necessário. Só a sua dispersão pelo maior número de mãos possível pode impedir que cause demasiado dano. É para isso que se criou a democracia; é por isso que temos de zelar por ela.
Celebra-se amanhã o Dia Internacional da Democracia. Porém, num mundo onde 72% da população mundial vive sob regimes autocráticos1, o tempo é menos de celebração e mais de combate. Lutar pela democracia liberal é não só um dever cívico, mas também um ato de solidariedade e resistência.
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1 https://www.eiu.com/n/global-themes/democracy-index/
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