
A paz é possível, nunca me
cansarei de o repetir.
Francisco
Não se pode dizer que tenha sido uma notícia inesperada, mas depois de a conhecermos, o impacto não deixa de ser enorme, pois a figura era eminente também. Claro que há papas de todos os estilos, mas o de Francisco era deveras cativante, com o seu apego sincero, notório, visceral mesmo, aos marginalizados e desafortunados deste mundo — vítimas das pobreza, doença, guerra e violência de todos os tipos, incluindo os abusados sexualmente dentro da própria Igreja.
Guerra e violência de que fogem muitos dos migrantes que chegam às praias da Europa e à fronteira entre o México e os Estados Unidos, em busca de uma vida melhor, tantas vezes com risco da própria vida. Francisco, descendente de migrantes italianos que escaparam a um naufrágio, tinha pelos migrantes um carinho muito especial. Foi por isso que se deslocou, logo no início do seu pontificado, à minúscula ilha mediterrânica de Lampedusa, em cujas águas pereceram tantos seres humanos, para “despertar as nossas consciências e apelar às nossas responsabilidades”, tal como escreve na sua autobiografia. Para ele, “emigração e guerra são duas faces da mesma moeda.”
Depois, deslocar-se-ia ainda três vezes à ilha grega de Lesbos, de onde recolheu dezenas de migrantes traumatizados pela violência da guerra, incluindo famílias inteiras que trouxe consigo para Roma.
Francisco foi um defensor intransigente da paz. A sua visão da religião era diversa da de tantos líderes religiosos que ainda hoje advogam a guerra, tal como alguns líderes católicos o fizeram em tempos. Francisco pediu várias vezes perdão pelos pecados da Igreja. Esse reconhecimento foi importante, tal como o foi o seu ecumenismo, pois só com o exemplo da tolerância poderemos aspirar a que outros se tornem também tolerantes.
Alguns filósofos, como Immanuel Kant ou Karl Popper, acreditavam que a razão é a única via possível para alcançar a paz. Eles sabiam que o fervor religioso poderia facilmente transformar o amor universal em ódio aos não crentes. (Uma vez que o nosso deus nos seja revelado, é difícil aceitar que outros não o vejam). Mas Francisco provou, com o seu exemplo, que coração e razão podem coexistir harmoniosamente. A razão leva-nos a pensar, planear e sonhar, mas é o coração que nos impele a agir.
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Referências:
Esperança, Francisco/Carlo Musso, Editora Nascente, Lisboa, 2025.
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