Ibiza e Formentera

Centro histórico da Cidade de Ibiza. Eivissa, na língua catalã.

Visitar as ilhas Pitiusas (Ibiza, Formentera e outras ilhas menores) no início de abril tem algumas vantagens. Os preços das passagens aéreas e dos alojamentos são muito mais baratos porque a procura é menor. E por haver menos gente circula-se melhor nas estradas (o que é importante, para quem, como nós, aluga carro), há mais espaço nas praias, menos filas nos restaurantes, mais desafogo nos locais frequentados pelos turistas. Nas nossas viagens o principal objetivo é conhecermos a realidade local, e como tal só é possível contactando com as pessoas, isso torna-se muito mais fácil quando o fluxo turístico é menos intenso. É por isso que viajar em abril é ótimo.

Claro que o tempo, à partida, não será tão quente e tão descoberto como no verão, mas nós temos bom tempo durante quase todo o ano onde moramos e, por isso, esse factor não é essencial para nós, até porque onde houver boas praias certamente as aproveitaremos, pois estamos habituados, mesmo no inverno, a banharmo-nos nas águas do Algarve. Foi exatamente o que aconteceu nesta viagem: o tempo não esteve famoso (sobretudo por causa do muito vento), mas isso não nos impediu de fruirmos do mar, quer em Ibiza, quer em Formentera.

A nossa estadia nas ilhas Pitiusas durou três dias e meio, iniciou-se no dia 2 e terminou no dia 5 de abril.

Cala Salada, Ibiza. Cala significa “angra”.

Saímos de casa bem cedo, às 5:30, e fomos de Uber até o aeroporto de Faro, por 38€. Apanhámos um primeiro voo para Barcelona e, depois, outro para Ibiza, através da Vueling. Chegámos a Ibiza às 14:50. Levantado o carro na empresa local K-10 (78€ com seguro contra todos), seguimos viagem em direção ao alojamento. Fizemos uma paragem num bar que fica a caminho — Can Jordi Blues Station — onde há música ao vivo às quintas-feiras e sábados. Eu comi um pastel típico, com recheio de peixe, acompanhado de uma cervejinha e a Fla pediu uma empanada de frango e uma garrafa de água. Pagámos 8,30€. O ambiente é descontraído, com muitos estrangeiros e o fumo de maconha sobrevoando a esplanada, fronteira à EI-700, que liga Eivissa (a capital) a Sant Antoni, passando por Sant Josep.

É neste município que se situa o alojamento, onde nos instalámos, num empreendimento turístico (Club Aquarium), muito perto de uma bela praia abrigada, a Cala Vedella. O local é excelente, mas é imprescindível ter carro ou outro meio de transporte. Chegámos sem dificuldade, graças às boas indicações da proprietária do pequeno apartamento. Muito pequeno, de facto, mas também muitíssimo bem equipado, com tudo o que é necessário para cozinhar, o que dá sempre jeito quando o orçamento não é ilimitado. Convém referir, neste ponto, que o alojamento nas Baleares é muito caro, sobretudo na época alta. Foi preciso pesquisar bastante até encontrar este cantinho, através da airbnb, pelo custo de 309,84€, para os três dias.

Benirràs.

Uma vez tudo verificado, e arrumados os nossos pertences (só transportávamos duas pequenas mochilas, pelo que não pagámos bagagem à companhia aérea), saímos à descoberta da ilha. A primeira praia que visitámos foi Cala Salada, uma das mais badaladas de Ibiza, na região de Sant Antoni. Trata-se, de facto, de uma angra que alberga duas praias, separadas por formações rochosas — Cala Salada e Cala Saladeta. A água é límpida e pede-nos para entrarmos, mas deixáramos os fatos de banho no alojamento porque planeáramos dar apenas uma pequena volta… Mas falámos sobre isso, e muito provavelmente teríamos dado uns mergulhos se tivéssemos à mão os fatos de banho…

De Cala Salada fomos até a Cidade de Ibiza, onde comprámos os bilhetes de ferry para Formentera, a ilha gémea de Ibiza (embora muito mais pequena), que visitaríamos dois dias depois. Ambos os bilhetes, de ida e volta, custaram 70€. De seguida, viemos até Sant Josep para fazermos umas compras no supermercado. Comprámos dois meios-frangos, já temperados, três hamburgueres de cordeiro, fruta (laranjas, bananas, morangos e kiwis), ovos, batatas, cenouras, um pacote de esparguete sem glúten, coentros, manteiga, presunto (afinal, estávamos em Espanha…), pão, água e um sumo. Antes de regressarmos ao apartamento, já noite, passámos ainda por Cala Vedella. A Fla cozinhou uma das metades de frango e comêmo-la com o esparguete. De sobremesa, fruta. Estava tudo delicioso.

No restaurante Ca’s Pagès.

No dia seguinte — e já que acabámos de falar em comida — tomámos um belo pequeno almoço: ovos, presunto, pão, fruta e, no final, um belo café. Havia uma pequena máquina de fazer café no apartamento, e a proprietária tinha a despensa fornecida com alguns itens básicos, como chá, café, açúcar e azeite, entre outros. Saímos portanto cheios de energia, e dispostos a conhecer a ilha mais em profundidade. Passámos por Cala Vedella, logo à saída de casa, e seguimos para as praias de Comte. Estava sol, o que tornava as águas ainda mais cristalinas. Continuámos para Benirràs, no norte da ilha, e depois seguimos para Portinatx, ainda mais a norte, à medida que o céu se ia fechando. Mesmo assim deu para perceber que a praia de Benirràs é muito bonita, bastante mais do que a praia de Portinatx.

Entretanto, chegou a hora do almoço. Tínhamos planeado ir ao restaurante El Bigotes, mas era bem possível que estivesse fechado, o que se confirmou quando chegámos à Cala Mastella, onde se situa o restaurante, em cima da linha de água. Estavam a proceder a trabalhos de manutenção e disseram-nos que o El Bigotes abrirá ao público no dia 13 de abril. (As ondas do mar lavavam a lage onde assenta a esplanada do restaurante — deve ser giro comer ali, com os pés na água). Não desanimámos porque tínhamos uma boa alternativa (assim pensámos e depois confirmámos) e dirigimo-nos ao Ca’s Pagè, um restaurante típico especializado em carnes. Quem gosta da boa comida facilmente passa do peixe à carne, ou vice-versa, de modo que nos adaptámos rapidamente.

O percurso de carro no segundo dia em Ibiza.

E valeu a pena. Escolhemos uma especialidade da casa (arroz de matanzas) e secretos de porco, para, como se diz em Espanha, compartir. Mas antes comemos algumas entradas — pão, manteiga de alho, azeitonas e uma empanada de carne muito bem confecionada, que estava deliciosa. Eu bebi um copo de vinho tinto e a Fla bebeu água. As doses são enormes. Para fechar tomámos um típico café caleta — café, rum, conhaque, casca de limão, casca de laranja, canela e açúcar — feito por um jovem português, de Valença do Minho, que vive em Ibiza há 25 anos, de seu nome Feliciano, mais conhecido por Féli. No final, pagámos 80€ e saímos satisfeitos.

Deveríamos ter feito uma longa caminhada para ajudar a digestão, mas fomos de carro até à praia de Las Salinas — talvez a praia da ilha com a mais generosa extensão de areia — mas nem sequer saímos do carro, pois estava muito vento e o mar bastante agitado. Esta não é, seguramente, a praia mais bonita de Ibiza… Entretanto, o sol já estava baixo, mas decidimos voltar a Cala Salada e Cala Saladeta para aproveitarmos a luz, a beleza do local e tirarmos algumas fotografias. Da praia Salada para a Saladeta temos de percorrer um caminho que sobe e desce sobre as rochas. A praia Salada quase não tem areia, mas a Saladeta (que, na verdade, são duas praias pequeninas uma ao lado da outra) tem areia suficiente para se estender a toalha, pelo menos em abril — no verão deve ser extremamente difícil. Ainda fomos ao Can Jordi Blues Station, onde atuava uma banda rock, mas ouvimos só uma música, pois era quase noite, estava vento e nós estávamos de t-shirts e calções. O dia estava feito e voltámos ao alojamento.

Na dalt vila.

No nosso terceiro dia fomos visitar a ilha de Formentera. Os nossos bilhetes davam para viajar em qualquer horário, tanto na ida como na volta. Há dezenas de travessias por dia, praticamente a todas as horas, e nós tínhamos em mente apanhar o ferry das 11:30, mas por termos demorado a estacionar no parque gratuito, disponível junto ao IKEA, que estava cheio, acabámos por só embarcarmos no ferry das 12:45. Mas até que foi bom, porque nesse interim visitámos a parte velha da cidade, muito bonita e interessante. Essa parte antiga, sobranceira ao porto, está classificada como Património Mundial, pela UNESCO, e é localmente conhecida por dalt vila, que significa “cidade alta”, em catalão. De facto, o catalão é a língua local, em Ibiza e Formentera, e a maioria da sinalização tem inscrições em catalão, castelhano e inglês. Por exemplo, Eivissa é a denomização de Ibiza em catalão.

Em torno da dalt vila, na parte baixa da cidade, junto ao porto, encontrámos belas lojas de roupa de marca, restaurantes e cafés charmosos, comércio diversificado, e o teatro Pereira, com o café homónimo à entrada, ambos muito bonitos e bem decorados, com prevalência dos tons rubi, de estofos e cortinas, e o brilho dos lustres cruzando os espaços interiores. A esplanada do café é igualmente charmosa. E subindo para o interior da dalt vila, deparámos com a imponência do castelo e do seu enorme baluarte, a catedral de Santa Maria, a singularidade e a harmonia do emaranhado de pequenas ruas e praças, os edifícios bem conservados, quase todos pintados de branco, e o pequeno comércio de todo o tipo, visando, sobretudo, os incontáveis turistas que por ali circulam todos os dias.

Parque Natural de Ses Salines.

Depois disto, embarcámos para Formentera num ferry que faz a travessia em cerca de 40 minutos. Estava um dia muito ventoso, mas com sol, e a embarcação balançava bastante sobre o mar cavado. Em Formentera topámos com várias lojas onde se podem alugar scooters ou bicicletas, e nós hesitámos bastante sobre uma opção ou outra, mas chegámos à conclusão que, face ao vento, e tendo em conta que, mais uma vez, estávamos apenas de calções e t-shirts, o melhor seria mesmo irmos a pé. E pusemo-nos a caminho. Cinco quilómetros é a distância que separa o porto de La Savina (onde acostam as embarcações) e a praia de Ses Illetes, que era o nosso destino, uma distância relativamente curta para dois caminhantes como nós.

Entrámos no Parque Natural de Ses Salines, antes de chegarmos à fina língua de areia, a meio da qual se encontra a praia de Ses Illetes. A vegetação em torno, baixa e seca, é tipicamente mediterrânica. Observam-se, sobretudo, zimbros, pinheiros (daí o nome de ilhas Pitiusas), e comunidades endémicas de funcho marinho, nos sistemas dunares.

O Parque Natural de Ses Salines situa-se entre as duas Ilhas Pitiusas, abrange a parte sul de Ibiza, o norte de Formentera, e o mar entre ambas. E é precisamente na zona marítima — que preenche 75% do parque — que se encontra uma planta muito especial — a Posidonia oceanica. Esta planta, endémica do Mediterrâneo, absorve grandes quantidades de dióxido de carbono, convertendo-o em matéria vegetal, ao mesmo tempo que liberta oxigénio: diz-se que um metro quadrado de Posidonia oceanica produz tanto oxigénio como um hectare de floresta amazónica. Essa libertação limpa o oceano, conferindo às águas de Formentera o magnífico tom claro e a limpidez que as caracteriza. A Posidonia oceanica protege as praias da erosão das ondas e forma enormes tapetes (chamados prados), no fundo pouco profundo do oceano, fornecendo alimento a uma imensidão de criaturas marinhas.

Um banho excelente, apesar do vento, numa das praias mais bonitas da Europa.

O Parque Natural alberga também cerca de 210 espécies de aves, residentes e migratórias, e, graças a esta biodiversidade, foi classificado pela UNESCO, em 1999, como Património Mundial.

Em Es Cavall d’en Borràs, à entrada da tal fina língua de terreno, avistámos um belo veleiro que parecia ter encalhado há dias nas rochas, mas que, soubemos depois, está ali desde o ano passado, empurrado, tal como outras embarcações, pelo vento. E nós comentámos que o vento forte que nos brindou à chegada não deve ser algo inabitual em Formentera, pois vimos outros veleiros encalhados. Certamente, terá sido ainda vento o principal responsável pelo reduzido número de pessoas que encontrámos na praia de Ses Illetes: alguns praticantes de windsurf no mar, e meia dúzia de turistas bem protegidos com roupa de inverno contra o tempo agreste, em terra.

Nada que nos desanimasse ou intimidasse. Não seria esse sopro teimoso que nos impediria de provar aquele mar cristalino, em tons de azul e turquesa. E, claro, fomos ao banho. A água do mar estava agradabilíssima, e se estava desse modo naquele momento, imagine-se como será no pico do verão, com vento moderado ou fraco e temperatura quente… Depois de nos secarmos e vestirmos, fizemos o caminho de volta. Chegamos a La Savina com fome. Por sorte, topámos com um bar-restaurante — Art Cafè — com comida variada a preços módicos, e almoçámos mesmo ali. Eu comi uma dourada recheada no forno e a Fla comeu um hamburguer. Ambos estavam muito bons. Tomámos ainda cerveja, água, sobremesa (um excelente bolo de chocolate) e café, e pagámos 40€, um preço bem catita, atendendo às circunstâncias.

Cala Bassa.

Quando já íamos a meio caminho entre o bar e o ferry, a Fla notou que faltava o meu calção de banho. Voltei a correr para o sacar das costas da cadeira onde o deixara pendurado e esquecido, a secar. Rimo-nos bastante com a coincidência de aqueles mesmos calções terem já ficado esquecidos num carro, na ilha de La Palma, nas Canárias, quando íamos igualmente apanhar um navio (aqui)… Há coisas do arco de velha!

Finalmente apanhámos o ferry das 17:30 para Ibiza e, aqui chegados, em vez de retornarmos ao alojamento, decidimos ainda visitar duas praias que não tínhamos conhecido. Fomos até Sant Antoni e daí até Cala Bassa, uma praia abrigada e bonita, que, tal, como a maioria das praias mais conhecidas de Ibiza, deve estar super-lotada no verão; e passámos ainda por outra praia, a Cala Tarida, antes de regressarmos pela terceira vez àquela mais perto do nosso alojamento, a Cala Vedella. O sol já se tinha posto e o crepúsculo em breve daria lugar à noite cerrada.

Parámos o carro, a Fla tirou a roupa, vestiu o biquini e… foi ao banho! Nadou, saiu, voltou a entrar na água, deu mais umas braçadas e, quando pegou na toalha para se secar, declarou: “está boa!” Foi esta a forma de nos despedirmos de Ibiza. Já tínhamos atestado o carro, pelo que fomos para o alojamento para só sairmos no dia seguinte rumo ao aeroporto. Jantámos os hamburgueres de cordeiro e rematámos com fruta. Fomos deitar-nos cedo, pois no dia seguinte teríamos de acordar por volta das 5:30, entregar o carro e apanhar um voo, às 9:50, para Barcelona, e depois outro para Faro.

Fla na Cala Vedella.

Assim aconteceu. Chegámos a Faro por volta das 14:40. Tínhamos em mente almoçar no restaurante Os Manos, mas estava fechado, e acabámos por comer num restaurante em frente, A Tapita. Chegara ao fim mais uma viagem. Durante quatro dias estivéramos longe dos males do mundo — sem jornais, televisão e internet (excetuando o nosso melhor companheiro de viagens — o incrível google maps) — para voltarmos agora à triste realidade de um planeta flagelado por líderes populistas, antidemocráticos e autoritários. Não nos parece nada incomum que eles existam. O que nos surpreende é haver cada vez mais gente seduzida por estes loucos.

Temos refletido muito sobre isto — não nos interessa tanto a conjuntura atual, mas sobretudo saber (e as razões serão, certamente, variadas) o que leva algumas pessoas a amarem a liberdade enquanto outras nem por isso, ou, por outras palavras, perceber porque há tanta gente tolerante a políticos autoritários — e num futuro artigo retornaremos, com mais profundidade, a este tema intrigante.

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Autor: Jorge Costa

Fez percursos académicos nas áreas das Filosofia, Comunicação Social, Economia, Gestão dos Transportes Marítimos e Gestão Portuária, e estuda outras disciplinas científicas. Interessa-se igualmente por Arte, nas suas diversas manifestações, e também por viagens. Gosta de jogar xadrez. O seu autor preferido, desde que se lembra, é Karl Popper. Viveu em locais diversos, sobretudo em Portugal e no Brasil, pelo que se considera um cidadão do mundo. Atualmente vive em Cabanas, no Sotavento algarvio. Gosta de revisitar, sempre que pode, a bela cidade de Lisboa e, nela, o bairro onde nasceu, Alfama, o mais popular da capital, de traça árabe, debruçado sobre o Tejo — esse rio mítico, imortalizado por Camões e Pessoa, poetas maiores da Língua Portuguesa. Não é, porém, um bairrista, característica que deplora, a par dos clubismo, partidarismo e nacionalismo. Ama a Liberdade.